Sentença de Julgado de Paz
Processo: 166/2019-JPSXL
Relator: CARLOS FERREIRA
Descritores: CONDOMÍNIO_PRESCRIÇÃO_IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES POR EXCEÇÃO
Data da sentença: 03/10/2021
Julgado de Paz de : JULGADO DE PAZ DO SEIXAL
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 166/2019-JPP
Sentença

Demandante: Condomínio do prédio sito na [...], n.º 6, [Cód. Postal-1] [...], entidade equiparada a pessoa coletiva com o NIPC [NIPC-1], representado pelas administradoras [PES-1], residente na [...], n.º 6, 1.º esquerdo, [Cód. Postal-1] [...]; e [PES-2], residente na [...], n.º 6, 1.º direito, [Cód. Postal-1] [...]. ----

Demandada: [PES-3], contribuinte fiscal n.º [NIF-1], residente na [...], n.º 11, 4.º A, [Cód. Postal-2] Linda-a-Velha. ---

Mandatário: Dr. [PES-4], Advogado, com escritório na [...], n.º 41, rés-do-chão, loja B, [Cód. Postal-3] [...]. ---


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O Demandante instaurou a presente ação declarativa de condenação, nos termos do requerimento inicial constante de fls. 3 e 4, dos autos, que aqui se declara integralmente reproduzido, peticionando a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de €1.458,60 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos), a título de quotas de condomínio em dívida. ---

Para tanto, o Demandante alegou, em síntese que, a Demandada é proprietária da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao R/C direito, do prédio sito na [...], n.º 6, [Cód. Postal-1] [...]. ---

No entanto a Demandada não pagou as quotas de condomínio que se venceram desde maio de 2011. ---

Juntou 7 documentos e manifestou-se no sentido de rejeitar a mediação. ---

Regularmente citada, a Demandada apresentou contestação de fls. 38 a 42 dos autos, que aqui se declara integralmente reproduzida. ---

A Demandada deduziu exceção dilatória de ilegitimidade passiva, que foi declarada improcedente após ter havido lugar ao exercício do contraditório em sede de audiência de julgamento, constante da ata de fls. 77 a 81, e respetiva adenda, nos termos determinados no despacho de fls. 114 a 155 verso. ---

A Demandada deduziu exceção perentória de prescrição, cuja decisão foi relegada para a presente sentença, conforme despacho constante da referida ata. ---

A Demandada deduziu ainda “vícios”, pretendendo excecionar com matéria de impugnação das deliberações tomadas nas atas das reuniões do condomínio juntas aos presentes autos. ---

A Demandada alegou que “nunca (desde 2011) foi regular e legalmente convocada para qualquer reunião da assembleia de condóminos, nem foi notificada da mesma enquanto condómina ausente nos 30 dias que a lei estipula para o envio de da ata por carta registada”. ---

As atas não estão assinadas pelos condóminos que nelas participaram, nem pela Demandada.

Não houve qualquer deliberação do condomínio sobre a fixação dos montantes de contribuição das frações do edifício para os anos em causa, nem foi fixado qualquer prazo. ---

A Demandada “já foi prejudicada pelo Condomínio em somas jamais recuperáveis, pois pagou o mesmo desde 2005 e durante muitos anos foi a única condómina a pagar.” ---

Juntou procuração forense e documentos, de fls. 43 a 46 verso. ---

Tendo em conta a natureza perentória das referidas exceções, e que as mesmas têm por base a alegação de factos sujeitos ao regime de produção e apreciação da prova, a sua apreciação e decisão fica relegada para a fase de fundamentação da presente sentença, nos termos do art.º 571.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, em articulação com o disposto no art.º 608.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, aplicável por força do art.º 63.º, da Lei dos Julgados de Paz. ---

Não se verificam outras exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa. ---

Aberta a audiência e estando todos presentes, foram ouvidas as partes nos termos do disposto no art.º 57.º, da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP). ----

Foi feito o esforço necessário e na medida em que se mostrou adequado, para explorar possibilidades de acordo, nos termos do disposto no art.º 2.º, e n.º 1, do art.º 26.º, ambos da LJP, o que não logrou conseguir-se. ----

Os autos prosseguiram com a realização da audiência e julgamento. ----


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O objetivo de justiça próxima e pacificadora, que caracteriza o processo em julgado de paz já poderia ter sido apropriadamente alcançado nos presentes autos em sede de mediação, ou por via de conciliação. ---

Os presentes autos são apenas mais um exemplo de como as relações sociais ainda estão condicionadas por um acentuado espírito de litigância, que determina à rejeição da resolução amigável e construtiva dos conflitos. ---

Certamente que, uma solução obtida por acordo traria os ganhos resultantes de uma utilidade imediata e tangível para as partes, e poderia ser capaz de lhes transmitir maior grau de satisfação das suas necessidades concretas e amplitude de reconhecimento, do que eventualmente resultará de uma decisão impositiva, limitada por estritos critérios de prova produzida e da legalidade aplicável. ---

No entanto, não foi esse o caminho que as partes entenderam seguir, devendo ser respeitada a sua decisão de não haver acordo, e desse modo, terem optado por fazer depender a resolução do litígio da decisão a tomar na sentença que agora se declara.-


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Questões a decidir: ---

As questões a decidir pelo tribunal são as seguintes: ---

Se a Demandada tem a obrigação de pagar a totalidade da quantia peticionada pelo Demandante, a título de comparticipação nas despesas do condomínio respeitantes à fração autónoma identificada nos autos. ---

Ou, pelo contrário, se as deliberações tomadas em assembleia dos condóminos padecem de alegados “vícios” que as tornam inválidas, o que impede a condenação da Demandada no pagamento da quantia peticionada. ---

Havendo lugar à prescrição, qual a sua amplitude e consequências relativamente ao pedido. ---

A responsabilidade por custas. ---


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Nos termos do art.º 60.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, alterada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP), a sentença inclui uma sucinta fundamentação. ---

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Fundamentação – Matéria de Facto: ---

Com interesse para a resolução da causa, tendo em conta as várias soluções jurídicas plausíveis, ficou provado que: ---

1. No período compreendido entre 04-12-1997 e 17-03-2019, a Demandada foi proprietária da fração autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao Rés-do-Chão direito, do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na [...], n.º 6, [Cód. Postal-1], [...], descrito na Conservatória do Registo Predial de [...], sob a ficha 1778, da freguesia de [...], cf. fls. 6 a 11; ---

2. A Demandada pagou as quotas do condomínio vencidas até abril de 2011. ---

3. A Demandada não pagou as quantias respeitantes às quotas de condomínio da referida fração, vencidas desde o mês de maio de 2011 até fevereiro de 2019; ---

4. As referidas quotas tinham o valor de €15,28 (quinze euros e vinte e oito cêntimos), mensais ou €45,84 trimestrais, cf. fls. 12 e 13; ---

5. A testemunha [PES-5] viveu na fração identificada nos autos, cerca de 3 anos, desde uma data não apurada do ano 2016 até à venda da fração pela Demandada, em março de 2019; ---

6. Na assembleia dos condóminos realizada no dia 25-10-2016, esteve presente a referida testemunha da Demandada, cf. fls. 14 a 17; ---

7. Na ata da referida assembleia dos condóminos consta o seguinte: ---

“R/C Dt. º, representado pela amiga [PES-6], de acordo c/ o documento anexado a esta ata.

Foram discutidos os seguintes assuntos:

(…)

2) Análise dos valores em dívida pelos condóminos e medidas a tomar.

Foi dado os valores que os condóminos têm a pagar.

(…)

Em relação ao assunto levantado pela proprietária do R/C Dto. ([PES-7]), de que saiu do prédio em agosto de 2005 e que em 2006 foi informada pelo administrador da altura que era a única que pagava. Foi esclarecido e disponibilizado à sua representante as atas, recibos de pagamento, relatório de contas e mais o montante em dívida da mesma.

Foi também relembrado, que os proprietários dos andares com exceção da mesma (proprietária do R/C Dto.) são todos novos e posteriores a 2006 e que herdaram uma administração que teve a sua 1.ª reunião com a nova administração no dia 9 de dezembro de 2009. Reunião essa notificada a todos os condóminos.” (sic). Cf. fls. 14 a 17; ---

8. Em 04-05-2019, o Demandante expediu a carta registada com aviso de receção de fls. 22 a 24 e 95; ---

9. O Demandante efetuou outras tentativas de comunicações por escrito, dirigidas à Demandada fls. 25 a 27; 94 e 96. ---


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Motivação da Matéria de Facto:

Os factos provados resultaram da conjugação da audição das partes e das declarações de parte da Demandada, da prova testemunhal, e dos documentos constantes dos autos, tendo os vários elementos de prova sido apreciados de forma a compatibilizar toda a matéria de facto adquirida. ---

O facto descrito no número 3, resulta provado por confissão da Demandada, nos termos dos artigos 352.º; 355.º; 365.º, n.º 2, e 358.º n. º4, todos do Código Civil. --

Nos termos do n.º 2, do art.º 574.º, do CPC, aplicável ex vi, art.º 63.º, da LJP, considera-se admitido por acordo o facto constante no número 2. ---

Relativamente à prova documental, considerou-se relevante, nomeadamente, a informação da conservatória do registo predial, na qual consta a inscrição do registo de direito de propriedade da fração identificada nos autos a favor da Demandada e a sua transmissão a terceiro, bem como, as atas da assembleia dos condóminos, nas quais constam a deliberação com a eleição das administradoras, e o montante da quota respeitante à comparticipação da fração identificada nos autos para as despesas comuns. ---

Os factos correspondentes aos números 5 a 7, resultaram provados pelo teor da audição da Demandada, em conjugação com o depoimento da sua testemunha e o teor da ata de fls. 14 a 17. ---

A restante matéria resulta provada pela análise conjunta da prova, tendo em conta os dados da experiência de senso comum e as características próprias a relação jurídica estabelecida pelas partes, em conjugação com a prova documental indicada de forma especificada na enumeração supra. ---

Consigna-se que, para apuramento da matéria de facto não foi considerado o teor dos articulados, da audição das partes ou da testemunha com matéria tida por irrelevante, conclusiva ou de direito. –


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Fundamentação – Matéria de Direito:

A relação material controvertida circunscreve-se ao incumprimento por parte da Demandada da obrigação de pagamento da sua quota-parte de contribuição para as despesas geradas pelo condomínio, e quais as consequências que derivam de tal facto. ---

Assim, a matéria em causa nos presentes autos respeita aos direitos, e obrigações e deveres dos condóminos, enquadrável no art.º 9.º, n. º1, al. c), da Lei n.º 78/2001, de 13/07, com a redação que lhe foi dada pela Lei n.º 54/2013, de 31/07 (LJP). ---

A propriedade horizontal encontra-se regulada, designadamente, nos artigos. 1414.º e seguintes do Código Civil, (CC). ---

Na presente ação, o Demandante vem pedir a condenação da Demandada a pagar-lhe a quantia global de €1.458,60 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos), a título de quotas de condomínio vencidas e não pagas. ---

Vejamos se lhe assiste razão perspetivando, ainda, dar resposta às questões acima enunciadas: ---

Do regime legal da propriedade horizontal resulta que a posição de condómino confere direitos e obrigações, assentando na dicotomia existente entre o direito de usufruir das partes comuns do edifício e a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção, conservação e serviços de interesse comum, abreviadamente despesas comuns. ---

A liquidação das despesas comuns advém, necessariamente, das receitas cobradas para esse efeito. ---

Na categoria das receitas do condomínio avultam as quotas dos condóminos, ou seja, a quota-parte correspondente à contribuição de cada fração para as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento dos serviços de interesse comum, enquadrando-se nessa categoria as quotas ordinárias e extraordinárias de condomínio, a pagar por cada condómino, em princípio, na proporção do valor das respetivas frações. (Cf., art.º 1424.º, n.º 1, do CC). ---

A obrigação de contribuir para as despesas comuns, encontra-se estabelecida no art.º 1424.º, do Código Civil (CC), o qual dispõe que, “salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas frações”. ---

Temos assim que, a obrigação de contribuir para as despesas comuns de manutenção e conservação do edifício, na proporção da respetiva fração autónoma face ao capital investido no edifício, é uma obrigação que decorre expressamente da letra da lei, a qual assume natureza pecuniária, nos termos do citado art.º 1424.º, do CC. Pelo que, o incumprimento da referida obrigação torna o devedor responsável pelos prejuízos que daí possam resultar para o condomínio, nos termos gerais das obrigações. (Cf., art.º 798.º, do CC). -----

O administrador do condomínio tem competências funcionais estabelecidas no art.º 1436.º, do CC, cabendo-lhe a legitimidade material para agir em juízo no âmbito das suas competências. (Cf., art.º 1437.º, do CC). ---

Uma das funções do administrador do condomínio consiste em cobrar as receitas e exigir dos condóminos a sua quota-parte nas despesas aprovadas, conforme resulta das alíneas. d), e e), do art.º 1436.º, do CC. ----

Aliás, resulta do disposto no n.º 2, do art.º 6.º, do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25/10, que o administrador tem o dever de instaurar a ação de cobrança contra o condómino que não liquide atempadamente as quantias respeitantes à sua quota-parte de contribuição para as despesas comuns. ---

Sobre os alegados vícios das deliberações: ---

Antes de mais, cumpre analisar a questão da matéria alegada em sede de contestação que, pelo menos de forma aparente, configura a invocação de uma exceção perentória inominada, na medida em que, a Demandada pretende contrariar (impedir) o efeito jurídico decorrente dos factos alegados pelo Demandante na presente ação. ---

A aquisição de uma fração num edifício constituído em propriedade horizontal implica a constituição do respetivo proprietário na qualidade de condómino e a sua vinculação a um regime jurídico específico que não decorre apenas da lei, mas também, e em especial, do regulamento do condomínio e das deliberações da assembleia dos condóminos. ---

Ora, na sua contestação a Demandada estriba a sua defesa na alegada violação de normas legais, na tomada de deliberações pela assembleia de condóminos. ---

Para explicitar a nossa posição sobre o assunto seguimos de perto o Acórdão do Tribunal da relação do Porto, de 2016-03-07 (Processo n.º [Processo-1]). ---

No âmbito do regime da propriedade horizontal, é estabelecido um regime especial, no que respeita à consequência jurídica da violação de normas legais imperativas. (Cf. art.º 294.º, in fine, do Código Civil). ---

Assim, nos termos do disposto no art.º 1433.º, n.º 1, do Código Civil (CC), as deliberações da assembleia dos condóminos contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis, a requerimento de qualquer condómino que as não tenha aprovado. ---

A anulabilidade é uma forma menos grave de invalidade. ---

Isto porque, muito embora o ato anulável seja inválido, o mesmo é juridicamente eficaz até ao momento em que venha a ser anulado; ou seja, enquanto não for anulado é eficaz e produz efeitos jurídicos como se fosse válido. ---

Nestes termos, a deliberação anulável só deixa de produzir os seus efeitos caso seja anulada, e como tal declarada por sentença - efeitos constitutivos da sentença. ---

É, por isso, necessário que se destrua a validade e eficácia da deliberação, requerendo a sua anulação, para obstar à produção dos seus efeitos. ---

O facto de as relações entre os proprietários de frações autónomas de um mesmo edifício, e entre estes e o administrador, não se fundarem em negócio jurídico, mas antes por decorrência legal do estatuto do condomínio (de natureza real), conduz a diferenças significativas face ao regime geral, do modo de arguição das anulabilidades, previsto no art.º 285.º do Código Civil. ---

Assim, no regime da propriedade horizontal não tem aplicabilidade a regra prevista no artigo 287.º nº 2, do Código Civil, nos termos do qual, enquanto o negócio não estiver cumprido, pode a anulabilidade ser arguida, sem dependência de prazo, tanto por via de ação como por via de exceção. ---

Portanto, o condómino que pretenda anular as deliberações contrárias à lei, pode (terá de) reagir nos termos do artigo 1433.º, do Código Civil. ---

Deste modo, querendo (porque estamos no exclusivo domínio dos direitos disponíveis), o condómino interessado em requerer ao tribunal a anulação das deliberações, e que não tenha aprovado a deliberação anulável, deverá fazê-lo em ação própria intentada para o efeito, dentro do prazo legalmente previsto (cf., art.º, 1433.º, nº 1, e nº 4 do Código Civil). ---

No entanto, não consta dos autos que a Demandada tenha instaurado qualquer ação de impugnação das deliberações da assembleia dos condóminos. ---

Destarte, salvo melhor entendimento, a eventual anulabilidade das deliberações (não declarada por sentença) não constitui facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pelo Demandante. Ou seja, a potencial anulabilidade da deliberação não pode ser invocada por via de exceção, como acontece nos negócios jurídicos enquanto não estiverem cumpridos. ---

A anulabilidade da deliberação apenas poderia ser invocada por via de exceção caso já tivesse sido decretada em anterior ação proposta com tal desiderato e, portanto, incumbia à Demandada o ónus de alegação e prova desse facto, por se tratar de facto impeditivo do direito Demandante (artigo 342.º, nº 2, do CC). ---

Por esta ordem de razões, afirmámos acima que a questão apenas aparentemente configura matéria de exceção. ---

A necessidade de propositura de ação própria visando a anulação das deliberações é ainda reforçada pela falta de identidade entre o Condomínio e os proprietários das frações autónomas do prédio constituído em propriedade horizontal. Na verdade, a anulação das deliberações sem que na ação estejam presentes os condóminos que as aprovaram, suscita uma óbvia questão de ilegitimidade. ---

Desta forma, enquanto não for anulada, a deliberação é oponível a todos os condóminos, aqui se incluindo a Demandada que, entretanto, alienou a terceiro a fração autónoma identificada nos autos. ---

Resulta, pois, do exposto que, mesmo a dar-se como provando que houve irregularidades de funcionamento da assembleia de condóminos – não estando em causa matéria de deliberações abrangidas pelo regime da nulidade (art.º 280.º, do Código Civil) -, o tribunal não pode conhecer de tais vícios na presente ação, razão pela qual, deverá improceder a matéria respeitante à invocada invalidade das deliberações da assembleia dos condóminos.---

Mais, a eventual falta de efetiva organização do condomínio, ou desinteresse generalizado dos condóminos pelos assuntos comuns, não pode constituir uma justificação válida para o não pagamento das quotas do condomínio, dado que, tal situação pode ser imputável, por igual, a qualquer um dos condóminos que não tenha exercitado uma reação contra tal estado de coisas, incluindo a própria Demandada. ---

Pelo que, em última análise incumbia à Demandada ter reagido em conformidade, nomeadamente, recorrendo da prática (por omissão) dos atos do administrador, convocando por sua própria iniciativa uma assembleia extraordinária, nos termos do art.º 1438.º, do CC.---

Aliás, salvo o devido respeito por opinião diversa, na presente ação é completamente inconsequente a alegada força executiva das atas, por falta de requisitos. ---

Com efeito, o objeto da presente ação é precisamente apreciar e decidir sobre a existência de um determinado direito subjetivo de crédito, declarando-o, no caso de procedência. Pelo que, nos presentes autos de ação declarativa, a ata é um meio de prova respeitante às deliberações tomadas, independentemente de tais deliberações serem aptas a dar suporte às específicas exigências dos efeitos executivos reconhecidos às atas do condomínio, nomeadamente, no que respeita à certeza, liquidez e exigibilidade do correspondente direito de crédito. ---

Ora, o pagamento da contribuição para as despesas comuns constitui uma obrigação irrenunciável para os condóminos, no sentido em que, enquanto comproprietários das zonas comuns do edifício não se podem eximir do vínculo ou recusar-se ao cumprimento, total ou parcialmente. ---

Ora, resulta da matéria provada, aliás, de forma confessa que a Demandada não pagou as quotas de condomínio vencidas desde maio de 2011, bem sabendo que a tanto estava obrigada por força da lei. ---

Posto isto, pensamos que já se poderá adiantar que a Demandada estava obrigada a liquidar ao Demandante, os montantes das quotas de condomínio correspondentes à comparticipação da fração nas despesas comuns, sendo improcedente a alegação de vícios nas atas do condomínio, uma vez que as irregularidades alegadamente existentes não são juridicamente impeditivas do reconhecimento do direito de crédito do Demandante.---

Da matéria de facto provada resulta que, a Demandada não pagou as mensalidades vencidas até à data da alienação da fração, respeitantes aos meses de maio de 2011 a fevereiro de 2019. ----

Sobre a prescrição de quotas peticionadas na ação: ---

Importa apreciar e decidir a matéria respeitante à exceção perentória de prescrição alegada na douta contestação. ---

Nos termos do art.º 310.º, al. g), do Código Civil, prescrevem no prazo de 5 (cinco) anos, as prestações periodicamente renováveis. Entendemos que as prestações correspondentes a quotas de condomínio, respeitantes à manutenção e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, constantes do orçamento anual do condomínio, embora sendo variáveis, renovam-se ano a ano, pelo que estão sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos. Assim, no que respeita às prestações de condomínio, incluem-se no conceito de prestações periódicas e renováveis, porque devem ser entendidas como referentes a um orçamento anual. ---

Tendo sido deduzida tempestivamente a referida exceção, pela parte com legitimidade para o efeito, deve ser aplicado o citado regime de prescrição, com as consequências legais (cfr., art.º 303.º, do CC e art.º 578.º, do CPC). ---

Nesta matéria, há que ter em consideração o disposto no art.º 43.º, n.º 8, da Lei dos Julgados de Paz, pelo qual “a apresentação do requerimento determina a interrupção da prescrição, nos termos gerais.” ---

Ora, o Demandante peticionou as quotas mensais vencidas desde maio de 2011, e a ação entrou em 26 de junho de 2019. ---

Por outro lado, ficou provado que a Demandada vendeu a fração em 17 de março de 2019, pelo que a sua responsabilidade pelo pagamento das quotas do condomínio cessou no final do mês de fevereiro de 2019. ---

Verificando-se que decorreu um período de tempo superior a cinco anos, sem que o credor/Demandante tenha manifestado na ordem jurídica o seu interesse na respetiva cobrança, tal facto torna inexigível o direito de crédito respeitante às quotas com antiguidade superior a cinco anos, à data da entrada da ação, ou seja, o valor correspondente a cinquenta e sete mensalidades, referentes às quotas vencidas nos meses de junho de 2014 a fevereiro de 2019, inclusive (face à data da venda da fração, conforme já referido supra), cf. art.º 323.º, do Código Civil.---

Neste sentido, o art.º 304.º, do Código Civil, dispõe que “Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação, ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito.” ---

A prescrição tem efeito impeditivo do direito de crédito do Demandante, e configura uma exceção perentória, que importa a absolvição total ou parcial do pedido. Cf., artigos 571.º, 2, última parte, e 576.º, n.º 3, ambos do Código de Processo Civil. ---

Ora, sendo o valor de cada uma das mensalidades correspondente ao montante de €15,28 (quinze euros e vinte e oito cêntimos), resulta prescrito o montante global de €565,36 (quinhentos e sessenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos), correspondentes às quotas vencidas nos meses de maio de 2011 a maio de 2014, inclusive. ---

Nestes termos, declaro procedente, por provada, a exceção de prescrição relativamente às quotas com mais de cinco anos à data da entrada da ação, com a consequente absolvição parcial da Demandada, na referida quantia, correspondente às quotas prescritas. ---

Apreciando o pedido das quotas não prescritas: ---

Tendo em conta a matéria provada e aquilo que foi expandido supra, é inequívoca a responsabilidade da Demandada relativamente às quotas vencidas nos meses de junho de 2014 a fevereiro de 2019, que totalizam a quantia a quantia global de 870,96 (oitocentos e setenta euros e noventa e seis cêntimos), pelo que, a ação deverá proceder nesta parte do pedido. ---


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DECISÃO

Atribuo à causa o valor de €1.458,60 (mil quatrocentos e cinquenta e oito euros e sessenta cêntimos), por corresponder à quantia em dinheiro que o Demandante pretende obter, cf., normas conjugadas dos artigos 306.º, n.º 1; 297.º, n.º 1; e 299.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi, art.º 63.º da LJP. ---

Estão reunidos os pressupostos da estabilidade da instância. ---

O Julgado de Paz é competente em razão do valor, da matéria e do território. ---

Não existem nulidades que invalidem todo o processado. ---

As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas. ---

Não se verificam outras exceções de que cumpra conhecer ou questões prévias que obstem ao conhecimento da causa. ---


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Pelo exposto e com os fundamentos acima invocados: ---

Julgo procedente, por provada, a exceção de prescrição, absolvendo parcialmente a Demandada do pedido de condenação, relativamente às quotas vencidas até ao dia 26 de junho de 2014, no montante de 565,36 (quinhentos e sessenta e cinco euros e trinta e seis cêntimos). ---

Declaro improcedentes, por não provadas, as restantes exceções deduzidas pela Demandada. ---

Julgo a presente ação parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, condeno a Demandada a pagar ao Demandante a quantia global de € 870,96 (oitocentos e setenta euros e noventa e seis cêntimos).---

Mais decido absolver a Demandada do restante peticionado na presente ação. ---

Custas: ---

As custas nos julgados de paz estão atualmente regulamentadas pela Portaria 342/2019, de 01/10. ---

Tendo em conta que foi rejeitada a fase de mediação, é devida uma taxa de justiça no montante de €70,00 (setenta euros), a título de custas, cf. al. b), do n.º 1, do art.º 2.º, da Portaria 342/2019, de 01/10. ---

Nos termos da segunda parte da citada disposição legal, as custas são suportadas na proporção do decaimento, que fixo em 40% para o Demandante, e 60% para a Demandada. ---

Tendo em conta que ambas as partes procederam à entrega inicial de €35,00 (trinta e cinco euros), cada uma, nos termos da Portaria n.º 1456/2001, de 28/12, que à data se encontrava em vigor, devem os respetivos pagamentos serem relevados para efeitos de apuramento da responsabilidade final por custas (cf. fls. 29 e 48). ---

Assim, determino a devolução da quantia de €7,00 (sete euros), ao Demandante. ---

Correspondentemente, a Demandada deverá proceder ao pagamento da quantia de €7,00 (sete euros), para efeitos de regularização da taxa de justiça aplicável ao processo, devendo proceder ao referido pagamento no prazo de três dias úteis e comprovar o facto no Julgado de Paz, sob cominação do pagamento de uma sobretaxa no montante de €10,00 (dez euros), por cada dia de atraso no cumprimento da referida obrigação, até ao montante máximo de €140,00 (cento e quarenta euros), cf. n.º 4.º, do art.º 3.º, da citada Portaria 342/2019, de 01/10. ---


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Extraia o DUC, respeitante à responsabilidade tributária do processo, e notifique à Demandada, juntamente com a cópia da presente decisão, para liquidação das custas. ---

Na notificação advirta o responsável pelo pagamento das custas nos termos da Deliberação n.º 33/2020, do Conselho dos Julgados de Paz, salientando desde já que, o prazo legal para proceder ao pagamento das custas é o mencionado na presente sentença, pelo que, o prazo que vai indicado no Documento Único de Cobrança (DUC) é o prazo de validade desse documento, que não impede o pagamento das custas após o decurso do prazo legal.---

Assim, o facto de o pagamento ser efetuado com atraso não isenta o responsável do pagamento da sobretaxa, nos termos aplicáveis. ---


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Verificando-se a falta de pagamento das custas acrescidas da referida sobretaxa legal, conclua para emissão de certidão para efeitos de execução fiscal, a instaurar junto dos competentes serviços da [ORG-1] (AT), nos termos do art.º 35.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro), aplicável por analogia, para efeitos de integração de lacuna na lei, nos termos dos números 1 e 2, do art.º 10.º, do Código Civil. ---

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Atendendo à atual situação de saúde pública, e face ao disposto, designadamente, no n.º 3, do art.º 6.º-A, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março (introduzido pelo art.º 2.º da Lei n.º 16/2020, de 29 de maio), decido não reabrir a audiência de julgamento para prolação de sentença, nos termos do art.º57.º, n.º 1, da LJP, e determino a notificação a mesma às partes e ao Ilustre Mandatário do Demandante. ---

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Registe e notifique às partes com informação expressa que, o Julgado de Paz está disponível para prestar esclarecimentos sobre o teor da presente sentença. ----

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Julgado de Paz de Palmela, em 10 de março de 2021

O Juiz de Paz

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[Carlos Ferreira]

(Em substituição)