Sentença de Julgado de Paz
Processo: 27/2'21-JPPRS
Relator: CRISTINA EUSÉBIO
Descritores: INCUMPRIMENTO CONTRATO DE EMPREITADA - CONSUMIDOR - LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
Data da sentença: 07/26/2021
Julgado de Paz de : VILA NOVA DE POIARES
Decisão Texto Integral: Processo n.º 27/2021-JP

RELATÓRIO

IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: [PES-1], residente na [...] 2, n.º 1016, [Cód. Postal-1] [...].

Demandada: [PES-2], NIF N.º [NIF-1], residente na [...], 13 em [...], [Cód. Postal-2] [...]

OBJECTO DO LITíGIO e TRAMITAÇÃO

A Demandante intentou a presente ação declarativa, pedindo a condenação do Demandado ao pagamento da quantia de €15.000,00 relativa á redução do preço de um contrato de empreitada por ambos celebrado e que apresentou os defeitos que elenca no seu requerimento inicial. Mais peticiona indemnização por danos não patrimoniais consubstanciados na não utilização do espaço ao fim a que se destinava.

Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 9 cujo teor se dá por reproduzido e juntou 11 documentos.

Regularmente citado, o Demandado prescindiu da fase de mediação e apresentou a sua contestação defendendo-se por exceção (ilegitimidade e caducidade) e alegando a sua versão dos factos, nomeadamente negando a existência de defeitos na obra, que deixou inacabada por lhe ter sido dada ordem expressa para parar os trabalhos, por falta de licença camarária.

Requer a condenação da demandante por litigância de má-fé e reconvenção.

Notificada da contestação do demandado, a demandante apresentou a fls. 133, resposta á reconvenção reputando-a por não admissível no presente processo e respondeu à referida litigância de má-fé, juntando os documentos de fls.135 a 144.

Na data designada para a realização da Audiência de Julgamento, esta realizou-se com cumprimento das formalidades legais conforme da respetiva acta melhor se alcança, tendo o tribunal realizado inspeção judicial á obra em causa nos presentes autos.

Fixa-se o valor da ação em 15.000,00€ (artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. C.)

QUESTÃO PRÉVIA

Da reconvenção

Nos termos do disposto no art. 48º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013 de 31 de julho, doravante designada por LJP, “não se admite reconvenção, exceto quando o demandado se propõe obter a compensação ou tornar efetivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas á coisa cuja entrega é pedida”.

Ora, no caso dos autos, o demandado peticiona o pagamento de parte do preço acordado no contrato de empreitada, que estará em falta, o que não se enquadra em nenhuma das situações excecionais nas quais a LJP prevê a admissibilidade da reconvenção.

Assim se conclui pela inadmissibilidade da reconvenção nos presentes autos.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Resultaram provados os seguintes factos, essenciais para a resolução da causa:

1- A Demandante é dona e legitima proprietária do prédio urbano, composto de casa de habitação com dois pisos, sito em [...], freguesia de [...], concelho de [...], inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o Artigo nº 1125, descrito na Conservatória do Registo Predial de [...] sob o nº 4392 da freguesia de [...]. Cfr. doc. fls.12 a 14

2- O demandado dedica-se à atividade de construção civil.

3- A demandante contratou os serviços do demandado para a realização de obra de remodelação em anexo do imóvel descrito em 1º cfr. doc. fls 31 e 135

4- Que incluía demolição do telhado e interior existente, construção de paredes, arranjo de paredes internas e externas, com rebocos isolamento e acabamentos finais; substituição de telhado; arranjo do chão com piso flutuante, azulejos e mosaicos na cozinha e casa de banho; substituição de portas e janelas: colocação de gesso cartonado nos tetos da sala e quartos; elaboração de divisórias em pladur e revestimento de paredes existentes em pladur, eletrificação; canalização da cozinha e de duas casas de banho, com as respetivas loiças e seu assentamento tomadas TV e tomadas normais, torneiras e loiças das casas de banho. Cfr. doc fls. 180 a 183 vs

5- O demandado apresentou verbalmente um orçamento de 25.000,00€ sendo este o preço acordado.

6- O demandado elaborou um orçamento escrito com o valor de 30.000,00€ que se destinou á sua apresentação na instituição bancária para obtenção de empréstimo bancário pela demandante. Cfr. doc. fls. 135

7- O demandado iniciou a realização dos trabalhos em 14 de setembro de 2020, estimando a sua conclusão em 2 a 3 meses, sem que tal prazo tenha ficado concretamente definido.

8- Os trabalhos prosseguiram até 6 de novembro de 2020, data em que a filha da demandante [PES-3] e o demandado e sua mulher se envolveram numa acesa discussão acerca de alegado atraso nos trabalhos, negando-se aquela a proceder a mais pagamentos, enquanto o trabalho não o justificasse.

9- Na sequência da discussão a referida [PES-4] referiu que não admitia gritos e faltas de educação exigindo ao demandado e sua esposa que saíssem.

10- O demandado, apesar de instado para tal, não mais se deslocou à obra, pese embora tenha deixado no local os materiais necessários à sua finalização nomeadamente tintas, chão flutuante, pedras da cozinha e tomadas elétricas.

11 - A obra ficou inacabada, faltando realizar o seguinte:

- Segunda de mão de pintura do exterior:

- Pinturas interiores;

- Aplicação de lava loiças e pedras da cozinha;

- Aplicação do chão flutuante;

- Aplicação de torneiras da cozinha;

- Ligação da eletricidade, água e gás

- Aplicação dos espelhos das tomadas e interruptores.

12 - Durante o período temporal em que os trabalhos foram sendo realizados pelo demandado, a demandante procedeu aos seguintes pagamentos por referência ao valor acordado de €25000,00:

- Em 11/09/2020 procedeu ao pagamento do valor de €5000,00, pago em numerário;

- Em 15/09/2020 procedeu ao pagamento do valor de €5000,00, pago em numerário;

- Em 25/09/2020 procedeu ao pagamento do valor de €5000,00, pago em numerário;

- Em 06/10/2020 procedeu ao pagamento do valor de €2500,00, pago em numerário;

- Em 13/10/2020 procedeu ao pagamento do valor de €2000,00, pago em numerário;

- Em 31/10/2020 procedeu ao pagamento do valor de €2000,00, pago em numerário;

Perfazendo, assim, um total recebido por parte do demandado de € 21 500,00.

13- Restavam €3500,00 a serem pagos pela demandante tendo em conta o valor orçamentado pelo demandado para a realização dos trabalhos.

14- A entrega dos valores referidos no n.º 12 foi feita por [PES-5], filha da demandante, que igualmente, acompanhou os trabalhos regularmente e deu instruções ao demandado.

15- Em data não concretamente apurada - mas posterior ao dia 6 de novembro de 2020 - a demandante veio a verificar que o teto se mostrava abaulado, havia escorrência de água nas paredes e muita humidade e bolor no pladur aplicado. Cfr. docs fls.15, 17, 24, 25, 26.

16- O técnico contratado para proceder ao levantamento do espaço tendente à obtenção da licença de obras, foi chamado ao local para verificar os trabalhos realizados pelo demandado.

17- Com a desmontagem de alguns elementos da obra, nomeadamente o pladur foram detetados os seguintes defeitos e faltas:

- A estrutura do teto não estava assente nas paredes laterais; cfr. doc fls. 28, 32,33

- Verificou-se a falta de cantoneiras de parede e teto; cfr- doc. fls 28, 34

- O teto estava suspenso na estrutura do telhado, tendo sido utilizadas raias de chão e não perfis de teto. Cfr. fls 35, 36

- O teto em gesso cartonado estava abaulado e em risco de iminente queda.

- O gesso cartonado, numa das paredes estava aplicado com massa diretamente do tijolo, sem estrutura ou caixa de ar. Cfr. doc fls 202

- O gesso cartonado foi aplicado até ao chão, não respeitando a distância mínima obrigatória de 1 cm em relação ao piso (para evitar a subida de humidade pelo fenómeno da capilaridade); cfr. doc. fls 17

- O gesso cartonado apresentava sinais visíveis da existência de fungos prejudiciais para a saúde,

- Os cabos de eletricidade e água foram incorretamente aplicados cruzados (potenciando indução elétrica) e colocados no local de passagem do exaustor de vapores do fogão da cozinha; cfr. doc. fls16 e 40

- A aplicação deficiente de revessa do telhado e falta de remate provocou infiltrações nas paredes laterais; cfr. doc. fls 39

- A ligação de gás foi feita com tubo não regulamentar;

- A lã mineral encontrava-se colocada com a face de papel virada para o exterior; cfr. doc. fls 19 e 20

- O quadro elétrico foi aplicado com três disjuntores, potenciando sobrecarga no quadro; cfr. doc. fls 21

- Existência de sobrecarga de fios e ligadores nas caixas de derivação;

- Os fios elétricos 6 não respeitavam as cores terra/fase/neutro;

- A ligação das tomadas foi realizada com fio de 1,5 mm;

- Existência de cabos elétricos enrolados à estrutura metálica; cfr. doc. fls 37, 41

- Falha na esquadria das paredes;

- Pintura exterior incompleta, tendo sido dada apenas” uma de mão”; cfr. doc. fls 22,99,100.101,102.

- Não colocação de pedra da bancada da cozinha

- Foram colocados tubos de água inadequados na obra – cfr. doc. fls 43

18 – O teto em gesso cartonado encontrava-se em risco de ruína e as ligações elétricas, da forma que foram executadas, constituíam risco de segurança para os seus utilizadores.

19- Em face de tais problemas detetados na obra realizada pelo demandado, a demandante remeteu em 9 de dezembro de 2020, carta registada datada de 6 de dezembro de 2020 referindo os defeitos de construção e problemas existentes na obra. Cfr. doc. fls 44 a 47

20- O demandado só teve conhecimento da existência de deficiências quando recebeu a carta da demandante.

21- Na referida carta, a demandante solicitou a retificação dos defeitos que elenca, até ao final do mês de janeiro de 2021 ou em alternativa propôs a devolução da quantia de 6.500,00€ que entendeu ter pago a mais pelos trabalhos executados até 6 de novembro de 2020. Cfr doc. fls.44 a 47

22- Por carta datada de 11 de janeiro de 2021, o demandado através do seu Ilustre mandatário respondeu á missiva referida em 19, negando a verificação de defeitos na obra. Cfr. doc. fls. 48 e 49.

23- Após a receção da carta da demandante, o demandado não se deslocou à obra para proceder a qualquer verificação ou correção.

24- A demandante contratou outros técnicos para a reparação dos defeitos e a alteração do projeto inicialmente contratado com o demandado tendo recebido dois orçamentos: no valor de €8.000,00, referente aos serviços de construção civil e no valor de €2.325,55 referente aos serviços de canalização e eletricidade. Cfr. documentos fls 50 incorretamente datado e 51

25- Pelos trabalhos de reparação e alteração de construção civil a demandante pagou a quantia de 2.000,00€. Cfr. doc. fls. 173.

26- A demandante ainda não liquidou qualquer quantia relativa aos serviços de canalizador eletricista realizados por [PES-6].

27- Os construtores contratados pela demandante destruíram parte dos trabalhos realizados, nomeadamente as paredes e tetos em gesso cartonado para uma completa verificação e correção dos problemas e defeitos da obra.

28 – A demandante optou por revestimento das paredes com tijolo, alterou os parapeitos das janelas, mandou colocar tetos em madeira, mandou revestir uma parede da sala com azulejos, optou por colocar apenas uma divisória em todo o espaço, mandou abrir uma porta no quarto para o exterior, alterou os móveis lavatórios das casas de banho, procedeu à construção de telheiro na frente da casa com estrutura metálica e telha sandwich;

29- A demandante adquiriu novos materiais para aplicar na obra no valor total €4.362,37 cfr. doc. fls. 52 a 71

30- A demandante sofreu incómodos e perdas de tempo, quer para procurar solucionar a situação com o demandado, quer a procurar nova forma de solucionar.

31-O anexo onde foram realizadas as obras pelo demandado situa-se junto ao leito de uma ribeira, sendo um sítio muito húmido.

32- Em 8 de Setembro de 2020, a demandante deu entrada nos serviços da [ORG-1] a comunicação de obras isentas de controlo prévio. Cfr. doc. fls. 138 a 141

33- Em data não concretamente apurada, a obra da demandante foi alvo de fiscalização pela [ORG-1], tendo sido dada ordem de suspensão dos trabalhos enquanto não fosse obtida a devida licença.

34- Em 2 de Dezembro de 2020 a demandante recebeu parecer da [ORG-2] como resposta a requerimento por si apresentado, no qual se refere “as obras de conservação pretendidas: reboco de paredes, substituição de telhado, não apresentam relevância em termos do domínio hídrico pois não alteram as estruturas existentes ou motivam novos impactos”. Cfr. documento fls. 142

Não resultaram provados os seguintes factos:

1ºEm 6 de novembro de 2020, tendo sido confrontado com problemas visíveis verificados nos trabalhos por ele realizados, bem como pela recusa de entrega de mais valores monetários por parte da demandante sem que os mesmos problemas fossem resolvidos, o demandado decidiu abandonar a obra no final do período da manhã.

2º Em 06 de novembro de 2020 o R. foi confrontado com problemas existentes nos trabalhos que vinha a realizar, nomeadamente: o aparecimento de infiltrações logo apos ter chovido, o escorrer de água pelas paredes; o cair de água no chão da sala; os tetos em gesso cartonado a ficarem arqueados e pretos, e a apresentar inúmeras bolhas de água; as paredes e chão sem esquadria e inclusivamente quando se batia numa qualquer parede todas as lâmpadas ligavam e desligavam, num pisca-pisca que indiciava poderem vir em breve a entrar em curto-circuito.

3ºAtenta a relevância dos defeitos e grau de incorreta realização, praticamente levam a que a demandante tivesse de iniciar, de novo, a obra.

4º A verificação de defeitos nos trabalhos realizados pelo R. e a necessidade de eliminar tais defeitos, ainda para mais tendo em conta a sua dimensão, levaram a que a A. não pudesse dispor do espaço por largo período de tempo, bem superior àquele que previu quando contratou o R. para realizar a obra.

5ºEntre a demandante e o demandado nunca existiu, qualquer relação contratual.

6º A filha da demandante por várias vezes advertiu o demandado de que não deveria tratar qualquer assunto com a mãe porquanto a obra era dela e do marido.

7º No dia 6 de novembro de 2020, quando confrontada com o atraso nos pagamentos, a filha da demandante se exaltou e ordenou ao demandado para “arrumar a coisas e ir embora” da obra.

8º A obra recuperada tem cerca de 70 metros quadrados e os preços de mercado rondam os 1.000,00 a 1200,00 euros por metro quadrados o que daria um orçamento na casa de, no mínimo, 70.000,00 euros.

9º O preço acordado foi de 25.000,00 euros, ou seja cerca de 357,00 euros por metro quadrado, um terço do preço de mercado.

MOTIVAÇÃO

A convicção do Tribunal relativamente à factualidade supra descrita, resulta da análise crítica e ponderada, à luz das regras da lógica e das máximas da experiência de vida, dos documentos juntos, da inspeção ao local, dos depoimentos de parte da demandante e demandado e dos depoimentos prestados pelas testemunhas na audiência final.

Consideram-se provados por acordo os factos sob os n.ºs 2,5,7, 12 a 14.

Foram confessados os factos sob o n.º 10, 23 e 33

Da prova documental resultam provados os factos que expressamente o indicam, conjugados com a restante prova.

Os factos sob o n.º 4 e 11 foram tidos por provados pela conjugação dos documentos neles referidos com os esclarecimentos prestados pelas partes no local.

Os factos sob o n. os 8 e 9 resultaram do depoimento de [PES-3], que descreveu os acontecimentos do dia 6 de novembro com pormenor, com conhecimento direto e de forma credível. Relatou que os ânimos se exaltaram, principalmente com a esposa do demandado, motivo pelo qual lhes disse que saíssem do local.

O facto provado sob o n.º 10 resultou da conjugação dos depoimentos de parte da demandante e demandado, tendo este último confirmado que a demandante lhe pediu que regressasse á obra, mas que não o fez porque já tinha entregue o assunto ao seu advogado.

Quanto aos factos sob o n.º 16 a 18º, 27ºdos factos provados diga-se que o depoimento das testemunhas [PES-7], [PES-8], [PES-9] e [PES-10] mereceram credibilidade e conhecimento direto dos factos porquanto foram contratados pela demandante para a verificação e realização dos trabalhos, tendo confirmado a existência dos defeitos na obra, conhecidos após a retirada de materiais, nomeadamente o pladur das paredes e teto, estrutura do telhado e parte elétrica e canalização.

O facto sob o n.º 20 é uma decorrência lógica do facto de os defeitos da obra apenas terem sido conhecidos na sua totalidade após a retirada dos materiais, o que aconteceu depois do dia 6 de novembro, e que se encontram descritos na carta enviada em 9 de dezembro pela demandante.

Quanto aos factos sob o n.º 24 e 25 cabe o esclarecimento que a testemunha [PES-9], autor do documento de fls 50 referiu que este se encontra incorretamente datado por ter sido feito no computador “por cima” de outro orçamento anterior e que só foi contactado pela demandante em 2021. Considera-se assim provado o orçamento apresentado, sendo que a mesma testemunha confirmou que os trabalhos realizados não se cifraram nesse valor, tendo a demandante apenas pago a quantia de 2000,00€ que recebeu.

Já no que diz respeito ao orçamento de fls 51, o autor deste documento Sr. [PES-10] referiu ao tribunal que ainda não tinha feito contas com a demandante e que esta ainda não pagou qualquer valor referente aos trabalhos que realizou de eletricidade e canalização. – facto sob o n.º 26.

O facto provado com o n.º 28 resulta da inspeção judicial ao local da obra e os seus esclarecimentos a este propósito.

O facto sob o n.º 31 é uma constatação da inspeção judicial.

No que diz respeito aos factos considerados não provados estes resultam essencialmente do facto de estarem em contradição com outra matéria dada por provada, sendo disso, mesmo consequência lógica (factos n.º 1, 2, 3 e 5) e pela total ausência de prova que os infirmasse (factos sob os n. 4,6,7 e 8).

Como se disse, a conjugação dos elementos de prova, conduz-nos pelas regras da lógica às conclusões que se passam a explanar.

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Da prova produzida resultou que, contrariamente ao alegado pelo demandado na sua contestação, o contrato foi efetivamente celebrado com a demandante. Para a decisão da exceção invocada tem relevância o facto de quer no orçamento escrito, quer no recibo do pagamento constar como titular a demandante e não a sua filha [PES-4], para além de se encontrar igualmente provada a propriedade do imóvel bem como a titularidade em contrato de crédito contraído para pagamento das obras.

Ainda que a filha da demandante pudesse entregar os montantes monetários e dar algumas instruções ao demandado isso não significa, automaticamente, que seja o dono de obra ou contraente no contrato em apreço.

Nos termos do disposto no n.º 2 do art. 1209º co Código Civil, o dono de obra pode fiscalizá-la por si ou através de comissário.

Entende-se, portanto, que a filha da demandante agiu em nome de sua mãe e não em nome próprio na execução do contrato.

Assim, improcede a exceção de ilegitimidade ativa alegada pelo demando na sua contestação.


***

O contrato celebrado entre a Demandante e o Demandado é uma modalidade do Contrato de Prestação de Serviços, na forma de Empreitada, previsto no Art.º 1207.º do Código Civil (CC), o qual dispõe que “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra, mediante um preço”.

Sendo um tipo contratual que não obedece a forma legal, por vezes, como no caso dos autos, torna-se imprescindível saber quais os trabalhos incluídos e excluídos do âmbito contratual. Com a imprescindível colaboração das partes, podemos concluir que o demandado foi contratado para proceder á remodelação total de um anexo, procedendo á demolição das estruturas antigas em madeira, nomeadamente o telhado e sua substituição por telha sandwich, ao arranjo das paredes interiores com a aplicação de pladur, á construção de divisórias, em pladur, aplicação de chão, assentamento de duas casas de banho, incluindo revestimentos e loiças sanitárias e torneiras, cozinha com bancada, lava loiças e exaustor, colocação de portas e janelas quer interiores, quer exteriores, pinturas, cablagem elétrica e canalização, por forma a tornar o espaço habitável.

Ora, na sua maioria, os trabalhos foram executados, sendo que, no entanto, a demandante aponta vários defeitos construtivos que logrou provar.

Assim, estamos perante uma situação enquadrável no Decreto Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril para além do já fixado no Código Civil.

Assim, no âmbito da responsabilidade por cumprimento defeituoso respeitante a imóveis, a lei estabelece 3 tipos de prazo: o prazo de denúncia dos defeitos, fixado em 1 ano (artigos 1225.º, n.º 2, do CC e 5.º-A, n.º 2, do citado DL); o prazo para o exercício dos direitos (3 anos contar da denúncia atempada dos defeitos - art. 5.º-A, n.º 3, do referido DL); e o limite máximo da garantia legal de 5 anos (artigos 1225º, nº 1, do C. C. e 5.º, n.º 1 do DL 67/2003).

No presente caso, perante a prova produzida facilmente se conclui que os prazos não se encontram ultrapassados, motivo pelo qual improcede a exceção de caducidade invocada pelo demandado e que impediria o tribunal de conhecer do mérito da causa.


***

Ora, como se referiu o regime jurídico aplicável ao caso "sub judice", é o previsto no Decreto Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, que, sendo uma lei especial que visa a proteção dos consumidores, se aplica com prevalência sobre o regime geral do Código Civil.

O âmbito de aplicação da garantia contratual de bens de consumo é indicado pelo art.º 1º do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de abril, cujo n.º 1, refere a hipótese da venda de bens de consumo, tutelando os interesses dos consumidores.

Por força das alterações ao citado diploma operadas pelo Decreto-Lei nº. 84/2008, de 21 de maio, determinou-se a sua aplicação “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada”, sendo esta garantia restrita aos contratos entre aqueles fornecem bens de consumo no exercício de uma atividade económica que visa a obtenção de benefícios e consumidores, pessoas que adquirem bens de consumo com fins não profissionais.

Os direitos conferidos ao consumidor, no caso de cumprimento defeituoso das obrigações contratuais assumidas pelo empreiteiro, são nos termos do disposto no n. º1 do art. 4º do citado diploma: reparação, substituição, redução adequada do preço ou resolução do contrato. Estes direitos poderão ser exercidos livremente, com respeito pelo princípio da boa-fé, sendo as particularidades do caso concreto que enquadrarão o exercício dos diferentes direitos colocados à disposição do consumidor.

Assim, no caso presente, pese embora no seu requerimento inicial se refira o direito a redução do preço do contrato, o que é certo é que toda a conformação da ação e o próprio pedido nos conduz a considerar que a demandante pretende fazer valer o direito de indemnização em dinheiro correspondente ao custo das reparações dos defeitos e finalização da obra, por terceiros por si contratados.

Resulta da matéria provada a existência de diversas diligências tendentes a que o demandado procedesse às devidas reparações e acabamento da obra, sem que este se tenha disponibilizado a realizá-las, assumindo a postura, que manteve no presente processo, de negação da existência dos defeitos, sem se ter sequer deslocado à obra, no prazo que lhe foi concedido pela demandante e que se entende razoável.

Por outro lado, releva o facto de haver trabalhos cuja reparação se afigurava urgente, sob pena de maiores prejuízos e por razões de segurança, nomeadamente intervenção no teto e eletricidade.

Assim, atendendo às circunstâncias do caso concreto, o tribunal reconhece que as reparações feitas pela demandante resultaram da conduta omissa do demandado, no que diz respeito à eliminação dos defeitos, e, portanto, reconhece que este haverá de proceder á reparação em dinheiro.

No entanto, uma vez que as opções construtivas nas reparações foram diferentes daquelas que foram contratadas com o demandado, bem como as diferentes opções de materiais e acabamentos na finalização da obra, o valor peticionado extravasa o âmbito da eliminação dos defeitos e terminus da obra, em quantia cuja quantificação o tribunal não conseguiu apurar.

Na verdade, a obrigação do demandado de indemnizar a demandante pelo custo das reparações cinge-se ás anomalias denunciadas, ou seja, as que se encontram discriminadas no item 17 da matéria provada e aos trabalhos em falta descrito no n.º11 dos factos provados.

Os autos não fornecem elementos suficientes para quantificar o custo da reparação daquelas concretas anomalias, sequer com recurso á equidade, pois pese embora se tenha dado por provado que a demandante já pagou 2000,00€ por trabalhos de construção civil e adquiriu materiais no valor de 4362,37€, certo é que não foi estabelecido o nexo entre esses trabalhos e materiais com os indicados defeitos construtivos, em concreto.

Na inspeção judicial, apurou o tribunal que a demandante optou por realizar obras completamente diferentes das inicialmente contratadas com o demandado, quer na sua estética quer materiais aplicados e até a disposição do espaço. Mas também se pôde constatar que o demandado cumpriu com uma parte significativa do contrato, ainda que com as provadas deficiências.

Desta forma, o valor das reparações e finalização da obra necessitam de ser apurados com prova complementar.

Assim, provado o dano provocado pela inexecução culposa dos trabalhos por parte do demandado e havendo lugar à indemnização pelo custo da reparação dos defeitos e trabalhos em falta, tem-se por mais adequado o recurso à liquidação do valor da indemnização, a apurar em posterior liquidação, nos termos do art. 609º, n.º 2 do CPC.

Como bem refere o Ac. Relação de Coimbra de 11/10/2017 publicado em www.dgsi.pt: “O disposto no artigo 609º, nº 2, do CPC é aplicável a todos os casos em que o Tribunal, no momento em que profere a decisão, carece de elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação, seja porque ainda não ocorreram os factos constitutivos da liquidação da obrigação, seja porque, apesar de esses factos já terem ocorrido e terem sido alegados, não foi feita a sua prova.

Em qualquer desses casos e desde que esteja demonstrada a existência da obrigação – uma vez que aquilo que pode ser relegado para posterior liquidação, ao abrigo da citada disposição legal, não é a existência da obrigação, mas sim e apenas o objeto ou a quantidade dessa obrigação –, o Tribunal, carecendo de elementos para fixar o seu objeto ou o seu exato valor, deverá condenar naquilo que venha a ser liquidado posteriormente.”

E de facto, não restaram dúvidas ao tribunal que para além de inacabada, a obra apresentava diversas desconformidades.

Na posterior liquidação, deve também ter-se em consideração os valores pagos pela demandante ao demandado e o que restava pagar, nos termos dados por provados na presente ação.

No que diz respeito aos danos não patrimoniais peticionados diga-se que face ao vertido no nº 1 do artº 496º CC, apenas se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

Significa isto que, o dano (moral) sofrido pela Demandante deverá ser considerado suficientemente gravoso ao ponto de justificar a atribuição de indemnização pecuniária, não podendo integrar-se neste contexto quaisquer simples contrariedades, incómodos, indisposições ou arrelias.

Neste âmbito, o ónus da prova recai sobre a Demandante, ora da factualidade provada, nada foi provado no sentido de que esta tenha sofrido danos juridicamente tuteláveis, nomeadamente os alegados, razão pelo qual, este pedido improcede.

DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos invocados, declaro a ação parcialmente procedente em consequência condeno o demandado a pagar à demandante o montante que se vier a apurar em liquidação de sentença relativo à eliminação dos defeitos de construção e finalização da obra, sendo absolvido do demais peticionado.

Custas:

A cargo da Demandante e Demandada em partes iguais, nos termos e para os efeitos do art. 3º da Portaria n.º 342/2019 de 1 de outubro devendo ser pagas, no prazo de 3 (três) dias úteis a contar da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de € 10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efetivo cumprimento dessa obrigação.

Registe e notifique.

Vila Nova de Poiares, 26 de julho de 2021

A Juíza de Paz,

(Cristina Barbosa)