Sentença de Julgado de Paz
Processo: 22/2006-JP
Relator: ANTÓNIO CARREIRO
Descritores: DEFESA DO CONSUMIDOR - GARANTIA - VEÍCULO USADO
Data da sentença: 06/29/2006
Julgado de Paz de : CANTANHEDE - DELEGAÇÃO DE MIRA
Decisão Texto Integral: Acta de Audiência e Julgamento
Sentença
(n.º 2, al. c)do art.º 56 da Lei n.º 78/2001, de 13 Junho)

Processo n.º 22/2006 – JP
Objecto: Responsabilidade Civil (alínea h), do n.º 1, do art.º 9.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho)

Demandante: A, residente na Rua
Mandatário: Dr. B, advogado, com escritório
Demandada: C, Transporte e Comércio de Automóveis, L.da
Rua , representada por D, sócio-gerente.
Mandatário: Dr .E, advogado, com escritório

Valor: €2500,00
Requerimento Inicial
1) - Necessitando adquirir um veículo automóvel usado, a demandante visitou o Stand de Vendas da demanda em – Mira, acompanhada da sua mãe, no final de Março de 2005.
2) - A demandante mostrou interesse pela viatura automóvel da marca “Volkswagen”, modelo “Golf de matrícula F-GU que o gerente da demandada lhe referiu estar em boas condições, apenas necessitando de uns “retoques no para choques”, e que lhe dava um ano de garantia.
3) - Confiando nessa informação e garantia, a demandante acordou na compra e venda a viatura, mediante o preço de 2.000,00 €, e aguardou que a demandada procedesse àqueles retoques.
4) - Na sequência deste acordo, no dia 3 de Abril de 2005, a demandante dirigiu-se novamente ao referido Stand da demandada, acompanhada do seu pai, a fim de levantar e pagar a identificada viatura.
5) - Para tanto e na mesma data, a demandante entregou o cheque nº xxxxxxxxxxxx, na importância de 2.000,00 €, emitido por sua mãe, à ordem da demandada “C", s/ conta do Millennium BCP, para pagamento do preço da compra e venda e levantou a viatura com os respectivos documentos e com a indicação, pelo gerente da demandada, do seu bom estado de funcionamento e manutenção.
6) - Mas, passada uma semana, mais precisamente no dia 11 de Abril, o sistema eléctrico da viatura deixou de funcionar e, contactada, de imediato a vendedora, esta reparou a deficiência no dia seguinte.
7) - No dia 27 de Abril seguinte, o veículo deixou de funcionar, ficando imobilizado no lugar de
8) - Contactado e alertado o gerente da demandada, o mesmo enviou o mecânico G , ao local, e este transportou a demandante ao trabalho e a viatura para a oficina, onde permaneceu durante dois meses até ser reparada.
9) - A vendedora, durante o período da privação de uso, emprestou um outro veículo à demandante até à entrega do seu.
10) - No mês de Agosto seguinte, quando a demandante regressava a casa, vinda do seu trabalho, o seu automóvel voltou a não funcionar e, de imediato, ligou a uma prima e ao citado mecânico G
11) - Este mecânico, deslocando-se ao local, detectou que a falta de ignição se devia ao facto da bateria estar descarregada, tendo ligado o carro com a ajuda de uns cabos.
12) - Ainda nesse mesmo mês, o carro voltou a não funcionar devido a problemas de bateria e velas.
13) - Denunciando o defeito/vício à demandada, o seu gerente admitiu reparar a viatura, mediante o pagamento da reparação.
14) - Tendo a demandante invocado o período da garantia, com direito à reparação sem custos, a demandada procedeu a essa reparação.
15) - No dia 17 de Novembro de 2005, a mesma viatura voltou a não funcionar.
16) - O gerente da demandada deslocou-se a casa da demandante para averiguar a causa, mas também não conseguiu colocar o veículo em funcionamento.
17) - Na mesma altura, o gerente da demandada referiu que não assumia a reparação sem encargos, recusando-se a efectuar a mesma.
18) - Por carta registada c/AR de 6 de Dezembro de 2005, que aqui se dá por integralmente reproduzida, a demandante interpelou a demandada para reafirmar e para denunciar o não funcionamento do veículo automóvel, exigindo a sua reparação completa e definitiva, no prazo de 8 dias, a contar da recepção da comunicação, ou, em alternativa, o distrate da compra e venda com restituição do veículo e do preço, respectivamente.
19) - A demandada recebeu a interpelação no dia 13 de Dezembro de 2005, mas remeteu-se ao silêncio, restando à demandante lançar mão da presente acção.
20) - As sucessivas avarias do veículo têm causado arrelias, frustrações, perdas de tempo e privações de uso à demandante.
21) - A demandante adquiriu a viatura por necessitar da mesma para se deslocar na sua vida profissional de cabeleireira e para o seu uso pessoal, vendo-se privada durante, vários meses da possibilidade de usufruir do carro.
22) - Por este dano moral a demandante deve ser ressarcida, justa e equitativamente, em quantia não inferior a 500,00 € (quinhentos euros).
O DIREITO:
23) - Nos termos dos artigos 3º, al.a), e 4º da Lei do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31 de Julho, actualizada pelo DL 67/2003, de 8 de Abril), o consumidor tem direito à qualidade dos bens, que devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem.
24) - Assim como, de acordo com o art. 2º, nº 1, do DL 67/2003, de 8 de Abril, o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens conformes com o contrato de compra e venda.
25) - Nos termos da lei civil, designadamente do art. 913º do Código Civil, há venda de coisa defeituosa sempre que a coisa vendida sofra de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim.
26) - E, dispõe o art. 3º, nº 1, do DL 67/2003, que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, dispondo o art. 4º, nº 1, do mesmo diploma, que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, ou à resolução do contrato (vejam-se também os artigos 908º, 915º e 905º por força do art. 913º, todos do Código Civil).
27) - Conclui-se que o vendedor de bens móveis não consumíveis está obrigado a garantir o seu bom estado e o seu bom funcionamento.
28) - Tratando-se de coisa móvel usada, a garantia é de 2 anos, salvo se o comprador e o vendedor acordarem por escrito o prazo mínimo de 1 ano, conforme dispõe o art. 5º, nº 2, do DL 67/2003.
29) - Daqui resulta que a ré falta culposamente ao cumprimento da sua obrigação e torna-se responsável pelos prejuízos causados ao autor (art. 798º C.C.)
30) - E, de acordo com o disposto no art. 12º, nº 1, da Lei do Consumidor, o autor tem direito a indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da venda do carro defeituoso.

Pedido
Nestes termos e nos demais de direito, cujo douto suprimento se invoca, a acção deve ser julgada procedente, por provada, e, em consequência condenar-se a demandada a reparar os defeitos do identificado veículo automóvel ou substitui-lo por um outro de iguais características, sempre sem quaisquer encargos para a demandante, fixando-se prazo razoável, que se computa em 15 dias, ou, não o fazendo, declarar-se resolvido o contrato de compra e venda e condenar-se a demandada a reembolsar a demandante da quantia paga e, em qualquer dos casos, condenar-se a demandada a pagar a quantia de 500,00 € (quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandante, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal em vigor, a partir da citação.
A demandante aceita subordinar a presente causa à pré-mediação.

Contestação
A demandada aceita a matéria vertida no ponto 1 e 3 a 10 de requerimento inicial impugnando a restante matéria peticionada pela demandante, concluindo pela procedência da contestação e consequentemente pela absolvição da demandada no pedido.

Tramitação
O demandado não compareceu à sessão de pré-mediação marcada para o dia 08/02/2006, pelas 9h30, e não justificou a falta, pelo que foi marcada audiência de julgamento para o dia 08/03/2006 pelas 14h15.

Audiência de Julgamento
No dia 08/03/2006, pelas 14h15m, estando presentes a demandante, representante da demandada e mandatários, acima identificados, o Juiz de Paz, António Carreiro, deu início à audiência de Julgamento.
Nos termos do n.º 1 do art.º 26 da Lei 78/2001 de 13 de Julho, procedeu-se à conciliação, não se tendo obtido acordo.
Passou-se à audição das partes e testemunhas ajuramentadas e advertidas do disposto no artº 559.º, do Código de Processo Civil, por força do estabelecido no artº 63.º, da Lei n.º 78/2001, de 13 de Julho.

Testemunhas
Pela demandante
- H , casada, residente na Rua do, Mira, portadora do B.I. n.º xxxxxxxxx 6/9/01 emitido por .A testemunha é mãe da demandante.
- I, casada, residente na Rua do , Mira, portadora do B.I. n.º xxxxxxxx 29/11/2004, emitido por .
Pelo demandado
-G,carta profissional de motorista de pesados (sem mecânica), conhecido das partes e empregado da demandada.

Despacho
Terminada a audição das partes e testemunhas, o juiz de paz proferiu o seguinte despacho: “o mandatário da demandante juntará o documento da inspecção do veículo, após o que se marcará dia para alegações, conforme requerido pelos mandatários”.

Alegações
No dia 19/04/2006, pelas 14h30m, estando presentes a demandante, representante da demandada e mandatários, acima identificados, o Juiz de Paz, António Carreiro, deu início à audiência de Julgamento a fim dos mandatários efectuarem alegações.
Mandatário da demandante
Sublinhou que ficou provado todo o circunstancialismo que leva à obrigação da demandada reparar os defeitos e indemnizar os prejuízos, designadamente que foi provada a compra e venda com garantia de bom funcionamento por um ano, que inclusivamente a demandada reparou as outras deficiências que se verificaram na viatura e que esta avariou a 17 de Novembro de 2005, tendo o sócio-gerente da demandada tentado repor a viatura em funcionamento mas não o conseguindo e tendo-se negado a efectuar a reparação a expensas suas nesse dia e não respondendo à interpelação para o efeito que lhe foi endereçada e recebida em Dezembro de 2005. Realçou que a demandada trabalha longe de casa e necessita do veículo para se deslocar para o trabalho. Subsumiu depois os factos ao direito, concluindo pela obrigação de reparar e indemnizar da demandada com base na Lei de Defesa do Consumidor e legislação conexa e nas disposições do Código Civil sobre a matéria, realçando que não eram detectáveis os defeitos e que há obrigação da demandada independentemente de culpa, referindo que a demandante não se opõe à resolução
Mandatário da demandada
Defendeu que “houve acordo que o carro estava em bom funcionamento, o que foi admitido pela demandante” e que não houve qualquer garantia. Referiu que a demandada reparou as outras avarias e até cedeu carro de substituição. Salientou que ficou provada a má utilização e que o carro até chegou a circular com luz do óleo acesa e que a inspecção devia ter sido feita em Junho e só o foi em Agosto, denotando falta de cuidado e que o veículo não apresentou defeitos na inspecção, realçando que eventual vício se deve a má utilização e que “poderá também ter levado outras peças e sido visto noutras oficinas”. Referiu que não foram provados os vícios do carro pelo que faltam os pressupostos do Código Civil para venda de coisa defeituosa. Relativamente aos danos morais salientou que não existem danos que mereçam a tutela do direito e que a demandante utilizou outro carro desde que se verificou a avaria. Concluíu pela absolvição da demandada

Factos provados 1 – A demandada cuja actividade é a compra e venda de automóveis, vendeu, em 03-04-2005, à demandante o veículo usado de marca Volkswagen, modelo Golf , com a matrícula F-GO, pelo preço de 2000,00 € que esta pagou na mesma data, por meio de cheque.
2 – A demandada só em Agosto de 2005 entregou a declaração de venda à demandante após a própria demandada ter submetido o carro a inspecção periódica, quando tinha o carro em seu poder para reparação de uma avaria.
3 – À demandante não chegou a ser entregue a factura relativa ao contrato que só agora foi junta ao processo (fls. 27) e na qual está aposta a expressão “Sem Garantia”.
4 – A demandada no acto da compra e venda garantiu o bom funcionamento do veículo e assegurou que o garantia por um ano e a demandante aceitou esta cláusula.
5 – O veículo avariou por diversas vezes, a primeira logo em 11 de Abril e a segunda a 27 do mesmo mês.
6 – A demandada procedeu à reparação destas avarias e na segunda cedeu um carro à demandante durante cerca de dois meses, tempo que o carro permaneceu nas instalações da demandada.
7 – Em Agosto de 2005, o veículo voltou a avariar outras duas vezes por deficiência na bateria e velas.
8 – Na primeira o veículo foi posto a trabalhar com a ajuda de outra bateria e na segunda, não obstante a demandada ter dito que só procedia à reparação mediante o pagamento da mesma, com as insistências da demandante, procedeu à reparação designadamente tendo colocado uma bateria nova.
9 – Em 17 de Novembro de 2005, a viatura voltou a avariar não tendo o motor funcionado após alguns dias de imobilização.
10 – A demandante informou a demandada, cujo sócio-gerente se deslocou à sua residência e tentou pôr o motor do carro em funcionamento, o que não conseguiu, tendo-se recusado a reparar o veículo sem que a demandante assumisse os custos da reparação.
11 – O sócio-gerente da demandada não identificou qual a avaria do veículo.
12 - Por carta registada, com aviso de recepção, de 6 de Dezembro de 2005, a demandante interpelou a demandada para reafirmar e para denunciar o não funcionamento do veículo automóvel, exigindo a sua reparação completa e definitiva, no prazo de 8 dias, a contar da recepção da comunicação, ou, em alternativa, a resolução do contrato de compra e venda, com a restituição do veículo e do preço, respectivamente.
13 - A demandada recebeu a interpelação no dia 13 de Dezembro de 2005, mas não respondeu.
14 – O veículo foi inspeccionado em Agosto de 2005, tendo sido a demandada a submetê-lo a inspecção e não foram assinaladas deficiciâncias.
15 – Em data que não se precisou, mas que foi posteriormente a Agosto de 2005, a demandante foi à oficina da demandada e o veículo estava a circular com duas luzes acesas no tablier, a da água e a do óleo.
16 – A demandante após a avaria deste veículo utilizou – tem utilizado – o carro do seu pai para as suas deslocações.
17 – Os percursos diários que a demandante efectuava com o veículo eram inicialmente de 10 a 15 Kms para a ida para o trabalho e o mesmo de volta e mais tarde de cerca de 30 Kms para cada viagem.
18 – A demandante tem estado privada do uso do veículo desde que denunciou os defeitos em Novembro de 2005.
19 – Desde a última avaria o carro não voltou a trabalhar e encontra-se imobilizado.

Factos não provados
1 – Qual a avaria que o carro apresenta (em 17 de Novembro de 2005).
2 – Que a avaria se tenha devido a mau uso da demandante.

Fundamentação
A demandante requereu a condenação da demandada na reparação dos defeitos do veículo adquirido à demandada, por este ter avariado e se encontrar no período da garantia ou que se declare resolvido o contrato com a consequente devolução do preço pago e, em qualquer caso, na condenação desta na quantia de 500,00 € a título de indemnização por danos não patrimoniais, bem como em juros a partir da citação.
Contestou a demandada sustentando que a acção deve improceder porquanto o veículo foi vendido “sem garantia”, que o defeito se veio a revelar após a entrega do veículo, que a bateria e velas se desgastam e porque terá havido mau uso do cliente ou a incorporação de peças por outrem, o que a desresponsabiliza.
Da prova produzida deram-se como assentes os factos provados descritos acima com base nos depoimentos de parte e testemunhas, que foram credíveis, coerentes, lógicas e imparciais na medida do adequado, com salvaguarda de algumas contradições sobretudo no testemunho de G
Nos termos da Lei de defesa do Consumidor (LDC) (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) e designadamente nos termos do n.º 1, do seu art.º 4º, o consumidor, caso da demandante que adquiriu um bem para consumo próprio a pessoa que exerce “com carácter profissional uma actividade económica” que visa “a obtenção de benefícios” (n.º 1, do art.º 2.º, da LDC), têm direito à qualidade dos bens e serviços, sendo a redacção deste preceito a seguinte: “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”.
E, dispõe o art. 3º, nº 1, do DL 67/2003, que o vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue, estabelecendo o art. 4º, nº 1, do mesmo diploma, que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, ou à resolução do contrato.
O prazo de garantia de coisas móveis é de dois anos, nos termos do n.º 2, do artigo 3.º e do n.º 1, do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que entrou em vigor no dia 9 de Abril de 2003. Contudo, nos termos do n.º 2 deste art.º 5.º, tratando-se de coisa móvel usada, este prazo pode ser reduzido a um ano por acordo das partes. Este prazo de um ano foi claramente acordado pelas partes, tendo a demandante feito prova disso. Porém mesmo que ouro tivesse sido o acordo sempre o veículo teria de beneficiar de garantia – e neste caso de dois anos – porque a Lei é imperativa e se for acordada cláusula deste género a mesma é nula nos termos do art.º 10.º do DL n.º 67/2003, de 8 de Abril, onde se dispõe que “é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual antes da denúncia da falta de conformidade ao vendedor se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos neste diploma”.
Não podia nem pode a demandada eximir-se à garantia quando procede à venda de veículos, podendo, como foi o caso, reduzi-la para apenas um ano quando se trate de coisas móveis usadas e haja aceitação dessa cláusula pelo comprador.
A expressão “sem garantia” aposta na factura não tem qualquer validade em primeiro lugar porque não corresponde ao acordado e, mesmo que assim não fosse, então seria a mesma nula por força daquele art.º 10.º.
A Lei estabelece direitos para protecção do consumidor mas também lhe impõe determinados ónus de procedimento, sob pena de caducidade do direito à reparação do bem, à sua substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.
No que ao caso interessa, estabelece o art.º 5.º, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, nos seus n.ºs 3 e 4 que “ para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado” e que “ os direitos conferidos ao consumidor nos termos do n.º 1, do art.º 4.º, do mesmo diploma, (reparação dos defeitos, substituição, redução do preço ou resolução do contrato) caducam findo qualquer dos prazos referidos nos números anteriores sem que o consumidor tenha feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses”.
No caso vertente, o consumidor (demandante) denunciou o defeito em 17 de Novembro, logo que dele se apercebeu, não tendo sido sequer posto em causa que o tenha feito dentro do prazo legal. E desde essa data até à interposição da presente acção (30-01-2006) apenas decorreram cerca de dois meses e meio, estando assim respeitados os seis meses de prazo, sob pena de caducidade, que a Lei impõe.
Tendo-se os defeitos manifestado no período de garantia e cumpridos pela demandante os prazos de denúncia e de acção que a Lei lhe impõe, é o bem havido como não em conformidade com o contrato celebrado, como se os defeitos se apresentassem no momento da entrega do bem e compete ao revendedor, no caso à demandada, provar que pelos defeitos denunciados não lhe cabe a si responsabilidade mas a outrem (ao comprador ou a terceiro), nomeadamente por mau uso, como a demandada alegou no presente processo. Ou seja à demandante, nos termos do n.º 1, do art.º 342.º do Código Civil, cabe a prova de que o veículo se encontra avariado – que tem defeito - e no período de garantia é à demandada que cabe provar – o que não fez – que a avaria se deveu, por exemplo, a mau uso da condutora (demandante) ou a incorporação de peças pelas quais não é responsável. Deste modo existe uma presunção legal que inverte o ónus da prova, pelo que demonstrando o comprador que o bem não tem as qualidades exigidas, impende sobre o vendedor o ónus, no caso, desde logo identificar especificamente a avaria porquanto sem isso não poderá provar que a mesma se deve a mau uso ou a peças que não são da responsabilidade.
A demandante não entregou o veículo nas instalações da demandada mas recorreu exactamente ao mesmo procedimento das anteriores avarias, que diga-se de passagem foram muitas. Ou seja, comunicou à demandada, tendo o seu sócio-gerente constatado que o veículo estava avariado, não “pegando” o motor por “estar encharcado” e negando-se a repará-lo excepto se a demandante assumisse os custos e admitindo não saber qual é a avaria. Nas outras situações de avaria, quando foi necessário a demandada, ela própria, rebocou o veículo para a sua oficina. O mesmo procedimento deveria ter tido nesta altura e depois de analisada a avaria, se constatasse seriamente que esta se devia a má utilização, devia-o comunicar à demandante com toda a fundamentação disponível e, em caso de dúvida, disponibilizando-se para que fossem feitas perícias técnicas.
Porém neste caso, contrariando tudo o que seria normal, talvez porque no caso já se haviam manifestado muitas avarias – aliás sempre reparadas pela demandada, prova de que assumiu a garantia ao contrário da defesa que sustentou – nem sequer se preocupou em determinar quais as causas. No entanto era a si própria que mais interessava clarificar a situação para se poder defender, dada a presunção legal que decorre do veículo ter sido entregue como se bom estivesse para funcionar pelo menos durante um ano. Mas não estava e era a si que lhe competia provar que realmente estava e que as causas desta avaria já não lhe eram imputáveis. O facto do veículo ter sido submetido a inspecção em Agosto, por si só, não é suficiente para ilidir a presunção legal, pois que há defeitos que podem não se manifestar. Se assim fosse seria fácil aos vendedores desonerarem-se de garantias (note-se que os veículos novos também obedecem a todos os critérios da inspecção). Sublinha-se que perante as normas de defesa do consumidor a este compete provar apenas que o bem se encontra com defeito e feita esta prova é ao vendedor que incumbe o ónus de provar que o mesmo já não é imputável a responsabilidade sua.
Mas não provou. Ficou-se por meras suposições, aliás nem a isto, porquanto a demandada sustentou que não sabe qual é a avaria – e crê-se que não saiba mesmo – mas “deixou no ar” que será avaria do próprio motor causada pelo aquecimento excessivo deste por falta ou insuficiência de água ou óleo e já não tanto de velas e bateria como referiu na contestação.
Contudo não basta levantar uma suspeita que a avaria decorre de mau uso ou de peças que a demandada não teria que garantir. É preciso prová-lo e, diz-se mais uma vez, era à demandada que o competia fazer e não à demandante. Além disso refere-se também que no caso de material usado há que atender ao facto do desgaste normal das peças mas também nesta matéria nada foi referido nem o podia ser por não se saber de que peças se tratava.
A demandante requer que a demandada proceda ao arranjo da viatura ou que se declare resolvido o contrato, sendo este último um pedido alternativo.
De todo o exposto decorre que a demandante tem direito à reparação da viatura e que a demandada deve suportar quer os custos da reparação quer as despesas com o transporte da mesma, nos termos dos n.ºs 1 e 3, art.º 4.º do DL 67/2003, de 8 de Abril e por outro lado tem também o direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultante do fornecimento de bens defeituosos, nos termos do art.º 12.º da LDC, na redacção dada pelo art.º 13.º do DL 67/2003, com correspondência no art.º 798.º do Código Civil, presumindo-se a culpa do vendedor nos termos do art.º 799.º do mesmo Código.
Pela expressão “privação do uso” podem entender-se dois danos, no caso de alguém ficar impedido da utilização do veículo automóvel: um dano patrimonial consubstanciado na despesa ou despesas efectuadas com veículo de substituição ou outros transportes e um dano moral atinente a anseios e preocupações, tensões, arrelias etc. devidas às alterações de vida forçadas pela ausência daquele bem.
Temos entendido que o dano patrimonial desta privação de uso é ressarcível e deve sê-lo quando desta privação tal dano se manifeste ou seja requerido com base em quantificação razoável por utilização de sucedâneos ou como indemnização resultante de um investimento de capital cuja utilidade não se pode desfrutar (ofensa ao direito de propriedade).
Contudo em relação ao dano moral pela privação do uso do veículo, se bem que teoricamente aceitável em casos de relevância comprovada, afigura-se que em regra não é valorizável face ao direito, traduzindo meros incómodos que também neste caso assim se consideram.
No caso a demandante está desde Novembro passado até ao presente privada do uso de um bem que adquiriu e pagou e que necessita de utilizar diariamente, pelo que este dano é ressarcível, fixando-se o montante do mesmo em 200,00 € (n.º 3, do art.º 566.º do CC), por se entender equitativo dentro dos limites da prova e porquanto não se atende aos danos morais, como se referiu.
A demandante requereu o pagamento de juros e a demandada foi interpelada para pagar na data da citação, ocorrida a 01-02-2006, pelo que entrou em mora nesta data (art.ºs 804.º e n.º 1, do 805.º do CC) , sendo devidos juros de mora à taxa legal (art.º 559.º do CC), actualmente 4% (Portaria n.º 291/2003, de 4 de Abril), a partir desta data e até integral cumprimento da obrigação.

Decisão
O Julgado é competente, as partes têm personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas e não se verificam quaisquer outras excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
Em face do exposto, condeno a demandada C, Transporte e Comércio de Automóveis, L.da a proceder à eliminação dos defeitos do veículo vendido à demandante, no prazo e de 15 dias e a pagar à demandante a quantia de 200,00 € (duzentos euros) a título de indemnização pela privação do uso do veículo e em juros à taxa legal a contar da citação até integral pagamento.

Custas:
Nos termos dos n.ºs 8.º e 10.º da Portaria n.º 1456/2001, de 28 de Dezembro, a demandada C é declarada parte vencida, pelo que fica condenada no pagamento de 35,00 € (trinta e cinco euros) relativos à segunda prestação de custas, a pagar no julgado de paz, no prazo de três dias úteis, a contar da data da notificação desta sentença, sob pena do pagamento de uma sobretaxa diária de 10,00 € (dez euros) por cada dia de atraso.
Cumpra-se o disposto no n.º 9.º, da mesma Portaria, em relação à demandante.
Notifiquem-se as partes e mandatários desta sentença e para pagamento das custas.

Julgado de Paz – Agrupamento de Concelhos
Delegação de Mira em 29-06-2006
O Juiz de Paz