Sentença de Julgado de Paz
Processo: 11/2021-JPTRC
Relator: DANIELA CERQUEIRA
Descritores: COMPRA E VENDA - REVELIA OPERANTE - TAXA DE JUROS COMERCIAIS
Data da sentença: 09/28/2021
Julgado de Paz de : TAROUCA
Decisão Texto Integral:
SENTENÇA
Processo n.º 11/2021 - JP

I- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES
Demandante: C…………, com sede em Barroncal, 5100-481 Ferreirim, Lamego, representada pelo seu Sócio Gerente …; ---
Demandada: D, com sede em Lugar de Vila Verde, s/n, 4660-386 São Martinho de Mouros, Resende, representada pelo seu Sócio Gerente …

I- OBJECTO DO LITÍGIO
Acção para cumprimento contratual, enquadrada na alínea i) do n.º 1 do artigo 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de julho com a redacção dada pela Lei 54/2013 de 31.07.
A Demandante apresenta pedido de pagamento da quantia certa no valor total de € 3 506,51 (três mil quinhentos e seis euros e cinquenta e um cêntimos), acrescidos dos juros comerciais vincendos até integral pagamento à taxa de 8%, bem como das custas do processo. Alega para o efeito que durante vários anos forneceu à Demandada diversos bens, emitindo as correspondentes faturas e recebendo os respectivos preços, sendo que, das faturas melhor discriminadas no seu artº 14 e juntas a fls. 10 e 11, a Demandada não efetuou o pagamento do valor total faturado, permanecendo em dívida o valor de € 2 917,06, sobre o qual contabilizou já € 589,45 de juros à taxa de 8%, contados desde a data da sua emissão até 20.01.2021, peticionando os juros vincendos até integral pagamento.

Efetuadas todas as diligências possíveis para citação pessoal da Demandada remetendo as cartas para a sua sede social, bem como para o domicílio fiscal do seu representante legal, foi efetivada a citação nos termos do artº 246º do CPC, conforme resulta de fls. 30, 54 a 57)
Apesar de recebida a citação (fls. 54 e 57), não foi oferecida qualquer contestação.
Notificada a Demandada e o seu representante legal da data de julgamento e aberta a audiência no dia e hora previstos, verificou-se a falta da Demandada. Interrompida a audiência e reagendada a sua continuação para o caso da mesma vir justificar a respectiva falta no prazo de 3 dias previsto no artº 58º nº 2, sem que o tenha feito, verifica-se existir revelia operante por parte da Demandada nos termos do artº 58º nº 2 da LJP e considera-se a data agendada como data para depósito da sentença, uma vez que as audiências para leitura de sentença se encontram temporariamente dispensadas por questões de segurança sanitária.

O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do objecto, do território e do valor. Não existem nulidades que obstem ao conhecimento de mérito. As partes são legítimas e gozam de personalidade e capacidade judiciárias, tendo sido observadas todas as formalidades para a sua presença ou representação em Juízo.

Fixo o valor da presente acção, em € 3 506,51 (três mil quinhentos e seis euros e cinquenta e um cêntimos). (artigos 296.º, 297.º n.º 2, 299.º, 300.º e 306.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001 de 13 de julho, com a redacção da Lei 54/2013 de 31 de Julho).

II- FUNDAMENTAÇÃO
Atentos os elementos dos autos e o disposto no artigo 58º n.º 2 da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho com a redacção dada pela Lei 54/2013 de 31.07, consideram-se confessados os factos alegados pela Demandante, sendo certo que à Demandada foram garantidas todas as oportunidades de defesa, optando livremente por nada vir dizer, requerer ou fazer.

III- O DIREITO
A presente acção funda-se no incumprimento de dois contratos de compra e venda. Entregues os produtos acordados, a Demandada não cumpriu com a correspondente obrigação de pagamento, incumprindo assim a contraprestação a que estava obrigada.
Há, na compra e venda, a transmissão correspetiva de duas prestações: por um lado, o direito de propriedade ou outro direito e, por outro lado, o preço. Da definição dada pelo artigo 874º do CC, resultam as características fundamentais deste tipo de contrato: onerosidade, bilateralidade, prestações recíprocas e eficácia real ou translativa. O art.º 879º prescreve os efeitos essenciais deste típico contrato. Os contratos devem ser pontualmente cumpridos e as partes que neles outorgam, devem cumprir as obrigações deles derivadas (artigos 406º, nº 1, e 762º, n.º 1 do CC). Da factualidade dada como provada, resulta que a Demandante cumpriu a sua obrigação pontualmente de entregar o que a Demandada lhe comprou, mas a Demandada não pagou o preço do que adquiriu. De salientar que se tratou de uma relação comercial existente e alicerçada numa confiança entre as partes, como se demonstra pelo tempo em que que aquela lhe facilitou o pagamento, antes de o vir exigir em Tribunal.
Nos termos do disposto nos artigos 798º e 799º do mesmo Código Civil, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor. Verificando-se um retardamento da prestação por causa imputável ao devedor, constitui-se este em mora (artigo 804º do Código Civil). Tratando-se de obrigações pecuniárias, essa mora é sancionada nos termos do artigo 806º do Código Civil.
Conforme resulta do artigo 805.º, n.º 1 do Código Civil o devedor fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para pagar. A Demandante não demonstrou ter interpelado formalmente a Demandada, pelo que teremos que tomar a data da citação como data de início da sua mora, considerando nessas condições o seu pedido de condenação parcialmente procedente.
Invoca ainda o regime especial do DL 62/2013 de 10 de Maio para requerer a aplicação da taxa de juro de 8%, que por sua vez remete para o DL 32/2003 de 17.02, revogado, mas aplicável pelo artº 13º do referido DL 62/2013.
Vejamos:
“O âmbito objectivo de aplicação deste DL 32/2003 foi claramente explicitado no seu art 2º/1, ao referir que, «O presente diploma aplica-se a todos os pagamentos efetuados como remunerações de transações comerciais», concretizando e definindo, após, o seu art 3º, o que se deve entender por transações comerciais para efeitos da respectiva aplicação: «Para efeitos do presente diploma, entende-se por: a) «Transação comercial» qualquer transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração; e por b) «Empresa» qualquer organização que desenvolva uma actividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular».
O objecto do diploma em apreço foi, como resulta do seu art 1º, transpor para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de junho, a qual estabelece medidas de luta contra os atrasos de pagamento nas transações comerciais.
Como o salienta Salvador da Costa, «esta Diretiva foi essencialmente motivada, por um lado, pelo facto de recaírem sobre as empresas, particularmente as de pequena e média dimensão, pesado encargos administrativos e financeiros em resultado de prazo de pagamento excessivamente longos e de atrasos de pagamento, e que de que isso constituía a principal causa de insolvência, ameaçando a sua sobrevivência e a perda de numerosos postos de trabalho. E por outro, pelo facto de os atrasos de pagamento constituírem incumprimento dos contratos, financeiramente atraente para os devedores, devido às baixas taxas de juro aplicáveis e à lentidão dos processos de indemnização». Tendo sido por isso que o diploma em apreço definiu com rigor a verificação “automática” da mora, no seu art 4º/2, e como resulta do respectivo preâmbulo, estabeleceu «um valor mínimo para a taxa de juros legais de mora, por forma a evitar que eventuais baixas tornem financeiramente atraente o incumprimento». E, «uma vez que os juros comerciais previstos na legislação portuguesa não se aplicam actualmente a todas as situações cobertas pelo âmbito da diretiva, e para evitar a duplicação de regimes, optou por sujeitar todas estas transações ao regime comercial, prevendo-se o referido limite mínimo de taxa de juro legal de mora no Código Comercial”. O objectivo foi, pois, o de estabelecer uma melhor taxa de juros moratórios para todas as transações sujeitas ao regime comercial para, desse modo, desencorajar os incumprimentos, e, por essa via, bem como com a da rapidez ínsita ao procedimento da injunção, proteger as empresas credoras.” RL Coimbra Proc.º 4931/18.3T8CBR-A.C1 de 12.02.2019
Prevê o Aviso n.º 13486/2021 de 30 de junho de 2021 - 2.º Semestre (e já o previa o aviso anterior para o 1º semestre) que em conformidade com o disposto, respetivamente, nas alíneas a) e b) do artigo 1.º da Portaria n.º 277/2013, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 163, de 26 de agosto de 2013 que:

i) A taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial, em vigor no 2.º semestre de 2021, é de 7%; (artº 102º do CC § 3.º Os juros moratórios legais e os estabelecidos sem determinação de taxa ou quantitativo, relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas, são os fixados em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Justiça.
ii) A taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou coletivas, nos termos do § 5.º do artigo 102.º do Código Comercial e do Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, em vigor no 2.º semestre de 2021, é de 8%. (artº 102º CC parágrafo §5.º No caso de transações comerciais sujeitas ao Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de maio, a taxa de juro referida no parágrafo terceiro não poderá ser inferior ao valor da taxa de juro aplicada pelo Banco Central Europeu à sua mais recente operação principal de refinanciamento efetuada antes do 1.º dia de janeiro ou julho, consoante se esteja, respetivamente, no 1.º ou no 2.º semestre do ano civil, acrescida de oito pontos percentuais.

Ora, nos presentes autos discutem-se transações comerciais estabelecidas entre duas empresas, alegando o Demandante o direito aos juros previstos nos referido diplomas especiais, o que temos de considerar procedente atenta as quantidades dos bens em causa, os valores envolvidos, a natureza da relação jurídica e a qualidade das partes nela envolvidas.

Reclama também a Demandante a condenação da Demandada no pagamento das custas, questão que será apreciada aquando da fixação da responsabilidade por custas, em aplicação da Portaria 342/2019 de 1 de outubro, por ser a legislação aplicável nesta jurisdição especial.

Assim a Demandante tem direito a receber não só o capital faturado e não totalmente pago, como os juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 8%, contados desde 09.03.2021 (data da citação - artº 246º do CPC) sobre o capital em dívida, até efectivo e integral pagamento.
IV- DECISÃO
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente condeno a Demandada D a pagar à Demandante C, a quantia de € 2 917,06 (dois mil, novecentos e dezassete euros e seis cêntimos) acrescida dos juros vencidos desde 09.03.2021 e vincendos até efectivo e integral pagamento, à taxa legal para transações comerciais, de 8%. (artº 13º do DL 62/2013, artº 4º nº 1 do DL 32/2003 de 17.02, artº 102º parágrafo 5º do Cód. Comercial)

Custas a suportar pela Demandante e pela Demandada, na proporção do decaimento que se fixa em 20% e 80% respetivamente, sobre a taxa de €70,00. (Artigos 527.º CPC ex vi artigo 63.º da Lei 78/2001, de 13 de julho, com a redacção da Lei 54/2013 de 31 de julho e Portaria 342/2019 de 01.10).

A Demandada deverá efetuar o pagamento das custas de sua responsabilidade (€ 70,00 x 80% = € 56,00) num dos 3 dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrerem numa sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso até ao limite de € 140,00 e de subsequente instauração de execução fiscal junto da AT.
A Demandante deverá pagar 20% de € 70,00 = € 14,00.
1. Emita DUC no valor de € 14,00 em nome da Demandante e anexe-o à notificação que lhe enviar (bem como ao seu ilustre mandatário) desta sentença, com as advertências legais;
2. Emita DUC no valor de € 56,00 em nome da Demandada e anexe-o à notificação desta sentença, para a morada do seu representante legal e para a sua sede social, com as legais advertências.

Face às restrições de segurança e de prevenção de contágio previstas para os Tribunais e secundando as recomendações do próprio Conselho dos Julgados de Paz, não se procedeu à realização de audiência para leitura da sentença, conforme oportunamente foi advertido suceder, no termo da audiência de julgamento.

Registe e após verificação das custas e trânsito, arquivem-se os autos.

Julgado de Paz, 28 de setembro de 2021.
A Juiz de Paz,
(Daniela Cerqueira)