Sentença de Julgado de Paz
Processo: 8/2021-JPPRS
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: EXCEÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA COMERCIAL
DENÚNCIA DE DESCONFORMIDADE – ART. 471º COD.COMERCIAL
Data da sentença: 05/31/2021
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: Processo n.º 8/2021 JP

RELATÓRIO

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: [ORG-1] LDA, com sede na [...] 17, [...], [Cód. Postal-1] [...].

Demandada: [ORG-2] LDA, NUIPC N.º [NIPC-1], com sede em [...] – [...], [Cód. Postal-2] [...]

OBJECTO DO LITÍGIO e TRAMITAÇÃO

A Demandante intentou a presente ação declarativa, pedindo a condenação da Demandada ao pagamento da quantia de €4.382,10 relativamente aos produtos fornecidos e constantes das faturas juntas e que não foram integralmente pagas, assim como juros vencidos e vincendos até integral pagamento.

Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2 a 5, cujo teor se dá por reproduzido e juntou 4 documentos. A demandante prescindiu da fase de mediação.

Citada nos termos do nº 1 e 5 do art.º 229º CPC, a Demandada apresentou a sua contestação defendendo-se por exceção e alegando a sua versão dos factos, nomeadamente alegou que um dos bens fornecidos – recuperador de calor - não corresponde ao modelo que foi encomendado e que se encontra faturado pela demandante.

Na data designada para a realização da Audiência de Julgamento, esta realizou-se com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva acta melhor se alcança.

Fixa-se o valor da ação em 4382,10€ (art.º 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.)

A questão a decidir por este tribunal circunscreve-se à apreciação da exceção de não cumprimento do contrato, no âmbito de contrato de compra e venda celebrado entre as partes.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Resultaram provados os seguintes factos, essenciais para a resolução da causa:

1º A demandante dedica-se à atividade de venda e instalação de lareiras, recuperadores de calor, salamandras, churrasqueiras, pedras rústicas e toneladas.

2º A demandada, por sua vez, dedica-se, á fabricação e montagem de lareiras e comércio de recuperadores de calor - cfr. consulta da certidão permanente através do sistema PIS TMenu

3º A demandante, no exercício da sua atividade e a pedido da demandada, forneceu-lhe os bens discriminados na sua quantidade, qualidade e valor nas faturas nº - 28/2011(MD-LUNA 1300H- RECUP. CALOR M – DESIGN REF.LUNA 1300 H GOLD) de 17 de março de 2011

-58/2011 (VENT. LUNA – VENTILA P/REC.M.NDESIGN REF. LUNA 1300 H GOLD) de 29 de abril de 2011

-78/ 2012 (PLACA L.R.K –PLACAS DE LÃ DE ROCHA Knauf 1000x600x30) de 26 de maio de 2012

-86/ 2012 (PLACA L.R.K –PLACAS DE LÃ DE ROCHA Knauf 1000x600x30) de 6 de junho de 2012. (cfr. doc. a fls 6 a 9)

4ºOs descritos fornecimentos importam a quantia global de €3.916,40 (três mil, novecentos e dezasseis euros e quarenta cêntimos) (cfr. doc. a fls 6 a 9)

5º O valor que deveria ter sido pago, integralmente, até á data de vencimento aposto nas respetivas faturas, ou seja, 30 dias após a sua emissão.

6º A demandante apenas pagou, por conta da fatura n.º [Nº Identificador-1], a quantia de € 1.000,00 em 31 de maio de 2012 e 500,00€ em 28 de fevereiro de 2013. (cfr. docs a fls. 6 , 47 e 48 ).

7º A demandante adquiriu, em 2008, um recuperador de calor M-Design referência Luna 1300 H Gold á empresa [ORG-3] Lda, importadora exclusiva destes equipamentos em [...]. (cfr. doc. fls.46)

8º O recuperador de calor referido em 7º foi o único que a demandante adquiriu com a medida de 1300 e encontrava-se em exposição.

9º O modelo de recuperador de calor Referência Luna 1300 H Classic encontrava-se descontinuado no ano de 2008.

10º A demandante adquiriu um recuperador de calor Referência Luna 1300 H Classic no ano de 2005 que vendeu e aplicou numa obra em [...] [...].

11º A demandada instalou um recuperador de calor numa moradia em construção, sita em [...] no ano de 2011.

Factos não provados

A) Alguns dias após a receção do equipamento, a demandada interpelou, telefonicamente, a Demandante para o facto de o recuperador entregue não corresponder ao recuperador encomendado.

B) A demandante comprometeu-se com a demandada que nos dias seguintes se deslocaria à sede desta, a fim de aferir localmente o modelo que havia sido entregue, o que não fez.

C) A demandada continuou, por diversas ocasiões, a interpelar e a insistir com a demandante para vir verificar o equipamento.

D) A demandada comunicou à demandante que pagaria o recuperador de Calor M- Design Ref. Luna 1300 H GOLD, quando do mesmo dispusesse.

E) A demandada não dispõe do Recuperador de calor M- Design Luna 1300H Gold, encomendado em março de 2011 à demandante.

MOTIVAÇÃO

A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos documentos juntos, dos depoimentos de parte dos representantes legais de ambas as empresas e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.

Da prova documental resultam provados os factos sob os itens n.º 1,2,4 e 5.

Quanto aos factos sob o n.º 3, 7 e 8 dos factos provados diga-se que o depoimento das testemunhas [PES-1] e [PES-2] mereceram credibilidade, tendo confirmado que o recuperador fornecido foi aquele que se encontrava em exposição, sendo o único no stock da empresa com a medida 1300. Mais confirmaram que não receberam qualquer reclamação ao fornecimento dos materiais á demandante, sendo que os montantes recebidos por cheque de 1000,00€ e 500,00€ se faziam acompanhar de um oficio dizendo que se destinava ao pagamento da fatura 28/2011(este último facto que havia sido confessado pelo representante legal da demandada cfr. fls. 52).

A testemunha [PES-3], representante legal da empresa [ORG-4] confirmou os factos sob os n.º 7, 8 e 9 tendo esclarecido ainda o tribunal sobre a diferença existente entre os modelos de cariz estético. São, pois factos complementares adquiridos na instrução tendo sido concedido o contraditório à demandada na audiência de julgamento.

O facto sob o n.º 10 foi igualmente adquirido na instrução pelo depoimento da testemunha [PES-4] que consultou o sistema contabilístico da demandante no sentido de apurar as entradas e saídas de equipamentos equivalentes.

O facto sob o n.º 11 resultou do depoimento de parte do representante legal da demandada.

A testemunha da demandada [PES-5], não nos mereceu credibilidade, no que diz respeito a um telefonema a que teria assistido para a demandante, tendo sido muito vago quanto ao mesmo. As suas declarações não foram espontâneas, antes contidas e comprometidas. À falta de outro meio de prova, foram dados por não provados os factos sob as letras A a E da matéria não provada.

Como se disse, a conjugação dos depoimentos com os documentos referidos em cada item e ainda o decurso do tempo conduz-nos pelas regras da lógica às conclusões que se passam a explanar.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

A demandante intentou a presente ação peticionando a condenação da demandada no pagamento da quantia total de 4.382,10€ relativa ao fornecimento de equipamentos no âmbito da sua atividade comercial, à demandada e que esta não pagou, bem como juros de mora á taxa legal e despesas.

Estamos, assim, perante a figura jurídica do contrato de compra e venda mercantil, regulado nos art. 463º e ss do Código Comercial, - porquanto os produtos fornecidos se destinaram á atividade comercial da demandada. (revenda a consumidor final). Assim, a compra e venda realizada tem natureza subjetiva e objetivamente comercial.

Nos termos do disposto no art. º 3 do citado Código:” Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil.”

Assim, com recurso ás previsões do art. 874º e seguintes do Código Civil diremos que tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo.

No que diz respeito à reclamação de defeitos ou desconformidades dos bens vendidos, à compra e venda mercantil é aplicável o regime do artigo 471.º do Código Comercial.

Defende-se a demandada alegando desconformidade entre o modelo de recuperador de calor fornecido com aquele que havia sido encomendado.

Como refere Maria de Fátima Ribeiro: “A desconformidade e a inconveniência a que se refere o artigo 471.º consiste em vícios identificáveis à vista, ou através de simples exame que um comprador, atuando com normal diligência (a exigível ao comerciante do ramo), realizaria ordinariamente se estivesse a comprar as coisas em causa à vista, pois a tutela que a lei lhe confere é precisamente a de o proteger do risco de ter celebrado um contrato de compra e venda de coisas não à vista. Deste modo, o disposto no artigo 471.º é estritamente aplicável à desconformidade entre a mercadoria comprada e a mercadoria entregue e à inconveniência – e não aos defeitos de que a mesma mercadoria possa padecer, a menos que se trate de defeitos tão aparentes que teriam impedido a compra à vista da mesma mercadoria” in AB INSTANTIA, Ano I, n.º 2, Almedina, [ORG-6], págs. 32 e 33.

Pese embora a controvérsia sobre o início do prazo de 8 dias para denúncia da desconformidade, consideramos que este se conta a partir do momento em que o comprador teve ou podia ter tido conhecimento do vício se agisse com a diligência devida, devendo a comunicação ser feita nos seis meses posteriores à entrega da coisa.

A exceção de não cumprimento invocada pela demandada deriva da alegação de desconformidade do bem, cuja denuncia e existência não logrou provar.

Na verdade, transcorrido o prazo legal, sem que o comprador denuncie o defeito ou desconformidade, torna perfeito o contrato de compra e venda celebrado e nesse sentido o preço é devido.

E tanto assim é que, passados 10 anos (!) da celebração do contrato, o equipamento em causa ainda se encontrará aplicado na moradia a que se destinou (cliente final), segundo a demandada.

De qualquer modo sempre se dirá que, com base na prova produzida, o tribunal ficou convicto de que a demandante forneceu, efetivamente, o modelo [Modelo-1] e não o modelo anterior, denominado Classic, na medida em que dificilmente poderia fornecer um bem que não tinha para venda.

Por outro lado, resultou também provado nos autos que a demandada efetuou o pagamento parcial da fatura relativa ao recuperador de calor, cuja desconformidade invoca nos presentes autos, justificando a exceção de não pagamento por tal facto.

A ser verdade que existia desconformidade do bem fornecido, o procedimento normal da demandada seria a devolução da fatura acompanhada dos motivos daquela mesma devolução, o que in casu não sucedeu. O pagamento parcial da referida fatura é, de todo, incompatível com tal alegação.

Pelos motivos aduzidos a exceção haverá de improceder e o pagamento do preço é, pois, devido.

No que diz respeito aos juros de mora, estes são devidos desde a data em que a obrigação haveria de ser cumprida, sendo certo que consta das faturas juntas aos autos a menção “fatura 30 dias”, ou seja, o pagamento do preço deveria ser feito nos 30 dias após emissão das respetivas faturas. Assim, nos termos do disposto no art. 805º n.º 2 al. a), o devedor constituiu-se em mora em 14/4/2011, 29/5/2011, 26/6/2012 e 6/7/2012 relativamente aos valores apostos nas faturas n. º28/2011, 58/2011, 78/2012 e 86/2012 respetivamente.

Os pagamentos efetuados em 31 de maio de 2012 e 28 de fevereiro de 2013 para a fatura n.º 28/2011, conforme indicação da demandada (art. 783º CC), haverão de ser contabilizados nos termos definidos no art.º 786º do mesmo Código.

Assim, em 31/5/2012 a demandada liquidou a quantia de 1000,00€, sendo 266,10€ de juros de mora e 733,90€ de capital. Em 28/2/2013 com o pagamento de 500,00€ a demandada pagou 130,28€ de juros e 369,72€ de capital. Resulta, pois, que os juros devidos desde 28/2/2013 até à data da propositura da ação deverão ser calculados sobre 1830,28€ por ser o capital em dívida. Em 12 de fevereiro de 2021 os juros fixavam-se em 1032,46€.

Quanto às faturas n.º 58/2011, 78/2012 e 86/2012, os juros de mora vencidos sobre as respetivas datas de vencimento são de 260,24€, 136,75€ e 240,72€ respetivamente, com referência á data da propositura da ação.

Dos cálculos desenvolvidos resulta que a demandada é devedora da quantia de 2.812,07€ de capital e 1.429,42€ de juros de mora vencidos até 12 de fevereiro de 2021.

Não tendo sido alegada qualquer prescrição dos juros legais e não sendo de conhecimento oficioso, o pedido de juros haverá de proceder, nos montantes descritos.

No valor total de 4.241,49€.

No que concerne aos custos administrativos peticionados nos termos do disposto no art. 7º do Decreto Lei n.º 62/2013 de 10 de maio, haverão igualmente de proceder, no valor de 40,00€.

DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos invocados, declaro a acção parcialmente procedente e em consequência decido condenar a demandada ao pagamento da quantia total de 4281,49€ (quatro mil, duzentos e oitenta e um euros e quarenta e nove cêntimos) à qual acrescerão juros vencidos desde 12 de fevereiro de 2021 e vincendos até integral pagamento, à taxa legal aplicável a transações comerciais.

Custas:

A cargo da Demandante (3%) e Demandada (97%) segundo o respetivo decaimento, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de Outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.

Registe e notifique.

Remeta DUC para pagamento das custas à demandante no valor de 2,10€

Remeta DUC para pagamento das custas à demandada no valor de 67,90€

Vila Nova de Poiares, 31 de maio de 2021

A Juíza de Paz,

(Cristina Eusébio)