Sentença de Julgado de Paz
Processo: 15/2021-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO
Data da sentença: 06/14/2021
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
Processo: 15/2021-JPCRS

SENTENÇA
Demandante:
“A”;
Demandados:
“B” e mulher, “C”.
RELATÓRIO:
O demandante propôs contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se corrija a área do prédio mãe; Se declare que a parcela identificada na alínea b) do artigo 13º do requerimento inicial se autonomizou do prédio rústico identificado no artigo 1.º do mesmo requerimento, “prédio mãe”, por via da usucapião; Se reconheça o demandante como seu dono e legítimo proprietário; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade exclusiva do demandante sobre o mesmo.
Para o efeito, juntou ao longo do processo nove documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados não contestaram.
Compareceram na Audiência de Julgamento onde só o demandante apresentou prova testemunhal.
Na Audiência de julgamento o demandante juntou um requerimento inicial aperfeiçoado, não tendo a oposição dos demandados, pelo que foi admitido, prosseguindo a Audiência.
Valor da ação: Fixo em € 2 501,00 (dois mil quinhentos e um euros).

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Encontra-se inscrito na Matriz Predial rústica da freguesia de “BJ”, concelho de “CS”, sob o artigo 3918.º, e registado na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº 1578/19960229, em nome do demandado, com a área de 12.560,00m2, o prédio rústico sito à “RGD”, no lugar de “PP”, freguesia de “BJ”, concelho de “CS”, composto de terra de semeadura com oliveiras, laranjeiras, vinha, pinhal e pastagem, a confrontar a Norte com “MLPN”, a Sul com Estrada, a Nascente com caminho e a Poente com “ATS” e outros;
2.º- No ano de 1992 o demandante, irmãos, e mãe, procederam a partilhas verbais da herança aberta por óbito de “AACA”, seu pai, falecido em 22/06/1985.
3.º- E logo procederam à divisão do prédio identificado no ponto 1.º supra em duas parcelas, completamente autónomas e distintas, conforme a configuração constante do Levantamento Topográfico a fls. 14 dos autos:
a) A parcela A, com a área de 6.793,30m2, composta por pinhal e terra de semeadura, a confrontar a Norte com “MLPN”, a Sul com rua, a Nascente com Rua e com o demandante, e a Poente com “JV”, tracejada a azul no levantamento topográfico, e que ficou a pertencer à mãe do demandante, e posteriormente aos demandados;
b) A parcela B, com a área de 5.525,10m2, composta por terra de semeadura e pinhal, a confrontar a Norte com “MLPN”, a Sul com rua, a Nascente com caminho, e a Poente com “B”, preenchida a vermelho no levantamento topográfico, e que ficou a pertencer ao aqui demandante;
4.º- Colocando marcos que cravaram no solo e delimitando as parcelas com rede ao longo das linhas divisórias de cada uma;
5.º- Tendo daí resultado 2 prédios autónomos e independentes um do outro;
6.º- Cabendo uma parcela à mãe, “EMP”;
7.º- E a outra parcela ao demandante;
8.º- Nesta data já o demandante era divorciado, situação que ainda hoje mantém;
9.º- Tendo sido casado entre 21 de setembro de 1985 e 10 de outubro de 1989 com “HMSF”, no regime de bens de comunhão de adquiridos;
10.º- E os demandados eram já casados entre si, por terem celebrado casamento em 06 de agosto de 1977, com convenção antenupcial, adotando o regime de comunhão geral de bens;
11.º- O demandante ainda em 1992 na posse da sua parcela, cultivando-a, limpando-a de mato, por si ou interposta pessoa, e cortando, ou mandando cortar, pinheiros;
12.º- O que sempre fez à vista, e com o conhecimento, de toda a gente;
13.º- De forma contínua e ininterrupta;
14.º- Agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como seu verdadeiro, e exclusivo, proprietário;
15.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados e/ou seus ante possuidores;
16.º- Na convicção de que, com sua posse, não lesava direitos de outrem;
17.º- Sendo as estremas de ambas as parcelas respeitadas por todos, rigorosamente;
18.º- Em 17 de julho de 2011, faleceu “EMP”;
19.º- E em 2013 foi outorgada Escritura de Partilhas, por óbito da mesma;
20.º- Tendo por lapso, nessa mesma Escritura, o referido prédio sido adjudicado na sua totalidade aos aqui demandados;
21.º- Não refletindo a realidade factual existente desde o ano de 1992, quando foram feitas as partilhas verbais e o demandante tomou posse da sua parcela, em total exclusividade;
22.º- E desde então encontra-se inscrito na matriz e descrito na Conservatória do Registo Predial de “CS” exclusivamente em nome do ora demandado;
23.º- Pretendendo o demandante com a presente ação adquirir a sua parcela, como prédio autónomo, com fundamento na usucapião, e inscrevê-lo na Matriz e depois registá-lo na Conservatória, de forma a proceder à harmonização das inscrições matriciais e descrições prediais com a verdadeira situação factual e jurídica do prédio;
24.º- Sendo que o demandante não é proprietário de quaisquer outros prédios rústicos confinantes a esta parcela;
25.º- Do Levantamento Topográfico, a fls. 14 dos autos, constata-se que, na realidade, o “prédio mãe” tem a área de 12.318,40m2 e não 12.560,00m2, como consta da Matriz, devendo-se essa discrepância cedência de uma parcela de terreno por parte do demandado para alargamento da rua.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, às declarações dos demandados e ao depoimento da testemunha que o demandante apresentou, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil).
O demandado, em declarações, esclareceu que a diferença de área do prédio mãe se deve a ter cedido em 2020 uma parcela de terreno para alargamento da rua.
Quanto à testemunha, “FBL”, de 56 anos, que é da localidade, e sempre lá viveu, à exceção de 2 anos em que este fora, e trabalhou na limpeza do prédio da mãe do demandante. Depôs com isenção e conhecimento direto dos factos, revelando conhecer bem as parcelas de cada um e os atos de posse, com exclusividade, e em nome próprio, pacífica e publicamente.
Factos não provados:
Não há factos não provados.

FUNDAMENTAÇÃO De direito:
O demandante visa com a presente ação alterar a área do prédio originário e adquirir por usucapião, por dele se ter autonomizado, uma parcela deste prédio [parcela B] descrita no ponto 3.º- b) dos factos provados, identificada no Levantamento Topográfico junto a fls. 14 dos autos.
E a função do instituto da usucapião não é só atribuir o direito de propriedade ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objeto sobre o qual se praticam os atos materiais, correspondentes ao direito real em causa (cf. artigo 1251.º do C. Civil).
Resulta, efetivamente, da factualidade assente que desde 1992 o referido imóvel se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, passando a partir deste ano, cada possuidor a explorar exclusivamente a sua parcela.
Posse não titulada, sendo que os respetivos títulos do prédio não refletem a realidade jurídica possessória que existe há muitos anos.
E embora exista a presunção legal de que a posse não titulada é uma posse de má-fé (cf. nº 2 do artigo 1260º do C. Civil), o demandante conseguiu ilidir esta presunção.
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1251º, 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º e 1300º, todos do C. Civil).
E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal muito superior à legalmente exigida.
Por outro lado, o artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, presunção que aqui foi, parcialmente ilidida.
O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela, o que aqui se confirmou.
Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência.
No caso dos autos resulta que a posse do demandante preenche também estes requisitos.
E presume-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados.
Não resultou da autonomização prédio encravado nem é o demandante titular de prédio confinante da mesma natureza.
Resulta assim do exposto que o demandante reúne os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião da referida parcela, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil.
E é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos por cederem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade.
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, e declarada judicialmente, o que pretende o demandante com a presente ação.
E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor do demandante, nem prejudicados os direitos de terceiros, nomeadamente os confinantes, com a correção da área, que é para menor do que a que está inscrita.

decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, sito à “RGD”, no lugar de “PP”, freguesia de “BJ”, concelho de “CS”, inscrito na Matriz Predial rústica da mesma freguesia sob o artigo 3918.º, e registado na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº 1578/19960229, “prédio mãe”, tem na realidade, e atualmente, no seu todo, a área de 12.318,40m2;
b) Declaro que este prédio rústico, “prédio mãe” se encontra atualmente dividido, em substância, em dois prédios, autónomos e independentes um do outro;
c) Declaro que pertence exclusivamente a “A”, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea a) da presente Decisão, o seguinte prédio rústico situado à “RGD”, no lugar de “PP”, freguesia de “BJ”, concelho de “CS”, preenchido a vermelho no Levantamento Topográfico de fls. 14 anexo à presente Decisão e que dela faz parte integrante:
- Terra de semeadura e pinhal, com a área de 5.525,10m2, a confrontar a Norte com “MLPN”, a Sul com rua, a Nascente com caminho, e a Poente com “B”, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
d) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [c)] como autónomo e distinto do “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva do demandante sobre o mesmo; ---
f) Em conformidade, ordeno:
- A correção da área do “prédio mãe”, inscrito na Matriz Predial rústica da freguesia de “BJ”, concelho de “CS” sob o artigo sob o artigo 3918.º, e registado na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o nº 1578/19960229, para a área de 12.318,40m2;” -
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado a favor de “A”, com a composição e da forma indicada na alínea c) da presente Decisão; -
- O consequente abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial e no registo da área deste prédio autonomizado;
Dada a natureza do processo custas totais pelo demandante.

Registe e notifique.
Carregal do Sal, 14 de junho de 2021
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)