Sentença de Julgado de Paz
Processo: 49/2020-JPFNC
Relator: DANIELA CERQUEIRA
Descritores: ABALROAMENTO DE PEÃO - DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATRIMONIAIS
Data da sentença: 05/20/2021
Julgado de Paz de : FUNCHAL
Decisão Texto Integral: Processo nº 49/2020-JPFNC
SENTENÇA

I. Identificação das partes
Demandante: M, residente à Estrada --- São Gonçalo.
Demandada: L SA NIPC, com sede LISBOA.

II. RELATÓRIO
A Demandante veio intentar a presente acção declarativa, com fundamento na alínea h) do n.º 1 do art. 9º da Lei n.º 78/2001, de 13 de julho (LJP), contra a Demandada, pedindo a condenação desta ao pagamento de € 14 858,31 (quatorze mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e trinta e um cêntimos) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos e estimados, na sequência do acidente ocorrido no dia 05.07.2019 pelas 18h na Estrada Comandante Camacho de Freitas, concelho do Funchal, com os fundamentos melhores descritos no seu R.I., de fls. 1 a 5 que se dá por integralmente reproduzido, assim discriminado:
a) € 148,39 pelas despesas suportadas com os medicamentos que lhe foram prescritos, a consulta de fisiatria e o RX que teve de fazer a expensas suas, bem como o combustível que teve de suportar por estar impossibilitada de andar de autocarro;
b) Valor que estima em € 12 000,00, sem prejuízo do que se vier a apurar pelo Serviço de Saúde Regional da RAM relativo às despesas hospitalares vencidas e vincendas em valor ainda a determinar;
c) € 1 600,00 a título de danos morais pelas dores, insónias, limitações à sua vida e tarefas normais que sofreu desde o acidente até à propositura da acção;
d) € 1 109,92 relativo à diferença do valor que recebeu da segurança social e o que receberia de remuneração se não tivesse ocorrido o acidente que a incapacitou totalmente para o trabalho € 750,00 x 2 – 390,08)

Para tanto, alegou os factos constantes no R.I., juntou documentos de fls. 6 a 67 que se dão por integralmente reproduzidos.

Não foi realizada mediação em virtude da Demandada ter renunciado à mesma.
A Demandada foi regularmente citada, a fls. 78 dos autos, tendo apresentado contestação (fls. 144 a 189) anexando procuração, substabelecimento e documentos de fls. 197 a 207 que também se dão por integralmente reproduzidos.

Foi agendada e realizada a 1ª sessão de audiência de julgamento na presença da Demandante e da ilustre mandatária da Demandada, na qual foram ouvidas as partes, as testemunhas apresentadas e ordenados os meios de prova requeridos e considerados relevantes. (fls. 195).
Reagendada a segunda sessão, foi a mesma cancelada por força das restrições Covid 19 que ditaram o seu cancelamento e posterior remarcação para o dia 30.04.2021 pelas 10h, com deslocação ao local e alegações orais das partes.

Como testemunhas e em depoimentos prestados na 1ª sessão, foram ouvidos:
J que se identificou como tendo sido o condutor do Toyota Hilux de matrícula CH. Inquirido, confirmou a hora e o local do acidente, dizendo que “estava uma camioneta do lado esquerdo e o carro da Senhora estava no lado direito, estacionado na via pública, em plena faixa de rodagem. Ele conduzia vindo do lado de S. Roque, no sentido do carro da Senhora. Havia outros carros estacionados em linha; íamos em fila, eu nem vi a senhora porque estava a olhar para os carros que tinha à minha frente e estavam a parar porque há uma passadeira à frente; já tinha passado o carro todo e senti um impacto na carroçaria, na parte de trás do lado direito; Nunca me apercebi da senhora, havia carros à minha frente a abrandar, só a vi quando senti a pancada. A pancada foi do lado do condutor do carro da senhora. Eu senti o impacto, ia a andar para a frente e ia devagar; há uma passadeira e uma paragem de autocarros um pouco à frente. Nenhum dos carros sofreu danos. Existem 2 vias, em sentidos opostos, mas estavam carros parados na via direita. A estrada não tem berma nem passeio, é tudo estrada. Existe um muro onde a senhora se sentou depois do impacto. Existe uma linha descontínua até à passadeira que existe mais à frente. Existe um sinal de proibido estacionar. O carro estava um pedacinho à frente da paragem, em frente à mercearia antiga. Quando senti a pancada, vi a senhora agarrada ao braço, chamei os bombeiros, mas não podiam vir porque estavam num simulacro e socorri a Senhora e levei-a para o hospital. Havia outros carros atrás de mim e a camioneta parada, dos Horários do Funchal; as testemunhas que estão lá fora, vinham em 2 carros atrás de mim. A polícia foi ter comigo ao Hospital e prestei lá declarações, soprei ao balão, tudo”.

A que se identificou como testemunha presencial, tendo declarado que: “Foi em julho, mais ou menos a meio. Eu ia numa carrinha a circular do Marítimo para S. Roque; ia atrás da carrinha que teve o acidente com a Senhora. Ia no lugar do passageiro, com o meu colega que está lá fora. A gente vinha atrás e a senhora abriu a porta porque pensava que a carrinha já tinha passado. O carro dela estava no estacionamento do lado direito. Existem 2 vias de sentidos opostos; há uma linha contínua e uma descontínua. No local do acidente era descontínua. Aquela é uma zona que tem sempre carros estacionados, não ocupa a totalidade da faixa de rodagem, mas apenas uma parte; mais á frente, para o lado do Marítimo existe um sinal de paragem de autocarro.
Confrontado com as fotos de fls. 10 e 14 disse que o acidente ocorreu mais à frente, numa recta. Quando a senhora abriu a porta da frente do seu carro, a carroçaria bateu-lhe e partiu-lhe o braço. A carrinha ia em andamento quando a senhora abriu a porta e bateu na porta. Ouviu-se um estrondo quando bateu na porta do carro. Não vi nenhum autocarro, não vi mais nada, seguimos viagem para S. Roque”.

Seguidamente depôs B que se identificou como tendo visto acidente porque seguia no veículo imediatamente atrás do segurado, na carrinha conduzida pelo seu colega José Aldónio. “eu circulava nessa estrada, passo lá todos os dias; tem 2 vias em sentidos opostos; o pessoal estaciona muito por lá e depois e é complicado quando passa um carro grande. Eu vinha no sentido que vai para S. Roque. A senhora abriu a porta e o rapaz da Hilux não teve hipóteses; só ouvi o impacto, não vi onde bateu.
A instâncias deste Tribunal, garantiu que ia no lugar do passageiro, que o colega ia a conduzir; que viu que a carrinha bateu na Senhora com a carroçaria e que, entretanto, chegou a ambulância e a senhora foi assistida pela mesma.
Depois de algumas outras incongruências evidentes, o seu depoimento foi considerado nulo e de nenhum efeito por ter sido surpreendido em inúmeras incoerências, deturpando factos, chegando mesmo a ser acareado com a anterior testemunha, com quem afirmava circular a viatura, tendo o Tribunal desvalorizado de imediato o conteúdo do mesmo, sem que as partes se tenham oposto, tal a evidência das incongruências.

R, perito averiguador da Demandada que informou ter recolhido os depoimentos dos intervenientes. Ouviu a D. Maria José, o Sr. José Castro e 2 testemunhas que este indicou, o Sr. José e o Sr. J como ocupantes do veículo que ia atrás. Fizemos um inquérito. Não havia danos em nenhum dos veículos; concluíram que não houve qualquer embate na porta, mas diretamente no braço na senhora.
No local não existe qualquer zona autorizada de estacionamento, as pessoas estacionam na faixa de rodagem. Há duas vias de circulação de sentidos opostos e uma zona de paragem para transportes públicos. O acidente acontece em frente à paragem do lado oposto.
Relativamente às testemunhas percebeu que eram conhecidos do condutor e não foram consideradas válidas para apurarmos as circunstâncias do acidente. Estamos a falar de uma utilizadora vulnerável da via; a via é ligeiramente inclinada; o seu braço estaria a 90 graus. Se a mesma constatou a presença do veículo seguro na via de trânsito, o mais razoável seria ter aguardado pela circulação do mesmo; deveria ter-se colocado à frente do seu carro e deixar passar totalmente o carro que estava em circulação. Confrontado com a possibilidade do carro ter descaído por força do abrandamento do trânsito à sua frente, disse que é uma possibilidade como outra qualquer.

No dia da inspecção ao local, foram ouvidos pela 2ª vez e quanto a pequenos esclarecimentos, a Demandante que exemplificou, reconstituindo o acidente, junto a um dos veículos ali estacionado, a forma como já havia atravessado a faixa de rodagem, aberto a porta dianteira, atirado a carteira para o banco dianteiro direito e quando já se preparava para se sentar ao volante, apercebeu-se pelo vidro traseiro, que se aproximava uma carrinha, recolocou-se direita, com o corpo escudado pela porta dianteira do mesmo e encostou-se o mais possível ao seu veículo; confirmou que após essa carrinha ter passado, sentiu a forte pancada que lhe fraturou o braço.
Foi também ouvido o condutor da Hilux que se apresentou no local, com a carrinha interveniente no acidente, assinalando o ponto exato com que terá batido no braço da Demandante. Confirmou não ter visto a Demandante, por estar atento aos carros que abrandavam à sua frente por causa da passadeira; confirmou que estava um autocarro do lado esquerdo e por isso estava atento aos passageiros que saíam do mesmo, pois poderiam atravessar a via; só viu a Demandante depois de sentir o embate. Não se recorda de ter deixado descair o veículo, mas confirma que o embate ocorreu quando já tinha passado pela mesma.
Ouvido o Senhor Perito, este confirmou as suas declarações anteriores, tendo, contudo, demonstrado que o seu relatório tinha sido efetuado no pressuposto de que o embate se teria dado com o canto direito dianteiro da caixa aberta, junto à cabine e não com o canto traseiro da mesma.

Da inspecção ao local foi lavrado o respectivo auto, com os esclarecimentos dos intervenientes envolvidos no acidente (condutor segurado e Demandante) do qual resultaram assentes os seguintes factos:
1- O local do sinistro caracteriza-se por 2 vias de trânsito, com dois sentidos e cerca de 7,10 metros de largura, no seu total, separadas por linha descontínua, cfr. foto. Fls. 12
2- Não existem bermas em nenhuma das faixas;
3- A faixa de direita está delimitada por um muro com cerca de 40 cms de altura, encostados ao qual, é comum existirem vários veículos estacionados em fila, a ocupar cerca de metade da faixa de rodagem da direita, em iguais circunstâncias àquelas em que estaria o veículo da Demandante estacionado, no dia do acidente;
4- O estacionamento de veículos nessa faixa de rodagem obriga a que os veículos que circulam pela direita, no sentido ascendente, o façam mais próximos do eixo da via;
5- Não existe sinalética vertical ou horizontal específica;
6- Defronte do ponto provável de embate existe uma paragem de autocarros.
7- Acima uns 50 metros do ponto provável de embate, existe uma passadeira para peões;
8- Aquando da inspecção, verificou-se a paragem e saída de passageiros de um dos autocarros e a subsequente movimentação de peões para a passadeira;
9- O local é bastante movimentado, nos dois sentidos.
10- A Hilux interveniente no acidente, é uma carrinha de caixa aberta, de dimensões largas, com espelhos retrovisores dianteiros salientes (em relação à cabine e à carroçaria, em cerca de 8-10 cms) e uma caixa aberta de madeira e ferro, (saliente em relação à cabine em cerca de 3 cms para cada lado).
11- O embate deu-se no cotovelo esquerdo (úmero) da Demandante, com o canto direito traseiro da dita caixa aberta.

Em alegações, a Demandante disse que este acidente “virou a minha vida ao contrário; tive de mudar de trabalho; trabalhava num restaurante a servir à mesa, agora não consigo segurar numa bandeja; passei a ser desconsiderada pela minha família e colegas, porque não consigo fazer nada. Ganhava cerca de € 700,00 e tinha ainda um part-time na venda de produtos de higiene. Agora trabalho na lavandaria de um lar de idosos, tenho um trabalho que não gosto e perdi rendimento; tenho de estar sempre a pedir ajuda. Isto afetou-me psicologicamente. Estive dois meses sem me poder mexer, a tomar analgésicos e calmantes e ainda sinto dores.
Eu tive o cuidado possível; estacionei num sítio onde não há linha amarela nem sinal que me impeça de estacionar; sempre houve e há carros estacionados aqui; eu estacionei, estava a entrar, encostei-me com o maior cuidado possível; qualquer condutor tem de ver o que tem à sua frente, pode ser um gato ou uma pessoa na estrada, tem de prestar atenção a qualquer obstáculo e parar se for necessário. Nesse sentido, peço ao Tribunal que condene a seguradora no pedido que apresentei.
Pela ilustre mandatária da Demandada foi alegado que da prova junta aos autos e da inquirição das testemunhas não resultou que tenha havido da parte do condutor segurado qualquer infração ou falta de cuidado. A dinâmica trazida aos autos não se encontra provada; se o acidente tivesse decorrido como foi descrito, os danos seriam maiores, uma vez que os danos foram feitos pela parte de trás, quando o veículo já tinha efetuado a manobra. Já o veículo da Demandante estava estacionado na faixa de rodagem. Se os condutores têm de observar cuidado, os peões também têm de ter esse cuidado. Ademais, o condutor diz que abrandou a marcha pois estava preocupado se poderia sair alguém do autocarro. Não resultou provado que houvesse saído alguém do autocarro, nem que o veículo tenha descaído. Do R.I. resulta que a Demandante ao se aperceber do veículo segurado, ao invés de se proteger, ficou na faixa de rodagem, causando transtorno à normal circulação de trânsito, violando as regras do Código da Estrada relativas aos pesões. Ainda que assim não se entenda, nem todos os danos reclamados podem ser dados como provados porque a Demandante não fez prova dos mesmos. Não se consegue sequer perceber se foi a Demandante que adquiriu os medicamentos e se os mesmos foram adquiridos em consequência do acidente. Quanto à reclamada perda de rendimento, não se percebe o critério. Alegou uma perda de mil e tal euros, pela redução e falta ao trabalho, mas só resultam 5 dias de julho e o cálculo deverá ser feito com base nas obrigações declarativas que não juntou. Não há provas das despesas hospitalares, não há sequer prova testemunhal; Não há prova da cirurgia que terá de fazer, nem sequer que a venha a fazer. A Demandante lança um valor sem qualquer base documental, nada resultando dos autos. Quanto aos danos não patrimoniais, não foi realizada prova suficiente dos mesmos; o valor é excessivo e desproporcional, baseado em alegações vagas não equitativas. Razões pela qual a acção deverá ser julgada improcedente por não provada.

Verificam-se os pressupostos de regularidade da instância:
O Tribunal é competente em razão do objeto, do valor, da matéria e do território, nos termos do disposto no artigo 6º nº 1, 8º, 9º nº 1 al. h), 10º e 12º nº 2, da LJP.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não existem nulidades, excepções ou outras questões prévias a conhecer.

III – VALOR
Fixa-se o valor da acção em € 14 858,31 (quatorze mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e trinta e um cêntimos) artigos 306º n.º 1, 299º n.º 1, 297º n.º 1 e 2 do CPC, ex vi art. 63.º da LJP.

iV. FUNDAMENTAÇÃO de facto
Com relevância para a causa e após confronto das versões apresentadas pelas partes, com a prova testemunhal, documental e elementos constatados na inspecção ao local, dão-se por assentes os seguintes factos:
i. No dia 05.07.2019 pelas 17:50h, na Estrada Comandante Camacho de Freitas, no concelho do Funchal, ocorreu um acidente envolvendo a Demandante enquanto peão e o veículo ligeiro de mercadorias Toyota Hilux CH, segurado na Demandada e conduzido por J;
ii. O local do sinistro caracteriza-se por 2 vias de trânsito, com dois sentidos e cerca de 7,10 metros de largura, no seu total, separadas por linha descontínua, cfr. foto. Fls. 12
iii. Não existem bermas em nenhuma das faixas;
iv. A faixa de direita está delimitada por um muro com cerca de 40 cms de altura, encostados ao qual, é comum existirem vários veículos estacionados em fila, a ocupar cerca de metade da faixa de rodagem da direita, em iguais circunstâncias àquelas em que estaria o veículo da Demandante estacionado, no dia do acidente;
v. O estacionamento de veículos nessa faixa de rodagem obriga a que os veículos que circulam pela direita, no sentido ascendente, o façam mais próximos ao eixo da via;
vi. Não existe sinalética vertical ou horizontal específica para parar ou estacionar naquele local;
vii. Defronte do ponto provável de embate existe uma paragem de autocarros.
viii. Acima uns 50 metros do ponto provável de embate, existe uma passadeira para peões;
ix. Aquando da inspecção, verificou-se a paragem e saída de passageiros de um dos autocarros e a subsequente movimentação de peões para a passadeira;
x. O local é bastante movimentado, nos dois sentidos.
xi. A Hilux interveniente no acidente, é uma carrinha de caixa aberta, de dimensões largas, com espelhos retrovisores dianteiros salientes (em relação à cabine e à carroçaria, em cerca de 8-10 cms) e uma caixa aberta de madeira e ferro, (saliente em relação à cabine em cerca de 3 cms para cada lado).
xii. A Demandante tinha a sua viatura estacionada na faixa direita da referida Estrada e o veículo segurado circulava nessa mesma faixa, no sentido oeste/este.
xiii. O embate deu-se no cotovelo esquerdo (úmero) da Demandante, com o canto direito traseiro da dita caixa aberta, após a Hilux ter passado totalmente pela Demandante.
xiv. Não houve qualquer dano em nenhum dos veículos.

Consideram-se provados e relevantes para o exame e decisão da causa os seguintes factos:
1. Na via de trânsito oposta ao local do embate e no momento do acidente, estava um autocarro parado na paragem existente no lado oposto.
2. O condutor do veículo não viu a Demandante, apercebendo-se da mesma, só após o embate.
3. O espelho retrovisor direito não tocou na Demandante, apesar de ser mais saliente do que a carroçaria.
4. Após o embate, o condutor segurado transportou, ele mesmo e no seu veículo, a Demandante ao Hospital, apesar desta ter pedido para chamar uma ambulância
5. A Demandante deu entrada no serviço de urgência de adultos do Hospital Nélio Mendonça, pelas 18:18h tendo-lhe sido diagnosticada fratura transversal desalinhada da diáfise do úmero esquerdo – fls. 36,40
6. Foi submetida a cirurgia uma semana depois: “EC + imobilização do membro com Gerdey (devido a instabilidade óssea) e proximidade da fratura com ponto de entrada da cavilha e canal estreito” - em 12.07.2019 – fls. 22
7. No dia 15.07.2019 obteve alta hospitalar e prescrição medicamentosa que importaram um custo imediato de € 33, 39 a fls. 22-23,
8. Foi-lhe ainda fixado o plano de tratamentos de enfermagem melhor descritos a fls. 32 e que determinavam deslocações ao Centro de Saúde, de 3 em três dias, de manhã, com início a 13.07.2019,
9. Em 17.07.2019 foi ao Centro de saúde do Bom Jesus “adequar a ligadura de Gerdey” e “executar o penso de Ferida”. – fls. 36
10. Nesse mesmo dia, os serviços clínicos emitiram declaração a atestar a sua impossibilidade para se deslocar em transportes públicos, o que representou para a Demandante uma despesa suplementar de € 40,01 em combustível, para todas essas deslocações – fls. 64-65.
11. Teve ainda de se deslocar ao Centro de Saúde do Bom Jesus em:
a) 22.07.2019 – fls. 35
b) 26.07.2019 para remover a sutura – fls. 32-33
c) 29.07.2019 para consulta – fls. 35
d) 01.08.2019 – fls. 34
12. Em 13.08.2019 - consulta de fisiatria com RX pela qual pagou € 55,00 + € 20,00– fls. 37
13. Teve sessões de fisioterapia em:
a) Em 08.08.2019 – fls. 41
b) Em 20.08.2019 – fls. 34
c) Em 27.08.2019– fls. 41
d) Em 28.08.2019– fls. 40
e) Em 30.08.2019– fls. 42
f) Em 02.09.2019– fls. 42
g) Em 03.09.2019– fls. 43
h) Em 06.09.2019– fls 44
i) Em 10.09.2019– fls. 44
j) Em 11.09.2019– fls. 43
k) Em 16.09.2019– fls. 45
l) Em 17.09.2019– fls. 46
m) Em 30.09.2019– fls. 46
n) Em 01.10.2019– fls. 47
o) Em 04.10.2019– fls. 33
p) Em 08.10.2019– fls. 47
14. A Demandante ficou com uma cicatriz no braço esquerdo, conforme fotos de fls. 66-67;
15. Foram-lhe emitidos os seguintes certificados de incapacidade para o trabalho:
a) 16.07.2019 a 14.08.2019 – fls. 49
b) 15.08.2019 a 13.09.2019 – fls. 50
16. Pediu regresso antecipado ao trabalho em 11.09.2019 – fls. 54
17. Recebendo um total de € 390,08 pelo período de incapacidade de 57 dias – fls. 55,56
18. Em Abril, Maio e Junho de 2019 auferiu vencimentos no valor de € 750,00 ilíquidos, a que correspondeu o valor líquido de € 690,30 – fls.57 – 59
19. Sofrendo perdas salariais relativas às diferenças entre o que receberia e o que recebeu efetivamente, em virtude do acidente.
20. Em 08.07.2019 a Demandante participou o acidente à sua seguradora e solicitou a realização de uma peritagem médica ao seu estado de incapacidade – fls. 48
21. Em 21.09.2019 e 3.10.2019 a sua seguradora recusou cobrir os danos, por considerar a Demandante responsável pelo sinistro, cfr. Fls. 61-62
22. Não foi efetuada qualquer avaliação médica à Demandante pela Demandada ou pela sua congénere, apesar desta a ter requerido.
23. A presente acção deu entrada em fevereiro de 2020.
24. E a Demandada efetuou relatório de averiguações, de fls. 197-207 em 23.11.2020;
25. A Demandante pode vir a ter de ser submetida a nova(s) intervenção(ões) cirúrgicas, tratamentos, consultas, exames, fisioterapia, medicamentos, ou quaisquer outras determinações médicas que venham a ser decididas pela SESARAM, através dos seus serviços de saúde, na sequência do acompanhamento à recuperação dos danos físicos decorrentes deste acidente.
*
Os factos assentes resultaram da conjugação ponderada dos factos admitidos por acordo/confissão das partes nas suas peças e em sede de declarações proferidas em julgamento, bem como do que resultou assente na inspecção ao local e reconstituição efetuada do acidente pelos seus intervenientes directos;
Os factos provados de 1 a 25 resultam dos documentos juntos, da prova testemunhal e documental, tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova previsto no artigo 607º, nº 5 do CPC, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 63º da Lei nº 78/2001, de 13 de julho e no artigo 396º do Código Civil (CC). nomeadamente:
1) A participação de acidente da PSP e a sua pouca fiabilidade, tendo em conta que refere ter ido ao local, quando nenhum dos intervenientes contactou com a PSP no Local; para além de ter sido elaborada 2 dias depois, foi feita quase exclusivamente com base nas declarações do condutor da Hilux, recolhidas apenas às 20h e já no Hospital; Só veio a ser aditada 10 dias depois do acidente com as declarações da Demandante; Os testes de alcoolemia, concretamente ao condutor da Hilux, foi feito mais de 2 horas depois do acidente.
2) O relatório de peritagem foi efetuado meses depois do acidente e foi elaborado com base nos depoimentos do condutor segurado e duas testemunhas, que o próprio Perito considerou serem de credibilidade duvidosa, aparentando ser conhecidas ou até familiares do condutor;
3) A debilidade da prova testemunhal apresentada pelo Demandante e a ponderação do que pode levar um condutor a sentir necessidade de indicar 2 alegadas testemunhas que afirma serem presenciais, dizendo que iam em dois carros atrás de si mas que, ouvidas, afinal declararam ir num só carro, conduzido por ambos.
4) A ponderação do que leva esse mesmo condutor a sentir necessidade de ser ele próprio a levar de imediato (acidente às 17:50h – entrada da Demandante no Hospital às 18:18h) a Demandante, lúcida e consciente ao Hospital, contra a sua vontade.
5) A versão inicialmente apresentada pelo condutor do Hilux, absolutamente incongruente com o facto de não existirem danos materiais em nenhum dos veículos,
6) Tudo isto, contraposto à consistência e coerência da versão da Demandante, que se apresenta neste Julgado, com uma mesma versão, igual à que foi apresentando em todos os locais por onde passou: PSP, seguradoras, R.I, sala de audiências, no próprio local e der os “olhos nos olhos” com o outro condutor, sem sequer ter tentado recorrer a testemunhas que pudessem – como o condutor sentiu necessidade de recorrer – confirmar uma versão, que não encontra coerência com o que de facto sucedeu.
7) os danos físicos evidenciados pelo peão – cotovelo esquerdo – sendo que a dinâmica do acidente aventada pela Demandada, só se compreenderia se a porta tivesse sido arrancada ou pelo menos amassada, pois se o embate se tivesse dado com o canto dianteiro direito da carroçaria, aquando da súbita e inesperada abertura da porta, tinha sido abalroada porta e peão!
8) o ponto concreto em que o Hilux bate no peão – canto traseiro direito e não retrovisor ou canto direito dianteiro, sem qualquer dano no veículo estacionado;
9) A afirmação várias vezes proferida por ambos os envolvidos, que que o embate ocorre depois do carro já ter passado pela Demandante.
Todo o confronto destes elementos, documentos, condutas e comportamentos, analisado à luz da própria natureza das coisas, das regras de experiência, do senso comum, das próprias Leis da Física, confere-nos uma convicção segura sobre a forma como sucedeu este sinistro, permitindo-nos elencar, como elencámos os factos provados.

Não resultaram provados quaisquer outros factos, alegados pelas partes ou instrumentais, com interesse para a decisão da causa, por falta de prova minimamente credível e susceptível de convencer o Tribunal de outra factualidade, nomeadamente que:
a) O condutor segurado se tenha sequer apercebido da Demandante na sua lateral;
b) O condutor segurado tenha observado as condições de segurança que lhe permitissem continuar a marcha;
c) O condutor segurado tenha sido surpreendido pela inesperada abertura da porta do seu veículo por parte da Demandante, que nem viu.
d) Que a Demandante tenha invadido de forma repentina o espaço de circulação da Hilux;
e) Que o embate tenha ocorrido aquando e em consequência dessa súbita abertura de porta;
f) Que a Demandante não tenha aguardado que o condutor da Hilux terminasse a manobra de ultrapassagem.
g) Que o veículo da Demandante estivesse corretamente estacionado.

V. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
As questões a decidir por este tribunal cingem-se ao apuramento da responsabilidade civil extracontratual (artigo 483º e segs. do Código Civil, adiante CC) e, em consequência, a obrigação de indemnização (artigo 562º e segs. do mesmo diploma legal), da demandada enquanto seguradora do alegado responsável pelo acidente.
Em matéria de responsabilidade civil emergente de acidentes de viação causados por veículos automóveis, a ocorrência de uma colisão entre dois ou mais veículos automóveis pode enquadrar-se num de três tipos de situações geradoras de responsabilidade civil e da consequente obrigação de indemnização: a) situação de responsabilidade a título de culpa efectiva de algum ou de ambos os condutores dos veículos intervenientes na colisão (artigo 483º, n.º 1,do CC); b) situação de responsabilidade a título de culpa presumida do condutor de veículo por conta de outrem, a que alude o n.º 3 do artigo 503º do CC; e c) situação de responsabilidade pelo risco inerente à condução de veículos (artigos 503º, n.º 1 e 506º, n.º 1, do CC), nos casos em que se não consegue provar a culpa efectiva de algum dos condutores dos veículos intervenientes e nenhum dos condutores está onerado pela presunção de culpa consagrada no n.º 3 do artigo 503º e o acidente não tiver sido provocado por culpa do lesado, ou por facto de terceiro, ou por causa de força maior estranha ao funcionamento dos veículos (artigo 505º do CC).
A Demandante fundamenta o seu pedido de indemnização na exclusiva culpa do condutor do veículo segurado pela Demandada, enquanto único causador do acidente por violação da regra do artº 18º do CE;
A Demandada contrapõe que a Demandante não observou os gerais deveres de cuidado para aquelas circunstâncias e local, nem as obrigações que impendem sobre si, enquanto peão.

Artigo 99.º
Lugares em que podem transitar
1 - Os peões devem transitar pelos passeios, pistas ou passagens a eles destinados ou, na sua falta, pelas bermas.
2 - Os peões podem, no entanto, transitar pela faixa de rodagem, com prudência e por forma a não prejudicar o trânsito de veículos, nos seguintes casos:
a) Quando efetuem o seu atravessamento;
b) Na falta dos locais referidos no n.º 1 ou na impossibilidade de os utilizar;

O artigo 483º do Código Civil estabelece o princípio geral da responsabilidade civil extracontratual. Deste preceito legal pode concluir-se que a responsabilidade civil depende da verificação cumulativa de cinco requisitos: o facto, a ilicitude, a culpa, os danos e o nexo de causalidade entre o facto ilícito e estes últimos.
No caso, o facto é o acidente de viação aqui em apreço e a ilicitude do mesmo decorre desde logo de ofender o direito de propriedade do demandante, pelo dano causado ao seu património mobiliário (cfr. artigo 1305º do Código Civil).
- a imputabilidade do agente (a capacidade de entender e querer o sentido da sua actuação), que é aferida com recurso ao estabelecido no art. 488º do C.C.;
No momento do acidente, quer a Demandante quer o condutor do veículo segurado, agiam segundo a sua livre vontade, conta e risco, sendo que a Demandante já tinha atravessado a faixa de rodagem, aberto a porta e de alguma forma iniciado a sua entrada na viatura, encontrando-se, a pé, com a porta encostada ao seu corpo, não se colocando a questão do seu atravessamento intempestivo, nem da abertura da porta aquando da passagem da Hilux. Contudo e porque verificou não ter tempo para abrir a porta o suficiente para se introduzir ao volante da viatura, antes que passasse a carrinha que lhe surgia no mesmo sentido, teve de se posicionar encostada ao veículo, apertando a porta conta si, como braço do lado esquerdo, dobrado sobre o caixilho da porta e o respectivo cotovelo virado para o sentido de trânsito;
Já o condutor dessa carrinha, circulando no pleno controle da sua condução e utilização do veículo, bem como da velocidade que lhe imprimia, não viu a Demandante, na sua lateral, passando por ela sem a ver e só dando pela sua presença, quando embateu com o canto traseiro direito da carroçaria no malogrado cotovelo.
Daí estarmos perante “facto” humano dominável e controlável pela vontade do agente. O artigo 483º, nº 1, determina que há ilicitude quando o agente viola ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, sendo entendimento que se integram na segunda hipótese designadamente as disposições do Código da Estrada. Como tais normas visam garantir a segurança rodoviária, a sua violação permite, desde logo, concluir pela ilicitude.
- a culpa (dolo ou negligência). Pode definir-se como juízo de censura ou reprovação que o Direito tem para com o lesante/lesado por ter este agido ilicitamente, quando podia e devia ter agido com observância formal e material do preceituado na norma. A culpa ser apreciada em abstracto, no sentido em que o padrão normativo (art. 487º nº 1 do C.C.) não é a diligência habitual do lesante/lesado, mas a conduta de uma pessoa diligente, quando colocada nas circunstâncias precisas em que atuaram.
- o dano (que consiste em toda a ofensa de bens ou interesses protegidos pela ordem jurídica” – Almeida e Costa, Direito das Obrigações, 5ª Edição, 1991, p. 477). Importa salientar que o art. 566º nº 2 do C.C. consagra a teoria da diferença entre a situação patrimonial actual do lesado e a que ele teria se não tivesse ocorrido o facto lesivo.
- o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que apenas são indemnizáveis os danos provocados pela acção ou omissão do agente).
Ocorrendo a violação das normas de perigo abstracto, tendentes a proteger determinados interesses alheios, como são as regras do Código da Estrada definidoras de infracções em matéria de trânsito rodoviário, estão automaticamente preenchidos os pressupostos da ilicitude e da culpa, uma vez que resultam da caracterização do acto praticado. Estamos perante um acto ilícito porque praticado com violação da lei destinada a proteger interesses alheios, e perante um acto culposo porque, seria exigível ao agente que tivesse actuado em conformidade com os comandos da norma violada.
O legislador faz recair sobre o beneficiário da faculdade de conduzir veículo automóvel em via pública, a responsabilidade pelos danos que dela possa advir, independentemente de culpa. Em consequência, quando está em causa responsabilidade civil emergente de colisões entre veículos automóveis, podemos estar perante um tipo de responsabilidade civil objectiva ou pelo risco, que “emerge de danos provocados independentemente de culpa”, e que visa “a eliminação de danos estranhos à ideia de violação de normas jurídicas” (Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, 1980, 2º, ps. 271 e 272), pelo que a obrigação de indemnizar “nasce do risco próprio de certas actividades e integra-se nelas, independentemente de dolo ou culpa(Pires de Lima e Antunes Varela, C.C. Anotado, 2ª Ed., 1º, p. 439).
Importa, pois, averiguar se dos factos provados resultam preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual.
A defesa da Demandante assenta na tese da violação das regras de cuidado que se impõem aos condutores na sua condução, nomeadamente observar se existem obstáculos, nomeadamente utilizadores vulneráveis, de forma a evitar colidir com qualquer pessoa ou coisa. E dentro dessa regra geral, existem várias específicas, que lhe cumpria respeitar:
Artigo 3.º
Liberdade de trânsito
1 - Nas vias a que se refere o artigo anterior é livre a circulação, com as restrições constantes do presente Código e legislação complementar.
2 -
As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias, tendo em especial atenção os utilizadores vulneráveis.
Artigo 11.º
Condução de veículos e animais
1 - Todo o veículo ou animal que circule na via pública deve ter um condutor, salvo as exceções previstas neste Código.
2 - Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer atos que sejam suscetíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.
3
- O condutor de um veículo não pode pôr em perigo os utilizadores vulneráveis.
Artigo 18.º
Distância entre veículos
1 - O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis.
2 - O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto.


Artigo 24.º
Princípios gerais
1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.

Artigo 25.º
Velocidade moderada
1 - Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:
a)
À aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e ou velocípedes;
b) À aproximação de escolas, hospitais, creches e estabelecimentos similares, quando devidamente sinalizados;
c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;
d) Nas zonas de coexistência;
e)
À aproximação de utilizadores vulneráveis;
f) À aproximação de aglomerações de pessoas ou animais;
g) Nas descidas de inclinação acentuada;
h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;
i) Nas pontes, túneis e passagens de nível;
j) Nos troços de via em mau estado de conservação, molhados, enlameados ou que ofereçam precárias condições de aderência;
l) Nos locais assinalados com sinais de perigo;
m) Sempre que exista grande intensidade de trânsito.
Artigo 34.º
Veículos de grandes dimensões
1 - Sempre que a largura livre da faixa de rodagem, o perfil transversal ou o estado de conservação da via não permitam que o cruzamento se faça com a necessária segurança, os condutores de veículos ou de conjuntos de veículos de largura superior a 2 m ou cujo comprimento, incluindo a carga, exceda 8 m devem diminuir a velocidade e parar, se necessário, a fim de o facilitar.
Artigo 38.º
Realização da manobra
1 - O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.
2
- O condutor deve, especialmente, certificar-se de que:
a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança;
b) Pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam;
c) Nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar;
d) O condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo;
e) Na ultrapassagem de velocípedes ou
à passagem de peões que circulem ou se encontrem na berma, guarda a distância lateral mínima de 1,5 m e abranda a velocidade.
3 - Para a realização da manobra, o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado.
4 - O condutor deve retomar a direita logo que conclua a manobra e o possa fazer sem perigo.


Artigo 89.º
Identificação em caso de acidente
1 - O condutor interveniente em acidente deve fornecer aos restantes intervenientes a sua identificação, a do proprietário do veículo e a da seguradora, bem como o número da apólice, exibindo, quando solicitado, os documentos comprovativos ou os dados dos documentos disponibilizados nos termos do n.º 1 do artigo 4.º-A da Lei n.º 37/2014, de 26 de junho, na sua redação atual.
2 - Se do acidente resultarem mortos ou feridos, o condutor deve aguardar, no local, a chegada de agente de autoridade.
Artigo 103.º
Cuidados a observar pelos condutores
1 - Ao aproximar-se de uma passagem de peões ou velocípedes assinalada, em que a circulação de veículos está regulada por sinalização luminosa, o condutor, mesmo que a sinalização lhe permita avançar, deve deixar passar os peões ou os velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.
2
- Ao aproximar-se de uma passagem de peões ou velocípedes, junto da qual a circulação de veículos não está regulada nem por sinalização luminosa nem por agente, o condutor deve reduzir a velocidade e, se necessário, parar para deixar passar os peões ou velocípedes que já tenham iniciado a travessia da faixa de rodagem.
3 - Ao mudar de direção, o condutor, mesmo não existindo passagem assinalada para a travessia de peões ou velocípedes, deve reduzir a sua velocidade e, se necessário, parar a fim de deixar passar os peões ou velocípedes que estejam a atravessar a faixa de rodagem da via em que vai entrar.

Com efeito, ficou claro pela versão de ambos que o veículo segurado seguia a uma velocidade muito moderada, pelo menos quando passou pela Demandante, sendo que – para o caso – o que importa reter é que o embate no peão se deu após a sua ultrapassagem, sendo evidente que apenas tocou no peão com o canto traseiro da carroçaria, já depois de ter por ele passado; caso contrário haveria a lamentar danos físicos bem mais graves;
Não há sinais de travagem, nem de qualquer surpresa, simplesmente o condutor não viu a Demandante, nem quando passou, nem quando abrandou, não se recordando sequer se deixou descair o carro. Contudo, o facto é que não foi ao passar pela Demandante que lhe bateu, caso contrário, o impacto ter-se-ia dado com o espelho retrovisor, ou com o canto dianteiro da carroçaria, bem mais salientes do que a carroçaria, ter-lhe iam batido primeiro.
Contrariamente à versão inicial do condutor segurado, das suas testemunhas e do relatório que a secundou, o facto é que por várias vezes o próprio condutor, ouvido, declara “nem a vi, só dei por ela quando ouvi o embate”, tal como a Demandante afirma: “ele já tinha passado por mim”.
Se o acidente tivesse ocorrido como o condutor inicialmente relatou e o Sr. Perito secundou, a Demandante teria sido abalroada e arrastada, juntamente com a porta os danos seriam bem mais graves e diversos.
Evidente se torna que o veiculo segurado não regulou a atenção necessária à sua condução, de forma a verificar que, naquela fila de carros estacionados, estava um peão encostado a um deles, que não viu quando passou, nem viu pelo retrovisor, enquanto fazia ponto de embraiagem, regulou a distância com o carro da frente, ou retomou a sua marcha, operações que sem que o condutor médio se aperceba, provocam sempre um ligeiro descair do veículo, pela inércia do movimento. Só assim se explica que a Hilux tenha passado pela Demandante sem lhe provocar um arranhão, para logo a seguir, vir embater num ponto pelo qual já havia passado e deixado ileso.

Mas que dizer sobe a Demandante e a sua posição relativa em todas estas circunstâncias?
Resultou provado que a Demandante estava estacionada em fila e a ocupar parte da faixa de rodagem. Não havia sinal vertical ou horizontal que expressamente a impedisse, mas há um dever geral de bom senso. Vejamos novamente o Código da Estrada:

Paragem e estacionamento
Artigo 48.º
Como devem efetuar-se
1 - Considera-se paragem a imobilização de um veículo pelo tempo estritamente necessário para a entrada ou saída de passageiros ou para breves operações de carga ou descarga, desde que o condutor esteja pronto a retomar a marcha e o faça sempre que estiver a impedir ou a dificultar a passagem de outros veículos.
2 -
Considera-se estacionamento a imobilização de um veículo que não constitua paragem e que não seja motivada por circunstâncias próprias da circulação.
3 - Fora das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se fora das faixas de rodagem ou, sendo isso impossível e apenas no caso de paragem, o mais próximo possível do respetivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha.
4 -
Dentro das localidades, a paragem e o estacionamento devem fazer-se nos locais especialmente destinados a esse efeito e pela forma indicada ou na faixa de rodagem, o mais próximo possível do respetivo limite direito, paralelamente a este e no sentido da marcha.
5 - Ao estacionar o veículo, o condutor deve deixar os intervalos indispensáveis à saída de outros veículos, à ocupação dos espaços vagos e ao fácil acesso aos prédios, bem como tomar as precauções indispensáveis para evitar que aquele se ponha em movimento.
Artigo 50.º
Proibição de estacionamento
1 - É proibido o estacionamento:
a) Impedindo o trânsito de veículos ou obrigando à utilização da parte da faixa de rodagem destinada ao sentido contrário, conforme o trânsito se faça num ou em dois sentidos;

b) Nas faixas de rodagem, em segunda fila, e em todos os lugares em que impeça o acesso a veículos devidamente estacionados, a saída destes ou a ocupação de lugares vagos;

A Demandante estava dentro de uma localidade, não impedia o trânsito, nem obrigava à utilização da faixa contrária, como se prova pelo facto da Hilux ter passado sem lhe tocar e quando estava do lado oposto um veículo tão volumoso como um autocarro.
Ainda assim, estava a ocupar parte da faixa de rodagem e isso deve ser tido em consideração.

Ora, a culpa deve ser aferida pelos cuidados exigíveis a um homem médio - medianamente prudente, diligente e capaz - colocado na posição do agente, podendo resultar tanto da indevida violação de uma norma estradal, como de simples, mas censurável, falta de atenção, de prudência e de cuidado (cfr. Ac. do STJ de 18.06.1996).
A este propósito adianta o do artigo 487.º n.º 1 do Código Civil, que estipula “É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo se houver presunção legal de culpa.”. Nos termos do artigo 349.º do Código Civil, as presunções são ilações que a lei ou o julgador retira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. As presunções judiciais são, portanto, ilações (conclusões) que o juiz extrai, tendo por fundamento matéria de facto - julgada provada, notória ou de conhecimento oficioso.
In casu, estamos perante uma presunção legal de culpa do condutor do veículo Hilux que não se mostra ilidida, nem mitigada, tendo em conta a confissão por este repetida que não ter visto a Demandante senão depois do embate.
O artº 572º do CC. Estabelece que “àquele que alega a culpa do lesado incumbe a prova da sua verificação, mas o tribunal conhecerá dela ainda que não seja alegada”. No caso, a culpa do lesado foi alegada e o Tribunal dela conheceu e não a confirma, pelo menos totalmente, até porque ficou provado que o acidente entre o Hilux e o peão, não teria sucedido se não fosse a desatenção confessa do condutor do veículo segurado.
Com efeito, cumpria em primeira linha ao condutor segurado, regular a sua velocidade, distância e atenção às condições existentes (autocarro do lado esquerdo, fila de carros estacionados do lado direito, carros a abrandar à sua frente, pessoas a atravessar, zona de passadeira, peão na lateral direita) para não só poder parar o mesmo, se necessário, no espaço livre visível à sua frente, como para permitir ao peão que ali já se encontrava, que acabasse de se introduzir no carro em segurança e ele, veículo que chega depois, pudesse retomar a sua marcha, sem tocar em ninguém. (cfr. artigos 18º, nº 1 e 24º, nº 1 do CE).
Assim e analisadas e ponderadas todas estas condicionantes, temos forçosamente de valorar a a presunção legal de culpa do condutor segurado que não se mostra de todo ilidida, nem mitigada pela evidente violação das normas do Código da Estrada referidas.
Também não cremos ser de aplicar o artigo 506.º do Código Civil, relativo à responsabilidade pelo risco, dado este preceito aplicar-se apenas quando se tenha apurado que nenhuma culpa houve da parte de cada um dos condutores envolvidos e também nos casos em que nada se apurou quanto à culpa de cada um deles (cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24/11/77, Boletim Ministério da Justiça n.º 271, pág. 221 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 11/10/78, Boletim Ministério da Justiça n.º 282, pág. 255).
Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída” – artº 570º nº 1 do CC
Assim, e em função do tanto que já que dissemos sobre a prova produzida e convicção criada, resta considerar que efetivamente e no que concerne ao sinistro ocorrido entre o veículo segurado e a Demandante, utilizadora, a conduta negligente e desatenta do veículo segurado foi determinante para a sua produção. Com efeito, analisadas as normas estradais (que transcrevemos tendo em conta o facto de uma das partes não se encontrar mandatada por Advogado), e não sendo alheios à posição de risco em que a Demandante também se colocou para ser colhida nesta situação, com o seu estacionamento temerário, o facto é que dentro das localidades e naquele local em concreto, nada há que proíba a Demandante de ali estacionar, comparativamente ao tanto que proibia o segurado de circular como circulou:
- Sem olhar para os dois lados,
- Sem ceder passagem a peões que estivessem na sua lateral,
- Sem observar distâncias laterais de segurança de modo a não avançar até que se repusesse a possibilidade de ultrapassar em segurança,
- Sem olhar pelo espelho retrovisor e
- Sem sair do local com o peão ferido, até que chegassem as autoridades policiais.
A circulação estradal, sob pena de se tornar impossível, tem de se efectuar no respeito de cada condutor ou peão pelas regras de trânsito e na confiança de que igual respeito ocorrerá por parte dos outros demais utentes” (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, 16.09.92, www.dgsi.pt).
Daí que não possamos considerar existir apenas um “culpado”, tal como não podemos considerar igual a medida da culpa dos intervenientes. Assim e em função do que dissemos, há que se considerar a medida da contribuição de cada um dos intervenientes, para o resultado danoso, repartida na proporção de 10%/90%, devendo a Demandada ser a principal condenada a reparar os prejuízos causados à Demandante na respectiva proporção de 90% dos danos que vierem a ser considerados e a Demandante assumir a sua parte de responsabilidade na produção dos mesmos.

DOS DANOS PETICIONADOS
A Demandante peticiona nesta acção danos emergentes e danos futuros.
Danos por si já calculados:
a) € 148,39 pelas despesas suportadas com os medicamentos que lhe foram prescritos, a consulta de fisiatria e o RX que teve de fazer a expensas suas, bem como o combustível que teve de suportar por estar impossibilitada de andar de autocarro;
b) € 1 109,92 relativo à diferença do valor que recebeu da segurança social e o que receberia de remuneração se não tivesse ocorrido o acidente que a incapacitou totalmente para o trabalho € 750,00 x 2 – 390,08)
c) € 1 600,00 a título de danos não patrimoniais.

E danos por calcular:
d) Valor que estima em € 12 000,00 sem prejuízo do que se vier a apurar pelo Serviço de Saúde Regional da RAM relativo às despesas hospitalares vencidas e vincendas em valor ainda a determinar;



DANOS PATRIMONIAIS PASSIVEIS DE CÁLCULO
No que diz respeito às despesas que a Demandante já suportou com medicamentos, consultas, RX e combustível, peticionou o valor total de 148,39, e trouxe ao processo os comprovativos de pagamento, cuja valor probatório não resultou abalado pela Demandada, tendo em conta as datas, o seu nome e a congruência com os factos por si alegados, pelo que restará reconhecer-lhe o direito ao seu reembolso enquanto danos patrimoniais emergentes do acidente. (fls. 28, 29, 37, 38 e 65)

Em relação às diferenças salariais por si sofridas, mostram-se igualmente comprovadas pelos recibos de vencimento, pelos valores pagos pela Segurança social, restando reconhecer-lhe também o direito a esses valores enquanto perdas salariais já consumadas e devidamente demonstradas.
Assim, considerando o seu salário líquido no valor de € 690,30 x 2 = € 1380.60 - € 390,08, a Demandante terá direito a receber a diferença, no valor de € 990,52 (novecentos e noventa euros e cinquenta e dois cêntimos) fls. 56 a 59.

QUANTO AOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Pede ainda uma indemnização de € 1600,00 a título de danos não patrimoniais pelas dores sofridas desde o acidente até à propositura da acção, pelas noites sem dormir, pelas limitações físicas para prover à sua própria higiene, condução, vestir, dormir, etc…
O artigo 496.º, n.º 1 do CC, condiciona a ressarcibilidade aos danos não patrimoniais àqueles que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Esta gravidade, traduz-se num conceito indeterminado de valoração, atentas as particulares circunstâncias do caso, analisadas juridicamente à luz de um critério objetivo, tendo em conta as conceções de justiça vigentes. A apreciação da relevância do dano, com vista a determinar se se revela merecedor de tutela jurídica, não depende da sua origem, mas da intensidade que assume, para aquele concreto lesado. Assim, ainda que se considere que, na generalidade dos casos, os danos não patrimoniais emergentes de determinado tipo de lesão são habitualmente graves, tal valoração terá de ser feita caso a caso, atendendo às concretas circunstâncias de vida da pessoa e da possibilidade de as manter, o que implica uma apreciação da situação atual do lesado e das alterações sofridas em consequência do ato lesivo. Constituem elementos essenciais, caracterizadores do dano, a natureza da lesão sofrida, a respetiva intensidade para aquele(s) lesado(s) em particular e suas consequências para o quotidiano dos mesmos, sem esquecer os concretos bens jurídicos ou interesses atingidos pela lesão. Naturalmente a duração dos efeitos da lesão releva, igualmente, na quantificação da extensão do dano, bem como da valoração que do mesmo se faça.

De acordo com o recente Ac.STJ Procº 107/17.5T8MMV.C1.S1 – de 20.11.2019

V. — Em relação aos danos não patrimoniais, o princípio é o de que a indemnização deve calcular-se de acordo com a equidade (art. 496.º, n.º 4, do Código Civil). A equidade funciona como único recurso, “ainda que não descurando as circunstâncias que a lei manda considerar, a saber: o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (por exemplo, a natureza e a intensidade e da lesão infligida)”

Do n.º 4 do artigo 496.º, conjugado com o artigo 494.º, resulta que o quantum devido por danos não patrimoniais é fixado com base na equidade e que o julgador deverá atender, não apenas ao dano em causa, mas também ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e às demais circunstâncias concretas do caso, tendo ainda, se possível, em consideração os casos que mereçam tratamento análogo (artº 8.º, n.º 3).
Ao preceituar que o julgador deverá atender, não apenas ao dano, de forma a compensar o lesado através da atribuição de um montante que se mostre proporcionado à respetiva gravidade e extensão, mas igualmente aos demais fatores referidos, designadamente à culpa do lesante e à respetiva situação económica, a lei atribui à indemnização por danos não patrimoniais uma natureza não meramente compensatória. Tal indemnização reveste, além daquela natureza compensatória, um carácter sancionatório, visando reprovar ou castigar a conduta do lesante. Ao ser calculada tendo em atenção a atuação do agente e a sua situação económica, de modo a ter em conta, por um lado, o grau de culpabilidade da respetiva conduta e, por outro, o reflexo do cumprimento da obrigação pecuniária na situação pessoal do obrigado, o processo de determinação da indemnização não se baseia apenas na análise do dano, com um objetivo compensatório, visando igualmente que o montante pecuniário se mostre adequado como punição da conduta do lesante. (…) É certo que a natureza não patrimonial dos danos não permite a efetiva indemnização do lesado, com a remoção da alteração causada dado que não é possível a reconstituição natural e que o pagamento de uma quantia monetária não torna o lesado indemne. No entanto, considerando que a atribuição de uma quantia pecuniária visa proporcionar, ao lesado, satisfação que atenue ou neutralize o sofrimento físico ou espiritual, a indemnização tem, a título principal, uma função compensatória. Tal finalidade principal não impede, porém, a assunção pela responsabilidade civil de outras finalidades acessórias, designadamente de cariz sancionatório, desde que respeitados os pressupostos e limites por aquela, definidos, isto é, no âmbito da existência e da extensão do dano a indemnizar”, que deve ser sempre proporcionada à gravidade do dano. (in ANA MARGARIDA CARVALHO PINHEIRO LEITE Dissertação “A EQUIDADE NA INDEMNIZAÇÃO DOS DANOS NÃO PATRIMONIAIS”.

A Demandante pede o valor de € 1600,00 por danos não patrimoniais sofridos até à data da instauração desta acção, alegando que “sofre muitas dores o braço esquerdo, tem dormido mal devido às dores, tem limitações quanto aos seus afazeres, como carregar peso, conduzir, dormir, tem muita dificuldade na execução do seu trabalho porque implica esforço físico. Nas suas alegações, relatou como teve de mudar de trabalho (servia às mesas num restaurante e agora teve de ir para uma lavandaria de um lar) por já não conseguir segurar nua bandeja. Referiu na sua peça que se viu obrigada a ir trabalhar, mesmo com dores, para honrar os seus compromissos. Em face da Jurisprudência do STJ que visitámos para nos orientarmos sobre os critérios que têm vindo a ser seguidos, é patente que a Demandante não se excedeu no seu pedido, sendo que o Tribunal também a ele está vinculado:

09-06-2005 - Revista n.º 950/05 - 2.ª Secção - Bettencourt de Faria (Relator) *, Moitinho de Almeida e Noronha Nascimento

I - Na fixação da indemnização por danos não patrimoniais não deve ser atendido o significado subjetivo da quantia derivado da condição social e económica do lesado, antes devendo ser seguido um critério objectivo de qual é o sentimento social médio duma verdadeira compensação, ou um real quantum doloris. II - Incapacidade significa uma diminuição geral da perfomance psicomotora daquele que dela sofre. Por isso, por mais pequena que seja, sempre afetará a capacidade de ganho.

26-11-2015. Revista n.º 3213/03.0TJVNF.G1. S1 - 2.ª Secção Maria da Graça Trigo (Relatora) Bettencourt de Faria João Bernardo

I - A indemnização por danos não patrimoniais deve, nos termos do art. 496.º, n.º 4, 1.ª parte, do CC, ser fixada segundo juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias do caso. II - A aplicação de critérios equitativos não afasta a necessidade de ponderar as exigências do princípio da igualdade, o que aponta para uma tendencial uniformização de parâmetros na fixação judicial das indemnizações, sem prejuízo da consideração das circunstâncias do caso concreto. III - Resultando da factualidade provada que, em consequência de um acidente de viação, o lesado sofreu fractura e luxação do tornozelo esquerdo, e que, em consequência das lesões sofridas passou a caminhar com alguma dificuldade, entende-se que a fixação, pela Relação, da indemnização por danos não patrimoniais em € 5 000, respeita os pressupostos dentro dos quais se deve situar o juízo de equidade.

17-12-2015 Revista n.º 19909/12.2T2SNT.L1.S1 - 7.ª Secção Orlando Afonso (Relator) Silva Gonçalves Fernanda Isabel Pereira

I - Considerando o disposto no n.º 3 do art. 496.º do CC, a determinação dos danos não patrimoniais ressarcíeis é atribuída pela lei à jurisprudência que tem de apreciar, em cada caso concreto, se são ou não merecedores da tutela do direito, isto é, se têm ou não de ser indemnizados, reparados ou compensados. II - É certo que os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. III - Não se trata de atribuir ao lesado um “preço da dor” mas de lhe propiciar a satisfação de uma gama de interesses mais ou menos ampla, na qual se podem incluir mesmo interesses de ordem ideal. IV - Resultando da matéria de facto provada que o autor foi embatido por um veículo automóvel quando se encontrava a atravessar a passadeira de peões, embate esse que lhe provocou a sua queda no solo e lhe causou traumatismo craniano facial sem perda de conhecimento, sem INDEMNIZAÇÃO POR DANOS CORPORAIS EMERGENTES DE ACIDENTES DE VIAÇÃO Sumários de Acórdãos (2015 - Outubro de 2019) Gabinete dos Juízes Assessores Assessoria Cível 36 náuseas e sem vómitos, traumatismo do cotovelo esquerdo com escoriações e teve dores de grau quatro e três dias de doença, considera-se adequado fixar a título de indemnização por danos não patrimoniais o montante de € 6 000, em vez dos € 4 000 fixados pela Relação. –

Em face de tudo o que vem exposto e por se nos afigurar – face às regras da experiência comum a Demandante demonstrou documentalmente que:

1. À data do acidente tinha praticamente 50 anos, (nasceu em 1969-06-17 cfr. doc. de internamento);

2. Sofreu fratura do úmero esquerdo;

3. Foi submetida cirurgia, após uma semana de internamento;

4. Ficou internada 10 dias no Hospital;

5. Permaneceu com o braço imobilizada sob o método Gerdey cerca de um mês;

6. Impossibilitada de efetuar as suas tarefas normais e até de cuidar da sua própria higiene por força dessa imobilização;

7. Permaneceu incapacitada para o trabalho durante 59 dias;

h) Esteve pelo menos em 6 consultas no Centro de Saúde e efetuou pelo menos 16 sessões de fisioterapia e reabilitação

A Demandada não logrou contrapor nenhum destes factos, todos documentalmente comprovados e dos mesmos decorre inelutavelmente a conclusão fundada no critério do cidadão médio, com cerca de 50 anos, colocado nas mesmas circunstâncias, sendo razoável admitir as dores antes e depois da operação, a necessidade e dependência da ajuda de terceiros, as impossibilidades de prover às suas tarefas normais mais básicas, de conseguir posição para dormir, etc…

Por tudo isto e tendo como referência os critérios de equidade acima apontados e as situações análogas que cuidamos de consultar para fundamentar a decisão a tomar, afigura-se-nos muito equitativo atribuir à Demandante o valor por si peticionado, deduzido da proporção de responsabilidade que lhe foi fixada. Assim, deverá receber a título de danos não patrimoniais por si sofridos até à presente data, o montante de € 1 600,00 – 10% = € 1 440,00 (mil quatrocentos e quarenta euros.)

QUANTO AO PEDIDO DE DESPESAS HOSPITALARES VENCIDAS E VINCENDAS

Finalmente e no que se reporta a despesas ainda não vencidas à data da propositura da acção, alegou a Demandante que:
”Pode vir a ser necessário nova cirurgia ao braço para retirar a prótese e dois parafusos, se os mesmos dificultarem a mobilidade do braço o que implicaria nova cirurgia e consecutivamente o aumento das despesas hospitalares – artº 32-33 do R.I.
“Importa referir que até à presente data, a Demandante desconhece os valores das despesas hospitalares; podendo inclusivamente, como já fora referido, ser submetida a nova cirurgia e nesse caso teria que continuar também com a fisioterapia – artºs 40-41 do R.I.
Importa referir que a Demandante tem cicatrizes no braço passiveis de cirurgia plástica”– artº 59º - Daí que “a Demandante pretende que o Demandado seja condenado a pagar as despesas hospitalares, vencidas e vincendas, devidas ao Serviço de Saúde da RAM, em valor ainda a determinar, pedido a que atribui o valor estimativo de € 12 000,00, sem prejuízo do valor que se vier a apurar e que protesta juntar” – artº 58

Tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Vejamos,
Relativamente aos danos futuros, a jurisprudência vem entendendo que o Tribunal poderá reconhecer-lhe o direito, mas não fazer a sua quantificação porque simplesmente a Demandante não dotou o processo dos elementos necessários ao respectivo cálculo, por não estarem ainda na posse da mesma, embora seja previsível que tal quantificação venha a possível – com base em fatores objectivos – de realizar em sede de liquidação.
Neste caso e apesar de haver quem defenda que se poderá aplicar o artº 566º nº 3 do CC, o facto é que estamos a laborar num campo de probabilidade – que apesar de séria – não é totalmente certa, pelo que - na lógica do equilíbrio das partes - não está o tribunal obrigado a utilizar o recurso à equidade, na situação em causa, sem que seja também líquido ser essa a melhor solução possível.
Concluindo-se serem indemnizáveis os danos futuros, quer acarrete para a lesada uma diminuição efetiva do seu ganho laboral, quer lhe implique apenas um esforço acrescido para manter os mesmos níveis dos seus proventos profissionais, exigindo tal incapacidade um esforço suplementar, físico ou/e psíquico, para obter o mesmo resultado – entre muitos outros, só anotando jurisprudência mais recente, Acs do STJ de 18/12/07 (Santos Bernardino), Pº 07B3715, de 17/1/08 (Pereira da Silva), Pº 07B4538, de 17/6/08 (Nuno Cameira), Pº 08A1266 e de 10/7/08 (Salvador da Costa), Pº 082B111, bem como Cons. Sousa Diniz, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJ STJ, Ano IX, T.1, p. 6 e ss.

Citando ainda o que a esse propósito se decidiu no Ac RL Coimbra Procº 163/04.6TBOFR.C1 de 21.01.2010:
“Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de outubro de 1994[3], por dano futuro deve entender-se aquele prejuízo que o sujeito do direito ofendido ainda não sofreu no momento temporal que é considerado.”
Completaríamos esta frase com “ou que o ofendido ainda não parou de sofrer”.
(…) Apreciando a questão concreta suscitada, haverá que definir os conceitos de dano futuro previsível e imprevisível, determinável e indeterminável.
Acompanhando de perto a fundamentação do acórdão citado, os danos futuros podem dividir-se em previsíveis e imprevisíveis.
O dano é futuro e previsível quando se pode prognosticar, conjeturar com antecipação ao tempo em que acontecerá, a sua ocorrência.
No caso contrário, isto é, quando o homem medianamente prudente e avisado o não prognostica, o dano é imprevisível.
De harmonia com o disposto no normativo citado, o dano imprevisível não é indemnizável antecipadamente - o sujeito do direito ofendido só poderá pedir a correspondente indemnização depois de o dano acontecer, depois de lesado.
(…) Determinável ou indeterminável, o dano futuro certo é sempre indemnizável. A diferença está em que, no momento de julgar, se deve fixar a indemnização do dano determinável, ao passo que em relação ao dano certo mas indeterminável na sua extensão, a fixação da indemnização correspondente é remetida para decisão ulterior, a execução de sentença, nos termos do disposto no artigo 564.º, n.º 2, do Código Civil e 661.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
(…)
Nesse sentido, veja-se o acórdão do STJ de 24.02.1999[4]: «Os danos futuros tanto podem ser danos emergentes - como as lesões corporais a determinar ou as despesas com tratamentos - como lucros cessantes - como a incapacidade permanente parcial.»
Face ao exposto, atenta a prova produzida, procedem parcialmente as alegações do Apelante nesta parte, devendo ser alterada a decisão recorrida, de forma a que dela conste a condenação da seguradora a pagar ao Apelante/autor as quantias que se vierem a liquidar em execução de sentença, emergentes dos tratamentos médicos da especialidade de ortopedia a que este vier a ser submetido, devido a lesões decorrentes do acidente.


Ora, no caso concreto, a Demandante apresenta um pedido genérico, por estimativa, afirmando expressamente desconhecer, por ainda não lhe terem sido apresentadas as despesas hospitalares pelas entidades competentes – compreendendo-se nas mesmas, as taxas da urgência, as faturas dos exames, cirurgia, internamento, pós-internamento, consultas de pós-operatório, de fisiatria e reabilitação, etc. que manteve com a SESARAM através do Hospital Nélio Mendonça, Centro de Enfermagem e Centro de saúde do Bom Jesus e entidades de saúde conexas.
Para além dessas despesas já vencidas e não pagas por não lhe terem sido ainda apresentadas, o seu processo de recuperação pode não se encontrar ainda definitivamente encerrado, pois pode vir a ser necessária nova cirurgia para retirar os elementos cirúrgicos que foram implantados na intervenção a que foi submetida, ou prescrita alguma cirurgia estética, ou tratamento de reabilitação e fisiatria, medicamentos, etc… pelos especialistas na área que a acompanharam ou venham a acompanhar.
Ora, os pedidos genéricos estão previstos no artº 556º do CC, sendo este caso uma das situações com previsão na alínea b) nº 1 do mesmo normativo, estabelecendo o nº 2 que nestes casos, o pedido é concretizado através de liquidação nos termos do artº 358º do CC, que permite que o incidente de liquidação seja deduzido após a sentença de condenação genérica, nos termos no nº 2 do artº 609 do CPC, renovando-se assim a instância.
O nº 2 do artº 609º do CPC determina que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que seja já líquida.
Situação que encontra também a sua lógica no nº 1 do artº seguinte, 610º nº 1 do CPC.
Também na jurisprudência, encontramos tal entendimento:

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo: 9/09.9PTCSC.L1-3
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTE DE VIAÇÃO
Data do Acórdão: 10/02/2013
I-Estando provada a existência de danos, apenas não estando determinado o seu valor exato, cumpre relegar a fixação do montante indemnizatório para liquidação de execução de sentença, sem que ocorra qualquer ofensa do caso julgado, material ou formal.
II- São sobretudo razões de justiça e equidade que impedem que se absolva a demandada uma vez demonstrada a sua obrigação –apenas tendo ficado indeterminado o valor de tal dever de indemnizar.

“O deferimento da liquidação de uma condenação genérica para momento ulterior, ao abrigo do disposto no art. 609.º, n.º 2, e nos termos dos artºs. 358.º, n.º 2 e ss., ambos do CPC, supõe, necessariamente, que exista um dano de valor ainda suscetível de ser quantificado já que, como decorre do n.º 4 do art. 360.º do mesmo Código, o incidente de liquidação nunca poderá ter como resultado a não verificação de dano quantificável.”

Em face do exposto e compulsando os elementos do processo, com os dados da experiência e senso comum, à luz do princípio do buono pater familaes, não podemos deixar de reconhecer que podem vir a ser cobradas à Demandante, despesas hospitalares (consultas médicas, prescrições medicamentosas, exames, internamento, tratamentos, sessões de reabilitação e fisiatria, etc.) já vencidas e consequentes deste sinistro. Tal como existe a probabilidade séria do seu processo clínico não se encontrar ainda encerrado e vir a ter outros desenvolvimentos, que passem por novas consultas, novos exames, nova cirurgia, novo internamento, novos tratamentos, curativos, pensos, novas sessões de fisioterapia, novos medicamentos etc.


Não se encontrando tais danos futuro, previsíveis, documentados por causa não imputável à Demandante (ainda não lhe foram apresentadas as contas do que já passou, nem relatório do que irá passar) apesar de serem previsíveis e determináveis, restará reconhecer às Demandante o direito ao seu ressarcimento, na medida da responsabilidade que vier a ser definida e no montante que vier a ser liquidado em incidente de liquidação de sentença, para o que cumprirá à Demandante munir-se dos necessários comprovativos e elementos que permitam ao Tribunal liquidar o valor a fixar a tal pedido, que neste momento resulta impossível de liquidar.

VI. DECISÃO
Face ao que antecede e às disposições legais aplicáveis, julgo a acção parcialmente provada e parcialmente procedente e, por via disso:
Condeno a Demandada L SA – Sucursal em Portugal, pagar à Demandante M, quantia de € 2 465,02 (dois mil, quatrocentos e sessenta e cinco euros e dois cêntimos) (€ 148, 39 + 990,52+ 1600,00 – 10% =), correspondente a 90% dos danos patrimoniais e não patrimoniais passíveis de liquidação, sofridos pela Demandante e emergentes do acidente ocorrido em 05.07.2019, no Funchal, envolvendo o veículo CH- segurado da Demandada m.i. nos autos.
Fica ainda a Demandada condenada a pagar 90% do valor que vier a ser liquidado nos termos legais, relativamente às despesas hospitalares e de saúde acima discriminadas, vencidas e vincendas, que se mostrarem devidas aos Serviços de Saúde da RAM e decorrentes deste sinistro.
Sobre as quantias já liquidadas, bem como sobre as que se vierem a liquidar, acrescem juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação (17.06.2020) até integral pagamento, à taxa legal de 4%.

As custas serão a suportar por ambas as partes, tendo em conta a proporção da responsabilidade acima definida, visto só existir um aparente decaimento, uma vez que se encontra por liquidar uma parte do pedido apresentado, sem que isso represente qualquer improcedência. (Portaria 342/2019 de 1 de outubro).

Emita DUC no valor de € 63,00, em nome da Demandada,
1. Emita DUC no valor de € 7,00 em nome da Demandante
2. Advirta ambas que os deverão liquidar num dos 3 dias úteis subsequentes ao conhecimento da presente decisão, sob pena de incorrer numa sobretaxa de € 10,00 por cada dia de atraso no cumprimento dessa obrigação.

Registe e notifique as partes e a ilustre mandatária da Demandada.

Funchal, Julgado de Paz, 20 de maio de 2021


A Juiz de Paz
__________________
(Daniela Cerqueira)