Sentença de Julgado de Paz
Processo: 27/2019-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 04/12/2019
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Demandante:
- A, casado com B;
Demandados:
C, casado com D;
- E, e mulher, F.
RELATÓRIO
O demandante propôs contra os demandados, acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, o reconhecimento de que é atualmente um prédio autónomo dos prédios originários, que se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio como autónomo e distinto daquele, assim como o direito de propriedade exclusiva do demandante sobre o mesmo, e em consequência, ordenar a atribuição de artigo matricial e registo a seu favor, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio originário.
Para o efeito juntou nove documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram na Audiência de Julgamento onde prestaram declarações, bem como o demandante.
Só o demandante apresentou prova testemunhal.
Valor da ação: Fixo em € 2 501,00 (dois mil quinhentos e um euros). FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz Predial sob o artigo 777º da freguesia de G, concelho de H, em nome do demandante marido e demandados C e E, na proporção de 1/3 para cada um, o prédio rústico sito aos Ribeiros, composto por terra de cultura com 25 oliveiras, com a área total de 2 335m2, a confrontar a Norte com I, a Sul com J, a Nascente com caminho e a Poente com caminho fazendeiro, e não descrito nas Conservatórias de Registo Predial de H e L;
2.º- A titularidade deste prédio adveio à posse do demandante, e dos demandados supramencionados, por doação de seus pais, por Escritura Pública realizada em 10 de março de 1989;
3.º- À data o demandante e o primeiro demandado, C, eram ainda solteiros;
4.º- Considerando os três titulares inscritos do prédio a que se refere o ponto 1º supra que o primeiro demandado, C, tinha sido compensado ao ser-lhe adjudicado a nua propriedade da casa de habitação de seus pais, entenderam proceder à divisão do prédio apenas em duas parcelas, distintas, que depois de devidamente demarcadas, com estacas em madeira cravadas no solo ao longo da linha divisória, foram adjudicadas ao demandante e ao segundo demandado E;
5.º- Parcelas com a seguinte composição e delimitação constante do Levantamento Topográfico de fls. 27 dos autos:
a) A Parcela A, tracejada a amarelo no Levantamento Topográfico, com a área de 976m, composta de terra de semeadura com oliveiras, a confrontar a Norte com a Parcela B, a Sul com J, a Nascente com caminho e a Poente com caminho fazendeiro, que ficou a pertencer aos aqui segundos demandados, E, e mulher, F, já então casados, no regime de comunhão geral de bens;
b) A Parcela B, tracejada a preto no Levantamento Topográfico, com a área de 1 037m2, composta de terra de semeadura com oliveiras, a confrontar a Norte com I, a Sul com a Parcela A, a Nascente com caminho e a Poente com caminho fazendeiro e I, que ficou a pertencer ao aqui demandante, A;
6.º- Tendo daí resultado dois prédios autónomos e independentes um do outro;
7.º- À data o demandante ainda era solteiro, vindo a casar com B, em 21/09/1991, sem convenção antenupcial;
8.º- A partir da referida demarcação de facto do prédio a que se refere o ponto 1º supra, quer o demandante, quer os segundos demandados, passaram a usar e fruir da sua parcela individualizada, autónoma e distinta;
9.º- Como coisa sua, e exclusiva;
10.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
11.º- Por forma visível e permanente;
12.º- Por si ou interposta pessoa, semeando, cultivando e colhendo os frutos, tratando as oliveiras e colhendo as azeitonas;
13.º- Retirando da sua parcela todas as utilidades em proveito próprio;
14.º- Melhorando-a e benfeitorizando-a;
15.º- Na convicção de que, com sua posse, não lesavam direitos de outrem;
16.º- O que sempre fizeram e fazem à vista, e com o conhecimento, de toda a gente;
17.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados;
18.º- Contínua e ininterruptamente;
19.º- E sempre na convicção de que a mesma lhes pertencia, como bem próprio, e separada da outra parcela que compõe o “prédio mãe”.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, às declarações da esposa do demandante e dos demandados e ao depoimento das testemunhas M e N, respetivamente com 85 e 59 anos de idade, que conhecem o prédio, ambas as parcelas/prédios, desde há mais de 40 anos, o primeiro e de 20 anos, o segundo, tendo ambos trabalhado no do demandante “…a varejar e a apanhar a azeitona”, já para ele e esposa.
Ambos demonstraram conhecer bem este prédio, localização e confrontações, e marcos divisórios entre as duas parcelas, bem como todo o circunstancialismo da posse, prestando depoimentos isentos e credíveis sobre factos de que tinham conhecimento direto, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil).
Factos não provados:
Não há factos não provados.
FUNDAMENTAÇÃO De direito:
O demandante visa com a presente ação adquirir, por usucapião, a parcela do prédio com o artigo matricial 777º da freguesia de G, H, descrita no ponto 5.º, alínea b) da factualidade assente, por se ter autonomizado deste “prédio mãe”.
Resulta da matéria de facto dada como provada que o referido prédio se encontra dividido, de facto e informalmente, em dois prédios, perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, com a configuração que hoje têm, há mais de vinte anos, passando o demandante e os segundos demandados a explorar cada um deles exclusivamente a sua parte.
Apurado ficou também que têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1990 até ao presente.
Posse que é titulada mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos.
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1288º, 1258º a 1262º e 1265º todos do C. Civil);
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida.
O artigo 1268º do C. Civil estabelece uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Presunção que não foi elidida, sendo que os demandados não deduziram oposição e estiveram presentes na Audiência onde confirmaram os factos, a posse e o animus de proprietário do demandante, desde 1990, por inversão do título da posse de comproprietário do prédio mãe para titular exclusivo da sua parcela.
Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse da demandante preenche também estes requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que o demandante reúne os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela.
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretende o demandante com a presente ação.
Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pela demandante, como titular de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhe o direito de adquirir esse mesmo direito sobre o prédio autonomizado, por via da usucapião, nos termos dos artigos 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos (cf. ainda nº 1, alínea c) e nº 2, alínea b) do artigo 1722º do mesmo Código).
Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/05/2018 (P. nº 7859/15.5T8STB.E1) e de 12/07/2018 (P. nº 7601/16.3T8STB.E1.S1), in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor do demandante.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, inscrito na matriz predial sob o artigo 777º da freguesia de G, concelho de H, e não descrito nas Conservatórias de Registo Predial de H e L, está dividido em substância, em dois prédios, autónomos e independentes um do outro;
b) Declaro que pertence exclusivamente ao demandante, A, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea anterior [1-a)], o seguinte prédio rústico sito aos Ribeiros, freguesia de G, concelho de H:
Terra de semeadura e oliveiras, com a área de 1 037m2, a confrontar a Norte com I, a Sul com E, a Nascente com caminho e a Poente com caminho fazendeiro e I, tracejado a preto no Levantamento Topográfico a fls. 27 dos autos, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
3- Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [b)] como autónomo e distinto do prédio rústico a que se refere a alínea a) da presente decisão, “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva de A sobre aquele.
4) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor de A, com a composição e da forma indicada na alínea b) supra, da presente decisão, cessando a compropriedade no respetivo prédio originário, “prédio mãe”;
O abatimento na área do respetivo “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado.
Dada a natureza do processo custas totais pelo demandante
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 12 de abril de 2019
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)