Sentença de Julgado de Paz
Processo: 99/2020-JPVFN
Relator: CRISTINA RODRIGUES POCEIRP
Descritores: SENTENÇA COMINATÓRIA
Data da sentença: 04/30/2021
Julgado de Paz de : VILA FRANCA DAS NAVES
Decisão Texto Integral: Processo nº 99/2020 – JP
SENTENÇA

Identificação das partes: ---

Demandante: [ORG-1], com o número de identificação de pessoa coletiva [Id. Civil-1] e sede na [...], nº 4, [Cód. Postal-1] [...]. ---

Demandado: [PES-1], portador do número de identificação civil [Id. Civil-2], residente na [...], nº 115, [Cód. Postal-2] [...], [...]. ---

Objeto do litígio: ---

A demandante instaurou a presente ação declarativa de condenação pedindo, com base nos fundamentos constantes do respetivo requerimento inicial, que aqui se reproduzem, que a mesma seja julgada procedente e, em consequência, que o demandado seja condenado a pagar à demandante a quantia de € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros vincendos na pendência da ação até efetivo e integral pagamento.---

Para tanto, a demandante alegou os factos constantes do respetivo requerimento inicial, segundo os quais, resumidamente, no âmbito da respetiva atividade de proteção de pessoas e bens, socorro de feridos e doentes, designadamente de transporte de doentes, a pedido do demandado, prestou-lhe serviços de transporte em ambulância, no valor acordado de € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), isento de IVA; serviço que o demandado não pagou, apesar de interpelado pela demandante.---

Juntou cinco documentos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. ---


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O demandado foi, pessoal e regularmente, citado e não apresentou contestação. Faltou à sessão de pré-mediação e não justificou a respetiva falta no prazo legal. Notificado para comparecer na audiência de julgamento, com as legais advertências e cominações, faltou e não apresentou justificação da respetiva falta. ---

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A audiência de julgamento decorreu com observância dos legais formalismos. ---

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Mantêm-se os pressupostos de regularidade e validade da instância. ---

O julgado de paz é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território (artigos 6º, nº 1, 8º, 9º, nº 1, alínea i) e 12º, nº 1 da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho). ---

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. ---

Não há exceções, nulidades ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa. ---


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Valor da ação: fixa-se o valor da presente ação em € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), em conformidade com a posição das partes e as disposições conjugadas dos artigos 296º, nº 1, 297º, nº 1, 299º, 305º e 306º do Código de Processo Civil, aplicáveis por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho. ---

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Questão a decidir: qualificação da relação jurídica estabelecida entre as partes e consequências do não cumprimento da obrigação de pagar a retribuição à demandante, pelos serviços de transporte em ambulância em causa nos autos. ---

Assim, cumpre apreciar e decidir. ---

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ---
Consideram-se provados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa: ---
1. A demandante é uma pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos, que tem como objeto a proteção de pessoas e bens, designadamente o socorro de feridos, doentes, náufragos e a extinção de incêndios, detendo e mantendo em atividade para o efeito um corpo de bombeiros voluntário; ---

2. No exercício das referidas atividades, a demandante também se dedica ao transporte de doentes em ambulâncias; ---

3. No âmbito dessa atividade, no dia 18-04-2020, a demandante foi contratada pelo demandado para lhe prestar serviços de transporte em ambulância entre “[...] e [...] x Valdujo”; ---

4. Com este serviço prestado pela demandante ao demandado, a ambulância da demandante percorreu uma distância de 131 (cento e trinta e um) quilómetros, pelo preço acordado de € 0,51 (cinquenta e um cêntimos) cada; ---

5. A demandante emitiu a correspondente fatura nº FAC / 7743, em 20-04-2020, com data de vencimento a 20-05-2020, com o valor de € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), com isenção de IVA, pelos quilómetros percorridos; ---

6. Até ao presente, o demandado não liquidou o débito, não obstante ter sido interpelado pela demandante por diversas vezes para o fazer; ---

7. A demandante enviou ao demandado um aviso de vencimento por via postal, datado de 10-11-2020; ---

8. A demandante nunca recebeu qualquer comunicação por parte do demandado; ---

Factos não provados: não há quaisquer factos não provados a especificar com relevância para a decisão dos autos. ---

Motivação dos factos provados: ---
A convicção do tribunal fundou-se na apreciação e conjugação crítica dos documentos juntos aos autos e na confissão dos factos alegados pela demandante no respetivo requerimento inicial, decorrente da citação pessoal e regular do demandado, da ausência de qualquer contestação sua e da respetiva falta não justificada à audiência de julgamento agendada nos autos. ---
Com efeito, o nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, determina que “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.”.---

Sendo que, os factos acima elencados, designadamente sob os números 3 a 8 são suscetíveis de prova por confissão (artigos 352º e 354º do Código Civil, diploma a que pertencem todas as normas posteriormente referidas sem expressa menção da sua fonte legal). ---

Atendeu-se ainda às regras de repartição do ónus da prova (artigos 342º e seguintes). ---

Quanto aos documentos juntos aos autos, foram considerados relevantes os Estatutos da demandante de fls. 8 a 17 dos autos, que comprovam os factos considerados provados sob os números 1 e 2; o verbete de justificação de transporte em ambulância nº P3442, datado de 18-04-2020, de fls. 18 dos autos e a fatura emitida pela demandante de fls. 19 dos autos, que também comprovam os factos considerados provados sob os números 3 a 5; e o aviso de vencimento de fls. 20 dos autos, que também comprovam os factos considerados provados sob o número 7, e que não foram impugnados.---

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: ---
De acordo com a factualidade considerada provada acima elencada sob os números um e dois, a demandante é uma pessoa coletiva de utilidade pública, sem fins lucrativos, que tem como objeto a proteção de pessoas e bens, designadamente o socorro de feridos, doentes, náufragos e a extinção de incêndios, detendo e mantendo em atividade para o efeito um corpo de bombeiros voluntário, com vista designadamente ao transporte de doentes em ambulâncias (artigo 2º da Lei nº 32/2007, de 13 de agosto).---
É a própria lei que reconhece o especial interesse social e humanitário do exercício de tais atividades, particularmente no âmbito do transporte de doentes em ambulâncias. ---

Com efeito, no preâmbulo do Decreto-Lei nº 38/92, de 28 de março, respeitante à atividade de transporte de doentes, consta esse expresso reconhecimento, quando considera que “É inegável o interesse de a comunidade em geral e de os doentes em particular disporem de uma rede de transportes de saúde que lhes garanta a cabal satisfação das suas necessidades nesta matéria.”, referindo ainda “O relevante papel que as corporações de bombeiros têm desempenhado neste âmbito, voluntariosamente e de modo duradouro, (…).”.---

Na execução da prestação de serviços de transporte de doentes, a demandante dispõe de veículos adequados para tal efeito (ambulâncias), como se verifica ter ocorrido no caso concreto dos autos, atentos os factos dado como provados sob os números três e quatro, e lhe é imposto pela Lei nº 12/97, de 21 de maio, alterada pela Lei nº 14/2013, de 31 de janeiro, que regula a atividade de transporte de doentes por corpos de bombeiros e pela [ORG-2]

Portanto, a demandante, pessoa coletiva, exercendo também a atividade de transporte de doentes, tem capacidade e legitimidade para celebrar o contrato de transporte em causa nos autos (conforme resulta da conjugação dos supra indicados diplomas legais). ---

Com efeito, atendendo à factualidade considerada provada acima elencada sob os números três e quatro, as partes celebraram entre si, por referência ao serviço de transporte em ambulância titulado pela fatura acima identificada, um contrato de prestação de serviços (de transporte). ---

De acordo com o artigo 1154º, o “Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.”, significando no caso concreto dos autos que a demandante se obrigou a transportar o demandado em ambulância entre [...] Valdujo e [...] x Valdujo, como efetivamente fez, devendo receber do demandado, como contrapartida, a retribuição acordada no valor de € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), que, porém, aquele não pagou.---

Por outro lado, segundo o artigo 1156º, “As disposições sobre o mandato são extensivas, com as necessárias adaptações, às modalidades do contrato de prestação de serviço que a lei não regule especialmente.”, não constando o contrato de transporte (incluindo de doentes) no elenco do artigo 1155º, pelo que, se considera um contrato inominado ou atípico, celebrado legitimamente pelas partes ao abrigo dos princípios da autonomia privada e da liberdade contratual (artigos 398º e 405º), mas cujo regime não se encontra expressamente tipificado na nossa lei civil.---

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “Entre os contratos de prestação do serviço que não têm regulamentação especial no Código Civil, encontra-se o de transporte.” (vide in Código Civil Anotado, Vol. II, pág. 784, 4ª edição, Coimbra Editora). ---

É, precisamente, o que ocorre no caso dos presentes autos, pois, conforme resulta da factualidade considerada provada, a demandante demonstrou nos autos, como lhe competia, a existência da relação contratual e a efetiva prestação do serviço de transporte do demandado em ambulância, que para tal percorreu 131Km. ---

Segundo o artigo 762º, o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado e o contrato deve ser integral e pontualmente cumprido por ambos os contraentes (artigo 406º). ---

No caso concreto dos autos, ficou demonstrado que a demandante cumpriu integralmente a respetiva obrigação, uma vez que transportou o demandado (doente) em ambulância, conforme solicitado pelo mesmo. ---

Logo, a demandante cumpriu a sua obrigação de prestar o serviço de transporte (praticar o ato compreendido no contrato de prestação de serviço), segundo as instruções do demandado [artigo 1161º, alínea a)]. ---

O demandado, por sua vez, não cumpriu, pontualmente, a respetiva obrigação de pagar a retribuição devida à demandante aqui em causa [artigo 1167º, alínea b)], pois, apesar de vencida a sua obrigação, não fez o pagamento de tal valor até ao presente, como também resulta da factualidade considerada provada sob o número seis. ---

Sendo que, nos autos não foi alegado, nem provado qualquer facto que impedisse, modificasse ou extinguisse a produção do efeito jurídico pretendido pela demandante, ónus que competia ao demandado (artigo 342º, nº 2). ---

Conclui-se, assim, que o demandado faltou, culposamente, ao cumprimento pontual e integral da respetiva obrigação, sendo responsável pelo prejuízo que causou ao credor com a sua conduta, uma vez que, incumbindo-lhe o ónus de provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua (artigos 798º e 799º), também não fez prova de tal facto. ---

De acordo com o disposto nos artigos 804º e 806º, verificando-se um retardamento do pagamento do preço, por causa imputável ao devedor, este constitui-se em mora e, consequentemente, na obrigação de reparar os danos causados à demandante, aqui também peticionados pela mesma. ---

Como se trata de obrigações pecuniárias, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, e se a obrigação tiver prazo certo, como ocorre no caso dos autos, o devedor fica constituído em mora a partir dessa data [artigo 805º, nº 2, alínea a)], isto é, no caso em apreço, a partir da data de vencimento da fatura aqui em causa. Contudo, no caso concreto dos autos, a demandante apenas peticiona os juros de mora vincendos na pendência da ação até efetivo e integral pagamento. ---

Atento o exposto, a demandante tem, efetivamente, direito ao pagamento da retribuição ainda em dívida, no valor de € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), e dos respetivos juros de mora legais vencidos e vincendos, desde a data de citação do demandado (13-01-2021) até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa de 4,00%, conforme resulta da conjugação do disposto no artigo 559º, nº 1 e do artigo 1º da Portaria nº 291/2003, de 08 de abril, como peticionou.---

DECISÃO: ---
Em face do exposto, julga-se a ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condena-se o demandado a pagar à demandante a quantia de € 66,81 (sessenta e seis euros e oitenta e um cêntimos), acrescida de juros de mora civis, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, calculados desde a citação até efetivo e integral pagamento. ---


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As custas totais, no valor de € 70,00 (setenta euros), são da responsabilidade do demandado, sendo que tal importância deve ser paga num dos três dias úteis imediatamente subsequentes ao do conhecimento da presente decisão, sob pena de aplicação de uma sobretaxa de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, não podendo o montante global da sobretaxa exceder o valor de € 140,00 (cento e quarenta euros), nos termos do disposto no artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e dos artigos 1º, 2º, nº 1, alínea b) e nº 3 e 3º, nº 4 da Portaria nº 342/2019, de 01 de outubro.---

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Adverte-se o demandado que a falta de pagamento das custas da sua responsabilidade, através do documento único de cobrança (DUC) emitido pelo Julgado de Paz e no referido prazo, terá como consequência a submissão de certidão de dívida de custas para efeitos de execução fiscal junto da Administração Tributária, após o trânsito em julgado da presente decisão (artigo 35º, nºs 1 e 2 do Regulamento das Custas Processuais). ---

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Registe e notifique. ---

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A presente sentença compõe-se de cinco folhas com os respetivos versos em branco e foi elaborada (por meios informáticos) e revista pela signatária. ---

Vila Franca das Naves, 30 de abril de 2021

A juíza de paz,

(Cristina Maria da Costa Rodrigues Poceiro)