Sentença de Julgado de Paz
Processo: 12/2019-JPSXL
Relator: HELENA ALÃO SOARES
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO E RESTITUIÇÃO DO PREÇO
Data da sentença: 05/14/2019
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(artigo 26.º, n.º 1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)).

Processo n.º 12/2019-JPSXL
Matéria: Incumprimento de obrigações contratuais (Artigo 9.º, n.º 1, alínea i) da Lei de Organização, Funcionamento e Competência do Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP))
Objecto do litígio: Resolução do contrato e restituição do preço
Demandante: A, contribuinte fiscal n.º 000, residente na Rua XX, Amora
Mandatária: Dra. C, com escritório na Avenida XX, Arrentela, Seixal (com procuração a fls. 5, com poderes especiais)
Demandado: B, contribuinte fiscal n.º 000, com morada profissional na Rua XX, Viana do Castelo
Valor da acção: € 2.406,89 (dois mil, quatrocentos e seis euros e oitenta e nove cêntimos).
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I. Relatório:
O Demandante A, em 17/01/2019, intentou a presente acção declarativa de condenação, com fundamento na alínea i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP), pedindo a condenação do Demandado B, no pagamento do valor € 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal, até efectivo e integral pagamento, correspondente ao preço de um contrato de compra e venda celebrado, pago ao Demandado, cuja restituição requer em consequência da resolução que pretende ver também declarada.
Alega, em suma, que no dia 09/11/2018 o Demandante comprou ao Demandado um motor N000 (258CV/190KW) para BMW série 6 (E63) pelo valor acordado de € 1.943,08 acrescido de Iva, tendo pago no total ao Demandado a quantia de € 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), conforme factura que junta, e que o Demandado não cumpriu a obrigação de entrega do motor pago, apesar de ter sido instado a fazê-lo e que não tendo sido entregue em tempo, o Demandante, no dia 14/11/2018 resolveu o contrato celebrado, por meio de declaração unilateral, através de e-mail, recepcionado pelo Demandado, tendo solicitado a restituição do valor pago, o que não ocorreu até à data.
Mais alegou nos termos do seu requerimento inicial, de fls. 3 a 4, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
O Demandado, regularmente citado em 28/03/2019, não apresentou contestação.
Atenta a recusa do Demandante à pré-mediação, foi agendada data para realização da audiência de julgamento, à qual o Demandado, devidamente notificado, faltou, tendo a audiência de julgamento sido suspensa e designado para sua continuação ou leitura da sentença o dia 14 de Maio de 2019 (cfr. Acta de fls. 41 e 42).
O Demandado não apresentou justificação da sua falta, pelo que, nos termos do artigo 58.º n.ºs 2 e 4 da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), se consideram confessados os factos alegados pela Demandante.
Na data agendada para continuação da audiência (14/05/2019), pela Ilustre Mandatária do Demandante, após convite, foi requerido o aperfeiçoamento do valor da acção, com a liquidação dos juros vencidos à data da propositura da acção, no valor de € 16,90, fixando-se deste modo o seu valor em € 2406,89, o qual foi deferido, após o que foi suspensa a audiência por 15 minutos, para prolacção da sentença.
O Demandado, regularmente notificado, também não compareceu.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não ocorrem excepções, nulidades, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo à presente acção o valor de € 2.406,89 (dois mil, quatrocentos e seis euros e oitenta e nove cêntimos).
II. Fundamentação:
A) De Facto:
Nos termos do artigo 58.º n.º 2 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP), «Quando o demandado, tendo sido pessoal e regularmente citado, não comparecer, não apresentar contestação escrita, nem justificar a falta no prazo de três dias, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor.»
No caso dos autos, verificam-se e estão preenchidos os requisitos de revelia operante.
Assim,
consideram-se provados (por confissão), relevantes para o exame e decisão da causa, os seguintes factos:
1 – Em 09/11/2018, o Demandante comprou ao Demandado um motor N000 (258CV/190KW) para BMW série 6 (E63), motor com injecção completa e volante do motor vendido com 127 mil km e 1 ano de garantia por escrito, pelo valor acordado de € 1.943,08, acrescido de IVA.
2 – O Demandante pagou ao Demandado, no total, o valor de € 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), correspondente ao valor acordado (€ 1.943,08), acrescido de IVA, conforme factura n.º1 000/000268, emitida por B (Peças FC).
3 – O Demandado não cumpriu a obrigação de entrega do motor apesar de instado pelo Demandante a fazê-lo.
4 – No dia 14/11/2018 o Demandante resolveu o contrato de compra e venda celebrado com o Demandado, por e-mail, em virtude da perda de interesse decorrente da não entrega do motor em tempo.
5 – O Demandante solicitou a restituição do valor pago, em 14/11/2018.
6 – A declaração de resolução do contrato foi recepcionada pelo Demandado.
7 – O Demandado não restituiu o valor de € 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), que recebeu do Demandante.
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
Motivação da matéria de facto:
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se à confissão por parte do Demandado que operou em virtude de, tendo sido pessoal e regularmente citado, não ter apresentado contestação escrita e ter faltado, injustificadamente, à audiência de julgamento. Foram também tomados em consideração os documentos juntos ao requerimento inicial, considerando-se provados todos os factos alegados pelo Demandante.
B) De Direito:
No caso dos autos, e em conformidade com os factos dados como provados, entre Demandante e Demandado foi celebrado um contrato de compra e venda, previsto no artigo 874º do Código Civil, que dispõe que «Compra e venda é o contrato mediante o qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.» Este tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa, a obrigação de entrega da coisa e do pagamento do preço (artigo 879.º do Código Civil).
No caso dos autos, não obstante o Demandante ter cumprido a sua obrigação de pagamento do preço acordado de € 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), o Demandado não cumpriu a sua obrigação de entrega do bem adquirido pelo Demandante.
A relação contratual estabelecida entre Demandante e Demandado, suscita a questão de saber se estamos ou não perante uma relação jurídica de consumo, e consequentemente se lhe será aplicável, ou não, o preceituado no Diploma da Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela relativas (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08/04, com a redacção do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 08/04).
Ora, nos presentes autos resulta provado que a factura emitida o foi pelo Demandado, no exercício da sua actividade profissional, mas nada resultou provado no que se refere à qualidade de “consumidor” do Demandante; dos autos inexistem elementos que nos permitam concluir que o fornecimento do bem comprado se destinava a uso não profissional do Demandante. Refira-se que tal qualidade nem tão pouco foi alegada pelo Demandante, pelo que, face ao exposto, se afasta a aplicação do diploma supra referido e será de aplicar o disposto no Código Civil.
Em consequência da mora, no cumprimento da prestação a que o Demandado estava obrigado, o Demandante perdeu o interesse que tinha no seu cumprimento, considerando-se não cumprida a prestação do Demandado (artigo 808.º, n.º1 do Código Civil).
Dispõe o artigo 798.º do Código Civil que «O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor.», consagrando o artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil uma presunção de culpa, uma vez que é ao devedor que incumbe provar que a falta de cumprimento da obrigação não procede por culpa sua, o que não ocorreu no caso vertente dos autos.
Se a obrigação tiver por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato, e se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro.
Os artigos 432.º, nº 1 e 436.º, nº 1 do Código Civil admitem a resolução do contrato fundada na lei, mediante declaração à outra parte, o que o Demandante efetivamente fez, através de e-mail enviado ao Demandado.
Os efeitos da resolução são equiparados aos da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico, nomeadamente quanto à obrigação de restituição do que houver sido prestado (artigos 433.º e 289.º, nº 1 do Código Civil).
Face a todo o exposto e considerando o direito do Demandante à resolução do contrato, e à declaração enviada ao Demandado, terá de proceder o pedido do Demandante, considerando-se resolvido o contrato de compra e venda celebrado e de restituição por parte do Demandado do preço pago (€ 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos).
O Demandante peticiona também, na sua peça processual, que seja o Demandado condenado ao pagamento dos juros de mora à taxa legal, até efectivo e integral pagamento do preço pago a restituir.
Em regra, a falta de pagamento atempado de uma quantia pecuniária a que o devedor esteja obrigado, constitui-o em mora e na obrigação de reparar os danos causados ao credor (artigo 804.º do Código Civil), ficando o devedor constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir, existindo, porém, mora do devedor independentemente de interpelação, quando a obrigação tiver prazo certo (artigo 805.º, n.º 1 e n.º 2, alínea a) do Código Civil).
Por força das disposições legais supra citadas, quando ocorre a falta de cumprimento de uma obrigação em dinheiro, o credor tem direito a receber uma indemnização, para compensar os prejuízos resultantes do atraso, indemnização essa que corresponde aos juros legais, vencidos (artigos 806.º e 559.º do Código Civil), só assim não sendo se a taxa de juros fixada for superior à legal e as partes o tiverem convencionado por escrito.
Ora, no caso sub júdice e face ao exposto, tendo o Demandante solicitado a devolução do valor pago aquando da resolução do contrato de compra e venda celebrado, nos termos dos factos que resultaram provados, em 14/11/2018, o Demandado deveria ter procedido à restituição do valor que havia recebido por conta do preço do bem adquirido, o que não o fez, constituindo-se em mora a partir dessa data, pelo que procede também o pedido do Demandante de condenação do Demandado ao pagamento de juros de mora, à taxa legal (4%) que, de 14/11/2018 a 17/01/2019, data da propositura da acção, ascendiam a € 16,90 e desde essa data, e até à presente, data de prolacção desta sentença, se cifram em € 30,42.
III. Decisão
Em face do exposto, julgo a acção totalmente procedente, por provada, e condeno o Demandado a pagar ao Demandante a quantia de € 2.389,99 (dois mil, trezentos e oitenta e nove euros e noventa e nove cêntimos), respeitante ao preço pago ao Demandado e a restituir ao Demandante, considerando resolvido o contrato de compra e venda, celebrado em 09/11/2019, em 14/11/2018.
Mais condeno o Demandado ao pagamento dos juros de mora, à taxa legal, desde 14/11/2019, que até à presente data ascendem a € 47,32, e até efectivo e integral pagamento do valor do preço a restituir.
Custas
As custas serão suportadas pelo Demandado, que é declarado parte vencida, nos termos do n.º 8.º, da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, pelo que deverá efectuar o pagamento de € 70,00, no prazo de três dias úteis, a contar da notificação para o efeito, sob pena de, não o fazendo, incorrer no pagamento de uma sobretaxa diária de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação, até ao limite de € 140,00 (cento e quarenta euros), ao abrigo dos n.º 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28/12 (o n.º 10, na redação da Portaria n.º 209/2005 de 24/02).
Reembolse-se o Demandante, nos termos do disposto no n.º 9.º daquela Portaria.
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Esta sentença foi proferida nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da Lei dos Julgados de Paz.
Envie-se cópia ao Demandado e notificação para pagamento de custas.
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Registe.
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Seixal
14/05/2019

A Juiz de Paz Auxiliar

(Helena Alão Soares)