Sentença de Julgado de Paz
Processo: 81/2009-JP
Relator: FILOMENA MATOS
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
Data da sentença: 11/10/2009
Julgado de Paz de : MIRANDA DO CORVO
Decisão Texto Integral: SENTENÇA

RELATÓRIO

1- IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES

Demandante: A

Demandada: B

2- OBJECTO DO LITIGIO

O Demandante intentou, a presente acção declarativa de condenação, pedindo a resolução do contrato de seguro celebrado com a demandada e o pagamento do estorno a 100% do prémio de seguro pago, acrescido de custas do processo. Para tanto, alega os factos constantes do requerimento inicial de fls. 1 a 3 e junta 10 documentos.

Regularmente citada a Demandada contestou, impugnado a factualidade alegada, nomeadamente quanto à justa causa invocada pelo demandante para resolver o contrato, concluindo pela improcedência da acção.

Juntou 1 documento.

A questão a decidir por este tribunal, remete-nos para a interpretação de “ justa causa”, que fundamentará ou não a resolução do contrato entre as partes, e o consequente pagamento pela demandada do estorno relativo ao valor do prémio pago.

Não existem excepções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito da causa.

A audiência de julgamento, realizou-se, com observância das formalidades legais, conforme da acta se alcança.

FACTOS PROVADOS

1-Demandante e demandada celebraram um contrato de seguro do ramo automóvel, titulado pela apólice nº x, com início em 27-05-1998, renovado anualmente.
2-A ultima renovação operou-se em 27 de Maio de 2009, vigorando até ao dia 26 de Maio de 2010.

3-O demandante, após consultar o mercado segurador, encontrou outra seguradora que lhe oferecia as mesmas condições, com um preço mais baixo.

4-Razão pelo qual, em 04 de Junho de 2009, endereçou à demandada a carta requerendo a “anulação da apólice” e o estorno a 100% do prémio de seguro pago, tendo, para o efeito, anexado a carta verde, cfr. doc. nº 1.

5-Em resposta, a demandada referiu não ter sido invocada justa causa para a resolução de contrato de seguro, disponibilizando-se, a dar seguimento ao processo se tal justa causa viesse a ser invocada, cfr. doc nº 2.

6-Em consequência, o demandante enviou à demandada nova missiva, alegando como justa causa, a realização de um novo seguro com mais cobertura e por valor inferior, anexando para o efeito, documento comprovativo, cfr. doc. nº 3.

7-Simultaneamente, deu conhecimento da situação ao Y, para que tal entidade interviesse junto da demandada, cfr. doc nº 4.

8- Cuja resposta foi “… a posição assumida pela seguradora não nos merece qualquer reparo”…, cfr. documento junto pelo demandante, na audiência de julgamento.

9-Em 17 de Julho de 2009, a demandada comunicou ao demandante, através de carta “que não considerava os factos invocados como justa causa para efeitos de resolução do contrato de seguro”, “pelo que, nos termos da sua primeira comunicação a não invocação e prova dessa justa causa resultará apenas em não renovação do contrato na sua data de vencimento”,cfr. doc. nº 5.
10- A demandada informou o demandante, da alteração do quadro legislativo, após a entrada em vigor do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, cfr. doc. no 1, junto. 3-MOTIVAÇÃO
Os factos assentes em 1 e 2 e 4 a 9, consideram-se admitidos por acordo, nos termos do art. 490º, nº2 do C.P.C.
Os factos dados como provados nos pontos 3 e 10, resultaram respectivamente da junção pelo demandante e demandada dos documentos de fls. 8 e 9, e 26.
Factos não provados: não se provaram outros factos por ausência de prova.

4- DIREITO

A factualidade emergente dos presentes autos, remete-nos para a questão de saber, se se têm por verificados os pressupostos da resolução do contrato de seguro celebrado entre as partes, e nessa medida da obrigação da demandada em devolver o valor peticionado a titulo de estorno do prémio pago.
Em termos gerais, a resolução do contrato está prevista nos arts 432 e ss, do C.C., consistindo no terminus da relação contratual, por declaração unilateral de um dos contraentes, baseada num fundamento ocorrido posteriormente à celebração do contrato.
Tal decisão por ser unilateral, não está por isso, sujeita ao acordo da outra parte, mas exige que, estejam reunidos os pressupostos legais, para que a parte que se sente lesada o possa fazer.
Senão vejamos, violado o contrato ou perturbada a execução do mesmo ou da sua base negocial, de tal modo que afecte seriamente o interesse de uma das partes, isso constituirá - evidentemente - fundamento para resolver o contrato, e se extinguir assim, a relação obrigacional que lhe está subjacente.
O direito de resolução poderá resultar de quatro tipos de situações de inadimplência, todas elas tendo em comum a natureza de incumprimento definitivo: a de impossibilidade parcial e definitiva não imputável ao devedor (art. 793º, nº 2, CC), a de impossibilidade total e definitiva imputável ao devedor (art. 801º, nº 2, CC), a de impossibilidade parcial e definitiva imputável ao devedor (art. 802º, CC) e a de mora, sempre que esta se venha a converter em incumprimento definitivo (art. 808º, nº 1, CC).
Tal direito potestativo extintivo, depende de um fundamento factual de inadimplemento suficientemente grave (gravidade essa aferida, objectivamente, ao interesse do credor, tendo em conta a extensão da inexecução e a importância da obrigação violada no contexto da relação contratual visada), pois a parte do contrato geradora de incumprimento, tem de revestir especial importância e interesse para a parte que pretende por fim ao contrato.
Nos termos do art. 432º, nº 1, CC, é admitido a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.
Admite este preceito, portanto, a resolução legal (cfr. também, art. 436º, nº 1, CC), facultando às partes, o direito de resolver o contrato quando ocorra certo e determinado facto (por exemplo, não cumprimento ou não cumprimento nos termos devidos, segundo as modalidades estabelecidas, de uma obrigação) (sobre esta matéria vd., por todos, Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, in João Baptista Machado-Obra Dispersa, Vol. I, Braga, 1991, pags. 126 e seguintes e RLJ 118º, pags. 278-279, nota 9 ; Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 1996, pags. 108 e seguintes ; Antunes Varela, Das Obrigações em geral, II, Almedina, 1990, pags. 264 e seguintes; Almeida Costa, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 1984, pags. 468 e seguintes ; Pereira Coelho, Direito Civil-Lições, Coimbra, 1977, pags. 161 e seguintes ; Vaz Serra, Resolução do Contrato, BMJ 68,1957) .
A resolução opera-se por meio de declaração unilateral, receptícia, do credor (art. 436º, CC), que se torna irrevogável, logo que chegue ao poder do devedor ou é dela conhecida (arts. 224º, nº 1 e 230º, nº 1 e 2, CC).
No caso em apreço, o dte. pretende a resolução do contrato de seguro celebrado com a demandada, fundamentando a sua pretensão, no facto de ter encontrado nas mesmas condições melhor preço, para celebrar contrato de seguro ramo automóvel, numa outra seguradora, vejamos se o podia fazer, com esse fundamento, e na data em que o fez.
À luz da lei vigente ou seja o Decreto-lei nº 72/2008 de 16 de Abril, que estabelece o (novo) regime jurídico do contrato de seguro, que entrou em vigor em Janeiro do corrente ano, aplicável ao presente contrato, cfr. artsº 2º e 3º.
Ora, nos termos do referido diploma legal, no capítulo x, designado por cessação do contrato, o art. 105º, explicita os modos de cessação do contrato de seguro, (caducidade, revogação, denuncia e resolução) e os artigos seguintes referem, os efeitos da cessação e estorno do prémio por cessação antecipada.
No caso sub judicie, as duas primeiras formas de cessação do contrato, tendo em conta a factualidade alegada pelo demandante, não se colocam, razão pela qual passamos às duas restantes.
Efectivamente, o que o demandante pretendia, quando entregou em 04-06-2009, à demandada requerimento em que pretendia “ anular a apólice”, era a resolução do contrato, mas será que nessa data, e sem mais o podia fazer? Vejamos então, a sequência factual apurada, para respondermos à questão.
A demandada em 02 de Março de 2009, (data de emissão) enviou ao demandante, o aviso de cobrança referente à apólice em discussão, com vencimento em 27-05-2009, nada tendo este feito que obstaculizasse à renovação do contrato de seguro. Ou seja, não denunciou o contrato nos termos e para os efeitos no disposto no nº 1, do art. 115º, do citado decreto-lei, “ …por declaração escrita enviada ao destinatário com uma antecedência mínima de 30 dias relativamente à data da prorrogação do prazo do contrato.”
Mas, não só não o denunciou, como efectuou o pagamento do prémio do seguro no prazo e valor indicado no aviso de cobrança.
Contudo, oito dias depois, e unilateralmente resolve o contrato, sem dar qualquer explicação à demandada.
Contudo a demandada não aceitou a resolução do contrato, pois não cumpria os requisitos legais, ou seja a invocação de justa causa. O que posteriormente originou, que o demandante considerasse ser fundamento de justa causa, o facto de ter obtido melhor preço noutra seguradora.
Porém a demandada não aceitou que tal argumento, integrasse justa causa, não devolvendo por isso o valor peticionado a título de estorno.
Resta-nos então, apurar se o pedido de resolução do contrato, com base neste argumento e face à lei é válido, pois a justa causa, é um requisito constitutivo do direito para fazer cessar o contrato.
O artº 116º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, integrado na secção v, titulada de resolução, diz ser justa causa como sendo “ O contrato de seguro pode ser resolvido por qualquer das partes a todo o tempo, havendo justa causa, nos termos gerais”, sendo que no artº 118, constam as situações e especificidades, em que o tomador sendo pessoa singular, pode livremente resolver o contrato, sem invocar justa causa.
Ora, o facto alegado pelo demandante, como justa causa, (preço mais baixo do prémio noutra seguradora) não consta dos motivos ali explicitados, razão pelo qual temos que recorrer ao campo do direito civil, e aí, a doutrina e a jurisprudência vêm tentando definir o conceito de “ justa causa”, porquanto este, não se encontra concretizado em qualquer diploma legal.
Neste âmbito, tal definição, coloca o assento tónico quer nos elementos subjectivos, a relação de confiança e de lealdade que devem existir na vigência do contrato, quer nos elementos objectivos, a concretização do resultado visado pelo contrato.
Um dos autores do decreto lei em apreço, Pedro Romano Martinez (lustre Prof. Catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa) na anotação ao art. 116º, na Lei do Contrato de Seguro, Anotada, Almedina, de 2009, página 336, refere”…é um preceito novo…” “…Remete para a justa causa, nos termos gerais, como ocorre em diversos regimes, p. ex., mandato ( artº 1170ç do C.C.) ou contrato de trabalho ( artº 396º do C. do Trabalho). Desta remissão para a justa causa resulta que se tem de atender aos parâmetros comuns em que a resolução pode ser invocada em contratos de execução duradoura, como é o caso do seguro, designadamente associada à fundada perda de confiança.”
Refere ainda, Baptista Machado, (Pressupostos da Resolução por Incumprimento, pág. 361) “a justa acusa é um conceito indeterminado, sendo, como tal, uma figura vaga, polissémica, que não comporta uma informação clara e imediata quanto ao seu conteúdo”. E mais adiante: “a justa causa consiste em qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual”, isto é, todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, essenciais ao desenvolvimento da relação, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade (ou ao dever de fidelidade na relação associativa)”.
Nesta conformidade, integra o conceito de justa causa todo o facto, subjectivo ou objectivo que ponha em crise a continuação do vínculo contratual ou que torne inexigível a um dos contraentes a sua permanência na relação contratual.
Transplantando estas considerações para o caso em apreço, e porque estamos perante um contrato de longa duração, importa averiguar se a conduta da seguradora demandada, pôs em crise essa relação de confiança e de lealdade, fundamentando o pedido de resolução do demandante.
Ora o contrato de seguro, vigorava desde 1998 e foi sujeito a renovações anuais, não tendo sido alegado pelo demandante, qualquer facto integrador da quebra de lealdade ou confiança, (a titulo exemplificativo, o dever de informação, falta de diligencia na averiguação de sinistro, infundada falta de pagamento de indemnização no decurso de sinistro) argumentando somente a existência de um melhor preço noutra seguradora, mas este fundamento não pode, pelo supra exposto ser entendido como justa causa, neste sentido foi também a resposta do Y, aquando da reclamação apresentada pelo demandante.
O preço do seguro pago pelo demandante, não afecta, quer o resultado quer o conteúdo da relação contratual dos contraentes, pois a liberalização do mercado permite que cada seguradora efectue de acordo com os seus objectivos e politicas, os preços que entendem ser os correctos.
O demandante, deveria em primeiro lugar ter obstado à renovação do contrato através da denúncia dentro do prazo, e assim, legitimamente teria terminado o contrato com a demandada, celebrando posteriormente, um novo com a seguradora que melhor preço lhe oferecia.
O decurso do prazo que decorreu entre a renovação do contrato existente e a decisão de o resolver, foi de oito dias.
Assim o demandante, atempadamente, deveria ter diligenciado para averiguar junto de outras seguradores, a possibilidade de conseguir um preço melhor e em função dessa avaliação de mercado, decidir se continuava com o vinculo contratual que tinha celebrado com a demandada, ou se pretendia iniciar outro em diferente seguradora, por ser mais vantajoso para si.
No âmbito da legislação anterior, o tomador do seguro podia sem justificar, pedir a resolução do contrato, contudo desde Janeiro de 2009, a lei prevê outras regras e são estas que tem de ser cumpridas, em concreto alegar a justa causa.
O legislador com esta inovação quis, em certas circunstancias preservar a regra da estabilidade contratual, apesar de dar possibilidade ao tomador do seguro, atento o princípio da liberdade contratual, que permite terminar o contrato desde que, se cumpram os normativos legais estabelecidos para o efeito.
A conclusão a extrair, é a de que, o motivo alegado é insusceptível de constituir justa causa de resolução do contrato em questão, e em consequência mantendo-se a validade do contrato em apreço, a demandada não tem de proceder ao valor do estorno peticionado.
DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo a presente acção totalmente improcedente e em consequência absolvo a demandada dos pedidos contar si deduzidos, não declarando a resolução do contrato de seguro, titulado pela apólice nº x.
Custas:
A cargo do demandante, que declaro parte vencida, devendo efectuar o pagamento das custas em falta (€ 35,00) num dos três dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de €10,00 (dez euros) por cada dia de atraso no efectivo cumprimento dessa obrigação, conforme disposto nos números 8º e 10º da Portaria 1456/2001, de 28 de Dezembro.
Proceda ao reembolso da Demandada, nos termos dos artigos 8.º e 9.º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
A sentença (processada em computador, revista e impressa pela signatária art. 18º da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho) foi proferida e notificada às partes presentes, nos termos do artigo 60º, da Lei nº 78/2001, de 13 de Julho, ficando as mesmas cientes de tudo quanto antecede.
Miranda do Corvo, 10 de Novembro 2009.
A Juíza de Paz
(Filomena Matos)