Sentença de Julgado de Paz
Processo: 153/2017-JPACB
Relator: LUÍSA FERREIRA SARAIVA
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
Data da sentença: 04/16/2019
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
Proc.º 153/2017-JPACB

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES:
Demandante: A. residente na freguesia de Cela, Alcobaça.
Demandada: B., LDA”, com NIPC: 000, com sede na Rua XX Alcobaça.
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OBJECTO DO LITÍGIO:
A Demandante intentou contra a Demandada a presente acção enquadrável na alínea h) do nº 1, do artº 9º, da Lei 78/2001 de 13 de Julho, peticionando a condenação da Demandada a pagar a quantia de € 3.404,00 (três mil, quatrocentos e quatro euros) como indemnização pelos prejuízos causados pelo cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços. Mais requer a sua condenação no pagamento de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. Alega, em síntese, que entregou à Demandada para proceder ao serviço de limpeza de lavandaria, dez cortinados de 160 metros no total e que um dos cortinados veio danificado com manchas de tinta cinza escura, quase preta e a metade de outro apresentava-se queimada por ferro de engomar. Que apesar de contactada a Demandada não quer assumir a responsabilidade pelos danos, nos termos plasmados no requerimento Inicial de fls 5 a 9.
Juntou com o Requerimento Inicial, 5 documentos de fls. 11 a 16 que se dão igualmente por reproduzidos.
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A Demandada apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 36 a 46 que se dão por integralmente reproduzidos, admitindo a prestação de serviço, mas impugnando, em suma, os demais factos relatados no requerimento inicial. Mais pede que a Demandada seja considerada litigante de má-fé e condenada em multa nos termos do art.º 456º do C.P.C..
Juntou um documento, de fls. 48 a 50 – req. Apoio jurídico.
Na contestação requereu a realização de perícia aos cortinados.
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Não se realizou a sessão de pré-mediação e mediação, por recusa da Demandada. Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, em duas sessões, sendo as partes devidamente notificadas para o efeito e com observância do legal formalismo consoante resulta da respetiva Acta de fls. 106 e107 e 180 e 181.
Na primeira sessão foi deferida a realização da prova pericial.
Demandante e Demandada requereram a tomada de declarações de Parte, que foram prestadas no inicio da audiência, foi ouvido o Sr. Perito C. e as partes apresentaram duas testemunhas respectivamente. A Demandante juntou documentos.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor que se fixa em € 3.404,00 – art.ºs 297º nº1 e 306º nº 2, ambos do C.P.CivilAs partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas.
Não existem outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FACTOS PROVADOS:
Com relevância para a decisão da causa dão-se por provados os seguintes factos:
1. A Demandante dedica-se à atividade de prestação de serviços de limpeza de tecidos e vestuário.
2. A Demandada dedica-se à atividade de lavandaria, limpeza a seco, engomadoria, limpeza, conservação e tratamento de peles e carpetes.
3. Em meados do mês de junho de 2016 a Demandante deslocou-se ao estabelecimento de lavandaria da Demandada entregando 10 cortinados de cor beje, sendo oito sem forra e dois com forra para serem limpos por esta, já que não tinha capacidade para o fazer.
4. Quando procedeu ao levantamento dos cortinados, a Demandante procedeu ao pagamento, à Demandada, da quantia de € 682,00 correspondente aos serviços prestados.
5. No momento da entrega dos cortinados, a Demandante e a Demandada não verificaram o estado dos mesmos.
6. A Demandante entregou os cortinados em braços e deixou-os no balcão da Demandada.
7. A Demandante deixou-os na sua carrinha, pois no dia seguinte iria leva-los a Aveiro, para serem colocados na casa da sua cliente.
8. Um dos cortinados apresentava manchas cinza escuro, essencialmente na zona inferior e cuja origem não foi possível determinar.
9. Cerca de 1 a 2 meses após a colocação dos cortinados, a proprietária queixou-se que outro cortinado apresentava manchas de queimadura e entregou-o à Demandante.
10. O cortinado referido em 9 apresenta uma mancha amarelada, demarcada, com cerca de 40 cm por 10 cm, com marca de uso de ferro de engomar tradicional (doméstico) e um rasgão de 5cm.
11. O mesmo cortinado apresenta uma “queima” generalizada em 2 metros de altura, a partir do solo, provocada pela exposição solar, com enfraquecimento das fibras de tecido, por falta de resistência do tecido.
12. A Demandada possui dois ferros industriais marca Iron Master ligados em estrutura industrial que não provocam a queimadura verificada no cortinado e não possui ferros domésticos.
13. As máquinas de lavagem (AlcoSec), da Demandada e usadas na lavagem dos cortinados são modernas, com cuba em inox e apenas funcionam com utilização de um produto químico incolor, sem probabilidade de contágio. ( fls. 128).
14. Os dois cortinados em questão são de linho com acabamento industrial, com uma percentagem estimada de 20 % de fibra têxtil e é identificado como “Tecido Sahoo” referência DOMUS 1908 e totalizam 16 metros.
15. O valor do metro linear de tecido similar é actualmente de € 42,70.
16. Cada cortinado tem 3 metros lineares de altura e 8 de largura.
17. Os cortinados estiveram colocados em grandes janelas envidraçadas e tiveram 7 (sete) anos de uso, sem lavagem, tendo tido em média uma desvalorização e desgaste de 10%.
18. Têm um período de vida de 10 anos.
19. Para confecção dos cortinados seria necessário despender, aproximadamente, a quantia total de € 135,00 (confecção, acessórios de fixação, mão de obra).

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FACTOS NÃO PROVADOS:
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a discussão e decisão da causa, nomeadamente que.
1 – Os cortinados não possuíam manchas cinzentas escuras antes da entrega.
2 - Os cortinados possuíam manchas cinzentas escuras antes da entrega.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA:
A convicção probatória do tribunal, de acordo com a qual seleciona a matéria de facto provada, ficou a dever-se ao conjunto da prova produzida, tendo sido tomados em consideração os documentos juntos aos autos; as declarações de parte tomadas em audiência de julgamento; a observação do estado dos cortinados e a prova testemunhal.
As partes confirmaram os factos alegados no requerimento inicial e contestação, respectivamente.
Teve especial relevância o relatório pericial e o depoimento, isento e credível do Senhor Perito C. que mostrou conhecimento técnico dos factos, foi ao local (lavandaria) verificar a maquinaria, fez testes com os ferros e foi ao local onde os cortinados se encontravam colocados, explicou a elaboração do relatório de fls. 120 a 132, que se dá por reproduzido, de forma detalhada, confirmando o seu conteúdo.
Ponderaram-se ainda os depoimentos das testemunhas, os quais foram apreciados segundo as regras da experiência comum, os critérios da lógica e os juízos de probabilidade e razoabilidade, bem como a fundamentação do conhecimento dos factos sobre os quais depuseram.
Testemunhas da Demandante:
1. D., afirmou ser proprietária dos cortinados que se encontravam colocados em grandes janelas de vidro, sem estores, desde 2010 e nunca tinham sido lavados pelo que tinham pó. Não estava em casa quando os cortinados foram colocados e só posteriormente viu as manchas. Só passado 1 ou 2 meses viu a queimadura tendo reclamado à Demandante. Tem um filho que na altura tinha cerca de 7 anos.
2. E, colabora com a Demandante e afirmou ter ido com a D. F tirar os cortinados, não viu manchas negras, dobraram-nos e vieram na carrinha, tendo sido entregues na lavandaria. Um ou dois dias após terem sido levantados, embalados, foi coloca-los na casa da D. D. com a Demandante, tiraram-nos da embalagem e viram as manchas. Só viu a queimadura mais tarde quando a cliente se queixou.
Testemunhas da Demandada:
3. H., é marido da Demandada e afirmou que viu a Demandante a deixar os cortinados em braços no balcão e foi-se embora. Posteriormente viu a Demandada e a funcionária a medirem os cortinados e viu manchas pretas num deles, tendo telefonado à Demandante. Chegou a ver a D. F. lá noutro dia. Faz a manutenção das máquinas e para tal não utiliza produtos de cor, nem óleos pois é feita por compressor, ar comprimido, não sendo necessária a sua utilização. Também não utiliza produtos de cor noutros utensílios. A lavagem é feita sempre nas máquinas modernas e foi nelas que foi feita a lavagem dos cortinados.
4. H. é funcionária da Demandada e confirmou que a D. F. tirou os cortinados da carrinha, em braços e colocou-os e cima do balcão, tendo ido embora. Mediu os cortinados com a Demandada e verificaram a existência de manchas, tendo esta ligado a avisar ao que aquela respondeu que já sabia. Passados uns dias da entrega a Demandante veio reclamar da existência de manchas. A testemunha e sua colega passaram os cortinados a ferro, com os 2 ferros industriais existentes na lavandaria, não tendo ferros domésticos.

A fixação da matéria fática dada como não provada resultou da ausência de mobilização probatória credível que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após análise dos documentos juntos aos autos e depoimento testemunhal. Cumpre esclarecer que, quanto à existência ou inexistência de manchas antes da entrega verificaram-se depoimentos absolutamente contraditórios por parte das testemunhas das partes, o que não permitiu que o tribunal formasse a sua convicção, sem quaisquer dúvidas.
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O DIREITO:
Perante os factos supra dados por provados verifica-se que Demandante e Demandada celebraram um contrato de prestação de serviços, o qual é definido pelo art.º 1154º do Código Civil, como sendo “… aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”, na modalidade de Empreitada, nos termos do Art.º 1207.º do Código Civil (CC), o qual dispõe que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante o pagamento de um preço.” Dispõe ainda o Art.º 1208.º do CC que “o empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.”, instituindo um dever de indemnizar os prejuízos sofridos por responsabilidade contratual, independente de culpa.
O contrato em causa nos autos fica fora do âmbito subjectivo de aplicação do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril (relativo “a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores”), tal como ele é definido no n.º 1, do art. 1.º-A, pois estamos perante dois profissionais – circunstância que, diga-se, não altera os dados do problema nem a sua resolução, pois que, quanto ao direito do dono da obra (no caso, a Demandante) a ser indemnizada dos danos causados pelo incumprimento, o regime geral da empreitada civil não difere do regime da empreitada de consumo (nem sequer do regime geral do incumprimento das obrigações).
Segundo o art. 1223.º do Código Civil, o dono da obra (no caso, a Demandante) “tem direito a ser indemnizado, nos termos gerais”. Nos termos, portanto, dos arts. 798.º e ss. e 562.º e ss do mesmo Código. Ou seja a responsabilidade (isto é, a obrigação de indemnizar) da Demandada (empreiteiro) pelos danos sofridos pela Demandante (dona da obra) depende da verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: 1- incumprimento das suas obrigações pelo empreiteiro (o incumprimento corresponde ao “facto ilícito”); 2 - culpa do empreiteiro; 2 - relação de causalidade entre o incumprimento e os danos sofridos pelo dono da obra.
Ora vejamos: tendo em consideração os factos adquiridos nos autos, desde logo, não se pode dizer que a Demandada não cumpriu as obrigações para si resultantes do contrato que a liga à requerente. No fim de contas, a requerida realizou a “obra” (deu corpo ao “resultado”) a que se obrigara: limpou as cortinas. Resulta provado que a Demandada limpou as cortinas na máquina que possui, moderna e que segundo o relatório de peritagem, que se subscreve, as manchas que existiam no cortinado após alguns dias da entrega não poderiam ter sido acusadas pelo processo de limpeza, cumprindo o seu dever de prestação principal. A existência das manchas e da queimadura de ferro, esta verificada 1 a 2 meses após a entrega, não basta para concretizar um incumprimento contratual da Demandada. Seria necessário que se demonstrasse, antes disso, que tais danos são o resultado de um comportamento incumpridor da Demandada. Importa relevar que não resultou provado que os cortinados estavam em perfeitas condições e não tinham já as manchas aquando da entrega ou que, no caso da queimadura de ferro, a mesma não tenha sido provocada após a entrega, não sendo verosímil que uma queimadura com um rasgão não fosse detectada na colocação dos cortinados nem em cerca de 2 meses. Ora, no caso, não há nos autos nenhuma prova (que incumbiria à Demandante realizar, nos termos do art. 342.º/1 do Código Civil) de que a Demandada tenha infringido quaisquer deveres de cuidado e diligência.
Em segundo lugar, os factos dados como provados não permitem afirmar que as manchas e a queimadura de ferro tenham sido causados, em termos de “causalidade adequada” (art. 563.º do Código Civil), pelo processo de limpeza. Como foi referido não resulta provado que os cortinados estivessem em perfeito estado, sendo cortinados com cerca de 7 anos, que nunca foram limpos, colocados numa moradia e em amplas janelas de vidro sem estores. A limpeza foi feita nos termos expostos com máquinas insuscetíveis de provocar os referidos danos e foram utilizados ferros industriais, sendo que a queimadura advém de ferro doméstico, como resulta do relatório pericial. Finalmente, quanto à presunção de culpa (art. 799.º do Código Civil) parece-nos que tal nem se coloca na medida em que não resulta provado nem facto ilícito nem o nexo de causalidade entre a actuação da Demandada e os danos alegados. Deste modo e pelo exposto não pode proceder a pretensão da Demandante.
Do pedido de litigância de má fé:
Na contestação, a Demandada requereu a condenação da Demandante como litigante de má-fé, em síntese, por a Demandante ter alegado factos que sabe não corresponderem à verdade, pretendendo locupletar-se à conta da Demandada, alegando factos falsos que consubstanciam um enriquecimento sem causa.
A Demandante, não se pronunciou. Ora, não basta para a condenação como litigante de má-fé, este não ter provado ter integralmente razão. Este instituto pretende incutir aos utilizadores da justiça uma maior responsabilização, nomeadamente a observância de deveres de cuidado a quem intenta ações.

Contudo, a violação desses deveres só deverá ser sancionada, se se provar que resultou de uma conduta dolosa ou gravemente negligente, sendo que o julgador deverá ser especialmente prudente “….sabendo-se que a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assente em provas, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico” – cfr. Ac. STJ de 11/12/2003, proc. nº 03B3893, in www.dgsi.pt.
O princípio da licitude do exercício dos meios processuais está, assim, limitado pela ordem jurídica, que impõe que a parte esteja convencida da justiça da sua pretensão (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 261 e Ac. Trib. Rel Coimbra de 05/07/2005, processo nº 2475/05, in www.dgsi.pt), o que o Tribunal entende se verificou no caso concreto. A Demandante vem solicitar valores correspondentes à reparação de danos nos cortinados. Não resulta provado que as manchas já existiam antes de serem entregues na lavandaria, nem mesmo que aquela tinha conhecimento das mesmas pois poderiam ter resultado do transporte para a lavandaria. Assim, não resulta da prova produzida, uma conduta dolosa ou gravemente negligente da Demandante.
Assim, julgo o pedido de condenação da Demandante por litigância de má-fé improcedente.

DECISÃO:
Em face do que antecede, julgo a presente acção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Demandada e a Demandante dos respectivos pedidos.

Custas: a suportar pela Demandante (art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro).
A Demandante deverá efectuar o pagamento das custas da sua responsabilidade, no valor de € 35,00 (trinta e cinco euros), no prazo de três dias úteis a contar da notificação da presente decisão sob pena de incorrer numa penalização de €10 (dez euros) por cada dia de atraso, não podendo exceder € 140,00, nos termos do nº 10 da Portaria 1456/2001 de 28 de dezembro.

Registe, notifique e após trânsito arquive.

Bombarral, Julgado de Paz do Oeste, 16 de abril de 2019

A Juíza de Paz

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(Luísa Ferreira Saraiva)

Processado por computador Art.º 131º/5 do C.P.C.
Revisto pelo Signatário. VERSO EM BRANCO
Julgado de Paz do Oeste