Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 131/2020-JPCRS |
Relator: | ELISA FLORES |
Descritores: | USUCAPIÃO |
Data da sentença: | 01/21/2021 |
Julgado de Paz de : | CARREGAL DO SAL |
Decisão Texto Integral: | Demandantes: --------------------------------------------------------------- “A” e marido, “B”; --------------------------------------------------------- Demandados: -------------------------------------------------------------- “C”, viúvo, e “D”, na qualidade de herdeiros da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de “LPA”, com o NIF “00”, e ainda o marido de “D”, “E”.--------------- RELATÓRIO ------------------------------------------------------------------ Os demandantes propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que se declare que o prédio rústico identificado no artigo 3º do requerimento inicial não tem a área constante na Conservatória do Registo Predial mas a de 30 180m2; Que a sua parcela se autonomizou do prédio rústico identificado no referido artigo 3.º, “prédio mãe” por via da usucapião e atenta a demarcação de facto alegada; Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários do prédio melhor identificado no requerimento inicial, que efetivamente possuem; Se condene os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo. ---------------------------------------------- Para o efeito, juntaram dez documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ------ Os demandados, pessoal e regularmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram na Audiência de Julgamento. ------------------------------ Os demandantes apresentaram prova testemunhal. --------------------------- Valor da ação: Fixo em € 637,09 (seiscentos e trinta e sete euros e nove cêntimos). ---------------------------------------------------------------- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: -------------------------------- Consideram-se provados os seguintes factos: --------------------------------- 1.º- Encontra-se inscrito na Matriz Predial sob o artigo matricial 263º da freguesia de “VS”, concelho de “N”, em nome de “C” e registado na Conservatória do Registo Predial de “N” com o nº 2441/20040915, em nome de “C”, o prédio rústico, sito ao “BA”, caracterizado como terra de cultura de regadio com videiras, oliveiras, laranjeiras, fruteiras, nogueiras, vinha, pinhal, mato e dependências, e a confrontar a Norte com o caminho e “MJCMFS”, a Sul com “FT” e outro, a Nascente com “MJCMFS”, e a Poente com “AF”; -------------------------------------------- 2.º- Prédio que se encontra inscrito na Matriz Predial com a área de 30 180 m2, com a anotação em Observações: “a) Rectificação da área por despacho exarado no proc.admnº373/2009, os quais deram origem ao artigo urbano 1035.”; ------- 3.º- Sendo que na Conservatória do Registo Predial consta a área de 30 260m2; - 4.º- Este prédio rústico adveio à titularidade do aqui demandado “C” e esposa “LPA”, por sucessão hereditária, por óbito de “MSM”, no ano de 1965; ---------- 5.º- À data aqueles eram casados entre si, no regime de comunhão geral de bens; 6.º- Sendo que, no dia catorze de fevereiro de 2012, “LPA” faleceu, no estado de casada com o demandado “C”; ----------------------------------------------- 7.º- Ficando a suceder-lhe, como seus únicos e universais herdeiros, além do marido, as duas filhas de ambos,” A”, aqui demandante e “D”, aqui demandada; -- 8.º- Do acervo hereditário deixado por óbito de “LPA”, faz formalmente parte, além de outros bens, o referido prédio rústico; ------------------------------------- 9.º- Contudo, a falecida “LPA” e o seu marido, aqui demandado “C”, haviam já doado verbalmente este prédio às suas duas filhas, “A" E “D”, no ano de 1985, em dia e mês que não foi possível precisar; -------------------------------------- 10.º- Nesta data, os demandantes eram já casados entre si, no regime de bens de comunhão de adquiridos, por casamento celebrado em 06 de agosto de 1983, sem convenção antenupcial; ---------------------------------------------------- 11.º- E do mesmo modo, os demandados “D” e “E”, eram também casados nesta data, entre si, no regime de bens de comunhão de adquiridos, por casamento celebrado em 08 de agosto de 1981, sem convenção antenupcial; --------------- 12.º- E, naquele mesmo ano de 1985, os demandantes e estes demandados, procederam à divisão material do referido prédio nas seguintes (duas) parcelas completamente distintas e autónomas, devidamente demarcadas no local por marcos de pedra, cravados no solo, que ainda hoje lá se encontram: ------------ a) - A parcela 1, que ficou a pertencer aos aqui demandantes, “A” e “B”, com a área de 21 163 m2, composta de terra de cultura de regadio com videiras, oliveiras, laranjeiras, fruteiras, nogueiras, vinha, pinhal, mato e dependências, que atualmente confronta a Norte com Herança Indivisa por óbito de “LPA”, a Nascente com os aqui demandados “D” e “E”, a Sul com Herança Indivisa por óbito de “LPA” e a Poente com esta Herança e caminho”; ----------------------------------- b)- A parcela 2, que ficou a pertencer aos aqui demandados “D” e “E”, com a área de 9 017 m2, composta de terra de cultura de regadio com videiras, oliveiras, laranjeiras, fruteiras, nogueiras, vinha, pinhal, mato e dependências e que confronta atualmente a Norte e Nascente com caminho, a Sul com Herança indivisa por óbito de “LPA” e a Poente com os aqui demandantes; ---------------------- 13.º- Tudo conforme a configuração constante do Levantamento Topográfico a fls. 73 dos autos; --------------------------------------------------------- 14.º- Sendo as suas extremas respeitadas por todos, rigorosamente; ---------- 15.º- Tendo os demandantes e os demandados “D” e “E” entrado logo na posse da sua parcela, com exclusividade; -------------------------------------------- 16.º- Mantendo até hoje sobre a respetiva parcela uma posse pacífica e de boa-fé, por forma visível e permanente; --------------------------------------- 17.º- Passando a usar e fruir a mesma de forma individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse, e sem oposição de ninguém, nomeadamente dos aqui demandados; ---------------------------------------- 18.º- Por si ou interposta pessoa, limpam o terreno e cuidam nomeadamente da vinha e das oliveiras, e procedem à limpeza do prédio e retirando o mato; -------- 19.º- Retirando todos os benefícios e utilidades que este é suscetível de produzir nomeadamente azeite e vinho, sempre em proveito próprio; -------------------- 20.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta; --------------------------------------- 21.º- Agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como seus verdadeiros e exclusivos proprietários, na convicção de o serem e de que, com a sua posse, não lesam direitos de outrem; ------------------------------------ 22.º- Do Levantamento Topográfico junto aos autos resultou que, na realidade, o “prédio mãe”, no seu todo, tem a área de 30 180 m2, como já consta na Matriz e não a de 30 260m2, como consta na Conservatória de Registo Predial; --------- 23.º- Esta discrepância de 80m2 resultou da retificação da área por despacho exarado no processo administrativo n.º 373/2009, área que foi retirada da Parcela 1 do prédio a que se refere o ponto 1º supra, e deu origem ao artigo urbano 1035º da freguesia de “VS”, concelho de “N” (atualmente o artigo 1036º), que se encontra implantado a norte, conforme Levantamento Topográfico. ------------- Motivação dos factos provados: ------------------------------------------ Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, às declarações das partes e ao depoimento das testemunhas que os demandantes apresentaram, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil). ------------------ Quanto às testemunhas, “MACF”, de 77 anos, e “MCLAM”, com 63 anos, que são vizinhas e conhecem os prédios, tendo a primeira, que vive na povoação há 50 anos, inclusivamente trabalhado na vindima para ambas as irmãs. --------------- Depuseram com isenção e conhecimento direto dos factos, revelando ambas conhecer bem as parcelas de cada uma e os atos de posse, com exclusividade, e em nome próprio, pacífica e publicamente. ------------------------------------ Factos não provados: ----------------------------------------------------- Não há factos não provados. ------------------------------------------------ FUNDAMENTAÇÃO De direito: --------------------------------------------- Os demandantes visam com a presente ação alterar a área do prédio originário e adquirir por usucapião, por dele se ter autonomizado, uma parcela do prédio descrito no ponto 1.º supra dos factos provados, identificada no Levantamento Topográfico junto a fls. 73 dos autos e descrita no ponto 12.º, a) como Parcela 1 da factualidade assente. ------------------------------------------------- E a função do instituto da usucapião não é só atribuir o direito de propriedade ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objeto sobre o qual se praticam os atos materiais, correspondentes ao direito real em causa (cf. artigo 1251.º do C. Civil). -------------------------------------------------------------------------- Resulta, efetivamente, da factualidade assente que desde 1985 o referido imóvel se encontra dividido, informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, passando a partir deste ano, os demandantes e os demandados “D” e marido, “E”, a explorar exclusivamente a sua parcela. ----------------------------------------------------------------------------- Posse não titulada, sendo que os respetivos títulos do prédio não refletem a realidade jurídica possessória que existe há muitos anos. ----------------------- E embora exista a presunção legal de que a posse não titulada é uma posse de má-fé (cf. nº 2 do artigo 1260º do C. Civil), os demandantes conseguiram ilidir esta presunção. ----------------------------------------------------------------- O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1251º, 1316º, 1287º, 1297º, 1258º a 1262º e 1300º, todos do C. Civil). ----------------------------------------------------------- E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal muito superior à legalmente exigida. --------------------------------------------------------------------- Por outro lado, o artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito. -------- O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. --------------------- No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos. -------------------------------------------------------------------- E presume-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados. Não resultou da autonomização prédio encravado nem são os demandantes titulares de prédio confinante. ------------------------------------------ Resulta assim do exposto que ambos os demandantes reúnem os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião da referida parcela, nos termos do artigo 1287º e seguintes do C. Civil [cf. ainda alínea c) do nº 1 e alínea b) do nº 2 do 1722º, do Código Civil, a contrario]. ----------------------- Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, e declarada judicialmente, o que pretendem os demandantes com a presente ação. --------------------------------------- E não prejudica os interesses e reais direitos de ambas as partes a constituição de novo artigo rústico correspondente à parcela usucapida a favor dos demandantes, nem prejudicados os direitos de terceiros, nomeadamente os confinantes, com a correção da área, uma vez que se trata de uma redução relativamente à que está descrita. --------------------------------------------------------------------- decisão: --------------------------------------------------------------------- Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência: - a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, sito ao “BA”, na freguesia de “VS”, concelho de “N”, inscrito na Matriz Predial sob o artigo matricial 263º em nome de “C” e descrito na Conservatória do Registo Predial de “N2 sob o nº 2441/20040915, em nome de “C”, tem na realidade, e atualmente, no seu todo, a área de 30 180 m2; ------------------------------------------------------------------------- b) Declaro que este prédio rústico, “prédio mãe” foi objeto de divisão, em substância, em dois prédios, autónomos e independentes um do outro; --------- c) Declaro que pertence exclusivamente a “A” e “B”, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea a) da presente Decisão, o seguinte prédio rústico situado ao “BA”, na freguesia de “VS”, concelho de “N”, identificado no Levantamento Topográfico a fls. 73 dos autos, anexo à presente Decisão e que dela faz parte integrante: ----------------------------- - Terra de cultura de regadio, com a área de 21 163 m2, composta de videiras, oliveiras, laranjeiras, fruteiras, nogueiras, vinha, pinhal, mato e dependências, que atualmente confronta a Norte com Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de “LPA”, a Nascente com “D” e “E”, a Sul com Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de “LPA” e a Poente com esta Herança e caminho, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou; ------------------------------- d) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [c)] como autónomo e distinto do “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva dos demandantes sobre o mesmo; ----------------------------------------------- e) Em conformidade, ordeno: ----------------------------------------------- - A correção da área do prédio mãe para 30 180m2; --------------------------- - A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado a favor de “A” e “B”, com a composição e da forma indicada [cf. alínea c) supra]; ----- - O consequente abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado; -------------------------------------------------- Dada a natureza do processo custas totais pelos demandantes. --------------- Registe e notifique. ---------------------------------------------------- Carregal do Sal, 21 de janeiro de 2021. --------------------------------------- A Juíza de Paz, (Elisa Flores) Processado por computador (art. 131º, nº 5 do C P C) |