Sentença de Julgado de Paz
Processo: 170/2018-JPSXL
Relator: HELENA ALÃO SOARES
Descritores: CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES E INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
Data da sentença: 04/05/2019
Julgado de Paz de : SEIXAL
Decisão Texto Integral: SENTENÇA
(artigo 60.º, n.º 1 da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP)).

Processo n.º 170/2018-JPSXL
Matéria: Cumprimento de obrigações e incumprimento contratual
(Artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e i) da Lei de Organização, Funcionamento e Competência do Julgados de Paz, aprovada pela Lei n.º 78/2001, de 13-07, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP))
Objecto do litígio: Pagamento de diagnóstico do sistema IMA e reparação
Demandante: A, com morada na Rua XX, Pendão
Demandada: B Unipessoal, Lda., NIPC 000, com sede na Rua XX Corroios
Representante legal: C
Valor da acção: € 89,54 (oitenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos)
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I. Dos Articulados:
A Demandante A, intentou a presente acção declarativa de condenação, com fundamento nas alíneas a) e i) do n.º 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho, alterada e republicada pela Lei n.º 54/2013, de 31-07 (LJP), pedindo a condenação da Demandada B - Unipessoal, Lda., no pagamento do valor de € 89,54 (oitenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos), correspondente ao valor de realização de diagnóstico do Sistema IMA e na reparação completa dos problemas que sejam detectados no diagnóstico.
A Demandante alega, em suma, que comprou o carro Honda xx – 4_ 2007, com a matrícula 00-DQ-00 à Demandada, tendo pago o preço de € 6.200,00, em 30/04/2018, e que detectou a existência de uma luz amarela no painel do carro com a indicação IMA, depois de um certo tempo de circulação. A Demandante considera que tem o direito a que o diagnóstico do sistema IMA, no valor de € 89,54, seja feita numa oficina por técnico credenciado, como é o caso de uma concessionária Honda autorizada, pretendendo que a Demandada seja condenada a proceder ao diagnóstico do Sistema IMA numa concessionária Honda autorizada, responsabilizando-se pelo pagamento do valor em que o mesmo importar e que seja condenada a proceder à reparação completa dos problemas que sejam detectados no dito diagnóstico.
Mais alegou nos termos do seu requerimento inicial, de fls. 1 a 4, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
A Demandada, regularmente citada, apresentou contestação, de fls. 56 a 59, que aqui se dá como reproduzida, alegando, em suma, que a Demandante adquiriu à Demandada o veículo da marca Honda, Modelo xx IMA, com a matrícula 00-DQ-00 e que algum tempo após a concretização do negócio a Demandante reportou que o veículo ligava uma luz amarela com indicação IMA e que desde o primeiro contacto em que foi reportada a alegada anomalia, o representante da Demandada solicitou que a viatura fosse apresentada no seu Stand para diagnóstico de avaria e eventual reparação, tendo agendado no dia 16/06/2018, da parte da manhã, um diagnóstico à viatura e solicitado à Demandante para apresentar o veículo na data e hora definidos e que a Demandante nada fez.
Mais alegou que a Demandada se prontificou a diagnosticar a anomalia e a proceder à sua reparação/eliminação, tudo sem custos para a Demandante, e que esta jamais compareceu, e que ao não disponibilizar a viatura, continuando a circular com a mesma depois de comunicar uma pretensa avaria, a Demandante está a dar uma má utilização ao veículo, pela qual a garantia prestada não responderá, terminando a sua peça processual pugnando pela total improcedência da acção e absolvição da Demandada do pedido contra si deduzido.
II. Tramitação:
A Demandante propôs a acção no dia 13/07/2018.
A Demandada foi regularmente citada, em 18/07/2018 (cfr. fls. 54) e apresentou contestação, remetida em 24/07/2018.
Realizada a sessão de pré-mediação, agendada para dia 30/07/2018 e a sessão de mediação, as partes entenderam agendar 2.ª sessão de mediação (fls. 72 a 75). Na data agendada, realizou-se a segunda sessão de mediação, não tendo as partes chegado a acordo (cfr. fls. 77).
Procedeu-se à marcação da audiência de discussão e julgamento.
No dia designado para a realização da audiência de julgamento (15/03/2019, pelas 14h30m), compareceram a Demandante, a Demandada e uma testemunha apresentada pela Demandante, tendo-se realizado a audiência de julgamento com produção da prova, nos termos da acta constante de fls. 107 e 108, a qual se suspendeu para continuação, com prolacção de sentença, no dia 05/04/2019.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, e são legítimas. Não ocorrem excepções, nulidades, ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nos termos do disposto nos artigos 297.º, n.ºs 1 e 2, 299.º, n.º 1 e 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 63.º da LJP, fixo à presente acção, o valor de € 89,54 (oitenta e nove euros e cinquenta e quatro cêntimos).
III. Fundamentação:
A) De Facto:
Com base na matéria dada como assente por acordo, por não impugnada, nas declarações das partes, testemunha e documentos juntos aos autos, dão-se como provados, relevantes para o exame e decisão da causa, os seguintes factos:
Factos Provados:
1 – A Demandante, no dia 30/04/2018, comprou o carro Honda xx IMA, matrícula 00-DQ-00 (número de quadro JHMFD000s000) à Demandada, no seu Stand designado por “XX”, sito na Rua XX, Corroios.
2 – Pela viatura, a Demandante pagou à Demandada o valor total de €6.200,00 (seis mil e duzentos euros.
3 – A Demandada é uma sociedade unipessoal por quotas, que tem como objecto o comércio de veículos automóveis ligeiros e pesados.
4 – A Demandante é proprietária do veículo com a matrícula 00-DQ-00, desde 2018-04-30, conforme Certificado de Matrícula n.º 000, sendo a data da primeira matrícula do veículo 2007-06-04.
5 – Foi solicitada proposta de adesão a seguro para o veículo matrícula 00-DQ-00, sem garantia de fábrica, com a duração de 12 meses à Companhia de Seguros D, S.A., pela Demandada, enquanto vendedora do veículo, assinada pela Demandante, enquanto proprietária do veículo.
7 – Em data não apurada, mas entre 09/05/2018 e 06/06/2018, a luz com indicação IMA, no painel do carro, em cor amarela, começou a acender.
8 – Em data não apurada, mas entre 09/05/2018 e 6/06/2018, foi reportado pela Demandante ao representante legal da Demandada, o Sr. C, que a luz com indicação IMA, no painel do carro, em cor amarela, começou a acender.
9 – Em 11/06/2018, por e-mail, o representante legal da Demandada, em relação ao IMA, aconselhou à Demandante que andasse mais alguns kms com o carro.
10 – Em 11/06/2018, por e-mail, o representante da Demandada informou a Demandante que os testes, caso fossem necessários, seriam feitos sem custos, por entidade providenciada pela Demandada.
11 – Em 12/06/2018, por e-mail, o legal representante da Demandada informou a Demandante de que tinha marcado com o especialista para ele fazer o teste das baterias, e que estava a aguardar a indicação do dia certo, sem custos para a Demandante.
12 – Em 13/06/2018, por e-mail, o legal representante da Demandada solicitou à Demandante para entregar o carro na 6ª Feira, porque no sábado de manhã tinha marcado o diagnóstico, calibragem e troca de bateria (se necessário), com garantia do serviço feito, sem custos para a Demandante.
13 – Em 16/06/2018, dia marcado para a realização do diagnóstico à viatura, da parte da manhã, o técnico providenciado pela Demandada, para realização do diagnóstico, esteve na oficina da Demandada e a Demandante não compareceu na oficina, nem levou a viatura.
14 – Em 16/06/2018, por e-mail, a Demandante comunicou ao representante legal da Demandada que o diagnóstico do carro comprado só seria realizado numa concessionária Honda Autorizada.
15 – Até 28/06/2018 não havia sido realizada participação à seguradora D referente ao veículo com a matrícula 00-DQ-00.
16 – A Demandante continua a utilizar e a circular com o veículo.
17 – Em 08/08/2018 foi realizado o diagnóstico na Santogal, concessionário Honda, que teve o custo de € 83,57, suportado pela Demandante.
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
.Motivação da matéria de facto:
A convicção probatória do tribunal ficou a dever-se à matéria dada como assente por acordo, declarações das partes, da testemunha apresentada pela Demandante e pelos documentos juntos aos autos, nomeadamente de fls. 8, 9, 10, 13, 18,19,29,47, 60, 61, 62, 63, 64,65.
B) De Direito:
No caso dos autos, e em conformidade com os factos dados como provados, entre Demandante e Demandada foi celebrado um contrato de compra e venda de bem de consumo, previsto e regulado no Decreto-Lei n.º 67/20103, de 8/04, beneficiando a Demandante, enquanto consumidora, da tutela jurídica promovida pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
Para que o contrato seja de compra e venda de bem de consumo, há-de tratar-se de compra e venda celebrada entre vendedor profissional e comprador consumidor ou comprador não profissional, e só para esse caso é que vale o regime jurídico específico da venda de bens de consumo.” (in Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 29/01/2015, Proc. n.º 1840/11.0TTSTB.E1, in www.dgsi.pt ).
Nos termos dos artigos 3.º, alínea a) e 4.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, atualizada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril), o consumidor (a aqui Demandante) tem direito à qualidade dos bens destinados ao consumo, que devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem.
De harmonia com o artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo DL n.º 84/2008 de 21 de Maio (“Venda de Bens de Consumo e das Garantias a ela Relativas”) “O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.”, estabelecendo o n.º2 desta disposição, os casos em que se presumem que os bens de consumo não estão conforme o contrato.
Dispõe o artigo 3.º, nos seus números 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 67/2003, que “1. O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.” E que “2. As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea (…) presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.”.
O artigo 4.º, n.º1 daquele diploma, consagra que “Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.”. Esclarece o n.º 3 desta disposição que a expressão “sem encargos” se reporta às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo designadamente as despesas de transporte, de mão-de-obra e de material.
O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.”-artigo 5.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril - sendo que, no caso de coisa móvel usada, o prazo de dois anos pode ser reduzido a um ano, por acordo das partes (artigo 5.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril).
O artigo 5.ºA, sob a epígrafe “ Prazo para exercício de direitos” dispõe, no seu n.º 2, que, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, no caso de bem móvel.
O artigo 914.º do Código Civil, quanto à reparação ou substituição

de coisa defeituosa dispõe que o comprador tem o direito de exigir

do vendedor a reparação da coisa.

Por aplicação deste artigo, a reparação do bem defeituoso terá de

ser efetuada pelo devedor e não pelo comprador, que não tem o

direito de se substituir àquele na obrigação de reparação.

Só após se terem esgotado todas as possibilidades de o vendedor não reparar, é que nos termos do artigo 828.º do Código Civil: “O credor de prestação de facto fungível tem a faculdade de requerer, em execução, que o facto seja prestado por outrem à custa do devedor”.

Nem no caso de simples mora, o comprador tem o direito de se substituir ao vendedor na reparação da coisa vendida. “ (…) Ao vendedor é que compete proceder à reparação, seja voluntariamente antes de instaurada a execução para a prestação de facto, seja depois da intimação aí feita (artigos 939º nº. 1 e 940º do CPC). Só se isto não suceder é que ocorre a possibilidade de prestação do facto à custa do devedor (artº. 828º do Cód. Civil), nos termos previstos nos arts. 935º e segs. do CPC.” – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/05/2001, Processo n.º 01A1325.
Face ao exposto, a aqui Demandada, (“vendedora” para efeitos do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril) está obrigado a garantir o bom estado e o bom funcionamento do bem de consumo, móvel, que vendeu à Demandante, no prazo de garantia estabelecido, que a Lei fixa em dois anos, excepto quando por acordo das partes, esse prazo é reduzido para um ano (o que parece ser o caso dos autos, atento o 5.º facto provado), mas é à Demandada que cabe diligenciar no sentido de apurar e resolver as “inconformidades” reportadas pela Demandante e proceder à reparação destas.
Resultou provado, que a Demandante comunicou à Demandada a anomalia dentro do prazo que a lei atribui para o efeito, mas também que não entregou o carro para diagnóstico do problema e respectiva reparação, quando solicitada pela Demandante, insistindo sempre que o diagnóstico fosse realizado por terceiros, alheios à Demandada, a quem comprou o carro e que tem de prestar a garantia.
A proteção que a lei confere à Demandante consiste na reparação da viatura pela Demandada.
No caso concreto, e atento os factos dados como provados, a Demandante não deu oportunidade à Demandada para que o diagnóstico fosse realizado por aquela, nem lhe deu a oportunidade de cumprir a sua obrigação decorrente da garantia.
O facto de a Demandante não dar oportunidade ao vendedor para solucionar a desconformidade do bem constitui abuso de direito por parte do consumidor.
Só depois do vendedor se ter mostrado inábil, desinteressado ou sendo desaconselhável face às circunstâncias do caso, é que o vendedor poderá ser obrigado a suportar o custo da reparação e outros encargos acessórios com a mesma (custo do diagnóstico).
Terá, nesta medida, de improceder a pretensão da Demandante de condenação da Demandada a proceder ao diagnóstico do Sistema IMA numa concessionária Honda autorizada, responsabilizando-se pelo pagamento desse valor, procedendo, no entanto, atento todo o exposto e os factos dados como provados, o segundo pedido formulado pela Demandante, de condenação da Demandada a proceder à reparação completa dos problemas que sejam detectados no diagnóstico, relativos ao sistema IMA.
IV. Decisão
Em face do exposto, julgo a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e condeno a Demandada a proceder à reparação da não conformidade do bem de consumo denunciada, absolvendo a Demandada do demais peticionado.
Custas
As custas serão suportadas pela Demandante e pela Demandada, em razão do seu decaimento e na proporção respetiva, que se fixa em 50% para cada parte (Art.º 8.º da Portaria n.º 1456/2001,de 28 de Dezembro).
Atento o pagamento da taxa de justiça inicial, no valor de € 35,00, pela Demandante, aquando da entrega do requerimento inicial, quer o pagamento por parte da Demandada, no valor de € 35,00, aquando da apresentação da contestação, nada há a pagar.

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Esta sentença foi proferida nos termos do n.º 2, do artigo 60.º da Lei dos Julgados de Paz.
Registe.
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Seixal, 05/04/2019
A Juiz de Paz Auxiliar

Helena Alão Soares