Sentença de Julgado de Paz
Processo: 85/2020-JPFNC
Relator: DANIELA CERQUEIRA
Descritores: PLANO DE INCAPACIDADE POR ACIDENTE
Data da sentença: 02/17/2021
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 85/2020 – JP


Sentença

Demandante: E…, residente na Rua … Caniço
Demandada: C– Sucursal em Portugal, com sede …

Relatório
O Demandante intentou contra a Demandada melhor identificada a fls. 1, a presente acção declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial de fls. 1 a 12 que aqui se dá por integralmente reproduzido, pedindo a condenação desta ao pagamento da quantia de € 860,00 (oitocentos e sessenta euros), argumentando o seguinte:
a) Que no dia 24-09-2013 contratou com a Demandada, um seguro de incapacidade por acidente, por um ano, renovável por iguais períodos, titulado pela apólice 3357639;
b) A pessoa segura era a sua filha Diana…, menor de 5 anos à data da celebração da apólice.
c) O Demandante cumpriu o pagamento do prémio mensal até setembro de 2018.
d) No dia 14.06.2017 a pessoa segura circulava na via pública, a caminho da catequese, escorregou no passeio e foi Projectada no solo, embatendo com o braço esquerdo;
e) Deu entrada nos serviços de urgência hospitalar pelas 21:03h e após os necessários cuidados, teve alta hospitalar às 22:57h desse mesmo dia.
f) No seguimento dos tratamentos julgados necessários, foi à Clínica de Santa Luzia no dia 17.06.2017, para a consulta de acompanhamento como Dr. F, especialista em Ortopedia e traumatologia.
g) Após avaliação foi-lhe emitido certificado de ITA por 30 dias de 15.06.2017 a 14.07.2017.
h) Na consulta de reavaliação, o Médico emitiu novo certificado de ITA por outros 30 dias – de 15.07.2017 a 13.08.2017.
i) Nesse dia 13.08.2017 a segurada teve alta.
j) O Demandante participou o sinistro através de carta registada recebida pela Demandada em 04.06.2018.
k) A Demandada atribuiu ao sinistro o nº de processo Q32485
l) No dia 23.07.2018 a Demandada contactou o Demandante informando que o sinistro não se enquadrava na secção B, mas sim na secção C da apólice;
m) No dia 17.08.2018 o Demandante recebeu o pagamento de subsídio por fratura maior, referindo o enquadramento do sinistro na dita secção C.
n) Por carta recebida a 4.09.2018 o Demandante rejeitou esse enquadramento;
o) Em 05.09.2018 a Demandada respondeu, informando que iriam tratar da reclamação apresentada.
p) Até hoje aguarda pela resposta da Demandada a essa reclamação.
q) O Demandante deveria ter recebido a quantia de € 460,00 pela ITA de 60 dias sofrida pela sua filha relativamente ao exercício da sua actividade normal, na natação, catequese, escotismo, etc…
r) Pretende ainda ser ressarcido pelos honorários do seu Perito averiguador, no valor de € 400,00, responsabilizando a Demandada pelos danos patrimoniais e pelo incumprimento extracontratual alegado.
Juntou documentos de fls. 13 a 41, 107-114 bem como procuração. ---*---
Tramitação:
Regularmente citada em 20.07.2019, (fls. 47) a Demandada apresentou contestação a fls. 54 a 63, defendendo-se por impugnação e por excepção, alegando o seguinte:
a) Confirma ter celebrado com o Demandante, em 24.09.2013 o contrato de seguro “Plano de incapacidade por doença” titulado pela apólice nº 3357639 (fls. 13-18)
b) Confirma ter celebrado com o Demandante, em 24.09.2013 outro contrato de seguro designado por “Plano de hospitalização por doença” titulado pela apólice nº 1394357 (fls. 67-72)
c) Confirma que um ano após o acidente, recebeu a participação de sinistro do Demandante, acompanhada de um atestado médico onde se identifica como causa do acidente “queda” e zona afectada “cotovelo esquerdo”, bem como dois certificados de incapacidade temporária para o trabalho de 15.06.2017 a 13.08.2017 e um RX do cotovelo esquerdo da segurada.
d) Abriu o Procº de sinistro com o nº Q32485 e deu início às diligências usuais de gestão do mesmo.
e) Uma dessas diligências foi um telefonema mantido com o Demandante, onde este declarou que a filha não tinha faltado às aulas, uma vez que a mesma é destra e que não tinha tido qualquer impedimento na prossecução da sua actividade principal
f) Tendo o gestor informado que a situação não se encontrava coberta pela cobertura do plano de incapacidade por acidente, mas apenas pelo plano de hospitalização por acidente.
g) Explicação que foi aceite pelo Demandante.
h) A segurada é estudante, não tendo ficado impedida de desempenhar a sua actividade escolar, nem a catequese e realizar a maior parte das suas actividades diárias.
i) Motivos pelos quais a Demandada liquidou ao Demandante a quantia de € 143,75 pela hospitalização.
j) O subsídio de incapacidade parcial só é devido caso haja um período anterior de incapacidade temporária absoluta o que não foi o caso.
k) A Demandada desconhece se o Demandante contratou ou não um perito averiguador e impugna o doc. 9 junto com o R.I. e os certificados médicos emitidos, por se destinarem à segurança social e para actividades remuneradas.
Concluiu pela sua absolvição; apresentou requerimentos de prova, juntou docs de fls. 67-72, um ficheiro áudio com uma chamada telefónica mantida com o Demandante e procuração a fls. 86-88.
Foram ordenadas as diligências de instrução requeridas pelas partes e observado o direito ao contraditório de ambas, resultando das mesmas, a junção aos autos dos documentos de fls. 64-66.

Notificado para se pronunciar, o Demandante veio a fls. 81-82 ampliar o pedido no sentido de pretender que do mesmo passasse a constar um pedido de indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 2 000,00, requerendo outras diligências probatórias.
Ouvida a Demandada, a mesma veio opor-se, nos termos melhor exarados a fls. 87-90 que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
Foi agendada a audiência de julgamento para dia 25.11.20207, no início da qual foi indeferida a requerida ampliação do pedido e fixado o valor da acção em € 860,00. Não tendo sido apresentadas quaisquer testemunhas, foi admitida a junção aos autos dos documentos de fls. 107 a 114, bem como da gravação áudio da chamada telefónica mantida entre o gestor do sinistro e o Demandante. Efetuadas todas as diligências de prova admitidas e tendo sido necessário interromper a audiência para o exercício do legítimo contraditório, foi acordado com as partes que uma vez cumprido o direito de pronúncia de cada uma das partes, se abriria prazo para alegações escritas, no final do qual seria proferida a sentença, sem necessidade de audiência presencial, tendo em conta as actuais restrições sanitárias decorrentes da Pandemia Covid 19. (fls. 103-105)
A Demandada veio impugnar a força probatória dos documentos juntos pelo Demandante alegando que os mesmos são meros documentos particulares. (fls. 123-125.
No prazo legal, as partes alegaram por escrito, conforme consta de fls. 133 a 141, 146 e 147, mantendo na íntegra as suas posições.
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Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância. O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. Não existem nulidades que invalidem o processado. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. Não se verificam excepções que cumpra conhecer ou que obstem ao conhecimento da causa.

Valor: atribuo à causa o valor de € 860,00 (oitocentos e sessenta euros) Cfr. normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Questões a decidir:
A) Se a apólice do “Plano de Incapacidade por acidente” cobre a reclamada ITA da segurada.
B) Se a recusa no pagamento por parte da Demandada é ou não legítima.
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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação.
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Fundamentação – Matéria de Facto assente por acordo ou confissão:
I. Em 24.09.2013, o Demandante e a Demandada, celebraram um contrato de seguro “Plano de incapacidade por acidente”, titulado pela apólice nº 3357639 na modalidade Prata, nos termos e condições juntas a fls. 13-18 e 135
II. Em 14.06.2017 Diana França, filha menor do Demandante, deu entrada na Urgência do Hospital Nélio Mendonça, onde lhe foi diagnosticada uma fratura no braço, tendo alta no mesmo dia; - Fls. 19
III. Pelo Ortopedista que acompanhou a segurada, foi emitido um atestado de incapacidade e 2 certificados de incapacidade para o trabalho que comprovavam a sua incapacidade total de 15.06.2017 a 13.08.2017. Fls. 21
IV. No dia 28.05.2018, a Demandada recebeu uma participação de sinistro acompanhada de atestado médico emitido pelo referido Ortopedista onde se identifica como causa do acidente “queda” e zona afectada “cotovelo esquerdo”, acompanhada dos dois certificados acima referidos e cópia do RX do cotovelo esquerdo da segurada. Fls. 20-25
V. Verificando-se uma incapacidade prevista no contrato, a Demandada está obrigada a pagar o subsídio mensal acordado, desde que respeitados os procedimentos e condições vertidos no clausulado da referida apólice – artº 16º da contestação.

Matéria de Facto provada:
1. Em 14.06.2017 Diana França, filha menor do Demandante, circulava na via pública em direcção à catequese, quando escorregou no passeio, foi Projectada para o solo embatendo com o braço esquerdo.
2. Deu entrada às 21:03h na urgência do Centro Hospitalar do Funchal de onde obteve alta às 22:57h do mesmo dia, com o diagnóstico de fratura. Fls. 19
3. Em 23.07.2018 o Demandante foi contactado pelo gestor de sinistros da Demandada.
4. No dia 17.08.2018 a Demandada liquidou ao Demandante o subsídio referente ao “Plano de hospitalização por doença” titulado pela apólice nº 1394357, recusando a cobertura do tempo de ITA de 60 dias, por considerar que a segurada não ficou impossibilitada da sua actividade principal – in casu – aulas.
5. No dia 04.09.2018 o Demandante manifestou a sua discordância por carta registada com aviso de recepção enviada à Demandada.
6. No dia 05.09.2018 a Demandada informou que o assunto tinha sido reencaminhado para o Departamento de reclamações.
7. Desde então o Demandante não obteve qualquer resposta, nem qualquer pagamento a título de incapacidade parcial ou absoluta, vendo-se obrigado a instaurar a presente acção.
8. A segurada é nadadora federada e esteve impossibilitada de praticar a actividade de natação que praticava desde 2013, entre junho e agosto de 2017 - fls. 108
9. A segurada esteve impedida de participar nas actividades do Agrupamento de escolas entre junho e agosto de 2017 – fls. 110

Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente:
a) Que o Demandante não tenha cumprido todas as condições da apólice;
b) Que o Demandante tenha confirmado que a menor não tinha sofrido qualquer incapacidade;
c) Que o Demandante tenha aceite e sem reservas as explicações da Demandada sobre a sua exclusão da cobertura da secção B;
d) Que a apólice condicione a cobertura ao apuramento da efetivação da incapacidade e sua extensão ou a qualquer confirmação por médico por si nomeado;
e) Que a recusa da Demandada se funde no resultado de quaisquer diligências por si efetuadas, que tenham avaliado a realidade e duração da incapacidade em causa ou apurado as actividades usuais da vida doméstica, social e/ou escolar da pessoa segura.

Motivação da Matéria de Facto:
Os factos provados resultaram da conjugação das declarações das partes nos seus articulados, dos documentos juntos e dos elementos que foram recolhidos ao longo do processo e em sede de audiência de julgamento, tal como os factos não provados resultam da falta de elementos que permitam sobre os mesmos formar outra convicção. Nenhuma das partes apresentou qualquer testemunha, tendo sido ouvida a chamada telefónica efetuada pela Demandada ao Demandante e da qual se transcreve o seguinte :

Ouvido este telefonema, não resulta do mesmo nem a aceitação, nem a renúncia do Demandante a qualquer direito, e muito menos qualquer resposta final sobre a participação do sinistro. Resulta apenas o que dele resulta, um telefonema da Demandada para esclarecer dúvidas, pedir o CC da segurada e evitar outras diligências que – talvez face à distância – não compensava tratar de outra forma. Opção que – tal como a defesa do Demandante, apenas a si respeita, não podendo, contudo, daqui retirar outras consequências do que aquelas mínimas que tem.
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Fundamentação – Matéria de Direito:
Em causa um contrato de seguro do ramo vida/acidentes pessoais, que - em geral - é a convenção pela qual uma das partes – a seguradora – se obriga, mediante retribuição – prémio – paga pela outra parte – o tomador – a assumir determinado risco – e, caso este ocorra, a satisfazer ao segurado ou a terceiro, uma indemnização pelo prejuízo ou um montante previamente estipulado (Almeida Costa, RLJ, Ano 128º, nº 3862, págs. 20 e 21). É um contrato bilateral; oneroso, consensual e formal, sendo de execução continuada e de adesão, pois uma das partes limita-se a aderir aos termos que lhe são propostos, sem qualquer capacidade negocial para além do aceitar ou não aceitar.
O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) vem previsto no D.L. 72/2008 de 16 de Abril com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 147/2015, de 09/09 e o artigo 32.º n.º 1 do RJCS estabelece a regra da liberdade de forma na celebração do contrato de seguro, obrigando o seu n.º 2 o segurador a formalizar o contrato num documento escrito.
A apólice de seguro é o documento que titula o contrato celebrado entre o tomador do seguro e a seguradora e é formada pelas condições gerais, especiais, e particulares que tiverem sido acordadas.
Condições gerais são as que se aplicam a todos os contratos de seguro de um mesmo ramo ou modalidade. Condições especiais são as que, completando ou especificando as condições gerais, são de aplicação generalizada a determinados contratos de seguro do mesmo tipo e as condições particulares são as que se destinam a responder em cada caso às circunstâncias específicas do risco a cobrir.
O âmbito do contrato de seguro consiste na definição das garantias, riscos cobertos e riscos excluídos.
O Demandante juntou aos autos a apólice de seguro por si contratada; A Demandada aceitou-a.
O Demandante veio demonstrar ter participado um sinistro e pede a este Tribunal a totalidade do subsídio mensal a que a Demandada se obrigou. A Demandada recusa-se a pagar os 60 dias de reclamada ITA, por considerar que a segurada não ficou privada de prover à sua actividade principal, ou seja, frequentar as aulas.

Vejamos o que nos diz a apólice em crise:
Secção B – Incapacidade temporária absoluta (ITA) em consequência de acidente
Fls. 17: “impossibilidade física absoluta, em consequência de acidente e clinicamente comprovada de a pessoa segura desempenhar todas e quaisquer tarefas inerentes à sua profissão ou, no caso de não exercer uma profissão remunerada, de desempenhar as actividades usuais da sua vida doméstica, social e/ou escolar. “

Acidente: Acontecimento súbito, fortuito e violento, exterior à vontade da pessoa segura, originando lesões corporais que não tenham de qualquer forma, sido causadas por uma doença, enfermidade, incapacidade física ou por qualquer causa preexistente.

Do relatório de Aconselhamento ao Cliente de fls. 15, resulta, sob a epígrafe 2) inquérito às necessidades do cliente” que o Demandante – logo na proposta de seguro que subscreveu em 2013, declarou que, em caso de hospitalização, sentiria necessidade de beneficiar desta cobertura, para complementar outra cobertura.

Apesar de na apólice a Demandada se reservar o direito de Efectuar diligências que considerar necessárias para apurar a efetivação e extensão da incapacidade, o facto é que tudo o que a Demandada solicitou ao Demandante, este facultou, não tendo havido quaisquer diligências que a Demandada tenha julgado pertinentes fazer. Limitou-se a enquadrar a situação, na cobertura que bem entendeu, a colocar essa possibilidade que ainda seria sujeita a análise ao Demandante no contacto telefónico que lhe fez e a ignorar a sua reclamação.
Por outro lado, ignorou todos os demais elementos que demonstravam afinal as “actividades usuais” de uma segurada de 9 anos de idade e desta em particular, que só por acaso pratica natação, como atleta federada. Resulta demonstrado nos autos o impedimento de praticar a actividade de natação que praticava desde 2013, como nadadora federada, entre junho e agosto - fls. 108
Resulta provado também o impedimento de participar nas actividades do Agrupamento de escolas entre Junho e Agosto, sendo do senso comum e conhecimento público que nestas actividades, compreendem-se as actividades letivas e extracurriculares que se prolongam para além do horário das aulas e do término das mesmas, como actividades de final de ano, aulas de educação física, actividades de ocupação de tempos livres, etc; - fls. 110
De resto, não custa antever o que representará para uma criança de 9 anos, ter um dos braços imobilizado, independentemente de ser destra ou sinistra. Vestir-se, despir-se, tomar banho, lavar-se, comer, andar, levar, abrir e fechar mochila, coisas tão simples do dia a dia que ficam inelutavelmente comprometidas e que são afinal as “actividades usuais da sua vida doméstica, social e/ou escolar” de que nos fala a apólice e que a Demandada, quando a propôs contratar ao Demandante - se comprometeu a garantir, com caracter de complementaridade face á apólice de hospitalização que também lhe vendeu.

Com efeito, a recusa da Demandada não foi sequer por falta de elementos, mas pela conclusão – sua e sem qualquer elemento para além do seu livre arbítrio – que a segurada sempre esteve capaz de realizar sua tarefa principal (e no seu entender, única valorizável), de estudar!!
Ora, salvo o devido respeito, não podemos concordar com esta forma de proceder, até porque não é consentânea com a simplicidade e facilidade que publicitam na fase pré-contratual (fls. 111-114) nem contratual, na forma ampla com que o contrato descreve as coberturas, as exclusões e os procedimentos em caso de sinistro onde não se inclui nenhuma das condições agora invocadas pela Demandada para recusar aquilo que prometeu.

É certo que estamos perante um contrato de adesão em que uma das partes impõe à outra um clausulado pré-determinado, que esta subscreverá ou não, ficando a liberdade contratual, bastante limitada.

Contudo, no art.º 6º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro, impõe-se à seguradora o dever de informar, com clareza e transparência, a outra parte, de todos os aspectos, exceções e condições que determinarão os direitos por si prometidos, o que sabemos claramente não ter sucedido, pelo simples confronto da apólice junta com as declarações da Demandada. Com efeito, nesses contratos de modelos pré-elaborados, a adesão faz-se na emissão da proposta e na aceitação do modelo. Só que para uma perfeita formação da vontade negocial há que garantir ao aderente um conhecimento completo do clausulado, com a comunicação integral, percetível e clara, do conteúdo negocial.
O art.º 8º, alínea a), do citado Decreto-Lei considera excluídas as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art.º 5º, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 220/95, de 31.01. O n.º 3, refere que o ónus da prova da comunicação cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais. É, no essencial, o regime geral do art.º 342º e 346º do Código Civil.

Ocorrendo a violação das normas de perigo abstrato, tendentes a proteger determinados interesses alheios, estão automaticamente preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa, uma vez que resultam da caracterização do acto praticado. Estamos ainda perante um tipo de responsabilidade civil objetiva ou pelo risco, que “emerge de danos provocados independentemente de culpa”, e que visa “a eliminação de danos estranhos à ideia de violação de normas jurídicas” (Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, 2º, ps. 271 e 272), pelo que a obrigação de indemnizar “nasce do risco próprio de certas actividades e integra-se nelas, independentemente de dolo ou culpa” (Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, 2ª Ed., 1º, p. 439).

Confirmados que estão os pressupostos da obrigação de indemnizar, transmitida, por contrato de seguro, para a Demandada, está a seguradora, obrigada a assumir o valor a que se obrigou compensar, por vinculo contratual. Por sua vez, a Demandada não logrou demonstrar que o incumprimento das suas obrigações contratuais, não procederam de culpa sua. Foram violadas as normas dos artºs 798º, 799º e 562º do CC, bem como a secção B da apólice por si contratada.

Em face do exposto, a presente acção só pode proceder, condenando a Demandada no pedido relativo ao pagamento do subsídio que considera ser devido pela Incapacidade Total absoluta da sua filha e segurada.

O Demandante pede a condenação da Demandada a pagar € 460,00, referentes às obrigações de que se considera credor e de acordo com a Secção B da apólice, cumpria à Demandada pagar um subsídio diário, com início no primeiro dia de forma contínua, até um máximo de 6 meses da ITA e pelo tempo que a mesma durar.
O incumprimento dos deveres e obrigações da Demandada importa a sua constituição em mora. Conforme resulta do artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para pagar.
Ora a ITA durou de 15.06.2017 a 13.08.2017, num total de 60 dias. O Demandante alega ter escolhido a Unidade 2 da apólice, que prevê um subsídio mensal de € 200,00, pelo que o Demandante terá direito a receber € 400,00 (quatrocentos euros), acrescidos dos juros vencidos e vincendos desde a data da citação (20.07.2020) até integral pagamento.

O Demandante pede ainda o pagamento dos honorários ao perito averiguador, no valor de € 400,00. Da apólice em análise não resulta estarem cobertas quaisquer despesas de representação que o segurado/tomador considere necessário ou inútil providenciar para garantir a sua defesa. Tais despesas, são do foro particular e opcional das partes e devem ser por elas suportados.
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DECISÃO
Pelo exposto, julgo acção parcialmente procedente por parcialmente provada e condeno a Demandada C, a pagar ao Demandante E, a quantia de € 400,00 (quatrocentos euros) a título de subsídio devido pela Incapacidade Temporária Absoluta da segurada, sua filha, para as suas actividades domésticas, sociais e escolares no período de 15.06.2017 a 13.08.2017, coberta pela apólice entre ambos contratada, acrescida de juros vencidos e vincendos à taxa legal de 4% sobre a quantia em dívida, desde a data da citação – 20.07.2020 – até integral pagamento.

CUSTAS
As custas ficam a cargo de ambas as partes, em função do respectivo decaimento na respectiva proporção, que se fixa em 50% para cada uma. Assim, deverá cada uma das partes pagar a quantia de € 35,00, no prazo de três dias úteis, a contar da data de notificação desta decisão, sob cominação da sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação e de remessa do processo para execução fiscal pela AT. (Portaria 342/2019 de 1.10.)

Emita os correspondentes DUCS e anexe à notificação desta sentença.
Findo o prazo legal de pagamento sem que se mostre efetuado, calcule a sobretaxa e extraia certidão para execução fiscal pelo Serviço de Finanças competente.

Advirta as partes de que apesar da suspensão dos prazos ditada pela Lei 4-B/2021 de 1.02, nada obsta
a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão.” – artº 6º B nº 5 d)
Sendo que não se consideram suspensos os prazos de recurso, as custas, nesta jurisdição são fixadas na decisão que põe fim ao processo e cujos prazos de reação não estão suspensos. (Portaria 342/2019 de 1.10).

Face às restrições de segurança e de prevenção de contágio previstas para os Tribunais e secundando as recomendações do próprio Conselho dos Julgados de Paz, não se procedeu à audiência para leitura da sentença, optando por remeter a mesma via postal, conforme oportunamente comunicado ao Demandante e Ilustre mandatária, no termo da audiência de julgamento.

Registe e notifique.
Após trânsito, arquivem-se os autos.

Julgado de Paz, 17 de fevereiro de 2021
A Juiz de Paz,

(Daniela Cerqueira)