Decisão Texto Integral: |
Processo n.º 312/2019 - JP
Sentença
I - IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandantes: J… e J…, residentes à Rua …Funchal.
Demandadas: E, Ldª, , com sede à Rua … -Funchal e S Ld.ª, com sede ao Caminho …Funchal.
II- OBJECTO DO LITÍGIO
Os Demandantes vieram propor contra as Demandadas, a presente acção declarativa, enquadrada na alínea h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo a condenação solidária destas a:
a) Procederem à execução das reparações no pilar e muro a oeste deste e à afinação da porta, repondo-os no estado em que se encontravam antes dos estragos;
b) Pagar uma indemnização pelos danos morais sofridos, incómodos, mau-estar, aborrecimentos, graves e penalizantes constrangimentos para levantar e mover a parte da porta fixada no pilar que sofreu os estragos, para que estes possam entrar e sair com a sua viatura, usada necessariamente todos os dias nas suas tarefas pessoais e profissionais, numa quantia não inferior a € 3 000,00 (três mil euros);
c) Pagar as custas e demais encargos legais.
Alegam, em síntese e para o efeito que:
1. Na madrugada de 24.08.2019 o comissário da distribuidora do jornal diário “JM”, que identificou como S Lda, embateu no pilar da entrada da sua moradia, provocando estragos no pilar e no muro, afectando a parte da porta que lhe está fixada.
2. O condutor assumiu espontaneamente os danos causados e nos dias seguintes deslocou-se com um indivíduo à residência dos Demandantes onde consensualmente estipularam a forma de reparar o pilar e afinar a porta, fixando a semana de 2 a 8 de setembro de 2019, para a realização dos trabalhos.
3. Volvido esse prazo sem que nada tivesse sido feito, os Demandantes interpelaram a E Lda em 09.09.2019, e esta informou que seria a empresa distribuidora iria resolver a questão, dentro de 1 semana.
4. Apesar das interpelações do Demandante e promessas dessa Demandada, o facto é que nada foi feito até à presente data, num total desrespeito pelos danos que provocaram ao imóvel e o bem-estar dos Demandantes.
5. Tal situação tem criado graves e penalizantes constrangimentos para os Demandantes, que diariamente sofrem dificuldades para erguer e mover a porta fixada ao pilar, devido ao desnível de uma das suas partes em relação à outra, impedindo-os de sair e entrar com o seu carro, para realizar as suas tarefas normais.
6. As Demandadas têm entre si uma relação contratual, pelo que a obrigação de indemnizar é solidária.
Juntaram documentos de fls. 8 a 47, 104 a 118 arrolaram testemunhas
As citações foram efetuadas regularmente (fls. 84-85)
Nenhuma das Demandadas apresentou contestação, mas a Demandada Servinasa Lda apresentou-se a Julgamento, arrolou testemunhas e juntou procuração forense.
Os Demandantes afastaram ab initio a possibilidade de submeter o litígio a mediação.
Foi agendada e realizada audiência de julgamento que decorreu em duas sessões, nas quais estiveram presentes os Demandantes e o ilustre mandatário da Demandada S Lda.
Na 1ª sessão de julgamento, apurou-se- que o Demandante intervinha como Advogado em causa própria, o qual requereu a junção aos autos do relatório de peritagem e demais documentos juntos a fls. 104-118. Por seu turno, a Demandada S Lda confessou os factos relativos aos danos patrimoniais, assumindo realizar de imediato as reparações constantes da alínea a) do pedido.
Suspensa a audiência para que a Demandada faltosa pudesse justificar a sua falta nos termos e para os efeitos do artº 58º nº 2 da LJP e as partes exercessem o direito ao contraditório, veio apenas a Demandada S Lda reagir aos documentos, arguindo a sua inutilidade face à natureza do pedido e à circunstância da mesma já ter reconhecido a reconstituição natural da situação, estando em causa apenas o pedido de indemnização pelos danos não patrimoniais.
Por despacho que fls. 125-126 este Tribunal pronunciou-se sobre o valor probatório de tais documentos face aos factos controvertidos em causa, convidando novamente, as partes a exercer o devido contraditório.
Reaberta a audiência, constatou-se a falta reiterada e injustificada da Demandada E Lda, concretizou-se a matéria controvertida ao artº 20 do R.I. e procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas partes, de acordo com as formalidades legais, conforme actas que se juntam. (Fls. 101-102 e 130).
O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias.
Não há excepções, nulidades ou quaisquer questões prévias que cumpra conhecer.
III- VALOR DA ACÇÃO
Fixo o valor da causa no montante de € 3 000,00 (três mil euros). (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redacção da Lei 54/2013 de 31 de julho).
IV – QUESTÕES A DECIDIR
A questão que se controverte, consiste em saber se os constrangimentos, incómodos e aborrecimentos que os Demandantes reclamam são passíveis de ser indemnizados e se existe responsabilidade de ambas ou de alguma das Demandadas; na positiva, se a mesma é solidária e qual a sua exata medida.
V - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Pela Demandada S Lda foi confessada a matéria vertida nos artºs 1, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 16, 17 e 18 do R.I., ficando assente que:
1. À data dos factos, a Demandada S Lda atuava como “empresa distribuidora” do JM, jornal de edição diária fornecido pela Demandada E Lda; (fls. 25, 26);
2. Na madrugada de 24.08.2019 o comissário da Demandada S Lda embateu com o seu automóvel no pilar da entrada da moradia dos Demandantes provocando estragos no mesmo e no muro junto a este, afectando parte da porta fixada ao referido pilar e por consequência a entrada e saída da casa.
3. Resultado do embate, a base do pilar e muro, partiram, ficando aquele desaprumado com inclinação para o lado direito, de acordo com as fotografias juntas a fls. 45 e 46.
4. Consequentemente, a parte da porta nele fixada ficou desnivelada em relação à outra metade, impossibilitando o uso da fechadura da mesma, conforme fotografias de fls. 47.
5. Com o pilar desaprumado, a parte da porta nele fixada encontra-se com pressão sobre a parte do piso do terreiro, pelo que, para abrir e fechar o portão, é necessária muita força para o erguer e mover, conforme denuncia a fotografia de fls. 48.
6. No mesmo dia do embate, o condutor do veículo, deslocou-se à casa dos Demandantes reconhecendo que o carro que conduzia tinha deslizado de marcha a trás com a porta lateral do condutor aberta, colidindo com o pilar.
7. Assumiu ainda que iria comunicar com o dono do carro para participar ao seguro.
8. Na semana seguinte, o mesmo condutor dirigiu-se à casa dos Demandantes com um terceiro que identificou como seu colega, os quais, em conjunto analisaram os estragos e consensualmente estipularam a forma de segurar e reparar o pilar, bem como garantir a afinação da porta, durante a semana de 2 a 8 de setembro.
9. A Demandada S Lda reconhece ser responsável pelos danos acima descritos e assumiu o pedido dos Demandantes apresentado no R.I. sob a alínea a).
Não tendo contestado, nem comparecido às duas sessões de julgamento, nem justificado qualquer uma das faltas, operam os efeitos previstos no artº 58. nº 2 da LJP.
Contudo, de acordo com a prova documental que se dá por reproduzida e testemunhal carreada para os autos resultaram efetivamente apurados os seguintes FACTOS PROVADOS:
1. Os Demandantes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano melhor descrito no artº 1 do R.I. e docs 1 a 4, fls. 8-10
2. Dessa moradia são elementos integrantes o muro, o pilar e a porta (portão) de entrada, objecto destes autos, melhor identificados a fls. 45-48
3. O Demandante é subscritor do Jornal diário “JM” editado pela Demandada E Lda e distribuído pela Demandada S Lda .
4. Em 09.09.2019 entregou pessoalmente uma carta à Demandada E Lda, reclamando da situação e da falta de resposta na urgente reparação aos danos provocados pela empresa, sua distribuidora. (fls. 41)
5. No seguimento dessa carta a Demandada E Lda informou ter contactado dita empresa, que assumiu resolver a questão na semana seguinte. (fls. 26)
6. Volvidos 11 dias sobre esse contacto e sem qualquer resposta, o Demandante, no dia 23.09.2019 interpelou formalmente a Demandada E Lda para a reparação dos danos no prazo de 30 dias. (Fls. 42-44)
7. Esgotado esse prazo sem qualquer resposta, o Demandante, em 29.10.2019 intentou a presente acção.
8. As Demandadas foram pessoalmente citadas no dia 28.11.2019.
9. Os Demandantes, com idades compreendidas entre os 60-70 anos, residem sozinhos na referida casa.
10. A porta em desaprumo é a única entrada para a respectiva residência.
11. Os Demandantes necessitam de usar o seu automóvel todos os dias, bem como abrir e fechar diariamente a parte da porta que ficou em desnível, representando para ambos uma impossibilidade constante e reiterada no seu dia-a-dia;
12. Situação que lhes vem criando mal-estar, aborrecimentos, graves e penalizantes constrangimentos para levantar e mover a parte da porta fixada no pilar que sofreu estragos, que impossibilitam a entrada e saída com a sua viatura para as normais tarefas pessoais e quotidianas.
13. A reparação do muro, pilar e porta, apesar de assumidas pela Demandada S Lda, ainda não foram efetuadas.
FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa, por falta de prova minimamente credível e susceptível de convencer o Tribunal da pertinente factualidade, nomeadamente:
a) A relação contratual (termos e condições) que existe entre as Demandadas.
VI – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos assentes resultaram da conjugação ponderada dos documentos juntos aos autos e da prova testemunhal, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho e no artigo 396º do Código Civil (CC). O Tribunal formou a sua convicção na apreciação crítica e articulada da prova produzida em sede de julgamento, sendo que pelos Demandantes e Demandada S Lda, foram apresentadas testemunhas, acabando esta última por prescindir das suas.
Foi ouvida D que se identificou como nora dos Demandantes. Relatou que soube do que aconteceu e quando chegou lá a casa, não conseguiu abrir o portão. “É preciso fazer muita força e quando se faz, o muro abana e parece que vai cair e continua igual. Ainda hoje não o consigo abrir sozinha; são precisas duas pessoas. Não moro lá. Vamos lá a casa todos os fins de semana. Entretanto a minha sogra foi operada, o fisioterapeuta é o meu marido e tem de a ir buscar porque ela não consegue sair sozinha de casa para ir de táxi ou Uber; Obriga-nos a fazer esse trajecto todos os dias há um ano e meio. Sei pela minha sogra que há dois meses a empresa enviou lá alguém para ver o problema, mas ainda não está resolvido.”
De seguida foi ouvido D, que se identificou como filho dos Demandantes e cunhado da anterior testemunha. Não mora nessa casa, mas vai lá todas as semanas. “A porta está realmente difícil de abrir e fechar; a coluna ameaça cair. Eu próprio não estaciono lá, porque é um risco até para quem toque à campainha; a base está manifestamente instável. Quando o carro embateu, a coluna caiu para o lado de fora. Não está em causa apenas o desconforto de abrir e fechar, mas o risco sério de voltar a cair. Eu consigo abrir e fechar, mas naturalmente as pessoas como os meus pais não o conseguem fazer.”
Em alegações, as partes pediram Justiça.
VII – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Do Regime aplicável
Com base na matéria de facto provada, cumpre apreciar os factos e aplicar o direito.
O normativo geral que permite fundamentar a responsabilidade civil por factos ilícitos é o artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. Este artigo estabelece o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual e em conjugação com o artigo 563º do mesmo código, pode-se concluir que a responsabilidade civil depende da verificação cumulativa de cinco requisitos: o facto, a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e estes últimos.
Neste caso o facto em causa é o embate com o automóvel, decorrendo sobre o mesmo, o regime da responsabilidade pelo risco. Independentemente de culpa só existe obrigação de indemnizar nos casos especificados na lei (artigo 483.º, n.º 2 do Código Civil), sendo a responsabilidade objectiva decorrente dos acidentes de viação, um desses casos, razão pela qual citamos este regime.
Exige-se também a verificação de um dano juridicamente tutelado. Antunes Varela define o dano como lesão que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea (pág. 598), o qual terá de se aferir em concreto e pode traduzir-se num dano patrimonial ou num dano não patrimonial.
Exige-se, ainda, um nexo de causalidade entre o facto e o dano, tendo o nosso legislador consagrado a teoria da causalidade adequada na sua vertente negativa (artigo 563.º do Código Civil), que sustenta que uma condição só deve ser tida como causa de dano se, segundo a sua natureza geral, se revelar apropriada para o provocar (Manuel de Andrade, Teoria Geral das Obrigações, 3.ª edição, Livraria Almedina, Coimbra, 1966, página 355).
O nexo de causalidade, como facto constitutivo do direito do Demandante, tem de ser provado por este (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). De acordo com o artº 342º do CC “ àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” e no artº 346º do mesmo Código estabelece-se que “à prova que for produzida pela parte sobre quem recai o ónus probatório pode a parte contrária opor contraprova a respeito dos mesmos factos, destinada a torna-los duvidosos; se o conseguir, è a questão decidida contra a parte onerada com a prova.”
Ora, mostrando-se reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil, demonstrados os factos constitutivos dos direitos alegados, tendo havido até confissão por ambas as Demandadas (uma expressa outra tácita) relativamente ao facto danoso e ao imperativo de o reparar, restará decidir sobre a forma de prover à necessária reparação, pelo(s) responsável(is) que vier(em) a ser designado(s).
Da responsabilidade
No âmbito do direito civil, as obrigações são singulares (aquelas em que tem apenas um titular do lado ativo – um credor – e um só titular do lado passivo – um devedor) ou plurais (aquelas em que são dois ou mais os titulares do lado ativo ou do lado passivo da relação, ou de um e outro simultaneamente), podendo a pluralidade ser activa (quando são vários os credores) ou passiva (quando são vários os devedores) ou activa e passiva (quando são vários os sujeitos de um e outro lado da relação obrigacional). (Cfr. Antunes Varela, in “Das obrigações em Geral”, Volume I, 10.ª edição revista e actualizada, Almedina, 2000, pág. 744). (…)
As obrigações plurais podem ser conjuntas (aquelas cuja prestação é fixada globalmente, mas em que a cada um dos sujeitos compete apenas uma parte do débito ou do crédito comum) ou solidárias (quando o credor pode exigir a prestação integral de qualquer um dos devedores e a prestação efetuada por um destes os libera a todos perante o credor comum – solidariedade passiva – a que nos interessa no caso concreto) – Cfr. Antunes Varela, ob. cit., pág. 748 e 751.
De acordo com o que estabelece o artigo 513.º do Código Civil, sendo a obrigação plural, a conjunção constitui o regime regra, uma vez que a solidariedade só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
AC STJ – Procº 07A1159 de 29.05.2007
Nos termos do art.º 512º do Cód. Civil, na parte que interessa, a obrigação é solidária quando cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera (n.º 1), não deixando a obrigação de ser solidária pelo facto de os devedores estarem obrigados em termos diversos ou com diversas garantias, ou de ser diferente o conteúdo das prestações de cada um deles (n.º 2).
Por seu lado, dispõe o art.º 513º do mesmo diploma que a solidariedade de devedores ou credores só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes.
Como deste preceito, confrontado com o disposto nos art.ºs 497º e 507º do mesmo Código - em que é consagrada a responsabilidade solidária para a hipótese de pluralidade de responsáveis em caso de responsabilidade civil extracontratual - resulta, nas obrigações civis integrantes de responsabilidade contratual em que haja pluralidade de devedores a regra geral é a da conjunção: cada um dos obrigados responde para com o credor por uma parte proporcional da prestação, se o contrário não estiver estipulado entre as partes – estipulação esta que pode ser feita mediante declaração tácita (art.º 217º do Cód. Civil) - nem resultar da lei. Diversamente, nas obrigações comerciais, isto é, nas que têm por fonte um acto mercantil, a regra, havendo pluralidade de sujeitos passivos, é a da solidariedade, também salvo estipulação contrária (art.º 100º do Cód. Comercial).
No elenco confessório da Demandada S Lda, esta excluiu expressamente o artº nº 2 do R.I., precisamente aquele que afirmava que a Demandada EJM fornecia diariamente no domicílio dos Demandantes, o jornal “JM, conforme contrato de assinatura consubstanciado na factura recibo de fls. 5., permanecendo esse facto em concreto, controvertido.
Por sua vez, apesar da Demandada E Lda ver contra si confessados os factos pela revelia contra si operante, isso não significa que se possa dar por provados factos que carecem de uma mínima correspondência com os demais elementos do processo.
Apesar da formulação da causa de pedir e do pedido dos Demandantes delimitar o objecto da acção, o “o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.” – artº 5 do CPC nº 3 do CPC ex vi artº 63º da LJP.
No caso em apreço, não resultou provada a relação contratual eventualmente estabelecida entre as Demandadas.
É um facto que a S Lda se reconheceu como distribuidora do JM, pelo menos naquela madrugada de 24.08.2019, mas nada mais se pode aferir dos autos, sendo que só existe quando resulte da lei ou da vontade das partes, não podendo ser presumida, por mero efeito de uma revelia operante, nem pode este facto confessado produzir efeitos contra a Demandada revel, sem a mínima correspondência com outras provas que – neste caso – não existem.
Assim e ainda que esta relação exista e possa efetivamente ser solidária, não resultou demonstrada, pelo que, neste caso concreto, a responsabilidade a aferir nos presentes autos sempre terá de se ater à regra prevista nos artºs 500º nº 1 e 2 e 503º do CC, ou seja, dirigida àquele que tinha a direcção efetiva do automóvel na fatídica madrugada de 24.08.2019, o qual, apurando-se tratar-se de comissário da Demandada Servinasa Lda, que prontamente assumiu a autoria dos danos, transfere para esta, a responsabilidade de os indemnizar nos termos legais previstos para os comitentes.
Dos danos
Nos termos do disposto no art.º 562º do C. Civil, sempre que alguém esteja obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não fosse a lesão: ao responsável incumbe reparar os danos – e em princípio todos os danos – que estejam em conexão causal com o facto gerador da responsabilidade – art.º 563º do C. Civil.
Dos danos patrimoniais.
Os Demandantes pediram a reposição do pilar, muro e porta no estado em que se encontravam antes do facto danoso.
A Demandada S Lda reconheceu expressamente essa obrigação comprometendo-se a cumpri-la.
Já no decorrer da discussão, os Demandantes vieram juntar aos autos um relatório de peritagem elaborado quase um ano depois da entrada deste processo em juízo, no qual descreve os danos, o tipo, forma e valores necessários à reparação. (Fls. 104-115)
Juntou ainda carta que no mesmo ensejo preparou (em 21.09.2020) a condicionar os termos em que pretendia fosse efetuada essa reparação.
A Demandada reagiu a essa junção alegando a sua inutilidade face ao efectivo pedido apresentado de reconstituição in natura da situação. – fls. 121-123
Por despacho de fls. 125-126 este Tribunal pronunciou-se sobre o valor probatório de tais documentos face aos factos controvertidos em causa, convidando as partes a exercer o devido contraditório e concretamente os Demandantes, a aperfeiçoar, querendo, o seu pedido.
Nada foi requerido no prazo legal, pelo que tais documentos constituem meros elementos sujeitos à livre apreciação como os demais, apresentados após a expressa confissão do pedido de reconstituição in natura pela Demandada. Tal Relatório sendo superveniente aos factos não tem sequer a suscetibilidade de ilustrar a situação pré-existente, (que de resto já se se encontra revelada nas fotos juntas a fls. 45-48) mas apenas a situação existente a reparar, podendo – isso sim e caso assim entendam as partes, servir de orientação relativamente ao modo como as reparações poderão vir a ser concretizadas.
Seja como for, os Demandantes não condicionaram o seu pedido a nada mais do que à reposição da situação em que se encontravam o muro, o pilar e a porta e respectiva afinação ao portão antes do embate, o que naturalmente supõe a reconstituição da segurança, da estabilidade, da estética, dos elementos físicos associados, repondo todas as ligações e elementos (elétricos, mecânicos, estéticos ou outros) que existiam e cujo funcionamento e utilidade tenham resultado afetadas pelo acto danoso.
Pedido esse que naturalmente terá de proceder.
Dos danos não patrimoniais
Não resultando aceite pela Demandada S Lda o ressarcimento dos danos não patrimoniais reclamados, foi produzida prova relativamente aos mesmos, logrando os Demandantes demonstrar a respectiva factualidade.
Em síntese, resultou assente que o embate do veículo conduzido pelo comissário da Servinasa Lda, produziu os danos patrimoniais descritos e provado que tais danos geraram os danos não patrimoniais reclamados. Como já vimos, nos termos do art. 503º, nº 1 do C. Civil, pelos danos ocasionados pelo veículo responde quem tiver a direcção efetiva do mesmo, - a “pessoa que cria o risco especial da utilização” daquele (cfr. A. Costa, Direito das Obrigações, 6ª ed., pág. 528) – e se este agir na qualidade de comissário, tal como previsto no nº 1 e 2 do artº 500º do CC, responderá por tais danos, o comitente.
Assim e ainda que a Demandada S Lda não tivesse reconhecido como reconheceu a sua responsabilidade pela reparação in natura dos danos patrimoniais, sempre lhe seria imputada a mesma, nos termos dos artºs 500 e 503º do CC.
Os Demandantes lograram demonstrar os “graves e penalizantes constrangimentos, mal-estar, aborrecimentos diários e grave penalização para levantar e mover a parte da porta fixada no pilar que sofreu estragos, para que possam entrar e sair com a sua viatura para a normais tarefas pessoais e quotidianas, ao longo, praticamente de um ano e meio (24.08.2019 até à presente data) que mais longo forçosamente se torna, quando falamos de 2 pessoas, com idades compreendidas entre os 60-70 anos, cuja robustez física e tolerância estão naturalmente condicionadas.
Acresce que as testemunhas por si apresentadas, apesar de familiares, prestaram os seus depoimentos de forma bastante isenta, objetiva e factual, concretizando com bastante clareza a razão de ciência com a percepção direta e pessoal que têm dos factos e dos seus efeitos.
Por sua vez, a Demandada não apresentou qualquer contraprova, cumprindo-lhe. (Artº 346º do CC.)
O artigo 496.º, n.º 1 do CC, condiciona a ressarcibilidade aos danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Esta gravidade, traduz-se num conceito indeterminado de valoração, atentas as particulares circunstâncias do caso, analisadas juridicamente à luz de um critério objetivo, tendo em conta as conceções de justiça vigentes. Se os transtornos que fazem parte da vida em sociedade poderão não apresentar gravidade objetiva que justifique a tutela do direito, também não é exigível que o dano assuma uma excecional intensidade, sendo de considerar indemnizável um dano cuja seriedade ultrapasse a dos comuns incómodos ou contrariedades.
A apreciação da relevância do dano, com vista a determinar se se revela merecedor de tutela jurídica, não depende da sua origem, mas da intensidade que assume, para aquele concreto lesado. Assim, ainda que se considere que, na generalidade dos casos, os danos não patrimoniais emergentes de determinado tipo de lesão são habitualmente graves, tal valoração terá de ser feita caso a caso, atendendo às concretas circunstâncias de vida da pessoa e da possibilidade de as manter, o que implica uma apreciação da situação atual do lesado e das alterações sofridas em consequência do ato lesivo. Constituem elementos essenciais, caracterizadores do dano, a natureza da lesão sofrida, a respetiva intensidade para aquele(s) lesado(s) em particular e suas consequências para o quotidiano dos mesmos, sem esquecer os concretos bens jurídicos ou interesses atingidos pela lesão. Naturalmente a duração dos efeitos da lesão releva, igualmente, na quantificação da extensão do dano, bem como da valoração que do mesmo se faça.
De acordo com o recente Ac.STJ Procº 107/17.5T8MMV.C1.S1 – de 20.11.2019
V. — Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil). A equidade funciona como único recurso, “ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)”
Do n.º 4 do artigo 496.º, conjugado com o artigo 494.º, resulta que o quantum devido por danos não patrimoniais é fixado com base na equidade e que o julgador deverá atender, não apenas ao dano em causa, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias concretas do caso, tendo ainda, se possível, em consideração os casos que mereçam tratamento análogo (artº 8.º, n.º 3).
“Ao preceituar que o julgador deverá atender, não apenas ao dano, de forma a compensar o lesado através da atribuição de um montante que se mostre proporcionado à respetiva gravidade e extensão, mas igualmente aos demais fatores referidos, designadamente à culpa do lesante e à respetiva situação económica, a lei atribui à indemnização por danos não patrimoniais uma natureza não meramente compensatória. Tal indemnização reveste, além daquela natureza compensatória, um carácter sancionatório, visando reprovar ou castigar a conduta do lesante. Ao ser calculada tendo em atenção a atuação do agente e a sua situação económica, de modo a ter em conta, por um lado, o grau de culpabilidade da respetiva conduta e, por outro, o reflexo do cumprimento da obrigação pecuniária na situação pessoal do obrigado, o processo de determinação da indemnização não se baseia apenas na análise do dano, com um objetivo compensatório, visando igualmente que o montante pecuniário se mostre adequado como punição da conduta do lesante. (…) É certo que a natureza não patrimonial dos danos não permite a efetiva indemnização do lesado, com a remoção da alteração causada dado que não é possível a reconstituição natural e que o pagamento de uma quantia monetária não torna o lesado indemne. No entanto, considerando que a atribuição de uma quantia pecuniária visa proporcionar, ao lesado, satisfação que atenue ou neutralize o sofrimento físico ou espiritual, a indemnização tem, a título principal, uma função compensatória. Tal finalidade principal não impede, porém, a assunção pela responsabilidade civil de outras finalidades acessórias, designadamente de cariz sancionatório, desde que respeitados os pressupostos e limites por aquela, definidos, isto é, no âmbito da existência e da extensão do dano a indemnizar”, que deve ser sempre proporcionada à gravidade do dano. (in ANA MARGARIDA CARVALHO PINHEIRO LEITE Dissertação “A EQUIDADE NA INDEMNIZAÇÃO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS”.
Vejamos,
Os Demandantes são proprietários daquela Casa há cerca de 50 anos. Têm idades compreendidas entre os 60-70, tendo organizado a sua vida para autonomamente contarem com um conjunto de direitos e liberdades como o da mobilidade, autonomia e segurança que cuidaram de garantir com o seu direito de propriedade. De um momento para o outro, viram-se lesados nesses seus direitos pessoais, pela deterioração fortuita e acidental do muro e pilar de suporte do portão da única entrada da casa, após a qual deixaram de conseguir abrir e fechar o portão e passaram a carecer da ajuda de terceiros ou optar por não sair, vendo condicionadas as suas tarefas normais e quotidianas. De viva voz, descreveram na audiência que desde então, para além do prejuízo material sofrido, veem-se impedidos de usar o portão para o fim a que se destina e com a facilidade que era suposto manterem, uma vez que - o muro e o pilar – foram de tal forma abalroados, que ameaçam cair, pondo em risco a segurança de pessoas e bens. Versão que vimos corroborada pelo depoimento do seu filho, que acima transcrevemos. Acresce o consequente desaprumo do pilar e respectiva porta e a impossibilidade de o abrir e fechar como faziam e necessitam de continuar a fazer diariamente para prover às suas tarefas e necessidades normais. Sublinharam ainda que essa impossibilidade de abrir e fechar o portão, associada ao estado do pilar e muro, fragiliza a segurança da casa e consequentemente dos seus moradores.
Acresce a tudo isto que reclamaram uma, duas, várias vezes e aguardaram com alguma benevolência um par de meses para que os responsáveis procedessem às reparações necessárias, acreditando nas promessas que lhes foram sendo feitas.
Depois ouvimos as testemunhas, lemos as suas interpelações, confirmámos a respectiva recepção e resposta da parte contrária, analisámos as fotografias do local e conferimos tudo isto com a conduta das Demandadas, concretamente da responsável directa pelo facto danoso, a qual - apesar reconhecer a culpa e a necessidade de reparar os danos - não procedeu às reparações na semana de 2 a 8 de Setembro, nem dos 30 dias que lhe seguiram, nem tão pouco no tempo imediato à citação que recebeu em Novembro de 2019 e muito menos, nos 13 meses e duas sessões de julgamento depois, evidenciando um manifesto e censurável desvalor pelos incómodos, constrangimentos, impedimentos e penalizante mal-estar que – sabia - dessa omissão resultarem, diária e reiteradamente para a regular vida e bem estar dos Demandantes.
Em face do exposto e compulsando os elementos do processo, com os dados da experiência e senso comum, à luz do princípio do buono pater familaes, não podemos deixar de reconhecer que os danos não patrimoniais reclamados pelos Demandantes na sequência do embate ocorrido no dia 24.08.2019 no muro, pilar e porta poeste do portão da sua casa, pelo comissário da S Lda – ultrapassam as comuns arrelias ou meras contrariedades excluídas da tutela do Direito, atentas as circunstâncias concretas da vida dos Demandantes, a gravidade das consequências que para cada um resultaram da alteração danosa do seu quotidiano, das condições de acesso e segurança da sua casa, a atuação do agente, o grau de culpabilidade (no acidente e até à presente data) e a duração da situação danosa versus dever de colaboração e boa fé entre as partes, que sobre as Demandadas impendia, no sentido de proceder, o mais célere possível, à reparação dos danos que tão insistentemente lhe vinham a ser reclamados.
Ponderados todos estes elementos e atentos:
a) Os critérios que vêm sendo tomados em decisões sobre semelhantes situações;
b) As condições sociais dos Demandantes;
c) A duração da situação danosa;
d) O reflexo que terá e deverá ter - quer nos Demandantes, quer no responsável - a obrigação pecuniária a fixar,
Afigura-se-nos justo, equitativo e proporcionado, reconhecer parcialmente procedente o pedido de indemnização apresentado pelos Demandantes, a título de compensação pelos danos não patrimoniais reclamados, fixando um valor compensatório de € 500,00 (quinhentos euros) a pagar a cada um dos Demandantes, por também terem sido sofridas por cada um, as respectivas lesões dos seus direitos.
Quanto ao mais.
O Tribunal está limitado ao pedido inicialmente formulado pelas partes, não o podendo integrar, reinterpretar ou ampliar, no sentido de fixar juros, cláusulas penais ou qualquer outra condição que promova o mais célere cumprimento., por nada disso ter sido especificamente incluído no seu pedido.
Relativamente às custas, a Portaria 342/2019 de 1 de Outubro contém o regime aplicável às custas nesta jurisdição e será de acordo com esse diploma que as custas serão fixadas.
VIII - DECISÃO
Em face de tudo quanto vem exposto, julgo a acção parcialmente procedente por parcialmente provada e, em consequência considero a Demandada S Lda como única responsável pelos danos decorrentes do embate ocorrido em 24.08.2019 contra o muro e pilar da casa dos Demandantes, melhor descrito nos autos. (artº 500º nº 1 e 2 e artº 503 do CC ex vi artº 63 da LJP).
Consequentemente, condeno a Demandada S Lda a:
a) Proceder à execução das reparações no pilar, muro a oeste e porta de entrada da casa dos Demandantes m.i. no artº 1 do R.I., que se mostrem necessárias à reconstituição da situação em que se encontravam antes dos estragos por si causados em 24.08.2019.
b) Pagar a cada um dos Demandantes, o valor de € 500,00 (quinhentos euros), num total de € 1 000,00 (mil euros) a título de compensação pelos danos não patrimoniais decorrentes do referido embate.
c) Absolvo a Demandada E da instância, por não resultar provada a respectiva responsabilidade.
As custas serão a suportar pelos Demandantes e Demandada vencida, na proporção do decaimento (de 20% e 80% respetivamente) sobre a taxa de €70,00. (Artigos 527.º, do Código de Processo Civil - aplicável ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redacção da Lei 54/2013 de 31 de julho e Portaria 342/2019 de 1 de Outubro).
Os Demandantes já liquidaram uma taxa de justiça de € 35,00, devendo a mesma ser-lhe restituída, na proporção do decaimento. Ou seja, € 21,00.
À Demandada Servinasa Lda cumpre pagar o valor de € 56,00, correspondente aos 80% de € 70,00, num dos 3 dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação.
1. Emita DUC em nome da Demandada S Lda no valor de € 56,00 e anexe-o à notificação desta sentença com a advertência legal, quanto aos prazos e cominações legais.
2. Devolva € 21,00 de taxa de Justiça aos Demandantes.
Face às restrições de segurança e de prevenção de contágio previstas para os Tribunais e secundando as recomendações do próprio Conselho dos Julgados de Paz, não se procedeu à realização de audiência para leitura da sentença, acordando-se com as partes o seu envio postal.
3. Registe, notifique e após trânsito, arquivem-se os autos.
Julgado de Paz, 13.01.2021.
A Juiz de Paz,
(Daniela Cerqueira)
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