Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 31/2020-JPSXL |
Relator: | CARLOS FERREIRA |
Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO |
Data da sentença: | 08/19/2021 |
Julgado de Paz de : | JULGADO DE PAZ DO SEIXAL |
Decisão Texto Integral: | Processo n. º31 /2020-JPSXL Sentença
Parte Demandante: --- [ORG-1], Lda., sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-1], com sede na [...], 12, [...], de [...], [Cód. Postal-1] [...], legalmente representada por [PES-1] Mandatários: Sr. Dr. [Advogado-dte] e Sr.ª Dr.ª [PES-8], Advogados, com escritório na [...], nº12, Bloco 3, 1.º D, [...], 1500 - 030 Lisboa.--- Parte Demandada: --- [ORG-2], Companhia de Seguros, S.A., sociedade comercial com o número único de matrícula e pessoa coletiva [NIPC-2], com sede na [...], 39, Apart.4076, [Cód. Postal-2] [...]. --- Mandatários: Dr. [Advogado-dda], com substabelecimento no Dr. [Advogado-dda], Advogados, com escritório na [...] * Relatório: --- A Demandante instaurou a presente ação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 3 a 6, que aqui se declara integralmente reproduzido e integrado pelo aperfeiçoa mento de fls. 59 e 60, peticionando a condenação da Demandada a pagar-lhe: --- a) A quantia de 13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), pela perda do veículo propriedade da Demandante, ficando a Demandada com o salvado; --- b) A quantia que se apurar a final e respeitante ao valor do parqueamento diário a pagar à oficina, no valor diário de €53,50 + IVA, até levantamento do salvado com a resolução do litígio entre as partes;--- c) A quantia que se apurar a final no valor diário de €30,00 (trinta euros), até ao pagamento da indemnização à Demandante, pela imobilização do veículo e subsequente privação do seu uso pela Demandante;--- d) A quantia que se apurar a final, relativa à sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829.º-A, do Código de Processo Civil, no montante de €30,00 diários, por cada dia de atraso no efetivo pagamento;--- e) A quantia que se apurar a final e que corresponda ao pagamento de todas as despesas respeitantes à perda de dias de trabalho pelos funcionários e pelo sócio gerente da Demandante nas deslocações ao Julgado de Paz, em valor que não se pode agora fixar, bem como, no pagamento do montante de honorários que lhe for cobrado a final pelo seu mandatário, sendo que o valor cobrado pelo mesmo é de €125,00; --- f) E, por fim deverá a Demandada ser condenada no pagamento das custas do processo.---- Para tanto, alegou, em síntese que, em 25 de outubro de 2019, enquanto conduzia o automóvel Toyota “IQ”, matrícula [ - - 1] (doravante VM), o Demandante foi interveniente num acidente de viação, com o veículo com a matrícula [ - - 2] (doravante IZ), o qual se encontrava seguro na Demandada através da apólice n.º X. --- O referido sinistro ocorreu na [...], no [...], porque a condutora do IZ desobedeceu a um sinal de Stop e foi embater na viatura do Demandante.--- Em consequência dos danos sofridos no acidente, o VM ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios.--- A Demandada assumiu a responsabilidade total pelos danos, no âmbito do processo de sinistro com o número [Processo-1];--- O VM foi alvo de uma vistoria que avaliou os danos no montante de €8.634,00.--- A Demandada propôs a regularização do sinistro como Perda Total, atribuindo o valor venal do VM, em €5.178,00, ficando o Demandante com o salvado no montante de €3.122,00.--- O VM estava equipado com extras, no valor de €3.500,00. --- Antes do acidente, o valor comercial do VM correspondia à quantia de €13.500,00.--- A Demandada recusou-se sempre a disponibilizar um carro de substituição à Demandante.--- Desde 30 de outubro que o VM está parqueado na oficina em Alfragide.--- O responsável pela oficina informou as partes que havia lugar ao pagamento de parqueamento no valor diário de €53,50+IVA.--- Até à presente data nada foi cobrado à Demandante pelo parqueamento de veículo.--- Desde a data do acidente que a Demandada está privada do uso e fruição do veículo.- O VM era utilizado diariamente pelos funcionários e pelo sócio-gerente da Demandante, nomeadamente, para se deslocar diariamente de casa para o trabalho e «vice-versa», fazer visitas a clientes, às obras em curso, e aos fornecedores.--- O sócio-gerente da Demandante tem recorrido a transportes públicos, táxis, boleias de familiares e amigos.---- Concluiu pela procedência da ação, juntou procuração forense e documentos de fls. 7 a 12; e 244 a 259. --- Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 36 a 37, que aqui se declara integralmente reproduzida. --- Por impugnação, a Demandada alegou, em síntese, que assumiu a responsabilidade pelo sinistro, mas não concorda com os valores peticionados pelo Demandante, nem com o alegado relativamente à privação do uso do veículo. --- Concluiu pela improcedência da ação, juntou procuração forense e um documento, de fls. 38 a 40; e 237 a 243. --- Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (doravante designada abreviadamente por Lei dos Julgados de Paz). ---- Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar todas as possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da Lei dos Julgados de Paz, o que não logrou conseguir-se. ---- Frustrada a tentativa de conciliação, prosseguiu a realização da audiência de julgamento com a observância das normas de processo, como resulta documentado na respetiva ata (cf., fls. 260 a 262). ---- * O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em Julgado de Paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de Mediação, ou por via de conciliação. --- Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução amigável e construtiva dos conflitos. --- Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. --- No entanto, não foi esse o caminho que as partes entenderam seguir, devendo ser respeitada a sua decisão de não haver acordo, e desse modo, terem optado por fazer depender a resolução do litígio da decisão a tomar na sentença que agora se declara. --- * As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: --- Se a Demandada é responsável por indemnizar a Demandante pelos montantes peticionados, em consequência do acidente de viação descrito nos autos. --- A responsabilidade pelas custas da ação. --- ---*--- Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz), a sentença inclui uma sucinta fundamentação. --- * Fundamentação – Matéria de Facto: --- Incumbe à Demandante o ónus de provar os factos que constituem o direito invocado na presente ação (cf., n.º 1, do art.º 342.º, do Código Civil). --- Por outro lado, cabe à Demandada fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela Demandante (cf., nº2, do artigo 342º, do Código Civil).- Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: --- 1. A Demandante tem registado a seu favor o direito de propriedade do veículo automóvel ligeiro de passageiros Toyota “IQ”, matrícula [ - - 1] (VM), mediante certificado emitido em 30-11-2018, cf. fls. 7 e 8; --- 2. A primeira matrícula do referido veículo foi emitida em 2011-12-14 ([...]), idem; --- 3. Em 25 de outubro de 2019, enquanto conduzia o referido automóvel, o Demandante foi interveniente num acidente de viação, com o veículo de matrícula [ - - 2] (doravante IZ), o qual se encontrava seguro na Demandada através da apólice n.º X. --- 4. O referido sinistro ocorreu na [...], no Seixal;--- 5. A condutora do IZ desobedeceu a um sinal de Stop e foi embater na viatura do Demandante;--- 6. Em consequência dos danos sofridos no acidente, o VM ficou impossibilitado de circular pelos seus próprios meios;--- 7. A Demandada assumiu a responsabilidade total pelos danos, no âmbito do processo interno de sinistro com o número [Processo-1], cf. fls. 9;--- 8. O VM foi alvo de uma vistoria que avaliou os danos no montante de €8.634,43, cf. fls. 10; e 241;--- 9. Em 8 de novembro de 2019, a Demandada propôs a regularização do sinistro como Perda Total, cf. fls. 10;--- 10. À data dos factos o valor venal do VM correspondia à quantia de €8.000,00, cf. fs. 10; e 241 a 244;--- 11. A Demandada recusou-se sempre a disponibilizar um carro de substituição à Demandante.--- 12. Até à presente data nada foi cobrado à Demandante pelo parqueamento do veículo VM, sinistrado;--- 13. Desde a data do acidente que a Demandada está privada do uso e fruição do veículo VM;--- 14. O VM era utilizado diariamente pelo sócio-gerente da Demandante, nas suas deslocações para o local de trabalho e profissionais.--- * Factos não provados: --- Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa, nomeadamente, que: --- i. O VM estava equipado com extras no valor de €3.500,00. --- ii. Antes do acidente, o valor comercial do VM correspondia à quantia de 13.500,00;- iii. Desde 30 de outubro que o VM está parqueado na oficina em Alfragide.--- iv. O responsável pela oficina informou as partes que havia lugar ao pagamento de parqueamento no valor diário de €53,50+IVA;--- v. O sócio-gerente da Demandante tem recorrido a transportes públicos, táxis, boleias de familiares e amigos.---- vi. O valor do salvado do VM corresponde ao montante de €3.122,00;--- vii. A Demandante suportou custos e despesas com a perda de dias de trabalho de funcionários e do sócio gerente da Demandante nas deslocações ao Julgado de Paz;--- viii. A Demandante suportou custos com honorários e despesas do seu Ilustre Mandatário.--- ---*--- Motivação da Matéria de Facto: Os factos provados resultaram da conjugação da audição de partes, dos documentos constantes dos autos, e do depoimento testemunhal prestado em sede de audiência de julgamento, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida. --- O facto descrito no número 7, resulta plenamente provado por confissão escrita da Demandada, nos termos dos artigos 352.º; 355.º; 356.º, n.º 1, e 358.º n.º1, todos do Código Civil, vide art.º 2.º da douta contestação, e procuração junta a fls. 40.-- Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, Código de Processo Civil, aplicável ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz, consideram-se admitidos por acordo os factos constantes nos números 3 a 6. ---- Pela prova documental consideram-se provados os factos suportados pelo teor dos documentos indicados de forma especificada, na enumeração do probatório supra, designadamente, o DUA, com o registo de propriedade do veículo VM, a favor da Demandante, as cartes remetidas pelos serviços da Demandante, de fls. 9 e 10, e o Boletim de perda total de fls. 241 e 241verso. --- As testemunhas [1-Dte], e [2-Dte], não demonstraram razão de ciência relativamente aos factos, limitando-se a aderir à versão dos factos alegados pela Demandante. --- Todavia, o seu testemunho foi isento e credível relativamente aos factos 11; 13 e 14, contribuindo para formar convicção, e tendo prestado depoimento de forma consentânea com a restante matéria provada nos autos. --- A restante matéria resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação controvertida vivenciada pelas partes. --- Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou das testemunhas com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. – Os factos não provados resultam da ausência de elementos que permitam formar convicção positiva sobre os mesmos. --- ---*--- Fundamentação – Matéria de Direito: A matéria constante dos autos remete-nos para o âmbito da responsabilidade civil extracontratual, por factos ilícitos. --- Sendo assim, a causa é enquadrável na alínea h), do, n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (Lei dos Julgados de Paz). --- A causa de pedir na presente ação respeita a danos alegadamente provocados à Demandante devido à ocorrência de um acidente de viação, relativamente ao qual, reclama a condenação cumulativa da Demandada no seguinte: --- a) A quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), pela perda do veículo VM, ficando a Demandada com o salvado; --- b) A quantia que se apurar a final e respeitante ao valor do parqueamento diário a pagar à oficina, no valor diário de €53,50 + IVA, até levantamento do salvado com a resolução do litígio entre as partes;--- c) A quantia que se apurar a final no valor diário de €30,00 (trinta euros), até ao pagamento da indemnização à Demandante, pela imobilização do veículo e subsequente privação do seu uso pela Demandante;--- d) A quantia que se apurar a final, relativa à sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829.º-A, do Código de Processo Civil, no montante de €30,00 diários, por cada dia de atraso no efetivo pagamento;--- e) A quantia que se apurar a final e que corresponda ao pagamento de todas as despesas respeitantes à perda de dias de trabalho pelos funcionários e pelo sócio gerente da Demandante nas deslocações ao Julgado de Paz, em valor que não se pode agora fixar, bem como, no pagamento do montante de honorários que lhe for cobrado a final pelo seu mandatário, sendo que o valor cobrado pelo mesmo é de €125,00; --- f) E, por fim deverá a Demandada ser condenada no pagamento das custas do processo.---- Vejamos se lhe assiste razão perspetivando, ainda, dar resposta às questões acima enunciadas: --- O enquadramento fático-jurídico será efetuado pela subsunção dos factos às normas legais aplicáveis, de modo a evidenciar a solução jurídica preconizada para a causa. --- Para este efeito, será fundamental partir da própria dinâmica do acidente, e da análise dos pressupostos da responsabilidade civil, para determinar quem, e em que medida, deve ser considerado responsável pela obrigação de indemnização e, sendo o caso, fixar o montante da indemnização a atribuir ao lesado na proporção da respetiva responsabilidade do lesante, tendo em conta os danos peticionados que sejam suscetíveis de tutela. --- a) Dinâmica do acidente: --- Resulta da matéria provada que, ambas as partes estão de acordo no sentido de atribuir a culpa pela ocorrência do acidente descrito nos autos à condutora do veículo IZ, seguro na Demandada, por desrespeito de um sinal de Stop e consequente colisão com o veículo VM, propriedade da Demandante. --- b) Responsabilidade civil: --- No âmbito dos presentes autos, a Demandada assumiu totalmente a responsabilidade pelos danos da Demandante (muito embora, com discordância relativamente aos valores peticionados), o que se tem por adquirido nos presentes autos a título de confissão escrita, com prova plena do facto, cf, fls. 9. --- Nos termos do art.º 483.º do Código Civil, "Aquele que com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.” --- Face à confissão escrita da Demandada, consideram-se verificados os pressupostos cumulativos da responsabilidade civil, ou seja, i) a existência de um facto voluntário do agente; ii) a ilicitude desse facto; iii) que se verifique um nexo de imputação do facto à conduta culposa do lesante, que podia e devia ter evitado o evento; iv) que da violação do direito subjetivo ou da lei derive um dano; e v) nexo de causalidade adequada entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pelo lesado, de modo a poder concluir-se que a natureza e extensão do dano resultam, necessariamente, daquele facto e não de outra causa, que lhe esteja na origem. --- Relativamente aos danos, ficou provado por acordo das partes que a reparação dos danos no veículo VM, do Demandante, ascende ao montante de €8.634,43, e que o referido veículo ficou imobilizado e não pode circular pelos próprios meios desde a data do acidente, originando um dano por privação do uso.--- c) Obrigação de indemnizar: --- Da prova constante dos autos, resulta que à data do sinistro o veículo IZ estava seguro na Demandada através da apólice n.º X. --- Assim, tendo o proprietário do referido veículo automóvel transferido a sua responsabilidade civil ao abrigo do contrato de seguro subjacente à referida apólice, e devido ao enquadramento dos factos nos eventos cobertos pela mesma, a Demandada é responsável por satisfazer a obrigação de indemnizar o Demandante pelos danos decorrentes do sinistro descrito nos autos. --- Tendo sido verificados os pressupostos e declarada a responsabilidade civil da Demandada, nos termos atrás expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do acidente em causa nos autos, e calcular a indemnização devida pelo seu ressarcimento. --- Relativamente aos danos patrimoniais, os artigos 562.º a 564.º, e 566.º, todos do Código Civil, consagram como critério normativo de avaliação da indemnização, a denominada teoria da diferença, ou seja, a diferença patrimonial entre a situação existente devido à produção dos danos e a que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso. --- O referido regime legal estabelece que a indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não repare integralmente os danos, ou seja excessivamente onerosa para o devedor e, não sendo possível averiguar o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados. --- Sobre a quantia de €13.500,00 (treze mil e quinhentos euros), pela perda do veículo VM, ficando a Demandada com o salvado: --- Ficou provado que o veículo VM sofreu os danos que se encontram devidamente discriminados em documentos juntos aos autos, designadamente, no boletim de perda total, de fls. 241 e 241 verso, no qual, a reparação ficou avaliada no montante de €8.634,43 (oito mil seiscentos e trinta e quatro euros e quarenta e três cêntimos).--- Todavia, conforme resulta da matéria provada, o valor venal do veículo correspondia a €8.000,00 (oito mil euros). --- Assim, verifica-se que o valor da reparação dos danos é superior ao valor venal do VM.--- Ora, tal diferença de valor terá motivado a Demandada a qualificar os danos como perda total. --- Pelo que, a Demandada não deverá ser condenada a suportar uma indemnização superior ao valor venal do veículo VM, por corresponder a um encargo excessivamente oneroso para o devedor (cf. art.º 566.º, n.º 1, do Código Civil). --- Efetivamente, embora seja tecnicamente possível proceder à reparação do veículo a um custo mais elevado do que o valor de mercado do bem, por razões de justiça comutativa nas prestações, tal solução terá de ceder ao critério do valor patrimonial e da objetiva utilidade económica do bem. --- Ora, a Demandada avaliou o valor venal do veículo VM no montante de €8.000,00 (oito mil euros), em consonância com anúncios de ofertas existentes no mercado, conforme resultado de pesquisa com resultados obtidos em data próxima à dos factos, sendo certo que, o Demandante não fez prova nos autos que o valor venal do veículo era mais elevado, ou que o VM estava equipado com extras que o valorizavam face aos restantes veículos da mesma marca e modelo, incumbindo-lhe o respetivo ónus, nos termos do art.º 342.º, do Código Civil.--- Em todo o caso, os elementos subjetivos sobre o estado do motor do veículo, a própria estima ou apego do sócio-gerente da Demandante relativamente ao veículo, embora possam ser fatores humanamente compreensíveis, regra geral, não devem servir como critério de cálculo do montante indemnizável, face ao critério legal da diferença patrimonial, atendendo à consagração legal do princípio da culpa como limite ético-jurídico da indemnização por facto ilícito, cf. artigos 483.º, n.º 2, e 487.º, n.º 2, ambos do Código Civil.--- Relativamente ao salvado, tendo em conta que o valor indicado pela Demandada correspondeu a uma proposta meramente circunstancial, para efeitos de regularização do seu processo interno de sinistro, o respetivo valor é desconsiderado para efeitos de indemnização à Demandante. --- Assim, face à exclusiva responsabilidade da Demandada pela indemnização dos danos, considero adequado e justo condenar a mesma ao pagamento do montante de €8.000,00 (oito mil euros), a título de indemnização pela perda do veículo VM, propriedade da Demandante. --- Deste modo, a ação deve proceder apenas parcialmente, nesta parte do pedido. ---- Sobre a quantia que se apurar a final e respeitante ao valor do parqueamento diário a pagar à oficina, no valor diário de €53,50 + IVA, até levantamento do salvado com a resolução do litígio entre as partes: --- Improcede, quer porque a Demandante afirmou nos autos que até à presente data não foi cobrado qualquer valor pelo parqueamento do veículo, quer porque não foi feita prova do valor diário. --- Aliás, a Demandante tomou posição nos autos relativamente ao assunto conforme requerimento de fls. 59 e 60, prescindindo desta parte do pedido, porquanto, assume que qualquer valor respeitante ao parqueamento do VM, terá de ser cobrado pela oficina, pelo que, não se verifica o dano por ausência de valor correspondente ao parqueamento do VM, de modo a traduzir um prejuízo efetivo e próprio da Demandada.--- Assim, relativamente a esta parte do pedido a ação improcede na totalidade, por falta de prova.--- Sobre a quantia que se apurar a final no valor diário de €30,00 (trinta euros), até ao pagamento da indemnização à Demandante, pela imobilização do veículo e subsequente privação do seu uso pela Demandante: --- Ficou igualmente provado que, o sócio-gerente da Demandante utilizava o VM para as suas deslocações (aliás, o veículo estava a ser utilizado no momento do acidente dos autos), quer para o local de trabalho quer para outros afazeres profissionais, e que o veículo ficou imobilizado desde a data do acidente (25-10-2019). --- No entanto, não ficou provado o efetivo prejuízo financeiro da Demandante pela impossibilidade de utilizar o VM. --- Ora, o simples uso constitui uma vantagem patrimonial suscetível de avaliação pecuniária. --- Assim, tendo sido provado que, para a Demandante houve um prejuízo decorrente da paralisação do VM (pela impossibilidade de gozar plenamente das utilidades do mesmo), não obstante faltar a prova do respetivo quantum é de admitir o direito à indemnização pela privação do uso do veículo, dado que, seria chocante declarar a absolvição por falta de prova. --- O nº 3, do art.º 566.º, do Código Civil, dispõe que “se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados”. Ou seja, esta norma habilita o julgamento por equidade, de harmonia com o art.º 4.º, al. a), do Código Civil. --- No juízo pela equidade o tribunal deve atender às particularidades do caso concreto para estabelecer o montante indemnizatório. --- Resulta da prova que se verificaram desvantagens patrimoniais na esfera jurídica da Demandante decorrentes da impossibilidade de circular com o VM, durante o período relevante da perda de uso do veículo. --- Face aos factos resultantes da matéria da prova, julgo que o valor peticionado, correspondente ao montante diário de €30,00 (trinta euros), é excessivo, designadamente, tendo em conta o valor venal da viatura e a expectativa de vida útil da mesma, sendo certo que a Demandada é uma sociedade comercial, obrigada por lei a ter contabilidade organizada, com a necessária amortização no respetivo balanço, com a aquisição do veículo registada em 30-11-2018, cf. fls. 7 e 8.— Assim, por recurso à equidade, nos termos do citado n.º 3, do art.º 566.º, do Código Civil, tendo em conta o uso que a Demandante fazia do veículo VM, e a data em que a Demandada comunicou a assunção da sua responsabilidade, fixo o valor da indemnização relativa ao dano da privação de uso, na quantia de €225,00 (duzentos e vinte e cinco euros), por considerar razoável e adequado à situação concreta dos autos. - Deste modo, a ação deve proceder apenas parcialmente nesta parte do pedido, e com a absolvição da Demandada no que respeita ao pedido de condenação em danos futuros da privação do uso. --- Sobre a quantia que se apurar a final, relativa à sanção pecuniária compulsória prevista no art.º 829.º-A, do Código de Processo Civil, no montante de €30,00 diários, por cada dia de atraso no efetivo pagamento: --- Dispõe o n.º 1, do art.º 829.º-A, do CC que, “Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.” --- Assim, para que seja possível condenar numa sanção pecuniária compulsória, é necessário que o devedor esteja obrigado a realizar uma prestação de facto de natureza infungível. --- Ora, a presente ação reconduz-se ao pagamento de indemnização, e não à condenação da Demandada a realizar uma prestação de facto. Pelo que, na falta de realização voluntária da prestação o credor tem à sua disposição os meios judiciais, designadamente, a ação de executiva para cobrança da quantia indemnizatória correspondente à condenação. --- Deste modo, a ação deverá improceder nesta parte. --- Sobre a quantia que se apurar a final e que corresponda ao pagamento de todas as despesas respeitantes à perda de dias de trabalho pelos funcionários e pelo sócio gerente da Demandante nas deslocações ao Julgado de Paz, em valor que não se pode agora fixar, bem como, no pagamento do montante de honorários que lhe for cobrado a final pelo seu mandatário, sendo que o valor cobrado pelo mesmo é de €125,00:--- Improcede por não terem sido provados quaisquer prejuízos relativamente à matéria desta parte do peticionado. ---- Todavia, este pedido remete para verbas que se enquadram no conceito de custas de parte e procuradoria. --- Assim, cumpre afirmar que em processo de Julgados de Paz, as custas estão regulamentadas, designadamente, pelo disposto no n.º 1, do art.º 2.º, e pelo art.º 3.º, ambos da Portaria 342/2019, de 01/10, que regulamenta as custas nos Julgados de Paz, pelo que, não têm aplicação, designadamente, os artigos 25.º e 26.º, do Regulamento das Custas Processuais (na redação atualizada do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02), bem como, as normas do Código de Processo Civil que dispõem sobre as custas de parte, por incompatibilidade, nos termos do disposto no art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. Deste modo, em Julgados de Paz não há lugar a condenação nas custas de parte, nem em procuradoria, devendo improceder o requerido por inadmissibilidade legal. --- Sobre o pedido de condenação nas custas do processo: --- Na sequência do já afirmado, no que respeita às custas com o processo, remete-se para a decisão infra. ---- ---*--- DECISÃO Atribuo à causa o valor de €15.000,00 (quinze mil euros), em virtude da cumulação de pedidos constante no requerimento inicial, tendo em conta a quantia peticionada em dinheiro e os restantes pedidos ilíquidos, e bem assim, a posição das partes sobre a matéria conforme requerimentos de fls. 59; 60; e 77, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 2; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi, art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. --- Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância. --- O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. --- Não existem nulidades que invalidem todo o processado. --- As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. -- Não se verificam exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa. --- * Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: --- Julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada, e consequentemente, condeno a Demandada a pagar à Demandante a quantia global de €8.225,00 (oito mil duzentos e vinte e cinco euros). --- Mais decido absolver a Demandada do restante peticionado na presente ação. Custas: --- As custas nos julgados de paz estão atualmente regulamentadas pela Portaria 342/2019, de 01/10. --- Tendo em conta que o processo prosseguiu após a fase de Mediação, é devida uma taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros), a título de custas, cf. al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria 342/2019, de 01/10. --- Nos termos da segunda parte da citada disposição legal, as custas são suportadas na proporção do decaimento, que fixo em 55%, para a Demandada, e 45%, para a Demandante. --- Assim, a Demandada deverá proceder ao pagamento da quantia de €38,50 (trinta e oito euros e cinquenta cêntimos). --- Por sua vez, a Demandante deverá proceder ao pagamento da quantia de €31,50 (trinta e um euros e cinquenta cêntimos). --- Os pagamentos deverão ser efetuados no prazo de três dias úteis, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação, até ao montante máximo de €140,00 (cento e quarenta euros), cf. n.º 4.º, do art.º 3.º, da citada Portaria 342/2019, de 01/10. --- * Extraia os Documento Único de Cobrança (DUC), respeitantes à responsabilidade tributária do processo, e notifique respetivamente a cada uma das partes, juntamente com a cópia da presente decisão, para liquidação das custas. --- Na notificação advirta os responsáveis pelo pagamento das custas nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do Conselho dos Julgados de Paz, salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente sentença, isto é, três dias úteis, pelo que, o prazo que vai indicado nos Documento Único de Cobrança (DUC) é um prazo de validade desse documento, que permite o respetivo pagamento fora do prazo.--- Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. --- * Verificando-se a falta de pagamento das custas acrescidas da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT). --- * Atendendo à atual situação de saúde pública, decido não reabrir a audiência de julgamento para prolação de sentença, nos termos do art.º 57.º, n.º 1, da Lei dos Julgados de Paz, e determino a notificação a mesma às partes e seus Ilustres Mandatários. --- * Registe e notifique às partes com informação expressa que, o Julgado de Paz está disponível para prestar esclarecimentos sobre o teor da presente sentença. ---- ---*--- Julgado de Paz do Seixal, em 19 de agosto de 2021 O Juiz de Paz _________________________ Carlos Ferreira |