Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 135/2020-JPSXL |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | ESTORNO DO PRÉMIO DO SEGURO |
Data da sentença: | 05/27/2021 |
Julgado de Paz de : | JULGADO DE PAZ DO SEIXAL |
Decisão Texto Integral: | Processo n.º 135/2020-JPSXL Sentença Parte Demandante: [PES-1], contribuinte fiscal número [NIF-1], [...], n.º 67, 2.º Esq. Farinheiras, [Cód. Postal-1] [...] Parte Demandada: [PES-2], contribuinte fiscal número [NIF-2], residente na [...], 157, [Cód. Postal-2] [...]. --- * Relatório: --- A Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 3 a 5, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação do Demandado a pagar-lhe a quantia global de €950,21 (novecentos e cinquenta euros e vinte e um cêntimos), que engloba a restituição de quantia indevidamente creditada ao mesmo, e os danos alegadamente sofridos pelo facto.--- Para tanto alegou, em síntese que, no desempenho da sua atividade profissional de mediação de seguros, processou a emissão de uma apólice da companhia de seguros [...], para o Demandado. --- Porém, após a emissão da dita apólice, o Demandado contatou a Demandante a informar que tinha dado uma matrícula errada, que não correspondia à viatura que pretendia segurar. --- Para satisfação do pedido do Demandado, seu novo cliente, a Demandante procedeu à anulação da apólice emitida inicialmente, e processou a emissão de uma nova apólice com os dados corretos da viatura, objeto do seguro pretendido. --- No entanto, por falha nos procedimentos a realizar internamente, ao anular a apólice inicial, a Demandante colocou o respetivo recibo como cobrado, como se o Demandado já tivesse efetuado o pagamento correspondente ao prémio da mesma apólice de seguro, e na sequência desse facto, a companhia de seguros detentora da apólice, emitiu um recibo de estorno a favor do Demandado, na quantia de €228,23 (duzentos e vinte e oito euros e vinte e três cêntimos).--- No mês de junho a Demandante verificou que não recebeu as suas comissões, tendo sido informada pelos serviços da referido seguradora que tinha a conta de mediação a negativo, devido à referida situação, e que só iria voltar a receber comissões após o reembolso do valor indevidamente creditado ao Demandado. --- A Demandante contactou o Demandado, que lhe confirmou ter recebido o crédito da companhia de seguros, no valor da referida quantia. --- Apesar de se ter comprometido a restituir à Demandante os €228,23 (duzentos e vinte e oito euros e vinte e três cêntimos), indevidamente recebidos, demandado não depositou o dinheiro, deixou de atender os telefonemas, e não responde às mensagens. -- Mais alegou ter sofrido prejuízos resultantes de despesas efetuadas, bem como, do valor das comissões que a companhia de seguros reteve para compensar o estorno creditado ao Demandado, correspondente às comissões dos contratos celebrados em maio; junho e julho, as quais totalizam a quantia de €216,48 (duzentos e dezasseis euros e quarenta e oito cêntimos). --- A Demandante contabilizou o “tempo alocado para tratamento do tema e desgaste psicológico”, no montante de €500,00 (quinhentos euros). --- Concluiu pela procedência da ação. --- Juntou documentos de fls. 6 e 7; 12 a 28; 31; 33; e 232 a 290. ---- Regularmente citado, o Demandado não apresentou contestação, e estando regularmente notificado para o efeito, não compareceu à audiência de julgamento, nem justificou a sua falta no prazo legal. --- * O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. --- Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução amigável e construtiva dos conflitos. --- Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. --- No entanto, não foi esse o caminho que as partes entenderam seguir, devendo ser respeitada a sua decisão de não haver acordo, e desse modo, terem optado por fazer depender a resolução do litígio da decisão a tomar na sentença que agora se declara. --- * As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: --- Se o Demandado deve restituir a quantia que recebeu, correspondente ao valor do prémio da apólice de seguro que foi anulada, e ainda, as quantias peticionadas na ação, a título de despesas efetuadas pela Demandante. --- Se a Demandante sofreu danos pela “perda de tempo” e “desgaste psicológico”, de devam ser indemnizados. ---- A responsabilidade pelas custas da ação. --- ---*--- Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz), a sentença inclui uma sucinta fundamentação. --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe ao Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe ao Demandado fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pelo Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil). - Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. A Demandante exerce autonomamente a atividade de mediação de seguros; --- 2. Em 01-05-2020, a Demandante processou a emissão da apólice n.º 205788060, do ramo automóvel, respeitante a contrato de seguro celebrado com o Demandado e a seguradora [ORG-1], segundo as instruções do mesmo, cf. fls. 12 e 15. --- 3. Pela referida apólice era devido um prémio no montante de €228,23 (duzentos e vinte e oito euros e vinte e três cêntimos); --- 4. Após a emissão da referida apólice de seguro, o Demandado contatou a Demandante a informar que tinha dado uma matrícula errada, que não correspondia à viatura que pretendia segurar; --- 5. Em 11-05-2020, a Demandante procedeu à anulação da apólice acima mencionada, cf. fls. 27; --- 6. No procedimento de anulação da referida apólice de seguro, a Demandante colocou o correspondente recibo, no estado de “cobrado”; --- 7. O Demandado não efetuou o pagamento do prémio correspondente à mesma apólice; --- 8. Em data não concretamente apurada, mas que se sabe ter sido após 26 de maio de 2020, a seguradora estornou ao Demandado o montante correspondente ao prémio da mencionada apólice, cf. fls. 28; --- 9. A Demandante emitiu a apólice n.º 205786168, da mesma seguradora, para substituição da apólice acima mencionada; --- 10. A Demandante contactou o Demandado, que lhe confirmou ter recebido o crédito, no valor da referida quantia; --- 11. O Demandado comprometeu-se a restituir à Demandante o montante de €228,23 (duzentos e vinte e oito euros e vinte e três cêntimos); --- 12. Até à presente data o Demandado não devolveu o referido montante à Demandante; --- 13. O Demandado deixou de atender os telefonemas, e não responde às mensagens da Demandante; -- 14. A seguradora reteve comissões da Demandante para compensar o montante estornado a favor do Demandado; ---- 15. A Demandante suportou custos de correio no montante de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos, que efetuou para reclamar a devolução do estorno ao Demandado; --- 16. A Demandante contabilizou o prejuízo sofrido com o “tempo alocado para tratamento do tema e desgaste psicológico”, no montante de €500,00 (quinhentos euros).-- * Motivação da Matéria de Facto: --- Nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 58.º, da Lei dos Julgados de Paz, “Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer no dia da audiência, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.” --- Atento à verificação cumulativa dos requisitos legais para a revelia operante do Demandado, ou seja, a falta de apresentação de contestação e a sua falta injustificada à audiência de julgamento, dou por confessados os factos articulados pelo Demandante no seu requerimento inicial. --- Deste modo, a fixação da matéria de facto dada como provada teve por base a confissão do Demandado e os documentos juntos aos autos. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor do requerimento inicial com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. -- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: A causa de pedir na presente ação respeita à falta de cumprimento da obrigação de devolução de um estorno indevido, por parte Demandado, bem como, a indemnização pelos danos alegadamente provocados à Demandante pelo facto. --- Sendo assim, a causa é enquadrável nas alíneas a), e h), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz). --- Do pedido deduzido pelo Demandante extrai-se, a pretensão de obter a condenação do Demandado ao pagamento da quantia global de €950,21 (novecentos e cinquenta euros e vinte e um cêntimos). --- Vejamos se lhe assiste razão perspetivando, ainda, dar resposta às questões acima enunciadas: --- Sobre a devolução à Demandante da quantia indevidamente estornada ao Demandado: -- Pela matéria provada, resulta claro que o Demandado recebeu o estorno efetuado pela companhia de seguros, resultante da anulação da apólice de seguro n.º 205788060, do ramo automóvel, da seguradora [ORG-1]. --- Nos termos alegados no requerimento inicial, a quantia creditada ao Demandado a título de estorno, corresponde à quantia de €228,23 (duzentos e vinte e oito euros e vinte e três cêntimos). Pelo que, assim ficou vertido na matéria de facto provada, por efeito da confissão ficta do Demandado quanto aos factos alegados, nos termos do art.º 58.º, n.º 2, da Lei dos Julgados de Paz, e também, porque o juiz está impedido de condenar em valor superior ao peticionado, cf. art.º 609.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz.--- A anulação da referida apólice de seguro foi efetuada devido a erro na indicação da matrícula do veículo seguro, conforme instruções do Demandado à Demandante. --- Ora, no decurso do procedimento de anulação da apólice, a Demandante alterou o estado do recibo correspondente ao prémio, para “cobrado”, sem que o Demandado tivesse liquidado o valor do mesmo. --- Por outro lado, na sequência do processamento da situação nos termos acima descritos, a companhia de seguros creditou a quantia respeitante ao valo do prémio da referida apólice de seguro. --- Assim, a ordem jurídica esperaria que o Demandado, imbuído dos valores de honestidade do homem médio, tivesse devolvido de imediato o valor que indevidamente lhe foi creditado, uma vez que não tinha pago o prémio da apólice anulada, de modo a atender às usas instruções. --- Não o tendo feito, o Demandado obteve uma vantagem patrimonial injustificada. --- Todavia, o Demandado não praticou qualquer ato ilícito, dado que, o estorno foi processado a seu favor, sem que o mesmo tivesse contribuído para isso por dolo ou negligência. Tal como a Demandante admite no seu requerimento inicial, o estorno a favor do Demandado foi processado por falha nos procedimentos internos. --- Assim, na ausência da verificação de um ato ilícito imputável ao Demandado, fica afastada a aplicação do regime da responsabilidade civil. --- O certo é que, a Demandante viu-se privada das comissões que lhe deveriam ter sido pagas relativamente aos meses de maio, junho e julho, pelas quais a companhia de seguros emissora da apólice anulada fez a compensação do crédito indevidamente atribuído ao Demandado. --- O art.º 473.º, do Código Civil, dispõe o seguinte: “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou. 2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.” --- Ora, o enriquecimento sem causa constitui uma fonte autónoma de obrigações, que assenta na ideia geral, decorrente do senso comum que, ninguém deve locupletar-se à custa alheia .--- A procedência da ação com base no enriquecimento sem causa depende da verificação dos seguintes requisitos cumulativos: --- i) É necessário que o enriquecimento corresponda à obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial (benefício suscetível de avaliação pecuniária), por valorização, ou por não desvalorização, quer se trate de um aumento do ativo patrimonial, quer consista na diminuição do passivo, e pode ter origem em negócio, ato jurídico não negocial, ou simples ato material; --- ii) O deslocamento patrimonial a favor do enriquecido (e o correspondente aproveitamento económico), ocorre à custa do empobrecimento de alguém (que suporta uma não valorização ou desvalorização patrimonial), sem causa justificativa, quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, entretanto, deixou de a ter. A falta de justificação do enriquecimento extrai-se da “ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito” (vide, nota 1), no sentido de se afirmar que tal vantagem patrimonial deve pertencer a outra pessoa, e não ao enriquecido; --- iii) Existência de um nexo causal, entre a vantagem patrimonial auferida pelo enriquecido e o sacrifício sofrido pelo empobrecido, cabendo a este a legitimidade para requerer a restituição. Assim, o benefício obtido pelo enriquecido deve resultar de um prejuízo ou desvantagem a suportar pelo empobrecido. --- iv) O instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se ao mesmo quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação, cf. art.º 474.º, do Código Civil. -- No caso dos autos verifica-se a deslocação patrimonial da quantia correspondente ao prémio da apólice de seguro anulada, para a esfera jurídica do Demandado, a título de estorno, sem que o mesmo tenha procedido ao respetivo pagamento. --- Deste modo, o Demandado ficou injustamente enriquecido, na medida e por via da referida transferência patrimonial, tendo a Demandante ficado correspondentemente empobrecida, pela compensação com as comissões que deveria ter auferido, relativamente a outros contratos celebrados com a companhia de seguros emissora da apólice. --- Assim, deve ser reconhecido à Demandante o direito à restituição da quantia indevidamente estornada do Demandado, cabendo a este a obrigação de restituir o indevido, sem que se vislumbre outro meio idóneo para obter indemnização ou restituição que não o instituto do enriquecimento sem causa, designadamente, por ausência de facto ilícito. --- Pelo exposto, a ação deve ser declarada procedente nesta parte do pedido. --- Sobre as despesas em que a Demandante incorreu para obter a restituição: --- A Demandante logrou ainda provar que, suportou gastos com despesas de correio, no montante de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos), em correspondência enviada ao Demandado, para obter a restituição voluntária do valor do prémio. --- Ora, salvo o devido respeito por opinião diversa, fora das situações especialmente previstas no art.º 480.º, do Código Civil, a obrigação de restituição não pode exceder a medida do locupletamento do enriquecido, cf. art.º 479.º, n.º 2, do Código Civil. --- Neste sentido, se por um lado, as quantias peticionadas pela Demandante a título de despesas de correio não integram a vantagem patrimonial obtida pelo Demandado (locupletamento); por outro lado, tais quantias não se enquadram nas situações previstas no citado art.º 480.º, do Código Civil (perda ou deterioração culposa da coisa, frutos que por culpa do Demandado tivessem deixado de ser percebidos, e juros legais sobre as quantias a restituir).--- Deste modo, e tendo também presente a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, a ação deve improceder nesta parte do pedido. --- Sobre a indemnização dos danos sofridos pela “perda de tempo e desgaste psicológico”:- Em primeiro lugar cumpre afirmar que a Demandante agrega na mesma verba do seu petitório dois tipos de dano, de natureza completamente diversa. --- Efetivamente, o alegado dano da “perda de tempo”, tem natureza patrimonial, e deve ser objetivamente calculado com base em factos cujo ónus de alegar e provar incumbia à Demandante, o que não logrou fazer na presente ação, designadamente, o tempo que despendeu concretamente a tratar do assunto, e qual o valor do rendimento correspondente ao mesmo período de tempo, e que deixou de auferir, por causa do mesmo.--- Ora, dos autos não consta qualquer elemento sobre a forma de cálculo e o valor da remuneração da Demandante. --- Também não foi feita prova nos autos do tempo despendido pela Demandante com o assunto, nem que tenha resultado perda de remuneração da mesma, por ter dedicado o seu tempo a tratar do assunto. --- Já no que respeita aos danos provocados por “desgaste psicológico”, a sua natureza é não patrimonial, e são enquadráveis nos chamados danos morais. --- O art.º 496.º, do Código Civil, dispõe o seguinte: “1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.” --- Da letra do citado preceito legal, resulta claro que o legislador quis restringir a tutela do direito aos danos que, pela sua gravidade não possam ser tolerados, impondo-se a respetiva compensação ao lesado. --- Por outro lado, em sede de compensação por danos não patrimoniais, por não se estar perante a lesão de interesses suscetíveis de avaliação pecuniária, o dano não corresponde a um prejuízo determinado ou materialmente determinável, reparável por reconstituição natural ou através de um sucedâneo em dinheiro, mas a uma lesão de ordem moral ou espiritual apenas indirectamente compensável através de utilidades que o dinheiro possa proporcionar. (Vide, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. [Processo-1], disponível em www.dgsi.pt).--- No entanto, não sendo necessária uma gravidade extrema, não são todos os desgostos, todas as dores e sofrimentos que têm a gravidade suficiente para merecerem a tutela do direito, mas só alguns desses desgostos particularmente graves. (Idem). --- Por isso, como pressuposto da obrigação de indemnizar, o dano tem de apresentar um grau de gravidade tal, que a atribuição de uma indemnização ao lesado configure um imperativo de elementar justiça. --- Para efeitos indemnizatórios, a lei apenas elege os danos que “pela sua gravidade mereçam a tutela do direito” (artigo 496°, n.º 1, do CC), ou seja, aquele que “sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade. Um dano considerável que, no seu mínimo, espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação”. (Vide, Acórdão do S.T.J., de 4.3.2008, no processo 08A164, em www.dgsi.pt.).--- Assim, nos termos do citado art.º 496.º, do Código Civil, não são suscetíveis de compensação, a título de danos morais, por exemplo, os desgostos sofridos com a destruição de coisas, porque não têm gravidade que mereça a tutela do direito. --- Por outro lado, a avaliação da gravidade da lesão tem de aferir-se segundo um padrão objetivo e não à luz de fatores subjetivos. --- Neste sentido, grande parte da doutrina e da jurisprudência tem entendido que as simples contrariedades ou incómodos não apresentam um nível de gravidade objetiva suficiente, para os efeitos de aplicabilidade do disposto no n.º 1, do artigo 496.º, do Código Civil. --- Ora, o que se provou no caso dos autos, a título de danos não patrimoniais, foram apenas aborrecimentos e arrelias, enquadráveis nas comummente apelidadas «contrariedades da vida» que não ultrapassam o grau de tolerância correspondente ao padrão de normalidade social e que, por isso, não devem ser indemnizados. --- No caso concreto, considerando a matéria provada, não nos parece que se ultrapasse o nível das contrariedades e incómodos toleráveis. A especial sensibilidade ou as condições especiais da Demandante não podem servir para critério de decisão. – Importa, ainda ter presente que, em matéria de responsabilidade civil para haver lugar à indemnização da Demandante, haverá que condenar o Demandado ao respetivo pagamento, com base na apreciação da culpa do mesmo na ocorrência dos danos peticionados. Pelo que, em última análise é a responsabilidade do lesante pelo dano tem de ser cabalmente assegurada, que não se vislumbra no caso dos autos relativamente aos danos reclamados a título de danos não patrimoniais. --- Assim, deve improceder a ação nesta parte do pedido, quer relativamente aos danos resultantes da “perda de tempo”, quer no que respeita aos danos por “desgaste psicológico”. --- ---*--- DECISÃO Atribuo à causa o valor de €950,21 (novecentos e cinquenta euros e vinte e um cêntimos), por corresponder à quantia em dinheiro que a Demandante pretendia obter no momento da propositura da ação, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 2 e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º da Lei dos Julgados de Paz. --- Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância. --- O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. --- Não existem nulidades que invalidem todo o processado. --- As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. -- Não se verificam exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa. --- * Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno o Demandado a pagar ao Demandante a quantia global de 228,23 (duzentos e vinte e oito euros e vinte e três euros). --- Mais decido absolver o Demandado do restante peticionado na presente ação. --- Custas: --- As custas nos julgados de paz estão atualmente regulamentadas pela Portaria 342/2019, de 01/10. --- Tendo em conta que não foi obtido acordo na fase de Mediação, é devida uma taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros), a título de custas, cf. al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria 342/2019, de 01/10. --- Nos termos da segunda parte da citada disposição legal, as custas são suportadas na proporção do decaimento, que fixo em 76%, para a Demandante, e 24% para o Demandado. --- Assim, a Demandante deverá proceder ao pagamento da quantia de €53,20 (cinquenta e três euros e vinte cêntimos). --- Por seu turno, o Demandado deverá proceder ao pagamento da quantia de €16,80 (dezasseis euros e oitenta cêntimos). --- Cada uma das partes deverá efetuar o respetivo pagamento no prazo de três dias úteis, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação, até ao montante máximo de €140,00 (cento e quarenta euros), cf. n.º 4.º, do art.º 3.º, da citada Portaria 342/2019, de 01/10. --- * Extraia o DUC, respeitante à responsabilidade tributária do processo, e notifique às partes, juntamente com a cópia da presente decisão, para liquidação das custas. --- Na notificação advirta o responsável pelo pagamento das custas nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do [ORG-2], salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente sentença, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o pagamento fora do prazo.--- Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. --- * Verificando-se a falta de pagamento das custas acrescidas da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da [ORG-2] (AT), nos termos do art.º 35.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), aplicável por analogia, para efeitos de integração de lacuna na lei, nos termos dos números 1 e 2, do art.º 10.º, do Código Civil. --- * Atendendo à atual situação de saúde pública, decido não reabrir a audiência de julgamento para prolação de sentença, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, da Lei dos Julgados de Paz, e determino a notificação a mesma às partes. --- * Registe e notifique às partes com informação expressa que, o Julgado de Paz está disponível para prestar esclarecimentos sobre o teor da presente sentença. ---- ---*--- Julgado de Paz do Seixal, 27 de maio de 2021 O Juiz de Paz [Carlos Ferreira]
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