Biblioteca TCA


PP 10
Analítico de Periódico



SANTOS, Filipe Cassiano dos
A competência dos tribunais de comércio, acções em que são exercidos direitos sociais e o direito ao averbamento no registo societário : os negócios de transmissão de acções-participações sociais, a (distinta) transmissão dos títulos-acções e a função do registo : Tribunal da Relação de Guimarães - Acórdão de 23-03-2023 (proc. n.º 1356/20.4T8BRG.G1) / [anotado por] Filipe Cassiano dos Santos
Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra, a. 153 n. 4043 (nov.-dez. 2023), p. 108-150


COMPETÊNCIA MATERIAL, DIREITOS SOCIAIS, JUÍZOS DE COMÉRCIO

ACÓRDÃO : I - A competência do Tribunal, em razão da matéria, afere-se em função da relação jurídica controvertida tal como configurada na petição inicial, no confronto entre o respetivo pedido e a causa de pedir. II - A jurisprudência maioritária, que entendemos de sufragar, vem fazendo uma interpretação restritiva do teor da referenciada al. h), do n.º 1 do artigo 128.º da LOSJ, no sentido de que a simples sujeição de determinada ação judicial a registo comercial não é fator de atribuição de competência material para o seu conhecimento aos tribunais de comércio por força de tal alínea. III - O conceito normativo de exercício de “direitos sociais”, para efeitos do artigo 128.º, n.º 1, al. c) da LOSJ, deve ser interpretado em sentido amplo, compreendendo não apenas o exercício de direitos dos sócios perante a sociedade, mas todos os direitos da sociedade, dos sócios, dos credores sociais e de terceiros que sejam conferidos pela lei societária ou pelo contrato de sociedade. IV - Analisando de forma conjugada os pedidos formalmente deduzidos na presente ação e na reconvenção com os segmentos dos respetivos articulados que contêm os fundamentos concretamente invocados para sustentar o direito que os autores e réus/reconvintes se propõem fazer declarar a título principal, resulta inequívoco que os efeitos prático-jurídicos pretendidos não se circunscrevem aos que supostamente decorrem a título particular para os outorgantes dos acordos que estruturam a causa de pedir da presente ação e da reconvenção, ainda que por via do invocado recurso à execução específica (artigo 830.º, n.º 1 do Código Civil), pretendendo-se, além disso, impor a sua eficácia perante terceiros não outorgantes, designadamente perante a própria sociedade, enquanto emitente das ações e também como entidade registadora - artigo 61.º, al. c) do CVM - ao mesmo tempo que se pretende exercer judicialmente o direito social ao averbamento/registo das ações da sociedade junto desta, o qual tem como contraponto o direito da sociedade à oposição ou recusa ao averbamento das ações que lhe sejam apresentadas para esse efeito. V - Como tal, importa reafirmar a incompetência absoluta, em razão da matéria, do Juízo Central Cível para conhecer e decidir do peticionado pelos autores e réus/reconvintes no âmbito da presente ação, por estarmos efetivamente perante uma ação relativa ao exercício de direitos sociais, nos termos e para efeitos do artigo 128.º, al. c), da LOSJ, para a qual é materialmente competente o competente Juízo de Comércio. ANOTAÇÃO : 1. O exercício de direitos sociais como critério para a determinação da competência dos tribunais de comércio e o acórdão da Relação de Guimarães: breve apresentação da Anotação e da sua razão de ser. 1.1. O problema hermenêutico e a posição assumida pelo Tribunal da Relação de Guimarães: da adesão em abstracto à interpretação dominante da alínea c) do n.º 1 do art. 128.º da LOSJ ao desvio de facto a essa interpretação. 1.2. O litígio e os direitos exercidos nos pedidos. 1.3. Síntese: a impossibilidade de subsumir a acção na hipótese da alínea c) do n.º 1 do art. 128.º da LOSJ. 2. Breve apontamento sobre o sentido da reintrodução (e ulterior alargamento territorial) dos tribunais de comércio: o objectivo de especialização e o n.º 1 do art. 128.º da LOSJ como sua expressão - atribuição de competências aos tribunais de comércio para aplicação do sector mais radicalmente especial do direito societário. 3. A competência dos tribunais de comércio para julgar as acções relativas ao "exercício de direitos sociais". 3.1. A letra da lei e as indicações que dela se podem extrair. 3.2. Os direitos corporativos dos sócios como núcleo dos direitos sociais da alínea c) - recusa de uma interpretação restritiva da lei. 3.3. Os direitos sociais como os direitos que são atribuídos pelo ordenamento societário - recusa da assimilação da competência dos tribunais de comércio a todo o contencioso relativo a sociedades. 4. O preenchimento da noção de direitos sociais para efeito da alínea c) do n.º 1 do art. 128.º - a acção da jurisprudência do STJ. 5. A posição do acórdão: da adesão à interpretação dominante ao seu desvirtuamento prático. 6. O direito (social) ao averbamento (registo) e a forma exigida para a transmissão de acções. 6.1. Execução específica, formalidades da transmissão e registo - a não invocação pelas partes de um "direito ao averbamento". 6.2. A titularidade do direito (social) ao registo e o art. 102.º do CVM: distinção entre a acção-participação social e a acção-título e os seus distintos regimes de transmissão - o papel do registo. 7. O art. 58.º do CVM e a aquisição dos direitos sobre a participação social e sobre o título. 8. Direitos sociais e acordos parassociais.