Sentença de Julgado de Paz
Processo: 250/2018-JPSXL
Relator: HELENA ALÃO SOARES

Descritores: PAGAMENTO DE VALOR DIFERENCIAL DE PREÇO.
Data da sentença: 05/21/2019
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(artigo 60.º, n.º 1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)).

Processo n.º 250/2018-JPSXL
Matéria: Responsabilidade civil contratual e extracontratual (Artigo 9.º, n.º 1, alínea h) da Lei de Organização, Funcionamento e Competência do Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP))
Objecto do litígio: Pagamento de valor diferencial de preço.
Demandante: A, contribuinte fiscal n.º 000, com residência na Rua XX, Cruz de Pau
Demandada: B – Mediação e Actividades Imobiliárias, Lda., NIPC 000, com sede na Rua XX Amora, Seixal
Mandatária: Dra. C, advogada, com escritório na Rua XX, Lisboa
Valor da acção: €1.151,10 (mil cento e cinquenta e um euros e dez cêntimos).
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I. Relatório:
O Demandante A, em 10/10/2018, intentou a presente acção declarativa de condenação, com fundamento na alínea h) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP), contra a Demandada B – Mediação e Actividades Imobiliárias, Lda, pedindo a condenação desta no pagamento do valor de € 1.151,10 (mil cento e cinquenta e um euros e dez cêntimos), correspondente à diferença de valores que o Demandante pagou de IMT e IS (€9.632,82) e o calculado em simulador pela Demandada (€ 8.481,72).
Alega, em suma, que em 09/05/2018 comprou uma fracção autónoma sita em Vale de Gatos, Freguesia de Amora, concelho do Seixal, negócio em que a Demandada interveio, e que o valor do negócio foi de € 240.000,00, correspondendo € 225.240,00 ao valor pago pela fracção autónoma e €14.760,00 à comissão da agência imobiliária, tendo o Demandante questionado esta sobre o valor do Imposto a pagar, tendo-lhe sido respondido que esse cálculo teria por base o valor total do negócio, discordando o Demandante por considerar não ser devido imposto de IMT e IS sobre o valor pago à agência Imobiliária, tendo solicitado esclarecimentos à Autoridade Tributária e Aduaneira e que no dia da escritura a sociedade de mediação, aqui Demandada persistiu em declarar o valor total do negócio, ao que acedeu o Demandante, mas informando que iria reagir posteriormente, traduzindo-se numa diferença de mais €1.151,10, considerando o cálculo que resultou da simulação (€ 8.481,72).
Mais alegou o Demandante nos termos do seu requerimento inicial, de fls. 3 e 4, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A Demandada, regularmente citada, em 16/10/2018 (cfr. fls. 28), apresentou a sua contestação, de fls. 31 a 33, que aqui se dá por integralmente reproduzida, em 30/10/2018.
Em suma, a Demandada defendeu-se alegando que interveio como mediadora imobiliária no negócio de venda da fracção autónoma sita em Vale de Gatos, no valor de € 240.000,00, celebrado entre o Demandante, comprador, e o vendedor da referida fracção, a quem prestou um serviço de mediação imobiliária e com quem acordou a comissão, não tendo o Demandante tido qualquer encargo com aquela. Mais alegou que o vendedor e o Demandante acordaram que o valor do negócio era de €240.000,00, tendo sido reduzido a escrito através de contrato promessa, que foi a manifestação expressa da vontade do vendedor e do comprador, e que bem sabia o Demandante que sobre o preço de venda, teria de pagar o IMT e o IS até à celebração da escritura pública e que na posse de todos os esclarecimentos insistiu em prosseguir com o negócio. Alegou também a Demandada que entre si e o vendedor foi acordado que seria deduzido o valor da comissão no valor que ia receber do imóvel para pagamento da comissão contratada, terminando pugnando pela absolvição da Demandada.
O Demandante recusou aceder à pré-mediação (cfr.fls. 4), pelo que foi agendada data para realização da audiência de julgamento (cfr. fls. 55).
No dia designado (03/04/2019, pelas 10h00m), realizou-se a audiência de julgamento nos termos da acta de fls. 75 a 77, tendo sido agendada data para a sua continuação, para prolacção da sentença.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não ocorrem excepções, nulidades, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo à presente acção o valor de €1.151,10 (mil, cento e cinquenta e um euros e dez cêntimos).
II. Fundamentação:
A)De Facto:
Consideram-se provados, relevantes para o exame e decisão da causa, os seguintes factos:
1 – O Demandante, em 09/05/2018 celebrou, na qualidade de comprador, com D e E (vendedores), por escritura pública, a compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “AR” correspondente ao 3.º piso, letra A do bloco X e arrecadação B n.º 00, do prédio sito na Rua XX (bloco X), Vale de Gatos, Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o n.º 00, pelo preço de €240.000,00 (duzentos e quarenta e mil euros).
2 – A Demandada interveio no negócio de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “AR” correspondente ao 3.º piso, letra A do bloco X e arrecadação B n.º 00, do prédio sito na Rua XX, Vale de Gatos, Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o n.º 00.
3 – Entre a Demandada e os vendedores da fracção foi celebrado um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária, tendo sido acordado que a comissão da Demandada seria paga pelo vendedor, na altura da celebração do negócio prometido, a deduzir no valor que este ia receber pelo imóvel.
4 – Na proposta de compra – Modelo 2 (REMAX SKY), no contrato Promessa celebrado e na escritura pública de compra e venda, o preço da compra e venda da fracção acordado, entre Demandante e vendedores, foi de €240.000,00.
5 – O Demandante pagou à Autoridade Tributária €7.712,82, a título de IMT e €1.920,00 a título de IS.
6 – O Demandante, em 07/05/2018, emitiu o cheque n.º 000 do Banco Santander Totta, S.A., à ordem da Caixa Geral de Depósitos, S.A, no valor de €225.240,00.
7 – Em 10/03/2018 o Demandante emitiu o cheque n.º 000, do Banco Santander Totta, S.A., à ordem de D, no valor de € 14.760,00.
8 – Por simulador da Imobiliária F , para uma habitação própria permanente, no valor de € 225.240,00, o valor do IMT a pagar seria de € 6.679,799 e o valor do Imposto de Selo (IS), seria de € 1.801,92.
9 – O Demandante em momento algum manifestou a vontade de desistir do negócio.
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção probatória do Tribunal ficou a dever-se às declarações das partes e das testemunhas apresentadas pela Demandada, o Sr. G e a Sra. H, que, com conhecimento directo dos factos, prestaram o seu depoimento de forma isenta e credível. Foram também tomados em consideração os documentos constantes dos autos, nomeadamente a fls. 5 a 10, 15 e 16, 34 a 40, considerando-se provados os factos alegados descriminados nos factos provados.
B)De Direito:
Com a presente acção o Demandante pretende ser ressarcido, por prejuízos que alegamente sofreu, no valor da diferença entre a quantia que pagou a título de IMT e IS e a que entende ser devida, em virtude da alegada conduta da Demandada, por errónea identificação do preço do negócio celebrado entre o Demandante e os vendedores da fracção.
Assim, no caso dos autos o que se discute é a existência de responsabilidade civil pré-contratual da Demandada.
Em conformidade com os factos dados como provados, o Demandante celebrou, na qualidade de comprador, com D e E (vendedores), por escritura pública, a compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “AR” correspondente ao 3.º piso, letra A do bloco X e arrecadação B n.º 00, do prédio sito na Rua XX, Vale de Gatos, Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Amora, sob o n.º 00, pelo preço de € 240.000,00 (duzentos e quarenta e mil euros), negócio no qual a Demandada interveio, em virtude de um contrato de prestação de serviços de mediação imobiliária celebrado entre esta e o vendedor da fracção.
Nos termos do artigo 227.º, n.º 1 do Código Civil, sob a epígrafe “Culpa na Formação dos Contratos”, «Quem negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte.», remetendo o n.º 2, para o artigo 498.º, no que toca à prescrição desta responsabilidade.
A boa-fé consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade de se conduzir e tem, no caso do art. 227.º do CC, um sentido vincadamente ético, ao contrário do que sucede em muitos outros casos em que o seu significado (ético) se esgota numa situação psicológica muito simples e fácil de definir.
(…) O n.º 1 do artigo 227° do CC refere-se, sucessivamente, à observância das regras da boa-fé, tanto nos preliminares (fase negociatória) como na formação (fase decisória) do contrato.” – in Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/12/2018, Proc. 3407/15.5T8BRG.G1.S2, in www.dgsi.pt.
Na fase pré-contratual, a boa fé pressupõe a observância de deveres de informação, esclarecimento e lealdade tendo em vista os interesses legítimos da contraparte, abrangendo a responsabilidade pré-contratual os danos provenientes da violação desses deveres (nesse sentido, Antunes Varela, “ Das Obrigações em Geral, I ”, 10.ª edição, pag. 270 e Romano Martinez, “ Cumprimento Defeituoso”, pag. 57 e ss).
No caso de compra-e-venda em que intervêm sociedades de mediação imobiliária, como a Demandada, existe sem margem de dúvidas, o dever de estas informarem as partes interessadas dos elementos essenciais e condições do negócio a celebrar, nomeadamente o preço.
Desde que seja perceptível, usando da comum diligência, que uma das partes formou a sua vontade contratual com base num pressuposto erróneo, a contraparte ou quem em sua representação ou interesse intervém, tem o dever de alertar o errante, esclarecendo o erro.
O não esclarecimento do erro apercebido ou perceptível através da diligência do bonus pater famílias, pode constituir o declaratário em responsabilidade in contrahendo, tanto no caso de erro essencial como no caso de erro ser acidental (neste sentido, Ana Prata, “Notas sobre a Responsabilidade Pré-contratual, p. 999 e 100).
O erro diz-se causal ou essencial quando, a não haver ignorância ou falsa representação de certo motivo que interferiu no fenómeno da vontade negocial, o declarante não quereria celebrar qualquer negócio, ou quereria celebrar negócio diferente, quer quanto ao seu tipo, quer quanto a algum ou alguns dos seus elementos essenciais.
Se apesar do erro, o declarante sempre quereria o negócio, o erro não é causal ou essencial, mas sim acidental, sendo válido o negócio celebrado.
Ora, no caso dos autos, a ter ocorrido um erro do Demandante sobre o elemento do contrato a celebrar, tal erro seria acidental, uma vez que o Demandante em momento algum manifestou a vontade de desistir do negócio em que a Demandada interveio.

E mesmo se tivesse ocorrido algum erro, o que não resultou provado nos autos, a Demandada, no exercício da sua actividade, não violou qualquer dever de informação, tendo informado o valor do preço do bem imóvel de cuja venda se encontrava a mediar.
De facto, e como resultou provado, o preço da compra e venda da fracção autónoma foi de €240.000,00, pelo que será sobre esse valor (da transmissão onerosa do direito de propriedade), que incidirão os impostos de IMT e IS a pagar, nos termos da legislação tributária aplicável.
Face ao supra exposto, não é possível afirmar que a Demandada actuou com má fé e responsabilizá-la nos termos do artigo 227.º do Código Civil, pelo que, e sem necessidade de mais considerações, nomeadamente relativas aos pressupostos da responsabilidade civil, não poderá proceder o pedido formulado pelo Demandante, de condenação da Demandada no pagamento do valor de € 1.151,10 (mil cento e cinquenta e um euros e dez cêntimos).
III. Decisão
Em face do exposto, julgo a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a Demandada do pedido contra si formulado pelo Demandante.
Custas
As custas serão suportadas pelo Demandante, que é considerado parte vencida (n.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001,de 28 de Dezembro).
Atento o facto de já ter pago a quantia de € 35,00, a título de entrega inicial da taxa de justiça, no valor de €35,00 (trinta e cinco euros), aquando da apresentação do Requerimento Inicial, deverá o Demandante efectuar o pagamento das custas decorrentes da sua responsabilidade no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente sentença, sob pena de, não o fazendo, incorrer no pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, ao abrigo dos n.º 8 e 10 da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12 (o n.º 10 na redação da Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Reembolse-se a Demandada, no valor de €35,00, pagos aquando da apresentação da contestação, nos termos do disposto no n.º 9.º daquela Portaria.
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Esta sentença foi proferida nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da Lei dos Julgados de Paz.
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Registe e notifique.
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Seixal
21/05/2019

A Juiz de Paz Auxiliar
Helena Alão Soares