Sentença de Julgado de Paz | |
Processo: | 83/2020-JPCRS |
Relator: | ELISA FLORES |
Descritores: | USUCAPIÃO |
Data da sentença: | 04/23/2021 |
Julgado de Paz de : | CARREGAL DO SAL |
Decisão Texto Integral: | Processo 83/2020-JPCRS Demandantes: ---------------------------------------------------------- - “A”, viúva, “B”, solteiro, maior, e “C” casada com “CC”, sob o regime da comunhão de adquiridos ------------------------------------------------------- Na qualidade de herdeiros da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “D”; ------------------------------------------------------------------------ Demandados: ---------------------------------------------------------------- I- “E”, divorciado, e, “F”, divorciada; ----------------------------- II- “G”, e mulher, “H”; ----------------------------------------------- III- “I”, viúva; ------------------------------------------------------- - “J”, casado com L, sob o regime da comunhão de adquiridos, e, ------------ - “M”, casado com N, sob o regime da comunhão de adquiridos, ----------------- Na qualidade de herdeiros da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “O”; -- IV- “P”, e marido, “Q”; -------------------------------------------------~~ V- “R”, divorciado; ------------------------------------------------------- Todos na qualidade de herdeiros da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “S”, com o NIF 000. ---------------------------------------------- RELATÓRIO --------------------------------------------------------------- “A” e marido, “B”, propuseram contra os demandados, todos acima identificados, a presente ação declarativa para que se declare que, pela via originária da usucapião, adquiriram o direito de propriedade dos prédios rústicos identificados no artigo 1.º do R. I., condenando-se os demandados no reconhecimento e aceitação do direito de propriedade dos demandantes sobre os mesmos e se ordene, em consequência, a harmonização das respetivas inscrições matriciais. ------------ Para o efeito, juntaram ao longo do processo quinze documentos, que aqui se dão por reproduzidos. ---------------------------------------------------- Os demandados, pessoal e regularmente citados, não apresentaram contestação, comparecendo alguns na primeira sessão da Audiência de Julgamento, que foi suspensa para salvaguardar o prazo de justificação das faltas dos restantes demandados. ----------------------------------------------------------------- Quando decorria este prazo, faleceu o demandante marido “D”. ---------------- Pelo que, de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 270º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável aos Julgados de Paz por força do artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho (LJP), nova redação, não tendo ainda começado a produção de prova na Audiência de julgamento, o óbito foi causa de suspensão da instância com efeitos retroativos à data do falecimento e até à habilitação dos seus sucessores (cf. ainda a alínea a) do nº 1 do artigo 276º do CPC). --------- Foi requerida a Habilitação de Herdeiros e autuado por Apenso o respetivo Incidente onde foram habilitados por sentença como sucessores a viúva/demandante mulher e os dois filhos do casal, acima identificados para, em sua substituição, prosseguirem os termos da presente ação. -------------------- Uma vez transitada em julgado esta sentença de Habilitação de Herdeiros, retomou-se a presente instância. ----------------------------------------- Dado que alguns demandados vieram à Audiência de julgamento, não operou a cominação prevista no nº 2 do artigo 58º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho (LJP), pelo que, tendo os demandantes que fazer prova, foi designada uma nova data para a Audiência de julgamento. --------------------------------------- Entretanto, por força das medidas de proteção da COVID-19 (Lei n.º 1 -A/2020, de 19 de março alterada Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro) foram os prazos processuais suspensos e as diligências presenciais, pelo que, não tendo as partes dos presentes autos condições para a sua realização através de meios de comunicação à distância, ficaram os autos a aguardar que voltassem a ser legalmente permitidas. ----------------------------------------------------- Tendo em 6 do corrente mês de abril entrado em vigor a Lei nº 13-B/2021, de 5 de abril, que no seu artigo 3º introduz uma nova redação à alínea a) do nº 2 e ao nº 3 do artigo 6º-E da Lei nº 1-A/20, de 19 de março - estabelecendo a realização presencial dos julgamentos como regra -, com respeito pelas normas sanitárias determinadas pela DGS (sendo revogados os anteriores artigos 6º-B e 6º-C da mesma Lei 1-A/2020), foi designada data para o efeito. ------------------- Nesta sessão compareceram os demandantes e dois demandados, que foram ouvidos em declarações. ----------------------------------------------- Valor da ação: Fixo em € 40,94 (quarenta euros e noventa e quatro cêntimos). -- FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: -------------------------------- Consideram-se provados, para os presentes efeitos, os seguintes factos: ------- 1.º- Na União de Freguesias de “T”, concelho de “U”, encontram-se inscritos em nome da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “S”, os três prédios rústicos seguintes: --------------------------------------- a) Sito ao Vale do “#”, também conhecido como “€”, com o artigo 165.º (anterior artigo 1151.º rústico da freguesia da “T”, composto de terra de cultura com 4 oliveiras, 120 videiras e vinha, com a área de 2 560m2, confrontando a Norte com “JSCJ”, a Sul e a Nascente com “ARL”, e a Poente com “JPS”; -------- b) Sito à “&”, com o artigo 4121.º (anterior artigo 3497.º rústico da freguesia da “T”), composto de terra de cultura com 1 oliveira e 40 videiras, com a área de 200m2, confrontando a Norte com “JS”, a Sul com “EC”, a Nascente com “AF”, e a Poente com “ASF”; ---------------------------------------------------------- c) Sito às “E@”, com o artigo 1566.º (anterior artigo 1907.º rústico da freguesia da “T”), composto de terreno com 2 oliveiras e casa de arrumação, com a área de 90m2, confrontando a Norte com casa do proprietário, a Sul com “AF”, a Nascente com “LMS” e sem indicação do (s) confinante (s) a Poente; -------------------- 2.º- Tais prédios não se encontram descritos na Conservatória do Registo Predial de “U”; --------------------------------------------------------------------- 3.º- Tais prédios pertenceram aos avós da demandante “AD”, “AF” e esposa, “MDL”, falecidos há mais de 50 anos, desconhecendo a forma como os adquiriram; 4.º- Por escritura de doação outorgada em dezasseis de setembro de 1952, no Cartório Notarial de “U”, os avós da demandante “A”- os referidos “AF” e “MDL”-, doaram, por conta da quota disponível, e com reserva de usufruto, aos seus filhos, noras e genro, “ECF”, solteira; “AF” e esposa, “IDC” e “JLF” e esposa, “MCL”, e “ASF” e “S” (pais da demandante “A”), em comum e partes iguais, os prédios identificados nas alíneas a) e c) do ponto 1.º supra, na proporção de ¼ para a primeira e ¼ para cada um dos casais; ------------------------------------- 5.º- Após o falecimento de ambos os doadores, foi efetuada a divisão dos prédios pelos pais e tios da demandante “A”, tendo cada um entrado na posse das suas parcelas;------------------------------------------------------------------ 6.º- Cultivando-as, cavando a terra, cuidando das oliveiras e das videiras, apanhando a azeitona e as uvas; ------------------------------------------ 7.º- O que fizeram à vista e com o conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, contínua e ininterruptamente, agindo e comportando-se, relativamente ao seu prédio, como seus verdadeiros e exclusivos proprietários e convictos de que, com a sua posse, não lesavam direitos de outrem; ------------ 8.º- Os prédios referidos em 1.º supra foram inscritos na matriz em 1981 aquando da avaliação geral rústica que entrou em vigor em 01/03/1981, mas que nos casos do prédio referido na alínea a) terá tido origem no artigo 3454.º (3/12) da matriz predial rústica da freguesia da “T” e descrito sob o número 44977, a folhas 41 do livro B-cento e doze, e o referido em 1.º supra, alínea c), no artigo 2746.º da matriz predial rústica da antiga freguesia da “T”; ------------------------------ 9.º- No entanto, a correspondência dos prédios, assenta em meras declarações dos contribuintes, não possuindo os serviços de finanças de elementos que lhes permita, efetuar com certeza a correlação das novas matrizes com as antigas; -- 10.º- Com o decurso do tempo e as sucessivas transmissões, os prédios identificados no ponto 1º supra advieram à posse dos demandantes, após partilhas verbais dos pais da demandante “A”, “ASF” e “S”, realizadas por volta do ano de 1987 entre todos os interessados, em data que os demandantes não conseguem precisar atento o tempo já decorrido; ------------------------------------ 11.º- Por sorteio realizado, à demandante “A” coube ½ do prédio rústico sito ao Vale do “#”, melhor identificado no n.º 1 alínea a) e o outro ½ ao seu irmão, “R”; - 12.º- Nesse mesmo dia, por forma a adquirirem a totalidade do prédio, aquela efetuou uma troca com o irmão Jorge, aqui demandado, ficando-lhes a pertencer na totalidade o prédio rústico sito ao Vale do “#”, inscrito atualmente sob o artigo 165.º da União de freguesias de “T”, concelho de “U”; ---------------------- 13.º- No que diz respeito ao prédio descrito no ponto 1.º, alínea b) supra, sito à Roda, também por sorteio realizado nas partilhas verbais, coube à demandante “A” ¼ do referido prédio, correspondente à parcela que a sua mãe havia herdado dos pais, “AF” e “MDL”, já falecidos há mais de 50 anos; ------------------------ 14.º- Pertencendo as restantes parcelas, à sua tia “ED”, na proporção de ¼ e aos seus tios “AF” e “JLF”, na proporção de ¼ para cada um; ---------------------- 15.º- Esta tia, “ED”, filha de “AF” e “MDL”, nascida em 11/11/1915 e falecida em 31 de março de 2006, com 90 anos, no estado de solteira, também usava o nome de “ECF”; ----------------------------------------------------------------- 16.º- Sendo que esta já havia doado verbalmente a sua parcela do prédio descrito no ponto 1.º, alínea b) supra [¼ do prédio] a sua sobrinha, a demandante “A”, que com ela vivia desde os 5/6 anos de idade; ----------------------------------- 17.º- Quanto às parcelas deste mesmo prédio [descrito no ponto 1.º, alínea b) supra] dos tios da demandante “A” – os referidos “AF” e “JLF” -, adquiriu-lhes esta, por compra verbal, pouco tempo após a realização das partilhas; --------- 18.º- Ficando, assim, com a totalidade do prédio descrito no ponto 1.º, alínea b) supra, sito à “&”, da União de Freguesias de “T”; ------------------------------ 19.º- Quanto ao prédio identificado no ponto 1.º supra, alínea c), sito às Eiras, adveio também à posse da demandante “A” por Testamento (½), e por compra e venda verbal (½); ----------------------------------------------------------- 20.º- De facto, a sua referida tia “ED”, que também usava “ECF”, deixou-lhe em Testamento (exarado 13 de janeiro de 1971 no Cartório Notarial de “U”, livro de Notas para Testamentos Públicos e Escrituras de Revogação de Testamentos, número vinte e oito, de folhas trinta e cinco verso a trinta e seis), uma terra de semeadura com oliveiras e palheira sita às “E@”, no limite de “T”; --------------- 21.º- Tendo a demandante “A” adquirido a outra quota-parte (½) indivisa por compra e venda verbal efetuada ao seu tio “AF”, por altura das partilhas dos seus pais; ------------------------------------------------------------------------ 22.º- Nesta altura já a demandante “A” e o falecido marido, “D”, eram casados entre si, no regime de comunhão de bens adquiridos, uma vez que haviam celebrado matrimónio em 08 de abril de 1972, sem convenção antenupcial; -------------------------------------------------------------------------- 23.º- E ambos, pelo menos desde o ano de 1987, passaram a cultivar os três referidos prédios rústicos, de forma ininterrupta e ostensivamente, à vista de toda a gente; -------------------------------------------------------------------- 24.º- Cortando erva, roçando silvas, cuidando das oliveiras e videiras, colhendo as azeitonas e as uvas; -------------------------------------------------------- 25.º- Sem oposição de quem quer que seja, nomeadamente dos aqui demandados; 26.º- E na convicção de serem seus legítimos e exclusivos proprietários, e de com a sua atuação não lesavam ou lesam direitos de outrem; ---------------------- 27.º- Exercendo assim uma posse contínua, pacífica e pública; --------------- 28.º- Continuando esta posse, após o falecimento de “D”, com as mesmas características, pelos seus herdeiros; --------------------------------------- 29.º- Os pais da demandante “A” – “G” e “S”-, faleceram em 23 de maio de 1998 e 14 de janeiro de 2014, respetivamente; ------------------------------------- 30.º- Ficando a suceder-lhes como seus únicos e universais herdeiros, seus filhos, “A”, “F”, “P”, “R” e “O” (que faleceu entretanto, em 13 de março de 2015); ------ 31.º- Tendo os prédios identificados no ponto 1º supra sido relacionados em nome da Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de “S”, como Verba n.º 2 (prédio rústico com o artigo 1566º, na proporção de 5/8), como Verba nº 5 (prédio rústico com o artigo 4121º, na proporção de 5/8), e como Verba nº 6 (prédio rústico com o artigo 165º, na totalidade), e integrado a Relação de Bens apresentada em 09 de abril de 2014 junto do Serviço de Finanças de “U”; ---------------------- 32.º- Situação que não corresponde à realidade factual existente há mais de 30 anos; ----------------------------------------------------------------- 33.º- O que os demandantes pretendem ver reconhecido por via da usucapião, e corrigido nas respetivas Matrizes, harmonizando-as com a realidade. ----------- Motivação dos factos provados: ------------------------------------------ A factualidade dada como provada resultou da conjugação dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, às declarações dos demandantes e dos demandados presentes na Audiência de julgamento e à não oposição dos demandados, consubstanciada na ausência de contestação e não apresentação de prova em contrário, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, previsto no nº 5 do artigo 607º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente e com as necessárias adaptações aos Julgados de Paz, por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho, na redação que lhe foi conferida pelo mesmo artigo 2º da Lei nº 54/2013, de 31 de julho, e no artigo 396º do Código Civil (doravante designado simplesmente “C. Civil”). ----------------- Factos não provados: ---------------------------------------------------- Não há factos não provados. ----------------------------------------------- FUNDAMENTAÇÃO De direito: -------------------------------------------- Os demandantes, enquanto possuidores dos três prédios identificados no ponto 1.º da factualidade assente, visam com a presente ação adquiri-los por usucapião. -- Resulta da matéria de facto dada como provada que há mais de vinte anos – pelo menos desde 1987-, estes prédios se encontram na posse dos demandantes- da demandante “A” e seu falecido marido, primeiro e dos seus herdeiros depois -, até ao presente [cf. artigo 1263º, alínea a) do C. Civil]. ------ E têm exercido a posse sobre os três prédios, por forma correspondente ao direito de propriedade, assumindo-se como legítimos proprietários, e praticando atos correspondentes ao exercício desse direito. --------------------------------- Embora a demandante “A” e o seu falecido marido fossem casados no regime de bens de comunhão de adquiridos, iniciando-se posse conducente à usucapião de tais prédios já na pendência do casamento, estes bens adquiridos por esta forma de aquisição originária fazem parte do património comum, atento o disposto no nº 1, alínea c) e nº 2, alínea b) do artigo 1722º do Código Civil, a contrario. -------- Há, assim, e em consequência, que adequar também as respetivas inscrições matriciais para que correspondam à verdadeira situação factual e jurídica dos prédios. ------------------------------------------------------------------ |