Sentença de Julgado de Paz
Processo: 393/2018-JPPRT
Relator: CRISTINA BARBOSA
Descritores: DANOS PATRIMONIAIS -DANOS MORAIS
Data da sentença: 04/05/2019
Julgado de Paz de : PORTO
Decisão Texto Integral: OBJECTO DO LITÍGIO

O Demandante veio propor contra a Demandada a presente acção declarativa, enquadrada nas als. i) e h) do n.º 1 do art.º 9º da Lei n.º 78/2001 de 13 de Julho, pedindo que seja a Demandada condenada a pagar-lhe:
- a quantia de € 248,40 (valor do fato extraviado) + € 11,05 (valor da limpeza do mesmo fato);
- uma indemnização a ser fixada pelo Tribunal à taxa diária do montante que se considere adequado por um juízo de equidade, pelos dias que o ora Demandante não obteve resolução do problema, até efectivo cumprimento.
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A Demandada apresentou contestação, nos termos plasmados a fls. 16 a 20.
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Procedeu-se à realização da audiência de julgamento com a observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva Acta.
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O Julgado de Paz é competente em razão da matéria, do território e do valor que se fixa em € 2.000,00 – artºs 297º nº1 e 306º nº2, ambos do C. P. Civil.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias (a Demandada por representação – artº 25º nº1 do C. P. Civil) e são legítimas.
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FACTOS PROVADOS COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A. No dia 13/02/2018 foi entregue na filial da Demandante, situada no Centro Comercial X, em Aveiro, um fato composto por calças e casaco da marca Sacoor Brothers, no valor de € 248,40, conforme factura junta a fls.7, para ser efectuado um serviço de limpeza.
B. O fato foi adquirido pelo Demandante em 08/09/2017.
C. O valor da limpeza foi de € 11.05 e foi pago no acto da entrega do fato na loja da Demandante.
D. Volvidas aproximadamente 2 semanas, o Demandante tentou levantar o fato identificado em A. supra e foi-lhe comunicado pela colaboradora da Demandante de nome A, que este se tinha extraviado.
E. Não tendo sido possível recuperar a peça extraviada e restituí-la ao Demandante.
F. Foi dito ao Demandante pela colaboradora identificada em D. supra, que no prazo máximo de uma semana a situação seria resolvida.
G. Acrescentaram que deveria esperar um contacto da “B Lda”, pois não poderiam facultar o contacto da gerência para fazer o seguimento da situação.
H. Em 19/04/2018, o Demandante enviou para a sede e filial da Demandada, uma carta registada com AR onde descrevia a situação.
I. Carta essa que foi recepcionada na filial, no dia 20/04/2018, por A e na sede por C.
J. No dia 4/05/2018, o Demandante recebeu a informação de que a filial da Demandada iria fechar.
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Não se provaram quaisquer outros factos alegados pelas partes com interesse para a decisão da causa.
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FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Os factos constantes de A., B., C., D., F e G., consideram-se admitidos por acordo, nos termos do artº 574º nº2 do C.P.Civil;
Os factos constantes de H. e I., consideram-se provados pelo documento de fls.9;
O facto constante de E., considera-se provado por confissão – artºs 352º e 356º nº1 do Cód. Civil.
O facto constante de J., dá-se por provado pelo depoimento da testemunha inquirida e identificada em acta, amiga do Demandante, cujo depoimento se revelou credível.
O DIREITO
A relação contratual estabelecida entre as partes, configura um contrato de prestação de serviços, nos termos do disposto no artº 1155º do C.Civil.
No contrato de prestação de serviços, uma das partes obriga-se a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual - nos termos do disposto no artº 1155º do C.Civil. Na situação dos autos, o resultado seria manual.
Esta relação contratual qualifica-se também como uma relação de consumo, pelo que lhe é aplicável a Lei de Defesa do Consumidor, Lei nº 24/96, de 31 de Julho e o D.L. nº 67/2003, de 8 de Abril, que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva nº 1999/44/CE, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela referidas, com as alterações posteriormente introduzidas, aplicando-se com as devidas adaptações aos contratos de prestação de serviço.
Tem direito o consumidor à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestação de serviços defeituosos – artº 12º nº1 da Lei do Consumidor, na redacção dada pelo Dec.-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril.
Vejamos então o que pretende o Demandante com a presente acção:
- a quantia de € 248,40 (valor do fato extraviado);
- a quantia de € 11,05 (valor da limpeza do mesmo fato);
- uma indemnização a ser fixada pelo Tribunal à taxa diária do montante que se considere adequado por um juízo de equidade, pelos dias que o ora Demandante não obteve resolução do problema, até efectivo cumprimento.
Ao Demandante incumbia fazer a prova dos factos constitutivos do seu direito, nos termos previstos no nº 1 do artº 342º do Cód. Civil, designadamente a entrega do fato no estabelecimento da Demandada para lavagem a seco e o extravio da mesma, bem como os prejuízos daí advenientes.
A Demandada, por sua vez, encontrava-se onerada com uma presunção de culpa, nos termos previstos no artº 799º do Cód. Civil, em que incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, presunção essa que não foi elidida, até porque a Demandada aceitou na contestação que o Demandante lhe entregou o fato para limpeza a seco e admitiu ter extraviado o mesmo, o que revela um comportamento negligente e passível de censura.
Em cumprimento do estabelecido contratualmente, a Demandada deveria entregar ao Demandante o fato limpo. Não tendo isso acontecido, torna-se responsável pelos prejuízos causados.
Nos termos do art.º 483º do C. Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Daqui decorre que são elementos constitutivos da responsabilidade civil extracontratual: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano, só surgindo o dever de indemnizar, tanto no campo da responsabilidade contratual, como no da extracontratual, quando, cumulativamente, se verifiquem tais requisitos.
Acresce que, o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais actos fossem praticados pelo próprio devedor – cfr. n.º 1 do art.º 800º do C. Civil.
Determinada a responsabilidade civil da Demandada nos termos supra expostos, importa agora valorar os danos que resultaram do cumprimento defeituoso da obrigação e computar a indemnização devida pelo seu ressarcimento.
Nos termos do art. 562º do C. Civil a obrigação de indemnizar visa, desde logo, a reconstituição da situação que existiria na esfera jurídica do lesado.
Não sendo possível a reconstituição natural, ou mostrando-se esta excessivamente onerosa para o lesado, a indemnização é fixada em dinheiro – art.º 566º, nº 1, do C. Civil.
Esta terá como medida a diferença entre a situação real em que o facto lesivo deixou o lesado e a situação hipotética em que ele se encontraria se não fosse a lesão – art.º 562º do C. Civil.
Lá diz o velho ditado “Quem estraga velho paga novo”, se bem que, no caso em apreço o Demandante havia adquirido a peça de vestuário que foi extraviada, apenas há 5 meses, não se podendo, pois, considerar ser uma peça velha, peça adquirida na “Sacoor Brothers”, pelo preço de € 248.40, valor este pelo qual o Demandante deve ser reembolsado, por ser equivalente ao prejuízo sofrido com a perda do fato.
Outro prejuízo sofrido, corresponde ao valor da limpeza pago pelo Demandante, no montante de € 11,05.
Alega a Demandada na contestação não ter o Demandante direito ao reembolso do preço pago, por ter esse serviço sido, efectivamente, prestado.
Ora, não deixa de ser surpreendente esta afirmação por parte da Demandada, porquanto, mesmo que fosse verdadeiro o facto de a limpeza ter sido efectuada (não se sabe, pois tal não resultou provado), o certo é que o Demandante nunca veio a usufruir dessa limpeza por facto imputável à Demandada (o extravio), daí não restarem quaisquer dúvidas que o Demandante tem direito ao reembolso deste valor, por constituir um prejuízo causado pela Demandada.
Quanto ao pedido de uma indemnização a ser fixada pelo Tribunal à taxa diária de montante que se considere adequado por um juízo de equidade, pelos dias que o ora Demandante não obteve resolução do problema, até efectivo cumprimento, parece-nos reportar-se o Demandante a um pedido indemnizatório por danos patrimoniais e não patrimoniais, não obstante não os discriminar, sendo certo que, quanto aos danos patrimoniais reclamados neste âmbito não alega e consequentemente, não faz qualquer prova dos mesmos, por exemplo, de eventuais despesas suportadas e quanto aos danos não patrimoniais, face aos princípios enunciados no art.º 496º, n.º 1, do C. Civil e tendo em consideração os factos supra alegados, é nosso entendimento que os danos morais invocados pelo Demandante “não assumem suficiente gravidade que devam merecer a tutela do Direito”. Na verdade, a factualidade alegada é apenas idónea a corporizar ou traduzir meros incómodos por si sofridos nas diligências efectuadas tendentes a fazer valer a sua pretensão.
Vai, por conseguinte, nesta parte indeferido o pedido.
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DECISÃO
Face a quanto antecede, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência, condena-se a Demandada a pagar ao Demandante a quantia de € 259,45 (duzentos e cinquenta e nove euros e quarenta e cinco cêntimos), absolvendo-a do demais peticionado.
Custas em partes iguais, tendo em conta a improcedência do pedido de indemnização efectuado pelo Demandante e em conformidade com os artigos 8º e 9º da Portaria n.º 1456/2001 de 28 de Dezembro.
Registe e notifique.
Porto, 5 de Abril de 2019
A Juíza de Paz
(Cristina Barbosa)