Sentença de Julgado de Paz
Processo: 1248/2017 JPLSB
Relator: SOFIA CAMPOS COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL – INDEMNIZAÇÃO POR DANOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE VIAÇÃO.
Data da sentença: 12/21/2018
Julgado de Paz de : LISBOA
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1248/2017 JPLSB

Objeto: Responsabilidade civil – indemnização por danos decorrentes de acidente de viação.

Demandante: A..
Mandatário: Sr. Dr. B.
Demandada: C., S.A.
Mandatário: Sr. Dr. D.

RELATÓRIO:
A demandante, devidamente identificada nos autos, intentou contra a demandada, também devidamente identificada nos autos, a presente ação declarativa de condenação, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 1.871,30 (mil oitocentos e setenta e um euros e trinta cêntimos), acrescida de juros de mora. Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial, de folhas 1 a 7 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, alegando, em síntese, que no dia 14 de outubro de 2016, pelas 16:15 horas, na Praça …, concelho de Lisboa, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo automóvel matrícula 00-IJ-00 (doravante referido IJ), propriedade da demandante e por si conduzido, e o motociclo matrícula 00-PE-00 (doravante referido PE), propriedade e conduzido por E.; alega que no dia, hora e local acima referidos, o IJ circulava na Av. …., vindo da Av. …., pretendendo seguir em frente na rotunda; e o PE circulava na Av. …., pretendendo seguir em frente na rotunda, em direção ao … e, sem que nada o fizesse prever, na rotunda, o IJ é embatido na sua lateral esquerda pelo PE. Alega o seu semáforo estava verde, pelo que o do PE tinha necessariamente de estar encarnado, e que o condutor do PE desrespeitou-o. Alega que a culpa do acidente se deve integralmente ao condutor do PE que, assim, é responsável (responsabilidade que transferiu para a demandada) pela reparação dos danos causados no seu veículo, orçados em € 1.371,30 (mil trezentos e setenta e um euros e trinta cêntimos), bem como nos danos morais que teve, peticionando indemnização no montante de € 500 (quinhentos euros). Juntou procuração forense e 7 documentos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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Regularmente citada, a demandada contestou (a fls. 31 e 32 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidas), alegando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da condutora do IJ, que desrespeitou um sinal encarnado, pelo que deverá ser absolvida do pedido. Juntou os documentos de fls. 33 a 38 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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A demandante aderiu à mediação, tendo sido marcada data para realização da sessão de pré mediação, à qual a demandada não compareceu, nem apresentou justificação, pelo que foi marcada data para realização audiência de julgamento, tendo as partes, e mandatário, sido devidamente notificados.
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Foi realizada a audiência de julgamento, na presença das partes, e mandatários, tendo a Juíza de Paz procurado conciliar as partes, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art.º 26.º, da LJP, diligência que não foi bem sucedida.
Foi ouvida a parte demandante, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 57.º da LJP, e realizada a audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como resulta da respetiva ata, tendo sido ouvidas as testemunhas apresentadas por ambas as partes.
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Nos termos do n.º 1 do art.º 306.º do Código de Processo Civil, fixa-se à causa o valor de € 1.871,30 (mil oitocentos e setenta e um euros e trinta cêntimos).
O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade jurídica e são legítimas.
Não existem nulidades ou exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão da causa, ficou provado que:
1 – No dia 14 de outubro de 2016, pelas 16:15 horas, na Praça …, concelho de Lisboa, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo automóvel matrícula 00-IJ-00 (doravante referido IJ), propriedade e conduzido pela demandante, e o motociclo matrícula 00-PE-00 (doravante referido PE), propriedade e conduzido por E.
2 – O local do acidente configura uma rotunda com quatro saídas, regulada por sinalização vertical luminosa.
3 – O IJ circulava na Av. …., vindo da Av. ….l, pretendendo seguir em frente na rotunda.
4 – O PE circulava na Av. …., em direção ao …., pretendendo seguir em frente na rotunda.
5 – Os veículos embatem na rotunda: a frente do PE com a lateral esquerda do IJ.
6 – O sinal luminoso que precede o local de embate estava verde para o condutor do PE.
7 – O sinal luminoso que precede o local de embate estava encarnado para o condutor do IJ.
8 – O acidente foi participado à Polícia de Segurança Pública que elaborou na Participação de acidente de fls. 8 a 11 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
9 – À data do sinistro, a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo matrícula PE encontrava-se transferida para a Companhia de Seguros demandada, ao abrigo do contrato de seguro automóvel, titulado pela apólice nº 0000.
10 – A Companhia de seguros demandada peritou o IJ, tendo orçado a sua reparação em € 1.371,30 (mil trezentos e setenta e um euros e trinta cêntimos) – (Doc. a fls. 21).
11 – O condutor do PE participou á demandada o acidente nos termos do documento a fls. 33 e 34 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzida.
12 – A demandada recolheu o depoimento de duas testemunhas do acidente, nos termos dos documentos de fls. 35 a 37 dos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Não ficou provado:
Não se provaram mais nenhuns factos alegados e com interesse para a decisão da causa, designadamente:
1 – O sinal luminoso que precede o local de embate estava encarnado para o condutor do PE.
2 – O sinal luminoso que precede o local de embate estava verde para o condutor do IJ.
Motivação da matéria de facto:
Para fixação da matéria fáctica dada como provada concorreram os factos admitidos, os documentos juntos aos autos e o depoimento das testemunhas apresentadas por ambas as partes.
Quanto ao depoimento das testemunhas apresentadas, esclareça-se que foi para nós essencial o depoimento da testemunha F., apresentada pela demandada, pessoa que assistiu ao acidente, por estar parada no sinal luminoso encarnado no qual a demandante deveria ter parado e referiu que a viu passar (pela direita da testemunha) não tendo parado no referido sinal luminoso encarnado; disse também que o motociclo iniciou a sua marcha já com sinal verde, esclarecendo que concluiu que esse sinal estava verde, pois o seu sinal já estava encarnado “há algum tempo”; referiu também que a demandante não saiu do carro para ir ver do estado do condutor do motociclo, que caiu, tendo ficado no carro parada, e que mesmo após a testemunha ir ter com ela, que a mesma não foi aferir do estado do condutor do motociclo. Esclareça-se que esta testemunha prestou depoimento de forma segura, convincente e demonstrando terem conhecimento direto e circunstanciado de todos os factos sobre os quais depunha, e fazendo-o de forma peremptória e assertiva, esclarecendo o Julgado de Paz de todas as questões que lhe foram colocadas.
A testemunha G, apresentada pela demandada, condutor do PE, disse também que quando “arrancou” o seu sinal já estava verde e que a demandante passou com sinal encarnado; disse também que esta não teve qualquer preocupação com o seu estado de saúde, que nem lhe foi perguntar se estava bem; disse que não foi assinada declaração amigável porque a demandante não quis, que quis chamar a polícia, o que fez.
Por sua vez, a testemunha apresentada pela demandante, sua filha, que a acompanhava no dia do acidente, disse que a sua mãe não passou nenhum sinal encarnado, que estava verde, e que só se aperceberam do acidente com o embate do motociclo, que não viu a moto antes; confirmou também que ficaram no carro, não saíram. Esclareça-se que o depoimento desta testemunha não foi seguro, convincente, peremptório e assertivo; ficámos com dúvidas quanto à imparcialidade do seu depoimento.
Não foram provados quaisquer outros factos alegados pelas partes, designadamente os dois acima indicados, dada a ausência de mobilização probatória credível, que permitisse ao tribunal aferir da veracidade desses factos, após a análise dos documentos juntos aos autos e da audição da parte demandante e das testemunhas apresentadas.
Refira-se ainda que este tribunal, ao abrigo do prescrito no n.º 3, do art.º 466.º, do Código de Processo Civil, não considerou suficiente as declarações de parte prestadas pela demandante para dar por provados os factos alegados que não considerámos provados, atento os depoimentos contraditórios prestados pelas duas testemunhas apresentadas pela demandada, especialmente o depoimento da testemunha F.
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FUNDAMENTAÇÃO – MATÉRIA DE DIREITO
Com a presente ação pretende a demandante ser indemnizada dos danos para si advenientes do acidente de viação alegadamente ocorrido no dia 14 de outubro de 2016, cuja culpa imputa exclusivamente ao condutor do motociclo PE, fundamentando, assim, a sua pretensão indemnizatória no instituto da responsabilidade civil extracontratual.
A questão a resolver resume-se, basicamente, à verificação da existência dos pressupostos da responsabilidade civil, geradores da obrigação de indemnizar. Prescreve o artigo 483.º, do Código Civil, que “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”, ou seja, são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: (1) a existência de um facto voluntário, (2) a ilicitude da conduta, (3) a imputação subjetiva do facto ao agente e (4) a existência de um dano, (5) o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos.
O primeiro elemento pressupõe um facto voluntário violador de um dever geral de abstenção ou uma omissão que viola um dever jurídico de agir, isto é, um facto objetivamente controlável pela vontade (excluindo-se assim os casos de força maior ou por circunstâncias fortuitas). O segundo elemento (ilicitude) consiste na violação de direitos subjetivos (reais, de personalidade, familiares), de leis que protegem interesses alheios, particulares ou coletivos exprimindo a ilicitude fundamentalmente um juízo de reprovação e prevenção. O dano é a perda sofrida por alguém em consequência do facto, seja o dano real ou patrimonial. Finalmente, é necessário que o facto seja em abstrato ou em geral causa do dano (ou uma das causas), isto é, que este dano seja uma consequência normal ou típica daquele, tendo em conta as circunstâncias reconhecíveis por uma pessoa normal ou as efectivamente conhecidas do lesante. Prescreve o n.º 1 do artigo 342.º, do Código Civil, que “Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”, ou seja, regra geral compete à parte demandante a prova da verificação dos requisitos dos pressupostos da responsabilidade civil, no caso que o acidente ocorreu nas circunstâncias alegadas no requerimento inicial: que o condutor do PE não observou um sinal luminoso encarnado.
Porém, produzida a prova a dinâmica do acidente que resultou provada foi exactamente a contrária: foi a demandante, condutora do IJ que não observou um sinal luminoso encarnado, tendo ficado provado que, quando o condutor do PE iniciou a marcha, o sinal luminoso que precedia o local de embate estava-se verde. Desta descrição resulta que o acidente teve como sua causa a inobservância, pelo condutor do IJ, do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 69.º, do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de outubro, que prescreve que prescreve que a luz vermelha na sinalização luminosa significa “passagem proibida: obriga os condutores a para antes de atingir a zona regulada pelo sinal”, bem como, consequentemente, o disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2, 11.º, n.º 2 e 69.º, do Código da Estrada, sendo-lhe, consequentemente, imputada a culpa efetiva do acidente, pelo que o direito da demandante a ser indemnizada pelos danos que lhe advieram do acidente carece de fundamento.
Refira-se ainda que não ficou provado – e ao demandante incumbia tal prova, atendo o disposto no art.º 342.º do Código Civil – qualquer facto que indicie que o condutor do PE tenha, de algum modo, adoptado algum comportamento violador de qualquer dever de cuidado estradal, causal do acidente.
Consequentemente fica prejudicada a análise do remanescente pedido formulado pela demandante (indemnização por danos morais), porquanto a análise do mesmo dependia da procedência do pedido acima analisado (cfr. art.º 608.º do Código de Processo Civil). --
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DECISÃO
Em face do exposto, julgo a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a demandada do pedido.
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CUSTAS
Nos termos da Portaria n.º 1.456/2001, de 28 de dezembro, declaro a demandante parte vencida, indo condenada no pagamento das custas processuais, que ascendem a € 70 (setenta euros), devendo proceder ao pagamento dos € 35 (trinta e cinco euros) em falta, neste Julgado de Paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10 (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no número 9 da mesma portaria, em relação à demandada. Decorridos vinte dias sobre o termo do prazo acima concedido, sem que se mostre efetuado o pagamento, emita-se a respetiva certidão para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, e remeta-se aos Serviços do Ministério Público junto do Juízo Local Cível do Tribunal da Comarca de Lisboa, pelo valor das custas em dívida, acrescidas da respetiva multa, com o limite previsto no n.º 10 da Portaria nº 1456/2001, de 28 de dezembro, com a redação que lhe foi atribuída pela Portaria nº 209/2005, de 24 de fevereiro.
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A presente sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária – art.º 18.º da citada Lei n.º 78/2001) foi proferida e notificada às mandatárias das partes, nos termos do n.º 2 do artigo 60.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, com a redação que lhe foi atribuída pela Lei n.º 54/2013, de 31 de Julho, que ficou ciente de tudo quanto antecede.
Remeta-se cópia às partes.
Registe.
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Julgado de Paz de Lisboa, 21 de dezembro de 2018
A Juíza de Paz,
(Sofia Campos Coelho)