SENTENÇA
Processo nº11/2021/JP-MCV
RELATÓRIO
1- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: PR, com o NIPC x, e sede em Miranda do Corvo.
Demandado: MC, contribuinte nº y, sito em Miranda do Corvo.
2- OBJECTO DO LITIGIO
A Demandante intentou a presente acção declarativa, pedindo a condenação do demandado no pagamento da quantia de 7.675,20 €, correspondente ao valor de uma empreitada solicitada pela demandada.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 e 2.
Regularmente citado o Demandado contestou, aceitando a execução da empreitada em apreço, alegando não ter pago a mesma por não existir nos seus serviços o adequado procedimento de contratação pública e consequente número de compromisso valido e sequencial.
Invoca por isso, a nulidade do contrato por falta de suporte legal, concluindo pela ponderação do interesse público/ privado em apreço.
A demandante prescindiu da sessão de Pré-Mediação.
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor - que se fixa em € 7.675,20 – artigos 297º nº1 e 306º nº2, ambos do CPC.
A audiência de julgamento realizou-se com observância das formalidades legais, conforme da acta se alcança, na qual foi requerido o aperfeiçoamento da designação da demandante.
A questão a decidir por este tribunal, circunscreve-se à qualificação do contrato celebrado entre as partes e na sequência do mesmo, saber se há incumprimento por parte do Demandado relativamente ao valor peticionado pela demandante, e ainda da nulidade do contrato.
3- FACTOS PROVADOS
1- A demandante é uma empresa que se dedica, entre outros, a transporte de mercadorias, venda de materiais de construção e construção civil.
2- No âmbito da sua atividade foi contactada pelo demandado, na pessoa do Vereador RG, para executar trabalhos com máquina giratória na localidade de FM.
3- Os trabalhos prestados pela demandante consistiram na abertura de valas e colocação de manilhas.
4-E decorreram nos meses de março e abril de 2018 no período de um mês.
5-O pagamento acordado foi de €30,00 à hora, acrescido de IVA, no montante global de € 36,90.
6- Os trabalhos efetuados pela demandante importaram em 208 horas, totalizando o valor a pagar em € 6.240,00, acrescido de IVA, no global de € 7.675,20.
7- Os serviços prestados foram recebidos pelo demandado, que os achou conforme quanto ao preço e qualidade, nada reclamando à demandante.
8- Até à presente data, o demandado não procedeu ao pagamento de qualquer quantia.
Factos não provados: Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa.
MOTIVAÇÃO
Os factos assentes em 2 a 8 consideram-se admitidos por acordo, nos termos do art. 574, nº2 do C.P.C.
Para tanto, contribuíram também as declarações da representante da demandante e do demandado, e o teor do depoimento da testemunha por esta apresentada, RG que se revelou isento, seguro, credível e coerente.
A testemunha do demandado e seu vereador confirmou a realização da obra em apreço, no período e condições alegadas no requerimento inicial, explicando que a intervenção da demandante ocorreu no âmbito da protecção civil originada por fortes enxurradas, que entupiram uma linha de água. Razão pelo qual, foi necessária uma rápida intervenção, contratando para o efeito a demandante que estava disponível de imediato para realização dos trabalhos.
O facto enumerado em 1 resultou da certidão permanente junta oficiosamente a fls. 14 a 21.
4- O DIREITO
Entre demandante e demandado foi celebrado um contrato de empreitada.
A empreitada é uma das modalidades do contrato de prestação de serviço, “sendo um contrato sinalagmático, oneroso, comutativo e consensual” in direito das obrigações, parte especial – contratos, de Pedro Romano Martinez. No contrato de empreitada em apreço, as partes celebraram entre si, um acordo no qual o Demandante (empreiteiro) se obrigou a realizar uma obra (abertura de valas e colocação de manilhas em FM) mediante o pagamento pelo Demandado (dono da obra) do preço ajustado.
Dispõe o art. 1207.º do Cód. Civil (CC) que ”empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga à outra a realizar certa obra, mediante um preço”, resultando desta definição três elementos: os sujeitos (empreiteiro e dono da obra), a realização de uma obra (resultado material), e o pagamento do preço (retribuição).
Da relação jurídica emergente de uma empreitada, derivam obrigações recíprocas e interdependentes: a obrigação de realizar uma obra tem, como contrapartida, o dever de pagar o preço.
Temos assim que, do lado do empreiteiro, a principal obrigação é a de obter um certo resultado material (art. 1207.º do CC), que se traduz na execução da obra nas condições convencionadas, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato (art. 1208.º do CC). Enquanto, do lado do dono da obra, e em contrapartida, impende o dever principal, caso aceite a obra, de pagar o preço ajustado o que, na ausência de convenção ou uso em contrário, deve ser efectuado no acto daquela aceitação (art. 1211.º, n.º 2 do CC).
Vejamos então, se ambas as partes cumpriram o acordado.
O demandante, da matéria dada como assente cumpriu a sua obrigação contratual, porquanto alcançou o resultado material da empreitada com a realização das obras acordadas mas, da parte do Demandado, não foi realizada a prestação a que se vinculou, pois não cumpriu a sua obrigação de pagamento integral do preço ajustado e facturado.
Com este comportamento, o demandado violou o disposto no art. 1211.º, n.º 2 do CC, e dos princípios da pontualidade e da boa-fé (arts. 406.º, n.º 1 e 762.º, n.º 1, ambos do Código Civil), não obstante, após a aceitação da obra, executada, a ter recebido na sua esfera patrimonial na propriedade da obra, e beneficiado, a partir daí, da sua utilidade económica.
O demandado invoca a nulidade do contrato, baseando-se para o efeito no teor do nº1, do artº 9º, e nº3, do art. 5º, da Lei 8/2012 de 21 de Fevereiro, que aprova as regras aplicáveis à assunção de compromissos e aos pagamentos em atraso das entidades públicas.
Resulta do normativo indicado em segundo lugar que, os sistemas de contabilidade de suporte à execução orçamental emitem um número de compromisso válido e sequencial que é refletido na ordem de compra, nota de encomenda, ou documento equivalente, e sem o qual o contrato ou obrigação subjacente em causa são para todos os efeitos, nulos.
No número seguinte, prevê-se que a nulidade prevista no número anterior pode ser sanada por decisão judicial quando, ponderados os interesses públicos e privados em presença, a nulidade do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé, é o que vamos fazer.
A nossa lei consagra - art.º 227.º do C. Civil - o princípio da boa-fé, tanto nos preliminares como na formação dos contratos, impondo deste modo que as partes contratantes procedam lealmente na fase pré-contratual e cominando o dever de indemnizar o lesado pelos prejuízos por ele sofridos àquele que, culposamente, a eles deu causa, em virtude de ter agido incorretamente nos preliminares do contrato, com vista à sua concretização.
No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa-fé (art.º 762.º, n.º 2, do C. Civil), ou seja, deverão "agir lealmente, correctamente, honestamente, quer no cumprimento do dever que a lei impõe ou sufraga, quer no desfrute dos poderes que o Direito confere" (A. Varela; R.L.J.; 122.º; pág. 148), devendo a sua actuação ser presidida pelos "ditames da lealdade e probidade" (Prof. Mário Júlio de Almeida Costa; Obrigações; pág. 715).
Não pode, assim, uma das partes contratantes, sabendo de um facto que a outra ignora e exigindo as regras da lealdade negocial que o dê a conhecer ao outro contratante, esconder à outra esse acontecimento (Ac. do S.T.J. de 14.08.1986; B.M.J.; 360.º; pág. 583).
Exige-se ainda que, tal deslealdade detetada no comportamento da omissão de fidelidade, tenha a suportá-la culpa sua, isto é, que se lhe possa imputar um juízo de reprobabilidade pessoal da sua conduta, podendo exigir-se-lhe um outro comportamento, culpa que se presume, se o contraente violou esse dever, nos termos do disposto no art.º 799.º, n.º 1, do C. Civil.
Na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 119, pág.232, escreveu Batista Machado: “Dentro da comunidade das pessoas responsáveis (ou imputáveis), a toda a conduta (conduta significativa, comunicativa) é inerente uma “responsabilidade” – no sentido de um “responder” pelas pretensões de verdade, de rectitude ou de autenticidade inerentes à mensagem que essa conduta transmite (...). Desta “autovinculação” inerente à nossa conduta comunicativa derivam ao mesmo tempo regras de conduta básicas, também postuladas pelas exigências elementares de uma ordem de convivência e de interacção, que o próprio direito não pode deixar de tutelar, já que sem a sua observância nem essa ordem de convivência nem o direito seriam possíveis (...).
Do exposto podemos também concluir que o princípio da confiança é um princípio ético-jurídico fundamentalíssimo e que a ordem jurídica não pode deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem”.
Temos, assim, que a protecção da confiança, para merecer tutela jurídica, tem de se mostrar legítima e objectivamente justificada, havendo de tratar-se de situações que, pela grave injustiça ou antijuricidade que revelam, o próprio legislador lhe preveniria as consequências se as tivesse previsto. E é assim que, enquanto princípio ético-jurídico fundamental, o princípio da confiança visa dar guarida à “confiança legítima baseada na conduta doutrem”, designadamente quando esta conduta é contrária à fides por susceptível de causar danos (Batista Machado, “Obra Dispersa”, I, pág. 352).
Voltando ao contrato em apreço, efetivamente o demandante, confiou em primeiro lugar no Vereador do demandado, e em segundo lugar, na validade do contrato que estava a celebrar e que concretizou.
Ora, ponderando os interesses em causa, um de índole público, outro privado, e a gravidade da ofensa cometida pelo município, que não cumpriu os requisitos legais que lhe permitiam contratar com o demandante, sana-se o vício do contrato que apreciamos, considerando-se o mesmo válido.
Decidir de forma diferente, consistiria numa clara violação do princípio da boa-fé (tais como, protecção, esclarecimento e lealdade) exigido aos contraentes na celebração de negócios, formação e conclusão dos contratos, desprotegendo e deixando sem tutela jurídica o contraente com uma posição mais fraca.
E ainda que assim não fosse, aplicando a regra geral relativa ao efeito da declaração de nulidade contida no n.º1 do artigo 289.º do Código Civil, que tem efeito retroactivo, devendo por isso, ser restituído tudo o que tiver sido prestado, ou se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente, o demandado sempre seria obrigado a pagar o valor pela execução da empreitada.
Por tudo o que antecede, o pedido da Demandante tem de proceder, recebendo do Demandado a quantia peticionada relativo ao valor acordado pela empreitada realizada.
DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a presente acção totalmente procedente e em consequência condeno o demandado no pagamento à demandante no valor de € 7.675,20 (sete mil seiscentos e setenta e cinco euros e vinte cêntimos).
Custas
A cargo do Demandado, que se declara parte vencida, art.º. 2º, nº1, alínea b) da Portaria 342/2019 de 1 de Outubro, devendo ser pagas, neste Julgado de Paz, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, (nº3, do supra citado art.) sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação, art. 3º, nº4 da referida Portaria, até ao máximo de 140,00 €.
Decorrido o termo do prazo acima concedido, será emitida certidão e instaurado o processo para efeitos de execução por falta de pagamento de custas, no competente Serviço da Autoridade Tributária pelo valor das custas em dívida, acrescidas das respetivas sobretaxas, com o limite previsto no art.º 3.º da citada Portaria.
A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária art.º 18º da L.J.P., foi proferida e notificada às partes presentes, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, alterada pela Lei nº 54/2013, de 31 de julho, ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede, tendo-lhes sido entregue cópia.
Registe e após trâmites legais arquive.
Miranda do Corvo, em 14 de abril de 2021.
A Juíza de Paz,
(Filomena Matos)
Processado por meios informáticos e
revisto pela signatária. Verso em branco.
(Artigo 131.º, n.º 5 do CPC)
SENTENÇA Depositada na secretaria
em 14/04/2021--------------------------