Sentença de Julgado de Paz
Processo: 110/2016-JPBBR
Relator: ELENA BURGOA
Descritores: VENDA DE PRODUTOS.GARRAFA DE GÁS.INSUFICIÊNCIA IDENTIFICAÇÃO DE DEVEDOR. COMPARÊNCIA DO AUSENTE. CESSAÇÃO FUNÇÕES DE DEFENSOR/A OFICIOSO/A
Data da sentença: 11/23/2018
Julgado de Paz de : OESTE
Decisão Texto Integral: Processo n.º 110/2016-JPOBD
SENTENÇA

RELATÓRIO
Identificação das partes
Demandante: A, S.A., com sede na Rua…, …, Caldas da Rainha, NUIPC…
Demandado: B, com última morada conhecida na Rua …, n.º ..., Salgueirinha, Óbidos, representado pelo Defensora Oficiosa nomeada, Dr.ª C até à sua comparência no início da audiência de Julgamento.

OBJETO DO LITIGIO
A Demandante intentou a presente ação declarativa, em 27.12.2016, pedindo a condenação do Demandado ao pagamento da quantia de € 95,50 relativamente ao fornecimento de uma botija de gás, assim como as custas do processo.
Para tanto, alegou os factos constantes do requerimento inicial de fls. 2, cujo teor se dá por reproduzido e juntou um documento (fls. 3).
Tendo-se frustrado a citação do Demandado por via postal (todas as cartas de citação endereçadas para a morada indicada no requerimento inicial, na factura emitida e no Sistema PIS-TMenu foram devolvidas ao processo – fls. 11, 19, 21 e 25), foi citado nos termos do n.º 1 e 5 do art.º 229º do CPC na pessoa da Ilustre Defensora Oficiosa nomeada em representação do ausente, Dra. C.
De facto, como refere o Tribunal Constitucional "'[...] o legislador tem de prever mecanismos para evitar que o processo fique parado indefinidamente, à espera de que o demandado seja localizado e chamado ao processo'. Há que conciliar e equilibrar os vários princípios e interesses em jogo, nomeadamente os do contraditório e da referida proibição da indefesa com aquele outro princípio da celeridade processual e ainda com os princípios da segurança e da paz jurídica, que são valores e princípios de igual relevância e constitucionalmente protegidos 'e não permitir que o processo se arraste indefinidamente […] o que poderia ter consequências desestabilizadoras e frustrar assim o alcance da justiça' (Acórdão TC n.º 508/2002, também transcrito no Acórdão n.º 287/2003), cfr. http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030287.html .
Deste modo, o Defensor Oficioso garante a legalidade e o princípio do contraditório (conexo com o princípio da igualdade das partes) que o Tribunal deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, uma vez que, como se sabe, não há Ministério Público junto dos Julgados de Paz. A doutrina (J. O. Cardona in Julgados de Paz- Organização, Competência e Funcionamento, Coimbra Editora, 2001, pág. 64) e a jurisprudência dos Julgados de Paz são, neste aspeto, unânimes e têm promovido uma cultura judiciária garantista.
A Defensora Oficiosa apresentou contestação impugnando a factualidade alegada pela demandante e alegando a exceção de prescrição, tudo, conforme resulta de fls. 51 a 53 de autos, concluindo pela improcedência da ação por não provada e pela procedência da exceção.

TRAMITAÇÃO E QUESTÕES A DECIDIR
O Julgado de Paz do Oeste é competente.
Não existem nulidades que invalidem todo o processado.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não se verificam exceções, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa.

Agendada a audiência de julgamento para o dia 15 de novembro de 2018, a mesma realizou-se com cumprimento das formalidades legais, conforme resulta da respetiva ata.
Aberta a audiência, verificou-se a presença da Demandante representada pela sua Representante Legal, Sra. D, bem como da Defensora Oficiosa nomeada ao Demandado, Dr.ª C, e do próprio Demandado B.
Na sequência da comparência do Demandado foi proferido Despacho de cessação de representação da Defensora Oficiosa:
Em face da comparência do Demandado B, declaro cessada a ausência, pelo que, nos termos do disposto no art. 21, n.º 3 do CPC, interpretado à luz da Lei dos Julgados de Paz, cessa, neste momento, funções a Ilustre Defensora Oficiosa.
Agradece-se toda a diligência demonstrada na defesa dos interesses do Demandado, bem como da apresentação da contestação que realizou nos presentes autos. Pelo que, antes de prosseguirmos com a presente audiência de julgamento, determino uma interrupção de 5 minutos, a fim de conferenciar a mesma com o Demandado”.
Reaberta a Audiência, verificando-se que com o requerimento inicial não foi junta a competente creditação da representação da Demandante, foi convidada a mesma a regularizar a posição processual, mediante junção aos autos, nesse mesmo dia, de documento idóneo de representação legal. Documento que veio a juntar a fls. 71. Também o Demandado invocou que esse aspeto tinha de ser provado.
Foi tentada sem sucesso a conciliação, uma vez que o Demandado não reconhece a dívida e disse que “apenas resolveria se fosse devedor”, pelo que se procedeu à audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, como da respectiva acta se alcança.
A questão a decidir por este Tribunal de proximidade circunscreve-se ao incumprimento contratual por parte do Demandado, pelo não pagamento do produto em causa (uma garrafa de gás propano 45 Kg) e à questão da prescrição ou não da dívida alegada pela Demandante e se esta tem direito a receber a quantia peticionada, com base nos factos articulados.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se ao conjunto de prova produzida nos presentes autos, tendo sido tomada em consideração os documentos de fls. 3, 64, 65, 66 e 68, assim como as declarações resultantes da audição das partes em audiência de julgamento.
Relevou ainda o depoimento da testemunha indicada pela Demandante - E - que, aos costumes, declarou ser trabalhadora da Demandada desde 2005 e ser responsável da parte administrativa e conhecer a situação. Explicou o procedimento dos pedidos e entregas aos clientes, assim como o processamento de facturas e pagamentos. Mais referiu nunca ter tido contacto profissional presencial nem telefónico com o Demandado e o fornecimento em causa.
Perante a divergência da data mencionada na fatura (FA2015/3291) e da mencionada no requerimento inicial (FA2016/3291) a Demandante foi convidada a aperfeiçoar, afirmando que no requerimento inicial onde se diz 2016, é o ano 2015. Após, foi admitida a correção, nos termos do artigo 43.º, n.º 5 LJP.
Da prova carreada para os autos da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. A Demandante é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização e distribuição de gás;
2 – Em 9 de junho de 2015, a Demandante forneceu na morada constante na ficha do cliente, uma garrafa de gás propano de 45Kg para consumo doméstico discriminada na respectiva factura (fls. 3) pelo preço total de 95,50€, sem que o mesmo houvesse cumprido a sua obrigação de pagar o preço convencionado;
3- Os pagamentos eram feitos sempre posteriormente ao fornecimento: na loja ou no próprio local do fornecimento ao reabastecer;
4- Foram efetuadas diversas diligências para realizar a cobrança – de julho de 2015 a 11 de novembro de 2016- (contatos telefónicos para o número indicado no requerimento inicial e visita ao local de fornecimento constante na ficha de cliente) sem sucesso;
5- Verificaram-se defeitos/lapsos de escrita nas moradas indicadas no requerimento inicial e documento (factura) junto com o requerimento inicial, devido ao número de processos (cerca de 25) da Demandante que deram entrada no mesmo dia, dezembro de 2016, no Julgado de Paz de Óbidos;
6- No documento junto aos autos de fls. 3 (factura) pela Demandante não consta o número de contribuinte fiscal, assinatura nem endereço exacto do cliente;
7- Que o Demandado nunca residiu nem reside em Salgueirinha de A-dos-Francos, nem na Salgueirinha por trás Bairro das Morenas, 2500-000 Caldas da Rainha;
8- Que, naquela altura, morava na Rua…, n.º…, 2500-256 Caldas da Rainha, conforme documento exibido (de fls. 68), e não tinha outra morada.
9- Que na morada acima referida foi cliente da Demandante até 2012.
10- Que em 2015 era cliente da Prio.
11- Que teve conhecimento do presente processo através da Defensora Oficiosa.
12 – Que atualmente reside na Rua …, n.º …, Salguerinha- 2500-049, Óbidos.
Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão. ---
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Em função da prova produzida verifica-se que a Demandante é uma sociedade comercial que se dedica à comercialização e distribuição de gás e, no âmbito do objeto social da Demandante, forneceu uma garrafa de gás, em 9 de junho de 2015, a cliente que não pagou, conforme documento que junta nos autos (fls. 3) que se da aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
Perante os factos articulados e dados como apurados é inequívoco a celebração de um contrato de compra e venda entre a Demandante e um seu cliente.
Estamos, assim, perante a figura jurídica do contrato de compra e venda, com previsão no artigo 874º do Código Civil, segundo o qual se dá a transmissão de propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.
Tal tipo de contrato tem como efeitos essenciais a transmissão da coisa, a obrigação de a entregar e a de pagar o preço respetivo (artigo 879º do Código Civil). É, em consequência, um contrato bilateral, pois resultam obrigações para ambos os contraentes: a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.
No caso dos autos, a Demandante cumpriu a obrigação a que se vinculou não tendo obtido o correspectivo pagamento, que é devido.
Por sua vez o Demandado não só nega que tal fornecimento lhe tenha sido feito, como também nega ter morado nos endereços constantes no processo e indicados pela Demandante.
O requerimento e prova junta, isto é, a fatura (FA2015/3291) de 9 de junho de 2015, no montante de €95,50 sem assinatura nem número de identificação fiscal (NIF) levanta mais dúvidas de que certeza, sem dúvida. E se pensarmos ainda que incumbe ao autor fazer a prova dos factos constitutivos do seu pretenso direito (art. 342.º, n.º 1 do Código Civil) sucede que a Demandante não provou como lhe competia a venda da garrafa de gás ao Demandado.
Assim sendo, improcede o pedido formulado, por não provado.
Prejudicada fica a questão da prescrição invocada, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC, pelo que não cumpre apreciá-la.
DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos invocados, decido declarar a presente ação totalmente improcedente, porque não provada, e em consequência, absolver o Demandado do pedido contra si formulado pela Demandante.

Custas:
A cargo da demandante, que deverão ser pagas num dos
três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, incorrendo numa sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, com a alteração constante da portaria nº 209/2005 de 24 de Fevereiro.
Registe.
Julgado de Paz do Oeste, Bombarral, 23 de novembro de 2018
(Juíza de Paz que redigiu e reviu em computador – Art.º 138.º/5 do C.P.C.)

Elena Burgoa