Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 85/2019-JPCRS |
Relator: | ELISA FLORES |
Descritores: | CAMINHO FAZENDEIRO |
Data da sentença: | 10/11/2021 |
Julgado de Paz de : | CARREGAL DO SAL |
Decisão Texto Integral: | RELATÓRIO Demandante: ----------------------------------------------------------- “A”, divorciada; -------------------------------------------------------- Demandados: ---------------------------------------------------------- I- “B”, e marido, “C”; -------------------------------------------------- II- “D”, e marido, “E”. -------------------------------------------------- RELATÓRIO ------------------------------------------------------------------ A demandante propôs contra os demandados, todos melhor identificados nos autos, a presente ação declarativa, alegando, em síntese, que os demandados construíram um muro à volta de dois prédios, englobando a área do caminho de consortes que liga os prédios de ambos ao que resta da antiga estrada que ligava “CV” a “OC”, impedindo o exercício sobre este do seu direito de compropriedade e, que vedou o mesmo com 2 portões, impondo-lhe sempre a necessidade do uso de duas chaves, e impedindo-lhe o acesso ao seu prédio que é confrontante com o dos primeiros demandados, e com o caminho de consortes. ----------------- Em consequência, e alegando não ter dado autorização para as alterações que foram efetuadas no caminho de consortes, sendo obrigatório o comum acordo entre estes, e que os demandados a têm impedido, reiteradamente, de exercer o seu direito de compropriedade por se terem apropriado de coisa comum em seu proveito próprio, pede a sua condenação: ------------------------------------ a) A aceitar que o caminho referido no requerimento inicial é um caminho de consortes e não uma servidão de passagem; --------------------------------- b) A retirar os dois portões que estão a obstruir o caminho de acesso, ao prédio da demandante e obrigá-los a aceitar a devolução das chaves dos mesmos; -------- c) A demolir todos os muros e objetos que se encontrem na área destinada a caminho de consortes e que possam prejudicar o acesso ou a viabilidade, para qualquer tipo de obra que venha a ser efetuada no prédio da demandante; ------ d) A pagar à demandante a quantia de € 14.000,00 a título de indemnização pelos danos patrimoniais causados; ---------------------------------------------- e) A absterem-se da prática de quaisquer atos que contrariem ou dificultem o direito de propriedade e compropriedade da demandante. --------------------- Para o efeito, juntou ao longo do processo dezasseis documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ------------------------------------------------------------ Os demandados contestaram nos termos constantes de fls. 193 a 202, por exceção, alegando a caducidade do direito da demandante e a ilegitimidade dos segundos demandados, e por impugnação, negando a existência de um caminho de consortes ou de servidão de passagem, concluindo pela improcedência da ação. - Mais requereram que, a ser provada a existência de uma servidão de passagem, a favor da demandante, sobre o prédio urbano, descrito no requerimento inicial, propriedade dos primeiros demandados, pretendem estes exercer o direito previsto no artigo 1551.º do Código Civil. --------------------------------------------- Juntaram ao longo do processo dois documentos, que aqui também se dão por reproduzidos. -------------------------------------------------------------- Ambas as partes pediram a condenação recíproca por litigância de má-fé (cf. fls. 201 e fls. 219 a 222 dos autos), pedidos que foram objeto do devido contraditório. O litígio foi submetido a Mediação onde as partes não lograram chegar a acordo. --- Foi ainda submetido a Perícia (cf. Relatório de fls. 287 a 359 dos autos) e na Audiência de julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal. ----- Por força das medidas legais adotadas em matéria de prevenção da doença COVID-19, com situações de confinamento geral o agendamento da Audiência de julgamento nos presentes autos esteve suspenso, não se tendo verificado a realização da mesma por meios à distância adequados por impossibilidade das partes (cf. fls. 371, 378 e 380 e 381 dos autos). ------------------------------ Os presentes autos tiveram três sessões de julgamento. ----------------------- Já após a finalização da instrução dos presentes autos veio a mandatária da demandante renunciar à Procuração, não tendo esta constituído, entretanto outro mandatário judicial. ------------------------------------------------------- Não foi designada uma sessão para proferir sentença em Audiência, a fim de se evitar correrem os intervenientes riscos desnecessários, atendendo à situação pandémica e excecional que o país atravessa [COVID-19], e conforme instruções do Conselho dos Julgados de Paz. ------------------------------------------- Fixo o valor da ação em € 15 000,00 (quinze mil euros). --------------------- O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. ----------------------------------------------------------- Assim: ---------------------------- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ----------------------------------- Consideram-se provados os seguintes factos: -------------------------------- 1.º- Encontra-se inscrito na matriz predial rústica da freguesia de “OC”, concelho de “CS”, em nome da demandante, com o artigo 8145, um prédio rústico sito no “CV”, a confrontar a Norte com Caminho, a Sul com “F” (atualmente com os segundos demandados, artigo rústico 8146º)) e a Nascente também com “F” (atualmente com os primeiros demandados, artigo urbano 3537) e a Poente com “G”; ------------------------------------------------------------------- 2.º- Prédio inscrito na respetiva matriz desde 1981; --------------------------- 3.º- E que foi adjudicado à demandante no processo de inventário n.º 0000/10.4TJPRT, com sentença transitada em julgado em 07/02/2013; ------ 4.º- Inventário que correu termos por óbito de sua mãe, “H”, ocorrido em 13/08/1998 e por óbito de sua tia, “I”, ocorrido em 17/09/2009; ------------ 5.º- Encontrando-se este prédio [com o artigo matricial 8145] descrito na Conservatória do Registo Predial de “CS” (com o prédio rústico com o artigo matricial 8148), sob o nº 00000/19930120, ainda em nome da mãe da demandante; 6.º- Prédio a que a perícia realizada no âmbito dos presentes autos considerou estar inserido em Espaço Agrícola da Reserva Agrícola Nacional de acordo com o atual Plano Diretor Municipal de “CS”; ------------------------------------------ 7º- E a que atribuiu o valor de € 1,95 por metro quadrado e o valor global do prédio em € 4 871,10 (quatro mil oitocentos e setenta e um euros e dez cêntimos); 8.º- Considerando a área de 2 498m2, que engloba uma área de terreno a Norte do caminho, “um bico”, que a demandante refere não lhe pertencer (cf. reclamação ao Relatório de Perícia); ------------------------------------------ 9.º- Por sua vez, encontra-se inscrito na matriz predial urbana da freguesia de “OC”, concelho de “CS”, em nome da primeira demandada, “B”, sob o artigo 3537 (com origem no artigo 3392), o prédio urbano sito no mesmo lugar do “CV”, “OL”, “CS”, com a área de 1 260m2, em propriedade total sem andares nem divisões, a confrontar a Norte com caminho fazendeiro de “HJO”, a Sul com “SC”, a Nascente com “AM” e a Poente com herdeiros de “MEC” (pai da demandante, e atualmente a demandante, artigo 8145); -------------------------------------------------- 10.º- Prédio inscrito na respetiva matriz desde 2005; --------------------------- 11.º- Resultando da matriz predial urbana 3392 a seguinte descrição: “Terreno para construção urbana com a área de 1 260m2 que constitui a totalidade dos artigos rústicos 8144 e urbano 3335; ------------------------------------------ 12.º- E que passou a urbano em 26/06/2003; ---------------------------------- 13.º- Sendo que neste último - urbano 3335- consta um barracão destinado a arrumos agrícolas; ------------------------------------------------------------ 14.º- O prédio urbano com o artigo matricial 3537 - com origem no referido artigo 3392-, encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de “CS” sob o número 0000/120695, com vários averbamentos desde 12/06/1995, nomeadamente: -------------------------------------------------------------- - Em 12/06/1995 a aquisição a favor dos segundos demandados, “D” e “E”, por doação dos pais daquela, “HJO” e “MAP”; -------------------------------------- - Em 26/03/2001 refere que no prédio existe uma palheira com 80m2; ---------- - Em 09/10/2002 que no prédio foi construído um barracão destinado a arrumos agrícolas com a área de 52m2, omisso; ---------------------------------------- - Em 27/06/2003 encontra-se averbado um terreno destinado a construção urbana, com a mesma área do rústico, mas omisso; ---------------------------- - Em 11/07/2003 a aquisição a favor dos primeiros demandados, “B”, e “C”, tendo como causa a doação efetuada pelos segundos demandados; ---------------- - Em 17/03/2004 averbado: “V.P. 9.450,00 euros- artigo 3.392.” -------------- - E, por último, em 13/06/2005: “Casa de habitação composta de dois pavimentos, com 132m2 de superfície coberta e 1 128m2 de superfície descoberta [1 260m2] …-artigo 3537”; ------------------------------------------------------------- 15.º- A palheira registada pelos segundos demandados estava construída sobre uma laje em pedra; -------------------------------------------------------- 16.º- Atualmente encontra-se edificada uma moradia neste prédio urbano com o artigo 3537, cuja licença de construção no prédio rústico identificado foi emitida em 05/02/2004, em nome dos primeiros demandados; ------------------------- 17.º- Para uma determinada operação urbanística só é necessário um pedido de licenciamento, mas os demandados deram entrada na Câmara Municipal de “CS” para esta licença de construção aos seguintes processos de obra: o PO n.º eee/2001, o PO n.º ss/2002 e o PO n.º cc/2003: ------------------------------- - O processo n.º eee/2001, em nome de “D”, 25/06/2001, pretendendo a reconstrução de edifício com a área de construção de 206 m2 e 2 pisos, a efetuar no prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 8144; ------------------ - O processo n.º ss/2002, também em nome de “D”, deu entrada em 14/01/2002 pretendendo a reconstrução, ampliação e transformação de edifício com a área de construção de 194 m2 e 2 pisos, a efetuar no mesmo prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 8144, do qual não resulta se o projeto de arquitetura foi aprovado ou reprovado; --------------------------------------------------- - O processo n.º cc/2003, também em nome de “D”, e relativo ainda ao prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 8144/omisso, deu entrada em 22/01/2003, e consiste num pedido de licenciamento de obra de alteração de dois barracões para habitação, existentes no artigo rústico 8144/omisso descrito na Conservatória do Registo Predial de “CS” sob o n.º 2410/120695, sendo este deferido posteriormente sob as condições do parecer de 19/02/2003; ----------- 18.º- Parecer que refere que “o terreno possui duas construções que totalizam 132 m2 o que permite a sua remodelação e alteração de uso. Dado que as duas construções são separadas fisicamente e que uma delas é afeta pela servidão administrativa da autoestrada será viável a pretensão se mantiver a área total de construção de 132 m2 demolindo o barracão existente.”; ----------------------- 19.º- E em 27/06/2003 constava já do processo de obras n.º cc/2003, a informação de que o prédio outrora artigo rústico 8144, passou a estar descrito como terreno destinado à construção urbana com 1260 m2; -------------------- 20.º- Logo no mês seguinte, em 11/07/2003, foi efetuado o registo de aquisição a favor dos primeiros demandados por doação efetuada pelos segundos demandados, do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de “CS” sob o n.º 2410, quando já constava da descrição que era um terreno destinado a construção urbana com 1260 m2; --------------------------------------------------------- 21.º- Em 10/11/2003, foi solicitado na Câmara Municipal de “CS” o averbamento do Processo de Obras n.º cc/2003 em nome dos primeiros demandados, “B” e “C”; 22.º- Em 11/11/2003 foi definitivamente deferido este processo de obras; ------ 23.º- E posteriormente em 05/12/2003 foram notificados os novos proprietários através do ofício n.º 00000, “de que tinha sido deferido o licenciamento da construção de uma habitação a levar a efeito no lugar de “CV”, porque a demolição que constava nas condições do deferimento, já teria ocorrido; ------------------ 24.º- Tendo o averbamento do respetivo artigo matricial 3392 e do seu valor patrimonial sido efetuado apenas em 17/03/2004; ----------------------------- 25.º- Do referido Processo de Obras n.º cc/2003 consta uma declaração da Junta de Freguesia de “OC”, datada de 10/02/2003, onde o Presidente da Junta de então atesta que o artigo rústico 8144, é um “prédio urbano inscrito na Repartição de Finanças de “CS” sob o artigo 8144, sito ao “CV” com uma área de 0,1260 Ha, o qual confronta a Norte com caminho fazendeiro do próprio, a Nascente com “AM”, a Sul com “SC” e Poente com “MRC”, Herd.” e que “o referido prédio foi construído antes de 1990”; -------------------------------------------------------------- 26.º- Dos três processos de obra, fazem parte as mesmas plantas de localização, e implantação, e extrato do levantamento, onde os demandados delimitaram a vermelho o prédio rústico 8144 e a palheira nele existente e de onde resulta que o caminho em causa nos autos, foi já ali desenhado e identificado como um caminho, com rede de águas e esgotos, mas a terminar no prédio dos demandados; ------ 27.º- Quanto ao prédio que é hoje pertença da demandante, era até ao falecimento da sua mãe cultivado por esta e por um caseiro da sua mãe, de nome “VT”, conhecido por “Pachinça”; ----------------------------------------------- 28.º- A mãe da demandante faleceu em agosto de 1998, mas as partilhas por sua morte, só ficaram concluídas em 2013; ---------------------------------------- 29.º- Depois do falecimento da mãe, a demandante, por motivos profissionais e pessoais, esteve ausente durante alguns anos; ------------------------------- 30.º- E o terreno ficou por limpar; ------------------------------------------- 31.º- Quando regressou constatou que existiam diversas alterações nos prédios acima referidos, mas que apesar disso, o acesso ao prédio, que agora é seu, se continuava a fazer pelo caminho que com ele confrontava a Norte; ------------- 32.º- Caminho que já existia, pelo menos desde o ano de 1981, pois foi este o ano de inscrição deste seu artigo rústico na Matriz, 8145, e onde o mesmo está já referido; --------------------------------------------------------------------- 33.º- Sendo que o prédio dos demandados com o artigo 8144 na respetiva descrição predial também confrontava com o caminho a Norte, e o atual urbano que dele proveio, 3537, também, constando da respetiva descrição “caminho fazendeiro de “HJO””; -------------------------------------------------------- 34.º- Este caminho, que tem uma orientação Nascente/Poente, tem o seu início na antiga estrada que ligava “OC” a “CV” e terminava no prédio do avô da demandante, que ficou por baixo do IC12; ------------------------------------ 35.º- Prédio que foi expropriado como outros prédios na localidade, em 1994, para a construção deste Itinerário Complementar (IC12); ---------------------------- 36.º- E o referido caminho, apesar de ter agora uma trajetória um pouco diferente, continuou a ser o único e exclusivo acesso ao prédio rústico da demandante; ---- 37.º- Terminando junto à vedação do IC12; --------------------------------- 38.º- Dando acesso a todos os prédios que o ladeiam, e que com ele confrontam; 39.º- Tendo recentemente sido objeto de alargamento por cedência de terreno de um dos proprietários confinantes; --------------------------------------------- 40.º- Caminho que, pelo menos desde 1981, servia de acesso e livre circulação a todos os prédios que com ele confrontavam; ----------------------------------- 41.º- Em 2011, quando a demandante veio viver para a mesma freguesia a que pertencem os prédios acima referidos, constatou que os demandados tinham colocado um portão a nascente do prédio, no caminho que dava acesso da via pública ao seu prédio rústico; ------------------------------------------------- 42.º- Impedindo a passagem e o livre acesso de pessoas e veículos ao seu prédio; 43.º- Continuando o restante caminho, até ao prédio dos demandados, livre e desimpedido; ----------------------------------------------------------------- 44.º- Apenas em 2013, após as partilhas por morte de sua mãe, é que a demandante conseguiu ter acesso à chave do dito portão e pôde aceder ao seu prédio rústico, para efetuar as necessárias limpezas de manutenção; ------------ 45.º- Mas nunca concordando com a colocação do portão no caminho, a demandante solicitou aos demandados que retirassem o portão e desobstruíssem o caminho; ------------------------------------------------------------------- 46.º- Mas apesar disso, em 2018 os demandados colocaram um segundo portão a poente do prédio, na estrema com o prédio da demandante; ------------------- 47.º- E a primeira demandada, através dos seus mandatários, andou atrás da demandante para lhe entregar as chaves de ambos os portões; ---------------- 48.º- Tendo conseguido entregar as duas chaves apenas por meio de uma notificação judicial avulsa de 15/09/2018; --------------------- 49.º- Onde alega a recusa da demandante, que fugia ou se recusava a aceitar; -- 50.º- E que se tratava de uma servidão de passagem, destinando-se as chaves a que a mesma pudesse passar para “limpar o seu terreno”, cujas silvas atingiriam já “…vários metros de altura”; -------------------------------------------------- 51.º- Alegando ainda que “ A chave nº 1 é a do portão de acesso à propriedade dos requerentes onde se inicia a servidão e a chave nº 2 é onde termina a dita servidão e passagem e dá acesso à propriedade da requerida.” (cf. artigo 9º da referida notificação judicial avulsa); ------------------------------------------- 52.º- Área que se encontra toda calcetada com paralelos; --------------------- 53.º- E a superfície terrestre a que os demandados dizem corresponder ao atual artigo urbano 3537, está presentemente toda vedada com um muro em alvenaria e com os dois portões acima referidos; --------------------------------------- 54.º- Superfície com a área efetiva de 2 047m2, conforme relatório de perícia junto aos autos (cf. resposta ao quesito 14, a fls. 294 dos autos); ------------- 55.º- Pelo que essa superfície terrestre delimitada na referida planta que serviu de suporte ao pedido de licenciamento da construção pelos demandados (a fls. 91 dos autos) inclui não só a área de 1260 m2- que é a que está descrita como a do artigo urbano 3537-, como a área do caminho; -------------------------------- 56.º- Bem como uma faixa de terreno sobrante das expropriações ocorridas aquando da construção do IC12, onde os demandados têm ali efetuado a construção de vários anexos e na qual existiam antigamente uma espécie de fornos, onde era produzido breu ou pez negro; -------------------------------- 57.º- O caminho atualmente tem saneamento público da Câmara Municipal de “CS”, ao longo do mesmo, no sentido nascente/poente, que começa numa caixa a cerca de 31 metros da antiga estrada e prolonga-se por uma distância de cerca de 106 metros até uma caixa existente já dentro da faixa de proteção do IC12; - 58.º- Sendo que, duas caixas de esgoto situam-se dentro da zona murada pelos demandados; ---------------------------------------------------------------- 59.º- Existe também um ramal de água canalizada no caminho que parte da conduta principal de água existente na antiga estrada, com vários contadores de água nos prédios que o confinam, e também no muro dos demandados; --------- 60.º- A demandante, sempre que manda limpar o seu terreno, tem de ali se deslocar, quer para ir abrir os portões no início dos trabalhos, quer para os ir fechar no final; -------------------------------------------------------------- 61.º- A primeira demandada tentou adquirir o terreno à demandante, mas esta não quis. ----------------------------------------------------------------------- Motivação dos factos provados: --------------------------------------------- Os factos assentes resultam da conjugação dos factos admitidos por acordo, das declarações da demandante e dos segundos demandados, “D” e “F”, dos documentos juntos aos autos, não impugnados ou, sendo-o, foram corroborados pela restante prova, do relatório de perícia, bem como da prova testemunhal, tudo tendo por preocupação a verdade material e em conta o princípio da livre apreciação da prova, previsto no artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil.----------------------------------------- Mais foram tidos em conta, nos termos das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 5º do CPC, factos instrumentais e factos que complementam ou concretizam os que as partes alegaram e resultaram da instrução e discussão da causa, e relativamente aos quais ambas as partes tiveram a possibilidade de se pronunciar. ----------- Quanto ao estado civil das partes e nomeadamente o casamento dos primeiros e segundos demandados entre si, muito embora não tenha sido junta aos autos certidões de nascimento e/ou casamento, estes factos não foram impugnados, pelo que, concordamos com o Acórdão da Relação de Lisboa de 28/04/2009, Processo nº 1642/04.0TJLSB.L1-7 (in www. dgsi.pt), na parte que se transcreve: “ I- Muito embora em princípio o “casamento” só possa provar-se por documento, fora das acções que versem sobre direitos indisponíveis e não se tratando do próprio objecto da pretensão, não sendo a respectiva alegação impugnada, será de admitir a respectiva confissão. ----------------------------------------------- II- Integrando o matrimónio a previsão factual do preceito ínsito no art. 1691, nº 1, c), do C.C., tal admite prova por confissão, real ou ficta, embora somente eficaz no âmbito do próprio processo, situando-se tal caso fora do âmbito das excepções previstas nas als. c) e d) do art. 485 do C.P.C.”. ------------------------------ Assim, consideram-se os mesmos confessados com efeitos, e para o efeito, dos presentes autos. ------------------------------------------------------------ Declarou a demandante, em síntese, que o caminho dava serventia a todas as propriedades dali e terminava no prédio do avô, agora debaixo do IC12; Que os pais da D. “D” também iam por ali para as suas propriedades; Que puseram o primeiro portão em 2009, seis anos depois dos demandados terem iniciado as obras de uma casa, à esquerda do caminho, e já estava murado uma parte do prédio dos demandados, e em 2015 puseram o segundo; Que vinha cá todos os Verões e em 2011 regressa de vez, e para limpar o terreno teve de ir buscar a chave à D. “M”, mãe da “D”, mas o terreno ainda não era seu; Que foi à D. “M” porque ela lhe disse que tinha lá a chave para lhe entregar, e só sabia que o terreno era dela e do Sr. “H”, não sabia que já era da filha; Que a partir de 2009 não sabe se os outros irmãos também iam lá e tinham acesso ou se também iam buscar a chave; Agora plantou um olival no seu terreno e os portões dificultam o acesso; Que o restante caminho, até ao prédio dos demandados está livre, eletrificado e com saneamento; Antes da construção do IC12 não tinha nem eletricidade nem esgotos; Que não sabe de quem é agora o terreno em frente à casa, que os demandados muraram, antes estavam lá os “breus” que não sabe a quem pertenciam, ainda conheceu os fornos; Do outro lado do caminho era um pinhal de um seu tio-avô, “AB”, que vendeu a uma das testemunhas; Que a sul os segundos demandados têm outra propriedade. --------------------------------------------------------------- Quanto à demandada “D”, declarou, em síntese, que esteve emigrada de 2002 a 2017, e que era a mãe e uma prima que trabalhavam as terras e que utilizavam o caminho dos autos, “o nosso caminho”, que era direitinho, o outro da curva era para outros terrenos e que foi o pai que requereu a água da Companhia, que esteve sempre no nome dele; Que o prédio da demandante não era cultivado, o velhote “VT” deitava lá umas cebolitas, umas batatinhas, o resto estava tudo de “morto”, nada era limpo. Viu a mãe da demandante no terreno só umas duas vezes; Que na casa da filha foi preciso fazer um muro atrás porque no prédio da demandante havia um lagão e um silvado enorme, “e nós fizemos queixa das limpezas e foi daí a guerra”: Que no “CV”, só deu metade das terras da fazenda à filha, a outra é do filho mas ainda não escriturou. ---------------------------- O marido, “F”, segundo demandado declarou que conhece aquilo há 42 anos, e sempre conheceu o caminho, era um caminho batido, que tinha acesso ao olival e que um bocado antes de chegar à sua, virava à esquerda; Que o breu era no terreno do sogro, os fornos nessa altura já estavam todos em baixo, todos caídos; Que no caminho há 3 postes de eletricidade, que antes da construção da casa da filha não havia eletricidade, e que não sabe porque há lá tampas de esgoto “porque lhas puseram, só perguntando à Câmara”, que não sabe por onde vai o esgoto e que a palheira tinha mais de cem anos, não sabe quem a construiu; Que o terreno da “A” já não é cultivado desde que morreu o velhote e ele já pouco cultivava, só ao pé do poço; Que ele passava ao pé da palheira porque o sogro deixava. Que até ao portão do seu prédio, passa toda a gente, como dantes. ---- Quanto à prova testemunhal da demandante: ---------------------------------- - “ASB”, Presidente da Junta de Freguesia de “OC”, onde se situam ambos os prédios. Depôs que conhece a zona desde sempre e o caminho, que tinha largura para carros de bois e carroças, uns 2/3 metros, sensivelmente, e dava serventia às propriedades para baixo.; Que cultivavam o terreno da “A”, a mãe e o “VT” “Pachinça”, que era o rendeiro, no tempo do avô dela; Que antes das modificações e de passar o IC12, há mais de 20 anos, ajudou durante dois anos a mãe da “A” na vindima e a carrinha dela ia lá abaixo, até ao prédio dela; Que o trajeto que faziam era direto e pensa que havia mais caminhos que davam serventia a uns pinhais; Que agora do lado público só se vê um portão. Desde que a casa foi construída nunca mais lá foi, só conhece o portão que se vê da rua; Que se recorda do Sr. “H2 e da D. “M”, cultivarem ali, mas não sabe quantos terrenos; Que o saneamento segue por ali abaixo até à ETAR, passando pelo IC12; ------------------------- - “AES”, primo afastado da demandante e um dos confinantes do caminho em discussão nos autos. Depôs que esteve fora 40 anos, comprou o seu prédio em 1986 e fez a casa em 1990; Que o caminho existe desde que se conhece; Que quando tinha uns 15/16 anos ia com o avô da Dra. “A” ajudá-lo nas vindimas, que tinha um burro e uma carroça e passava-se nesse caminho confinante com a sua propriedade e iam até ao prédio; Que para ir para o seu prédio sempre foi por este caminho; Que agora deu uns 3 metros de terreno para alargar o caminho e este ficou com uns 5/6 metros; Que quando comprou o seu terreno o “caminho era fazendeiro mas ficou a ser público com o saneamento, e eletricidade e agora estão a alcatroar”; Que o caminho que fazia uma curva ao chegar perto do prédio dos demandados dava para “umas sortes”, e não sabe se também dava acesso ao dela, não era por este que iam para o prédio do avô da Dra. “A”. Essa tira fazia estrema com o seu prédio desse lado e ainda pensou em comprá-la; Que já não vai ao terreno da Dra. “A” há muitos anos, mas sabe que o prédio não tem acesso por mais lado nenhum; E que o Sr. “F” tem outro acesso para o terreno dele pelo Sul; - Ambos os depoimentos foram relevantes, tendo deposto com isenção e credibilidade, sobre factos de que tinham conhecimento direto. -------------- Relativamente à prova testemunhal dos demandados: ------------------------ - “MRT”, o marido é primo da demandada “D”. Depôs que já não vai ao local há muito tempo, uns 10 anos, desde qua a D. “M” foi para um Lar. Na altura só tinha um portão de entrada e estava murado; Que antes havia ali uma “palheirinha” e uma “laja”, que eram dos seus cunhados, que eram os donos dos terrenos e que venderam à D. “M”; Que para a parte do terreno que tem a casa iam por este caminho, para a parte sul, a vinha do Sr “F”, iam pela canada a Sul; Que o caminho [dos autos] naquela altura era mais estreito, mas passava uma carrinha e um trator “à vontadinha”, o da canada agora os tratores fizeram-no largo, mas antes era de bois; E que não sabe se a canada chega ao prédio da “A”, chegava ao do irmão dela; ----------------------------------------------------------- Depôs com isenção e sobre factos de que tinha conhecimento direto, mas já sobre uma realidade posterior à colocação do primeiro portão. ------------------------ - “JVCF”, pai do demandado “C”. Depôs que não habita lá em “OL” e esteve fora de 1990 a 2017, mas vinha cá duas vezes por ano; Que o caminho que existe vai da Estrada de “OL” para “CV”, por ali abaixo até à casa do seu filho, só até aqui, que antigamente era uma laje; Que no caminho passavam carros de bois e davam para o pinhal; Agora não sabe o acesso, que do resto dos terrenos não os conhecia; Que a Dra. “A” agora tem passado “por aquilo do meu filho”, antes não sei, eu não era de lá. Quando resinava era até à laje; Que da vinha do compadre para as casas do filho não dá porque tem outro terreno no meio; Que não há lá caminho. ------------------------------------------------------------------ O seu depoimento tem de ser valorado com reserva pela relação de parentesco com o primeiro demandado, mas também revelou um parco conhecimento direto dos factos. Pouco relevante. ------------------------------------------------ Factos não provados: ------------------------------------------------------ As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos. ------------ E à demandante competia o ónus da prova dos factos constitutivos do seu direito e aos demandados dos factos impeditivos, modificativos, e extintivos desse direito (cf. artigo 342º do Código Civil). -------------------------------------------- Ora, não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes, com interesse para a decisão da causa, por falta ou insuficiência de mobilidade probatória, ou prova em contrário, nomeadamente, que: ----------------------- - A palheira e laje que existiam no prédio rústico 8144 era de uso comum aos seus confrontantes; -------------------------------------------------------------- - A segunda demandada “D” e a demandante brincaram muitas vezes em criança, na palheira e na laje acima referida, bem como em casa da demandante; ----- - O prédio que hoje pertence aos primeiros demandados eram várias parcelas de terreno que compunham um prédio composto por palheira, área de cultivo e pinhal, que pertenceu a “CAL” e mulher “MAT”, posteriormente a “JBP” e mulher “MIP”; --- - Mais tarde, estes Senhores venderam estas parcelas de terreno que compunham um prédio, no seu todo, a “HJO” e “MAP”, isto no ano de 1976; --------------- - Entretanto, o Sr. “H” criou um caminho seu, dentro do referido prédio, que dividia a parte agricultada do pinhal; ----------------------------------------------- - Este caminho era utilizado pelo Sr. “H” e família, nunca a demandante por ali passou; ---------------------------------------------------------------------- - Após a expropriação o Sr. “H” resolveu doar esta propriedade às filhas, um pedaço de terra para cada uma, “MLAO”, “LAO”, “D”, o que fez; --------------- - Como a “D” queria ficar com a propriedade na sua totalidade, comprou as parcelas das irmãs, por 400.000$00 a cada uma; ----------------------------- - Em 1994 foram expropriados vários prédios naquela localidade e o caminho de acesso para a propriedade da demandante fazia-se por um outro prédio que não aquele; Foi sempre esta a servidão de passagem usada de acesso ao prédio da demandante; ---------------------------------------------------------------- - A obstrução causada pela colocação dos portões tenha causado danos patrimoniais e não patrimoniais à demandante, nomeadamente que, por diversas vezes se sentiu agredida e magoada verbalmente por comentários e atitudes efetuados pelos segundos demandados, diretamente e por interpostas pessoas, tendo mesmo sido efetuadas queixas contra ela, junto de algumas autoridades que a contactaram. -------------------------------------------------------------- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: ---------------------------------------------- Da ilegitimidade dos segundos demandados: -------------------------------------- Os demandados apresentaram contestação e prova conjunta e apresentaram Procuração a favor da mesma mandatária judicial. ---------------------------- Na contestação vieram alegar que os segundos demandados são pais da primeira demandada, doaram o referido prédio à sua filha há mais de 15 anos e não são proprietários de nenhum prédio urbano ou rústico confinante com o da demandante, pelo que são partes ilegítimas na presente ação. ----------------- De referir que resulta da factualidade provada que se encontra registado em nome da segunda demandada o prédio rústico com o artigo 8146º, a confrontar a Norte com o prédio da demandante. Todavia, este prédio não é o prédio objeto dos autos, prédio que é descrito como encravado e foi referido por testemunhas ser servido por uma canada a sul, mas que não se provou dar acesso ao prédio da demandante. ---------------------------------------------------------------- No exercício do contraditório veio a demandante, com os fundamentos constantes a fls. 217 e 218 dos autos, referir que, apesar do prédio se encontrar registado a favor da primeira demandada, o terreno foi objeto de vicissitudes várias levadas a cabo pelos segundos demandados, e expressas no requerimento inicial, pelo que, atento o peticionado e o disposto no artigo 30º do CPC, são parte legítima. ----- A exceção dilatória da ilegitimidade de alguma das partes obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e dá lugar à absolvição da instância [cf. artigos 576º, nºs 1 e 2 e 577, alínea e) do CPC]. -------------------------------------------- A legitimidade processual não se confunde com a legitimidade substantiva, que é requisito da procedência do pedido. ------------------------------------------- Aquela afere-se pelo interesse direto dos demandantes em demandar e pelo interesse direto dos demandados em contradizer, sendo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida num processo em concreto, tal como é configurada pelos demandantes (cf. artigos 30º, 578º, 278º e nº 1, alínea d), todos do CPC, aplicáveis aos Julgados de Paz por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho – LJP). ---------------------------------- Assim, atendendo à respetiva causa de pedir, e aos pedidos formulados pela demandante, ao disposto no nº 3 do referido artigo 30º do CPC, e não podendo o juiz fazer o julgamento antecipado, considera-se todos os demandados parte legítima. --------------------------------------------------------------------- Da caducidade do direito de ação: ------------------------------------------------- Invocaram também os demandados a caducidade, alegando que, não tendo a demandante alegado nenhum impedimento legal, encontra-se caducado o exercício do seu direito, uma vez que é dona e legítima proprietária do prédio desde a data do falecimento de sua mãe, e decorreram mais de 21 anos, sem que a demandante tivesse reagido judicialmente. ------------------------------------------------ No exercício do contraditório veio a demandante, com os fundamentos constantes a fls. 215 e 216 dos autos, referir que vem reivindicar um caminho e a ação de reivindicação não prescreve. E que a utilização abusiva do caminho pelos demandados é recente, que a demandante só poderia reagir após ser a proprietária do prédio, que daí para cá sempre passou por lá, que nunca aceitou a colocação de portões por tratar-se de um caminho de consortes e não uma servidão de passagem. ------------------------------------------------------------------- Alegando violação do seu direito de compropriedade num caminho de consortes e impedimento de exercer o seu direito de acesso livre e desimpedido ao prédio rústico de que é proprietária, a demandante formula como pedido principal o seguinte: Que os demandados sejam condenados a aceitar que se trata de um caminho de consortes e não uma servidão de passagem, e como pedidos subsidiários reparatórios [além de outro indemnizatório], sejam condenados a retirar os portões que estão a obstruir o caminho de acesso ao seu prédio, a demolir os muros e objetos que se encontrem na área destinada a caminho de consortes e a absterem-se da prática de quaisquer atos que contrariem ou dificultem o seu direito de propriedade [do seu prédio rústico] e o seu direito compropriedade [do caminho de consortes]. ----------------------------------- E assim, da conjugação do pedido principal e destes pedidos, e da causa de pedir, decorre, efetivamente, que estamos perante uma ação de reivindicação, prevista e regulada nos artigos 1311º e seguintes do Código Civil, e que se caracteriza pelo pedido de reconhecimento do seu direito propriedade violado, de qualquer possuidor ou detentor da coisa, e da consequente restituição do que lhe pertence. -Ação cujo fundamento é o direito real de gozo, neste caso de um comproprietário, violado com a posse/apropriação de outro. ------------------------------------ Assim sendo, não se subsumindo a situação a uma restituição de posse, não é aplicável o regime da caducidade previsto no artigo 1282º do Código Civil. ------- E as ações de reivindicação, sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, não prescrevem pelo decurso do tempo. --------------------------------------- Aquisição por usucapião pelos primeiros demandados, que neste caso só poderia verificar-se por inversão do título da posse, que não foi alegada pelos demandados (cf. artigos 1290º, 1265º e 1296º, todos do Código Civil), que entendem a faixa do caminho em causa como sua exclusiva propriedade. --------------------------- Nestes termos, não procede a exceção invocada. ----------------------------- Da ação: ------------------------------------------------------------------- Como se referiu, estamos em presença de uma ação de reivindicação onde, embora a demandante não peticione expressamente o reconhecimento do seu direito de compropriedade do caminho, requer que os mesmos sejam impedidos de perturbar ou dificultar o seu exercício [cf. alíneas a) e e) do pedido]. ------------------- Mas concordamos com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de julho de 2013 (in www.dgsi.pt) que “… I- Se o Autor, numa acção de reivindicação, se limita a pedir a restituição da coisa, não formulando expressamente o pedido de reconhecimento do seu direito de propriedade, este pedido deve considerar-se implícito naquele….”. ------------------------------------------------------ Também não peticiona o reconhecimento de que é proprietária do prédio rústico em que é prejudicado o acesso ao mesmo, com o artigo matricial 8145, supra identificado, mas é a dona e legítima proprietária, porquanto embora não tenha presunção do registo a seu favor (cf. artigo 7º do Código de Registo Predial), tendo sido provados atos de posse, dispõe da presunção da titularidade do direito exercido prevista no artigo 1268º do Código Civil, sendo que os demandados não só não a elidiram como a admitiram na sua contestação. ---------------------- O que está em causa nos autos é, desde logo, a natureza do caminho, em tempos em terra batida, a que se acede a partir da via pública, uma antiga estrada, e não tem saída para o IC12, ou dá ligação para qualquer outro caminho. Caminho que desde sempre era, e é, utilizado pelos proprietários dos prédios a que dava acesso, alguns não identificados, nomeadamente aos ante possuidores do prédio da demandante e do prédio dos primeiros demandados. ------------------------- Caminho que a Câmara Municipal dotou de saneamento básico e tem ramal de água e está eletrificado, mas que, todavia, não está afetado ao uso direto e imediato da generalidade das pessoas da povoação, para ligação a outras localidades nomeadamente, mas ao uso dos titulares dos prédios confinantes para acesso aos mesmos. --------------------------------------------------------------------- “Um caminho de "consortes" é o que pertence a mais do que um proprietário ou que está afecto ao uso de certos e determinados proprietários, sendo um caminho privado.” (Acórdão da Relação do Porto, de 30/10/2000, in www.dgsi.pt). ----- Trata-se, assim, efetivamente, e como reconhecem os demandados, e dele beneficiam, de um caminho de consortes, isto é, um caminho privado, que pertence aos proprietários confinantes do mesmo e que se destina ao uso por estes, para acesso aos seus prédios, mesmo que seja usado também por pessoas estranhas aos mesmos. ------------------------------------------------------- Como decorre do artigo 1316º, do Código Civil o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei. -------------------------------------------------------------------- Não foi alegado, e desconhece-se quando foi aberto e quem contribuiu para a sua abertura há mais de 40 anos (à exceção da contribuição de um confinante para um alargamento recente), pelo que a posse dos comproprietários, e ante possuidores, sobre este caminho, é não titulada, e o direito apenas pode ser adquirido por via da usucapião, à luz do consignado nos artigos 1293º e seg.s do Código Civil, sendo que aqui se verificam preenchidos todos os requisitos. ------------------------- Ora, o litígio dos autos, prende-se com a faixa de terreno que os primeiros demandados alegam fazer parte integrante do seu prédio, e já não deste caminho de consortes, que, em seu entender, termina precisamente na entrada do seu prédio, pelo que não daria acesso ao prédio da demandante. ------------------ Resulta da factualidade assente que o prédio da demandante, não é, nem nunca foi, mesmo em termos de descrição matricial, um prédio encravado, pois que sempre confrontou a Norte com caminho - tal como o da primeira demandada-, com livre e direto acesso à estrada que ligava “OC” a “CV”. ------------------ E, embora a demandante não invoque expressamente a sua aquisição do direito de compropriedade por usucapião, alega factos e animus, conducentes a essa aquisição, sendo entendimento jurisprudencial que a invocação pode ser implícita ou tácita (cf., por ex., o Acórdão do STJ de 17/04/2018, in www.dgsi.pt). ------- O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1251º, 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º e 1300º, todos do C. Civil). -----------------------------------------------------------------------------------E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, sempre agiram os ante possuidores do prédio da demandante como legítimos donos do referido caminho e, por sua vez, a demandante nunca renunciou à sua posição de consorte relativamente ao caminho, nunca tendo interrompido o exercício do seu direito, desde que ficou proprietária do prédio. ---------------------- Pelo que, juntando a sua posse da demandante à dos seus antecessores, esta tem uma duração temporal muito superior à legalmente exigida. --------------------- E o facto da primeira demandada ter registado o seu prédio como um todo, englobando a faixa de terreno em frente ao seu prédio 3537, a Norte, que corresponde à continuação do caminho, em nada prejudica esta usucapião, porquanto o registo cede perante os direitos adquiridos por via originária da propriedade. ------------------------------------------------------------- Resultou assim, provado, que se trata de um caminho de consortes, que tem uma orientação Nascente/Poente, que se inicia na antiga estrada que ligava “OC” a “CV” e termina junto à vedação do IC12. ------------------------------------ O proprietário goza de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, sendo que os direitos dos consortes sobre a coisa comum se presumem qualitativamente iguais, exercendo, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular, sendo lícito servirem-se da coisa comum, não a empregando para um fim diferente daquele a que a coisa se destine e não privando os outros consortes do uso a que igualmente têm direito (cf. artigos 1305.º, 1403.º, nº 2, 1405.º e 1406.º, nº 1, todos do Código Civil). ------------------------------------------------------- Ora, os primeiros demandados têm impedido a demandante de exercer o seu pleno direito de compropriedade sobre o caminho e de propriedade do seu próprio prédio, limitando o direito de ir e vir a toda e qualquer pessoa que pretenda a ele aceder pela colocação dos dois portões no único caminho de acesso. ----------------- Sendo que, encontrando-se o direito da demandante de uso da coisa comum perturbado pelos demandados, e atentos os pedidos, reparatórios e indemnizatório, tem a jurisprudência considerado ter a mesma legitimidade, para, sem os demais consortes, ou prévia deliberação em assembleia de consortes, interpor a presente ação (cf. ainda artigo 20º da Constituição). ------------------------------- Todavia, só os primeiros demandados têm legitimidade para agir sobre o prédio de sua propriedade e, assim, só estes poderão ser condenados a proceder a alterações que o envolvam. -------------------------------------------- Nestes termos, decorrente dos direitos que se lhe assistem, tem a demandante direito a que os primeiros demandados retirem os portões, e objetos que se encontrem no caminho de consortes, ficando este de acesso livre e desimpedido ao prédio da demandante. -------------------------------------------- Bem como tem direito a que todos os demandados se abstenham da prática de quaisquer atos que possam colocar em causa o gozo pleno e exclusivo do seu direito de propriedade do prédio e do seu direito de compropriedade do caminho. -- Indefere-se o pedido de demolição dos muros pelo facto destes em nada afetaram o exercício daqueles direitos. ------------------------------------------------- Do pedido de indemnização por danos patrimoniais e morais: ----------------- Não resultaram provados, pelo que se indefere o pedido indemnizatório. -------- Dos pedidos recíprocos de condenação por litigância de má-fé: ----------------- Trata-se de um instituto previsto no artigo 542º, e seg.s, do CPC que tem subjacente a boa-fé que deverá sempre nortear a atividade das partes de modo a que estas, conscientemente, não formulem pedidos ou deduzam oposição, cuja falta de fundamento não deviam ignorar, não articulem factos contrários à verdade, ou omitam factos relevantes para a decisão da causa e/ou não requeiram diligências meramente dilatórias, tudo em violação do princípio de cooperação das partes e dos deveres que lhe são inerentes, e com o objetivo ilegal de impedir a descoberta da verdade e a ação da justiça. --------------------------------- E é sobre os alegantes, neste caso a ambas as partes, relativamente ao respetivo pedido, que recai o ónus da prova, competindo-lhes provar os factos constitutivos do direito que alegam ter à indemnização, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 342º do Código Civil. ------------------------------------------------------- O princípio da licitude do exercício dos meios processuais está, assim, limitado pela ordem jurídica, que impõe que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 261 e Ac. Trib Rel Coimbra de 05/07/2005, processo nº 2475/05, in www.dgsi.pt). -------------------------------------------------------------- Do pedido dos demandados: ------------------------------------------------ Alegam os demandados, em sede de contestação, que esta ação é uma verdadeira perseguição da demandante à primeira demandada, pautada por uma litigância de má-fé sem precedentes, dado que a teria ameaçado de que iria obriga-la a deitar a casa e os muros abaixo e destruir a sua vida. --------------------------------- Pedem a sua condenação em indemnização a fixar pelo Tribunal. ------------ Este instituto pretende, efetivamente, incutir aos utilizadores da justiça uma maior responsabilização, nomeadamente a observância de deveres de cuidado a quem intenta ações. ------------------------------------------------------------- Ora, não resultou provada esta ameaça e que a ação se trataria de vingança, sendo que a pretensão da demandante teve provimento. ---------------------------------------------------------------------------- Do pedido da demandante: --------------------------------------------------- Na sequência da contestação dos demandados, no âmbito do exercício do contraditório, nos termos do nº 3 do artigo 3º do CPC, vem a demandante defender-se, considerando que litiga de boa-fé, e considerar que os demandados é que alteram a verdade dos factos, sabendo que o caminho em causa sempre foi um caminho de consortes e que o prédio da demandante nunca foi um prédio encravado, e, ao contrário do que alegam na notificação judicial avulsa, vêm agora, perante um pedido de reconhecimento do caminho, alegar que nem servidão de passagem existe. Pedem a sua condenação em multa e indemnização condignas. ------------------------------------------------------------------ Ora, porque o julgador deve ser especialmente prudente, não inviabilizando o pleno exercício do contraditório e o amplo direito de acesso dos cidadãos aos tribunais, sendo que a sua convicção é fundada no princípio da livre apreciação da prova, entendo não ter resultado inequivocamente provado que houve da parte dos demandados violação dos princípios da boa-fé e da cooperação. -------------- Atento o exposto, e em conclusão, julgo improcedentes ambos os pedidos de condenação por litigância de má-fé, absolvendo ambas as partes. ------------ Decisão: -------------------------------------------------------------------- Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente, e em consequência: - - Condeno todos os demandados a reconhecer que o caminho que se inicia na antiga estrada que ligava “OC” a “CV” e termina junto à vedação do IC12, com uma orientação Nascente/Poente, é um caminho de consortes; -------------- - Condeno todos os demandados a absterem-se da prática de quaisquer atos que contrariem ou dificultem o acesso ao prédio da demandante por esse caminho, e assim, o direito de propriedade do seu prédio e o direito de compropriedade do caminho; ------------------------------------------------------------------ - Condeno os primeiros demandados, “B”, e marido, “C”, a retirar os dois portões que estão a obstruir esse caminho, bem como quaisquer objeto que aí se encontrem a impedir o acesso livre e desimpedido ao prédio da demandante; ------ - Absolvo os demandados do demais peticionado; ----------------------------- - Absolvo a demandante e os demandados dos pedidos recíprocos de condenação por litigância de má-fé. ---------------------------------------------------- - Custas totais no valor de €70,00, na proporção do decaimento, que se fixam em 90% para a demandante e 10% para os demandados. ----------------------- Atendendo a que as partes já pagaram a taxa de justiça inicial (cf. recibos de fls. 142 e 185), e atento o decaimento, proceda-se à emissão de DUC à demandante e à devolução do valor sobrante aos demandados, quando o requererem. -------- O pagamento das custas pela demandante deverá ser efetuado no prazo de três dias úteis a contar do conhecimento da presente Decisão, sob pena de aplicação de uma penalidade de dez euros por cada dia de atraso até atingir o valor de € 140,00 [cf. alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º e n.º 4 do artigo 3.º da Portaria n.º 342/2019, de 1 de outubro].------------------------------------------------- Emita-se o respetivo DUC. com um prazo de validade alargado para obviar a eventual atraso na receção do correio postal, e remeta-se à demandante. ----- Registe e notifique. ----------------------------------------------------------- Carregal do Sal, 11 de outubro de 2021 A Juíza de Paz, (Elisa Flores) Processado por computador (art.º 131º, nº 5 do C P C) |