Sentença de Julgado de Paz
Processo: 134/2018-JPCRS
Relator: ELISA FLORES
Descritores: USUCAPIÃO- AUTONOMIZAÇÃO DE PARCELA
Data da sentença: 11/06/2018
Julgado de Paz de : CARREGAL DO SAL
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
RELATÓRIO
Demandantes:
- A e marido, B;
Demandados:
- C;
- D;
- F;
Todos na qualidade de herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de G.
RELATÓRIO
Os demandantes propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para retificação de área e autonomização de parcela com base na usucapião, que se enquadra na alínea e) do nº 1 do artigo 9.º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho, pedindo, com os fundamentos constantes do requerimento inicial, que;
Se declare que o prédio rústico identificado no artigo 1.º da petição inicial, prédio mãe, tem na realidade atualmente a área total de 6.355 m2 e não de 6.583 m2 e confronta atualmente a Norte com caminho de serventia; a Sul com I; a Nascente com caminho e a Poente com Estrada Municipal; Que a parcela dos demandantes se autonomizou por via da Usucapião, atenta a demarcação de facto alegada, e é composta por terra de cultura com vinha e oliveiras, com a área de 2.615 m2, a confrontar atualmente a Norte e a Nascente com caminho de serventia, a Sul com os aqui demandados e a Poente com Estrada Municipal, delimitada a vermelho no levantamento topográfico; Se reconheça os demandantes como donos e legítimos proprietários, do prédio que efetivamente possuem, melhor identificado na alínea a) do art.º 13.º da petição inicial e no levantamento topográfico junto, tracejado a vermelho; Condenarem-se os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência de tal prédio como autónomo e distinto, assim como o direito de propriedade dos demandantes sobre o mesmo, e em consequência, proceder à correção do artigo matricial 6217.º da freguesia de J, no sentido de ser corrigida a área e confrontações, ordenando ainda a atribuição de artigo matricial e registo do mesmo a favor dos demandantes, cessando a sua compropriedade na restante área do prédio.
Para o efeito, juntaram sete documentos, que aqui se dão por reproduzidos.
Os demandados, regular e pessoalmente citados, não apresentaram contestação mas compareceram nas duas sessões da Audiência de Julgamento onde prestaram declarações, bem como os demandantes.
Valor da ação: Fixo em € 465,68 (quatrocentos e sessenta e cinco euros e sessenta e oito cêntimos).
FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
Consideram-se provados os seguintes factos:
1.º- Demandantes e demandados são comproprietários do prédio rústico sito ao São Sebastião, atual freguesia de J, na proporção de ½ para cada um, composto de terra de cultura com vinha e oliveiras, inscrito na matriz predial sob o artigo 6217.º (que proveio do artigo 2933º), e descrito na Conservatória do Registo Predial de J sob o n.º 0000/19950822, com a área de 6.583 m2 e a confrontar a Norte com A, a Sul com C, a Nascente com C e a Poente com Estrada Municipal;
2.º- A titularidade do prédio descrito, então artigo 2933º e com a área de 9 875 m2, adveio à posse da 1.ª demandante e marido, B, por partilha da herança de seu pai, L, realizada por Escritura Pública em 22 de maio de 1995, no Cartório Notarial de J, na proporção de 1/3 indiviso;
3.º- Ficando ainda a pertencer aos seus irmãos C e M 1/3 indiviso para cada um; 4.º- A partir dessa data, a irmã M, demandantes e primeiro demandado e esposa, G, já falecida, procederam à divisão do referido prédio, em três parcelas completamente autónomas e distintas, devidamente demarcadas entre si através de estacas de cimento que cravaram no solo;
5.º- Tendo daí resultado 3 prédios autónomos e independentes uns dos outros; 6.º- A partir da referida demarcação de facto, todos passaram a exercer sobre as respetivas parcelas uma posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé, por forma visível e permanente;
7.º- Usando e fruindo cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse;
8.º- Sucede que, posteriormente, por escritura de compra e venda outorgada em 25/10/2000, a referida M vendeu a sua quota a N e marido, I, sendo o registo desta aquisição datado de 02/11/2000;
9.º- Após, em 2003, foi feita uma desanexação da parcela pertencente à data à referida N e marido, tendo esta sua parcela com 3 292m2, que integrava o prédio mãe, dado origem a um novo prédio destinado a construção urbana, inscrito na matriz respetiva sob o artigo 2016º da freguesia de J e descrito na Conservatória de J sob o n.º 0000/20030217;
10.º- Em 16/04/2004, o demandado C, a aqui demandante A e a referida N e marido, intervieram numa escritura de permuta, de onde resultou que o C e a M cederam à N e marido as suas quotas do artigo urbano 2016.º, e a N cedeu-lhes a sua quota do artigo rústico 2933.º (conforme averbamento com a AP. 1882 de 25/10/2018, constante da certidão predial atualizada);
11.º- Ficando a parte restante do prédio identificado em 1.º supra, com a área atualmente inscrita e registada de 6 583 m2, que corresponde à totalidade das parcelas de que as partes neste processo tomaram posse em 1995;
12.º- Ou seja, as parcelas dos demandantes e dos demandados não sofreram quaisquer alterações, com estas alterações formais e de titularidade entretanto ocorridas, e supra descritas;
13.º- Assim, pelo menos desde maio de 1995, o prédio identificado no artigo 1.º supra, que se encontrava dividido em 3 parcelas até à data da desanexação, permanece dividido na parte restante (6 583 m2), até aos dias de hoje, nas seguintes duas parcelas completamente autónomas e distintas e devidamente demarcadas entre si:
a) A parcela 1, que pertence aos demandantes, composta por terra de cultura, com vinha e oliveiras, com a área de 2 615 m2, a confrontar atualmente a Norte e Nascente com caminho de serventia, a Sul com Herdeiros de G, os aqui demandados e a Poente com os próprios, delimitada a vermelho no Levantamento Topográfico a fls. 31 dos autos;
b) A parcela 2, que pertence aos demandados, em comum e sem determinação de parte ou direito, e é composta por terra de cultura com vinha e oliveiras, com a área de 3 740 m2, a confrontar a Norte com A e B, os aqui demandantes, a Sul com N, a Nascente com caminho de serventia e a Poente com os próprios e Estrada Municipal, delimitada a verde no mesmo Levantamento Topográfico;
14.º- À data, os demandantes, bem como o demandado C e a falecida G, já eram casados entre si, os primeiros no regime da comunhão de adquiridos e os segundos no regime da comunhão geral de bens;
15.º- A partir da referida demarcação de facto, quer os demandantes quer os demandados, por forma visível e permanente, passaram a exercer sobre as respetivas parcelas identificadas no ponto 13.º supra, uma posse pública, pacífica, contínua e de boa-fé, passando a possuir, usar e fruir cada parcela individualizada, autónoma e distinta, como se de coisa sua se tratasse;
16.º- Respeitando rigorosamente as suas extremas e divisórias com total exclusividade, autonomia e independência;
17.º- Assim, desde pelo menos 1995, os demandantes, por si ou interposta pessoa, têm possuído e usado a respetiva parcela, identificada na alínea a) do ponto 13.º supra, fruindo-a, melhorando-a, benfeitorizando-a;
18º- Cuidando das videiras, colhendo as uvas, apanhando a azeitona, semeando batatas, milho, limpando o terreno de ervas e plantas que por ali crescem;
19.º- O que sempre fizeram e fazem à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua e ininterrupta, agindo e comportando-se, relativamente à sua parcela como seus verdadeiros e exclusivos proprietários, na convicção de que, com sua posse, não lesavam direitos de outrem;
20.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados;
21.º- E sempre na convicção de que a mesma lhe pertencia como coisa própria e separada da outra parcela que compõe o “prédio mãe”;
22.º- Os demandantes têm tido assim a detenção da sua parcela, já totalmente separada e distinta do prédio inicial, por divisão informal, na convicção de serem seus donos exclusivos;
23.º- Dela retirando todas as utilidades em proveito próprio;
24.º- Por outro lado, pelo facto de terem sido cedidos 228,00 m2 para a abertura do caminho de serventia, e como resulta do levantamento topográfico junto aos autos, o “prédio mãe” tem atualmente, no seu todo, 6 355 m2 e não 6 583 m2 como consta da Matriz predial.
Motivação dos factos provados:
Atendeu-se aos documentos juntos aos autos, nomeadamente ao Levantamento Topográfico, Caderneta predial e certidão da Conservatória do Registo Predial atualizada, e às declarações das partes, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do Código de Processo Civil (C P C), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente C. Civil).
Factos não provados:
Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes por falta de mobilidade probatória.
FUNDAMENTAÇÃO De direito:
Os demandantes visam com a presente ação retificar a área do prédio descrito no ponto 1.º supra e adquirir, por usucapião, a parcela descrita no ponto 13.º, alínea a) da factualidade assente, por se ter autonomizado deste “prédio mãe”.
Resulta da matéria de facto dada como provada que o prédio a que se refere o ponto 1º dos factos provados tem atualmente a área total 6 355 m2, e não já a área inscrita na Matriz Predial, sendo que a função do instituto da usucapião é não só atribuir o direito ao possuidor, mas também consolidar, afirmar e determinar com rigor os limites materiais do objeto sobre o qual se praticam os atos materiais, reveladores do direito real de gozo em causa (cf. artigo 1251º do Código Civil). Apurado ficou também que este imóvel se encontra dividido, de facto e informalmente, em dois prédios perfeitamente autónomos, individualizados e demarcados, com a configuração que hoje têm, há mais de vinte anos, passando os demandantes e o primeiro demandante e a falecida esposa, e após o falecimento desta os seus herdeiros, a explorar cada um deles exclusivamente a sua parte. Apurado ficou também que têm exercido a posse, por inversão do título de comproprietário para proprietário exclusivo, desde o ano de 1995 até ao presente.
Posse que é titulada mas que não reflete a realidade jurídica possessória, que existe há muitos anos.
O instituto da usucapião tem eficácia constitutiva, permitindo adquirir o direito sobre o qual foi constituída, e liga-se à posse, pública e pacífica, como um dos seus efeitos (cf. artigos 1316º, 1287º, 1288º, 1258º a 1262º e 1265º todos do C. Civil); E tem de se prolongar, de forma contínua, por um determinado prazo. Na situação dos autos, a mesma tem uma duração temporal superior à legalmente exigida.
O artigo 7º do Código de Registo Predial estabelece que o registo definitivo faz presumir que o direito existe e pertence ao titular inscrito, mas esta presunção legal no que à titularidade em regime de compropriedade respeita, foi aqui elidida mediante prova em contrário pelos demandantes (cf. artigo 350º, nº 2 do C. Civil) e não oposição dos demandados.
Assim como comprovaram que o Registo Predial também não reflete a realidade quando refere a titularidade em regime de compropriedade porquanto desde 1995 se inverteu o título de posse para titular exclusivo de cada um dos comproprietários relativamente à sua parcela.
O artigo 1268º do C. Civil estabelece também uma presunção, a de que, quem está na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que pratica sobre ela. Acresce ainda, que a posse é pública se é exercida de modo a que todos aqueles que possam invocar um direito contraditório com a coisa possam ter conhecimento dela. E é pacífica se adquirida sem violência. No caso dos autos resulta que a posse dos demandantes preenche também estes requisitos.
E presumindo-se que quem pratica os atos materiais, o “corpus”, tem igualmente o “animus possidendi”, presunção que não foi ilidida pelos demandados, resulta do exposto que os demandantes reúnem os requisitos legalmente exigidos para o efeito de aquisição por usucapião, da referida parcela.
Mas esta não opera, contudo, automaticamente, pelo mero decurso do prazo, necessita de ser invocada, o que pretendem os demandantes com a presente ação. Assim sendo, o exercício efetivo e com caráter de reiteração, público e de boa-fé, da posse do prédio pelos demandantes, como titulares de um direito de propriedade, por mais de vinte anos, confere-lhes o direito de adquirir esse mesmo direito sobre o prédio autonomizado, por via da usucapião, nos termos dos artigos 1287º e seguintes do C. Civil, por se encontrarem preenchidos os seus requisitos (cf. ainda nº 1, alínea c) e nº 2, alínea b) do artigo 1722º do mesmo Código, “a contrario”). Por outro lado, é jurisprudência maioritária que não são impedimento as regras que visam evitar o fracionamento excessivo de prédios rústicos, porque cedem perante os direitos adquiridos por usucapião, forma de aquisição originária da propriedade (cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/05/2018 (P. nº 7859/15.5T8STB.E1) e de 12/07/2018 (P. nº 7601/16.3T8STB.E1.S1), in www.dgsi.pt).
E não prejudica os interesses e reais direitos das partes a correção por esta via da área do originário artigo rústico 6217.º, atual freguesia de J, concelho de J, e a constituição de novo artigo do prédio autonomizado a favor dos demandantes.
Decisão:
Em face do exposto, julgo a ação procedente, por provada, e em consequência:
a) Declaro que o prédio rústico, “prédio mãe”, inscrito na Matriz predial, sob o artigo 6217.º, que proveio do artigo matricial 2933º, e descrito na Conservatória do Registo Predial de J sob o n.º 0000/19950822, tem no seu todo, atualmente a área de 6 355 m2 e está dividido em substância, em dois prédios, autónomos e independentes um do outro;
b) Declaro que pertence exclusivamente aos demandantes, A e marido, B, por se ter autonomizado, por via da usucapião, do prédio originário a que se refere a alínea anterior [a)], o seguinte prédio rústico:
- Terra de cultura com vinha e oliveiras, com a área de 2 615 m2, a confrontar atualmente a Norte e Nascente com caminho de serventia, a Sul com Herdeiros de G e a Poente com os próprios, delimitada a vermelho no Levantamento Topográfico a fls. 31 dos autos, o qual passou a ser um prédio autónomo e distinto do “prédio mãe”, e do qual se destacou;
c) Condeno os demandados no reconhecimento e aceitação da constituição e existência deste prédio referido na alínea antecedente [b)] como autónomo e distinto do prédio rústico a que se refere a alínea [a)] da presente decisão, “prédio mãe”, assim como o direito de propriedade exclusiva de A e marido, B sobre o mesmo;
d) Em conformidade, ordeno:
- A atribuição de artigo matricial e o registo do prédio agora autonomizado, a favor de A e marido, B, com a composição e da forma indicada na alínea b) supra da presente decisão, cessando a compropriedade no “prédio mãe”;
- O abatimento na área do “prédio mãe” na Matriz Predial da área do prédio agora autonomizado;
Dada a natureza do processo custas totais pelos demandantes.
Registe e notifique.
Carregal do Sal, 06 de novembro de 2018
A Juíza de Paz, (Elisa Flores)
Processado por computador (art.131º, nº 5 do C P C)