Sentença de Julgado de Paz
Processo: 170/2019-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL E POR DANO
Data da sentença: 01/29/2021
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:

RELATÓRIO
Demandantes: ----------------------------------------------------------------
“A”, e mulher, “B”; ---------------------------------------------------------
Demandado: -----------------------------------------------------------------
“C”. ----------------------------------------------------------------------
RELATÓRIO ------------------------------------------------------------------
O demandante propôs contra o demandado, ambos melhor identificados nos autos, a presente ação declarativa de condenação, enquadrada na alínea h) do nº 1 e alínea f) do nº 2 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo a sua condenação a reconhecer e respeitar e a abster-se de praticar qualquer ato que viole o direito de propriedade do demandante sobre o prédio identificado no artigo 1.º do requerimento inicial; A reconhecer que este prédio tem a configuração constante do documento 7, nomeadamente, um pátio com 50 metros quadrados; E ainda a pagar ao demandante a quantia de € 2 000,00, por conta do muro que destruiu, com o causar de danos patrimoniais e não patrimoniais que importa reparar. ---------------------------------------------------------------------
Para o efeito, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 5 a 9 e juntou 10 documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ---------------------
O demandado contestou nos termos constantes de fls. 30 a 33 dos autos. Por exceção- suscitando a ilegitimidade do demandante por estar sem a esposa na ação-, e alegando agir o demandante com abuso de direito, e, sem prescindir e por cautela de patrocínio, por impugnação. Impugnou ainda o levantamento topográfico e a planta de localização do prédio juntos pelo demandante, por estes, em seu entender, não corresponderem à realidade, porquanto englobam como um só o alegado terreno do demandante incluindo um caminho que não lhe pertence. Juntou 5 documentos, que também aqui se dão por reproduzidos. -------------
Confirmando-se a preterição de litisconsórcio necessário, a fim de sanar a ilegitimidade ativa, e atento o disposto no artigo 39º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, nova redação, e os princípios de absoluta economia processual e de adequação que subjazem à atuação dos Julgados de Paz, foi deferido o requerimento de intervenção da esposa do demandante, prosseguindo os autos por esta ter ratificado todo o processado. ----------------------------------------
O litígio não foi submetido a mediação. ----------------------------------------
Em Audiência de julgamento ambas as partes apresentaram prova testemunhal e foi efetuada Inspeção ao Local. ---------------------------------------------
Valor da ação: Fixo em € 10 000,00 (dez mil euros). -------------------------
O artigo 60º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, na sua alínea c), prescreve que do conteúdo da sentença proferida pelo juiz de paz faça parte uma sucinta fundamentação. Assim: -------------------------------------------------------

FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: ----------------------------------
Consideram-se provados, com interesse para os presentes efeitos, os seguintes factos: 1.º- Encontra-se inscrito em nome do demandante marido na Matriz predial urbana da freguesia de “P”, concelho de “CS”, sob o artigo 219º, o prédio urbano sito em “P”, com a seguinte composição: casa de habitação com dois pavimentos, e pátio, com a área total do terreno de 124m2 e área de implantação do edifício de 74m2; -----------------------------------------------------------------------
2.º- Sendo que atualmente não está implantada nenhuma construção; --------
3.º- Constando a aquisição deste prédio a favor do demandante na Conservatória do Registo Predial de “CS”, sob o n.º 2228/110500, pela Ap.04/110500; desconhecendo-se a descrição do mesmo; -----------------------------------
4.º- Prédio que foi adquirido a “ARS” e mulher, “MELSC”, nos termos da Escritura de Compra e Venda celebrada no dia 11 de abril de 2000 no Cartório Notarial de “CS”; -----------------------------------------------------------------------
5.º- E constando desta Escritura que o prédio tem a superfície coberta de 74m2 e um pátio com 50m2, a confrontar do Norte com “JF”, do Nascente com rua, do Sul com “JMS” e do Poente com herdeiros de “ALS”; ------------------------------
6.º- À data da Escritura os demandantes eram já casados entre si; -------------
7.º- O prédio inscrito e registado em nome do demandante confina, em parte, a Poente com o prédio rústico inscrito na Matriz predial da freguesia de “P”, concelho de “CS”, com o artigo 4729º, em nome da herança aberta por óbito de “ATCG”; --
8.º- “ATCG” era tio do demandado, sendo que os respetivos herdeiros residem habitualmente nos Estados Unidos da América; ------------------------------
9.º- Pelo que é o demandado, desde que passou a residir mais tempo em Portugal, que procede à limpeza de alguns dos terrenos da herança a pedido, e com consentimento, dos referidos herdeiros, nomeadamente neste prédio; -----------
10.º- Este prédio não tem acesso de carro direto com a via pública; ------------
11.º- Na estrema dos prédios mencionados em 1º, 3º e 7º, existe um muro e neste, a sul, existe uma abertura com largura para passagem de carro; ----------
12.º- E com sinais de ter existido um portão; --------------------------------
13.º- Na estrema do prédio dos demandantes a Nascente, junto à Rua de S. Cristo, e em paralelo à mesma, o demandante mandou edificar, em 2019, uns pilares e muro de vedação que incluía a parcela a Sul do prédio, que arroga ser sua e fazer parte integrante do mesmo; ------------------------------------------
14.º- Pelos quais pagou a quantia de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros); ------
15.º- O demandado ficou, assim, impedido de aceder com o trator ao referido prédio da herança aberta por óbito de “ATCG”; ---------------------------------
16.º- Pelo que, para voltar a ter acesso, destruiu uma parte do referido muro que o demandante mandou construir; --------------------------------------------
17.º- Sabendo que o muro não lhe pertencia e que agia contra a lei; ------------
18.º- De forma livre, deliberada e consciente; --------------------------------
19.º- Causando com o seu comportamento ao demandante arrelia, mal-estar e revolta; --------------------------------------------------------------------
20.º- À data da inspeção ao local encontravam-se umas pedras na abertura a que se refere o ponto 10.º supra a tapá-la completamente, que foram colocadas a mando do demandante; -----------------------------------------------------
21.º- No decurso da ação o demandante mandou reconstruir a parte do muro destruída pelo demandado; -------------------------------------------------
22.º- E mandou colocar um portão neste muro, apesar do compromisso que os demandantes assumiram em Audiência de julgamento de que não o fariam. -------

Motivação dos factos provados: -------------------------------------------
A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos factos admitidos por acordo, das declarações do demandado, dos documentos juntos aos autos que não foram impugnados, bem como da prova testemunhal e da Inspeção ao Local, após a inquirição das testemunhas de modo a melhor enquadrar os respetivos depoimentos. -----------------------------------------------------------------
Tudo tendo por preocupação a verdade material e tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, previsto no nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente. “C. Civ.”). -------
Os demandantes apresentaram como testemunha, “ARC”, tio do demandante marido, e que surge na Escritura de compra e venda do seu prédio como vendedor, e que, com relevância para a matéria dada como provada, referiu ter sido o seu sobrinho que mandou colocar as pedras que agora estão na passagem do muro de extrema. E o demandado apresentou cinco testemunhas, “MLC”, “MEPSM”, “AAC”, “JAMC”, e “MLFT”, cujos depoimentos se debruçaram fundamentalmente sobre o alegado caminho ou passagem, que aqui não fica decidido por falta de legitimidade substantiva do demandado, como a seguir se explanará. -----------------------

Factos não provados e respetiva motivação: ---------------------------
As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos e aos demandantes competia alegar e provar os factos constitutivos do seu direito e ao demandado os factos impeditivos, modificativos, e extintivos desse direito (cf. artigo 342º do C.Civ). --------------------------------------------------------
Ora, não se provaram quaisquer outros factos alegados pelos demandantes, com interesse para a decisão da causa, por falta ou insuficiência de mobilidade probatória, ou prova em contrário, nomeadamente que o seu prédio tem a configuração, constante do documento 7, com uma área total de 144,40 m2. ----
De facto, a matéria factual apurada nos presentes autos permite-nos concluir que a titularidade deste prédio adveio ao demandante, por compra - aquisição derivada-, encontrando-se o mesmo registado a seu favor. ---------------------
Com a existência de registo definitivo, o demandante beneficia, efetivamente, da presunção legal da propriedade do referido prédio, prevista no artigo 7º do Código de Registo Predial, de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define. ------------------------------------
Presunção legal que não foi ilidida por prova contrária (cf. artigos 349º e 350º do Código Civil). ---------------------------------------------------------------
Contudo, é hoje pacífico o entendimento doutrinal e jurisprudencial de que esta presunção não abrange os elementos de identificação do prédio constantes da descrição, nomeadamente confrontações, áreas e limites. ----------------------
Ora, o que está em litígio nos presentes autos prende-se com os limites do prédio, e não alegaram –nem provaram- os demandantes quaisquer atos de posse sobre a parcela em litígio, por si, ou por interposta pessoa a seu mando, bem como dos ante possuidores –-------------------------------------------------------------
com os demais pressupostos que conduzissem à sua aquisição originária, por usucapião (cf. artigo 1316º do C. Civ)-, instituto que, aliás, não invocam. ------
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO: --------------------------------------------
De acordo com o nº 2 do artigo 10º do Código de Processo Civil, as ações declarativas são de simples apreciação, de condenação ou constitutivas. --------
Para a sua caracterização – e regime a aplicar- há que ter em atenção à forma como os demandantes configuram a ação, tendo presente que são as partes que escolhem o pedido a formular e a causa de pedir que mais convêm aos seus interesses. ------------------------------------------------------------------
Na situação em apreço, tal qual a configurou o demandante, não estamos em presença, de uma ação declarativa de simples apreciação - em que se peticiona que o Tribunal declare que se é proprietário de um determinado prédio, com certas características, com a única finalidade de pôr termo a uma situação de incerteza quanto à existência desse direito-, mas de uma ação declarativa de condenação. -
De facto, o demandante, que julga que o demandado é proprietário de um prédio confinante ao seu (cf. artigo 15º do requerimento inicial), e alegando que o mesmo lhe destruiu um muro que construiu recentemente, vem pedir que se condene o mesmo a reconhecer e respeitar e a abster-se de praticar qualquer ato que viole o seu direito de propriedade sobre o prédio identificado no artigo 1.º do requerimento inicial e ainda a reconhecer que este prédio tem a configuração constante do documento 7, nomeadamente, um pátio com 50 metros quadrados. --------------
Ou seja, o demandante não peticiona que o Tribunal declare, ou reconheça, que é o proprietário do prédio em causa nos autos, com determinada área e configuração, mas que seja o demandado obrigado a reconhecer que ele é o proprietário e que este prédio tem determinada área. ---------------------------
Ora, não foi sequer alegado pelo demandado que é proprietário ou possuidor de qualquer prédio confinante àquele inscrito e registado em nome do demandante e a que se referem os pontos 1.º e 3.º da factualidade assente, nem alegou ser titular de qualquer prédio com direito a eventual servidão de passagem sobre o mesmo ou direito de passar por um alegado caminho anexo ao mesmo (parcela de terreno que o demandante considera fazer parte do seu prédio). ---------------------------
E não está em causa o efeito útil normal da ação por não vincular os restantes interessados, e não regular definitivamente a situação concreta (cf. nº 2 do artigo 33º do CPC)- preterição de litisconsórcio necessário que poderia ser sanada com a intervenção dos restantes- , mas de impossibilidade de procedência da mesma, dado que o aqui demandado não é sequer interessado, relativamente a estes pedidos. ---------------------------------------------------------------------
Na verdade, quanto a estes, e ao que os fundamenta, o demandado é um completo estranho. ---------------------------------------------------------
E não foi alegado sequer ter agido em nome dos proprietários do prédio confinante identificado no ponto 7.º supra dos factos provados, a qualquer título. ----------
Pelo que o demandado não tem quaisquer direitos nem está na sua disponibilidade prescindir do que quer que seja, nomeadamente reconhecer, válida e eficazmente, os direitos do demandante, como peticionado. ---------------------------------
Porque a legitimidade processual não se confunde com a legitimidade substantiva, o demandado mesmo relativamente a estes pedidos tinha, contudo, legitimidade processual, tendo em conta a relação material controvertida tal como foi configurada pelos demandantes no requerimento inicial e atento o disposto no nº 3 do artigo 30º do CPC. -------------------------------------------------------
Mas para averiguar da legitimidade substantiva há que ter em conta já o mérito ou as condições de procedência da ação, e, assim, se a parte é o efetivo titular das relações jurídicas controvertidas, do direito ou direitos substantivos em causa, e do correspondente poder de disposição. -------------------------------------
Ora, como resulta do exposto, o demandado não tem legitimidade substantiva, material, para estes pedidos. ------------------------------------------------
E a falta de legitimidade substantiva configura uma exceção perentória inominada, que é de conhecimento oficioso, e que determina, na situação dos autos, a sua absolvição dos dois pedidos principais, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 576.º e do artigo 579º, ambos do CPC. ---------------------------------------------
- Do invocado abuso do direito por parte do demandante: -------------------
Nos termos do artigo 334º do Código Civil “ É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. -----------------
O demandado, alegando que o demandante construiu o muro em terreno que será caminho, e que não pertence ao seu prédio, apoderando-se dessa parcela, vem invocar o instituto do abuso do direito e requerer, em consequência, a sua absolvição do pedido. --------------------------------------------------------
Ora, atenta a ilegitimidade substantiva do demandado para invocar a violação de um qualquer direito sobre a parcela em causa ou sobre um caminho- dando lugar inclusivamente à sua absolvição dos primeiros pedidos-, e porque não estão em juízo os titulares desses (eventuais) direitos, não poderá este Tribunal nos presentes autos, pronunciar-se sobre tais pedidos, e assim, sobre a verificação ou não desta exceção. ----------------------------------------------------------
- Dos pedidos indemnizatórios, por conta do muro que o demandado destruiu: ---
Os demandantes peticionam nos presentes autos também a condenação do demandado numa indemnização, de natureza cível (por danos patrimoniais e morais), que embora decorrente da prática de atos suscetíveis de configurarem a prática do crime de dano [simples], p. e p. pelo artigo 212º do Código Penal, é regulada pela lei civil por remissão do artigo 129º do mesmo Código. ------------
Não foi alegado, ou provado, por nenhuma das partes que tenha havido participação crime relativamente a estes factos, pelo que tem este Julgado de Paz competência para apreciar os pedidos indemnizatórios pela prática de crime de dano simples (cf. nº 2, alínea f) e nº 3 do artigo 9º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho -LJP). ----------------------------------------------------------------
Assim, há que averiguar se da factualidade dada como provada resulta a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil geradores da obrigação de indemnizar pela prática de tal crime e, se assim for, ainda se o demandante sofreu os danos patrimoniais e morais que refere, se os mesmos merecem a tutela do direito, para efeitos indemnizatórios e, por último, fixar o valor indemnizatório. ---
Nos termos do artigo 483º do Código Civil, são elementos constitutivos da responsabilidade civil por factos ilícitos, e só se verifica o dever de indemnizar, quando, cumulativamente, se verifiquem os seguintes requisitos: a existência de um facto voluntário, a ilicitude da conduta, a imputação subjetiva do facto ao agente, em termos de culpa, a ocorrência de danos e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. ------------------------------------------------------------
Antes de mais, há que determinar se estamos perante um crime de dano porque “…não é possível um Juiz de Paz julgar um pedido cível decorrente de um ilícito criminal sem decidir se houve ilícito criminal…” (conforme refere o Senhor Conselheiro J.O. Cardona Ferreira na obra “Julgados de Paz, organização, competência e funcionamento”, 2ª Edição, Coimbra Editora). -------------------
“Comete o crime de dano quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa ou animal alheios” (cf. 212º, nº 1 do Código Penal), ou seja, quem pratique a ação e produza um destes resultados, em coisa, móvel ou imóvel ou animal], que não lhe pertence ou não lhe pertence em exclusivo. ------
Ora, resulta, inequivocamente, dos factos provados que o muro não pertencia ao demandado. ------------------------------------------------------------------
Por outro lado, nos termos do nº 1 do artigo 113.º do Código Penal, ofendido, que é quem tem legitimidade para apresentar a queixa sempre que o procedimento criminal dela depende, como é o caso, é “o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. ----------------------------
E embora, não tenha ficado assente – porque não apreciado por força da ilegitimidade substantiva do demandado-, se o demandante é o titular do todo o terreno em que implantou o muro, o demandante provou factos que permitem o reconhecimento da propriedade singular e exclusiva do muro que construiu, pelo que tem o direito de ser ressarcido pelos danos que nele forem provocados. -----
É também esse o entendimento expresso pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 21/03/2012, Processo nº 471/09.9PBTMR-A.C1 (in www.dgsi.pt): “O que releva para o crime de dano relativamente à destruição parcial de um muro construído pela ofendida e que é pertença desta, é o bem destruído e não o local onde se encontra implantado, pois o bem que foi destruído não foi o terreno mas sim o muro, independentemente de o solo onde o mesmo está implantado, ter ou não natureza controvertida.” -------
Decorre da factualidade assente que o muro foi parcialmente destruído, que dele decorreram prejuízos para o demandante, e que resultaram do comportamento ilícito, e voluntário do demandado, que o confessou. E, assim, a prática do crime de dano simples. ------------------------------------------------------------
De facto, independentemente da controvérsia quanto à propriedade do terreno onde parte do muro foi implantado, estava o demandado ciente da natureza alheia do mesmo e que agiu com a intenção dolosa de o destruir parcialmente de molde a restaurar, desse modo a passagem/caminho que entende ali existir. ------------
E não se provaram quaisquer factos passíveis de poder integrar qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, dado que nem sequer foi alegado pelo demandado ser possuidor do imóvel em que fazia a limpeza [cf. “a contrario” o disposto nas alíneas a) e b) do artigo 1253º do C. Civ.]. -----------------------
Assim, estando preenchidos todos os elementos que tipificam o crime de dano simples, e reunidos os demais requisitos da responsabilidade civil extracontratual, têm os demandantes, efetivamente, direito a ser ressarcidos pelos prejuízos causados pelo demandado, decorrentes da sua prática. ------------------------
Do pedido de indemnização por danos patrimoniais: --------------------------
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (cf. artigo 562ºdo C. Civ.). ----------------------------------------------------------------------
Não sendo possível a reconstituição ou reposição natural, uma vez que o muro já foi reconstruído, têm os demandantes direito, efetivamente, a que a indemnização seja fixada em dinheiro (cf. artigo 566º do C. Civ.). ---------------------------
Vêm estes peticionar que seja fixada no valor que despenderam para a edificação total do muro: ou seja, € 1 500,00 (mil e quinhentos euros); -------------------
Mas ficou provado que o demandado destruiu só parte do muro, não podendo os lesados serem indemnizados por valor superior ao real prejuízo. ----------------
Contudo, não foi alegado, nem tem o Tribunal elementos que permitam averiguar o custo da parte do muro que foi destruída pelo demandado porque nem sequer foi alegada a proporção do muro que foi danificada, nem constam dos autos elementos que permitam determiná-la, e bem assim, o valor exato dos danos patrimoniais, para fixar o quantum indemnizatório. ----------------------------------------
E não se encontrando nos autos elementos sobre a extensão dos danos para permitir computá-los em valores tão próximos quanto possível dos valores reais, não poderão estes ser determinados equitativamente, de acordo com o nº 3 do artigo 566º do C. Civ. --------------------------------------------------------
Na verdade, a determinação do valor por equidade tem caráter residual. Ou seja, só tem cabimento quando exista impossibilidade absoluta em averiguar o valor exato dos danos e não quando se prove a existência de danos mas faltam elementos para fixar o seu quantitativo. -------------------------------------
Nesta última situação o Tribunal tem de condenar no que vier a ser determinado em liquidação de sentença, nos termos do nº 2 do artigo 609º do CPC, onde, com recurso a prova complementar, será possível averiguar-se com precisão a extensão dos prejuízos dos demandantes com a atuação do demandado. ------------------
- Quanto ao pedido de indemnização por danos morais: --------------------
Os demandantes vêm peticionar também a condenação do demandado no pagamento da importância de € 500,00 (quinhentos euros), para reparação dos danos não patrimoniais sofridos. ---------------------------------------------
Na previsão do artigo 483º do C. Civ. estão abrangidos também os danos não patrimoniais ou morais, danos que apenas podem ser compensados com uma obrigação pecuniária. ---------------------------------------------------------
Mas, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do mesmo Código, estes só devem ser atendidos se, pela sua gravidade e seriedade, mereçam a tutela do direito. ------
Resulta da matéria de facto dada como provada que, com o seu comportamento, o demandado causou ao demandante arrelia, mal-estar e revolta. -----------------
A gravidade dos danos de natureza não patrimonial deve apreciar-se em termos objetivos e tendo em conta as circunstâncias concretas do caso. --------------
Ora, tendo em conta estes critérios, entendemos, que os danos morais sofridos pelo demandante não são de tal forma graves que mereçam ser ressarcidos, conforme prescreve o artigo 496º, n.º 1 do C. Civ. -----------------------------
Pelo que decai nesta parte a pretensão do demandante. --------------

Decisão: ----------------------------------------------------
Em face do exposto, julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência:--------------------------------------------------------------
- Condeno o demandado, “C”, a pagar aos demandantes, a título de indemnização por danos patrimoniais, a importância que venha a ser determinada em sede de liquidação de sentença de condenação em quantia ilíquida, e que não ultrapasse o valor de € 1 500,00 (mil e quinhentos euros); ----------------------------------
- Absolvo o demandado do demais peticionado. ----------------------------
- Custas totais no valor de € 70,00 (setenta euros), a repartir pelos demandantes e pelo demandado na proporção do decaimento, que se fixam em 85% para os demandantes e 15% para o demandado [cf. nº 2 do artigo 527º do Código de Processo Civil, aplicável aos Julgados de Paz por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, nova redação). --------------------------------
Os demandantes – que já efetuaram o pagamento da taxa de justiça então obrigatória no momento da propositura da ação-, deverão efetuar o pagamento do valor em falta no prazo de três dias úteis a contar do conhecimento desta decisão, sob pena de lhe acrescer o valor de € 10,00 por cada dia de atraso até à importância de € 140,00 [cf. alínea b) do nº 1 do artigo 2º e nº 4 do artigo 3º da Portaria nº 342/2019, de 1 de outubro]. -------------------------------------
Emita-se o respetivo DUC, no valor de € 24,00 (vinte e quatro euros), e remeta-se aos demandantes. -----------------------------------------------------------
Proceda-se ao reembolso no mesmo valor de € 24,00 ao demandado, atendendo a que também efetuou o pagamento da taxa de justiça aquando da apresentação da contestação. --------------------------------------------------------------
Registe e notifique. --------------------------------------------------------
Carregal do Sal, 29 de janeiro de 2021
A Juíza de Paz,
(Elisa Flores),
Processado por computador (artigo 131º, nº5 do CPC)