Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2610/18.0T9VFX-D.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO PREVENTIVA
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
CRIMINALIDADE ALTAMENTE ORGANIZADA
PRAZO DE PRISÃO PREVENTIVA
ACUSAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
PODERES DO MINISTÉRIO PÚBLICO
AUTORIDADE JUDICIÁRIA
INCONSTITUCIONALIDADE
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA/NÃO DECRETAMENTO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, de enumeração taxativa, têm de reconduzir-se à previsão das al. do n.º 2 do art. 222.º do CPP, pelo que o STJ apenas tem de verificar (a) se a prisão resulta de uma decisão judicial exequível, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto pelo qual a lei a admite e (c) se estão respeitados os respetivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial.

II - A prisão preventiva, enquanto medida de coação de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no art. 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue.

III - O crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22-01, é punido com pena de prisão de máximo superior a oito anos e inscreve-se no conceito de criminalidade altamente organizada, na definição da al. m) do art. 1.º do CPP. 

IV - Tendo sido deduzida acusação, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido dez meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória [art. 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPP], sendo que, a não ser requerida instrução, só se extinguirá, posteriormente, depois de decorrido um ano e seis meses a contar do seu início [art. 215.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CPP].

V - A data a considerar para efeitos de verificação do termo do prazo máximo de prisão preventiva na fase de inquérito é a data em que é “deduzida acusação” e não a data em que esta é notificada ao arguido.

VI - Esta interpretação da norma do art. 215.º, n.º 1, al. a), do CPP não sofre de inconstitucionalidade, pois que, como tem decidido o Tribunal Constitucional, cabendo à lei a fixação de prazos de prisão preventiva, dispõe, consequentemente, o legislador ordinário de uma relativa margem de liberdade de conformação, sem embargo de dever ser respeitado o princípio da proporcionalidade.

VII - Não é aplicável o art. 144.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, pois que não há lacuna, nem o Ministério Público é “parte”, na aceção do art. 144.º do CPC, que, ao deduzir acusação no processo penal, deva praticar ato para ser “apresentado em juízo”; ao deduzir acusação, o Ministério Público age investido nos poderes de autoridade judiciária [art. 1.º, al. b), do CPP] que lhe são conferidos pelos art. 263.º, n.º 1, 276.º, n.º 1, e 283.º, n.º 1, do CPP.

VIII - A privação da liberdade foi ordenada por um juiz, que é a entidade competente, foi motivada por facto pelo qual a lei a permite e não se mantém para além do prazo fixado na lei, pelo que o pedido de habeas corpus carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [art. 223.º, n.º 4, al. a), e 6 do CPP].

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório

1. AA, com identificação nos autos, preso preventivamente, alegando encontrar-se atualmente em prisão ilegal, por considerar ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva, apresenta petição de habeas corpus, nos termos e com os seguintes fundamentos:

«1.º - Em sede de interrogatório judicial, no pretérito dia 25/11/2021, foi determinada ao Arguido a aplicação da medida de coação de prisão preventiva prevista no artigo 202.º do C.P.P., por se considerar existirem fortes indícios dos mesmos terem praticado, em autoria material e na forma consumada, um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, por referência à Tabela I-B do mesmo diploma legal.

2.º - Assim, os Arguidos encontram-se presos preventivamente há mais de 6 (seis) meses.

3.º - Sendo certo que, até ao presente momento os Arguidos não foram, ainda notificados da Acusação.

4.º - Dispõe o artigo 215° do CPP, o seguinte:

"1 - A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

a)    Seis meses sem que tenha sido deduzida acusação;

b)     Oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória;

c)    Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância;

d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.

2 - Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos...".

5.º - No caso em apreço, atentos os crimes indiciados nos autos, o prazo máximo de duração de prisão preventiva, é de seis meses, pelo que, encontra-se esgotado o prazo máximo de duração da prisão preventiva, previsto nas disposições dos artigos 215.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 1.º, alínea m), do Código de Processo Penal, cujo término ocorreu em 25/05/2022.

6.º - Assim, o prazo máximo de prisão preventiva nos presentes autos encontra-se ultrapassado.

7.º - Dispõe o Artigo 222.º do Código de Processo Penal que:

"1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a)     Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b)     Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c)      Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial."

8.º - Encontrando-se ultrapassado o prazo máximo de prisão preventiva, a detenção dos Arguidos em estabelecimento prisional mostra-se um atentado ilegítimo à sua liberdade individual, e é ilegal nos termos do Artigo 222.º n.º 2 alínea c) do Código de Processo Penal.

Até a presente data, 26/05/2022, nem os Arguidos nem o seu Mandatário foram notificados do Despacho de Acusação, pelo que, à cautela, e por mero dever de patrocínio, ainda diremos o seguinte:

9.º - Nos termos do artigo 4.º do Código de Processo Penal:

"Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal."

10.º - Assim, verte o artigo 144° do Código de Processo Civil:

1 - Os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva expedição.

(...)

7 - Sempre que se trate de causa que não importe a constituição de mandatário, e a parte não esteja patrocinada, a apresentação a juízo dos atos processuais referidos no n.º 1 é efetuada por uma das seguintes formas:

a)     Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;

b)     Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;

c)      Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição;

d)      Entrega por via eletrónica, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 132.º, valendo como data da prática do ato a da respetiva expedição."

11.º - Segundo os artigos acima citados, os atos processuais das partes, consideram-se praticados na data da efetivação do registo postal.

12.º - Ou seja, mesmo que o Despacho de Acusação seja proferido com data anterior a 25/05/2022, o que é revelante para verificação do cumprimento do prazo máximo da prisão preventiva, previsto no artigo 215° do Código de Processo Penal, é a data da expedição do registo postal e não a data da prolação da acusação.

Ora,

13.º - Portugal é, por determinação Constitucional,

"um Estado de direito democrático, baseado na soberania popular, (...), no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes" (art.2.º da CRP),

no qual, nomeadamente,

"todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo" (n.º 4 do art. 20.º da CRP),

"Ninguém pode ser total  ou parcialmente  privado  da  liberdade,  a não  ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança, (art. 27.º, n.º 2 da CRP), "A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei,"   (art. 28.º, n.º 4 da CRP),

"1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.

2. Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, (...)." (art.32.º da CRP);

"1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.

2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos (...)" (art.202.º da CRP);

"Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nele consagrados" (art.204.º da CRP);

14.º - E no qual a lei ordinária dispõe, nomeadamente, que:

"1. Os juízes têm o dever de administrar justiça, proferindo despacho ou sentença sobre as matérias pendentes (...)•" (art. 152.º do CPC);

15.º - Ou seja: com o óbvio propósito de, por um lado, assegurar o respeito do direito a processo equitativo e das garantias de defesa (arts. 2.º, 20.º e 32.º da CRP); e por outro, impedir que os cidadãos sejam privados da sua liberdade, quando se encontram esgotados os prazos estabelecidos por lei.

16.º - Sendo certo que sempre serão inconstitucionais os artigos 215.º e 222.º do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido que:

"Para verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva é relevante a data da prolação do Despacho de Acusação e não a data da expedição postal."

E ainda no sentido que:

"Não é fundamento bastante do pedido de Habeas Corpus a data da expedição postal do Despacho de Acusação."

Tais interpretações violam os artigos 2.º, 20.º, 27.º, n.º 2, 28° n.º 4, 32.º, 202.º, 204.º, todos da Constituição da República Portuguesa, artigo 144.º e 152.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 4.º do Código de Processo Penal, inconstitucionalidades que, desde já se arguem.

Assim, em face do que ficou exposto resulta, claramente, que a prisão dos Arguido é manifestamente ilegal, pelo que se requer a V. Exa., o deferimento do presente pedido de Habeas Corpus, e em consequência que seja ordenada a imediata libertação do Arguido.»

2. Da informação prestada pela Senhora Juíza do processo, a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), sobre as condições em que foi efectuada e se mantém a prisão, consta o seguinte (transcrição):

«O arguido AA, sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde 25/11/2021, no Estabelecimento Prisional ..., intentou providência de habeas corpus, alegando prisão ilegal por se mostrar decorrido o prazo máximo de duração da prisão preventiva.

Alega, em síntese, que até à data de 05/06/2022, decorridos mais de 6 meses desde a data de aplicação da prisão preventiva, não foi notificado da dedução de acusação pública.

Importa prestar a informação necessária sobre a prisão e sua manutenção nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 223.º, n.º 1, do Código de Processo Penal:

Ao arguido AA foi aplicada em 25/11/2021, em sede de primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos, a medida de coacção de prisão preventiva (cfr. auto de interrogatório de fls. 3155 a 3168 verso e 3176 a 3200), tendo por base, no essencial, os seguintes fundamentos:

1 – A constatação de fortes indícios da prática pelos arguidos de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-lei 15/93, de 22 de Janeiro.

2 – A verificação da concreta existência dos perigos de continuação da actividade criminosa, de perturbação do inquérito, na modalidade de perigo para a conservação ou veracidade da prova, e de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas, estando cabalmente explicados os motivos que levaram a concluir pela existência concreta dos aludidos perigos e pela necessidade de aplicação da medida de coacção mais gravosa do nosso ordenamento jurídico.

3 – Tal medida foi revista por despachos proferidos a 23/02/2022, 19/05/2022 e, na sequência da dedução de acusação pública a 25/05/2022, por despacho de 25/05/2022.

Face ao exposto, é de concluir que a medida de coacção de prisão preventiva aplicada em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido:

- Foi aplicada por entidade competente;

- Foi motivada por facto que a lei permite e prevê;

- Não se encontram excedidos os prazos fixados por lei ou decisão judicial.

Relativamente a este último aspecto, é de salientar que não se encontra esgotado o prazo máximo de duração da prisão preventiva, pois, atentos os crimes indiciados nos autos (crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01), e tendo sido deduzida acusação pública a 25/05/2022, o prazo máximo de duração da prisão preventiva, nesta fase processual, é de dez meses (cujo término ocorrerá a 25/09/2022), nos termos das disposições conjugadas dos artigos 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, e 1.º, al. m), do Código de Processo Penal.

Acresce que, conforme decorre literalmente do disposto pelo artigo 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do Código de Processo Penal, e tem vindo a ser entendimento uniforme na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, a data que releva para determinação do termo final do prazo de duração da prisão preventiva (na dicotomia entre data da acusação ou data em que o arguido toma conhecimento da peça acusatória), é a data da prolação da acusação (neste sentido, vide, a título meramente exemplificativo, os acórdãos do STJ de 09/02/2011, proc. 25/10.8MAVRS-B.S1; de 04/11/2021, proc. 77/21.5JALSB-C.S1; de 10/02/2022, proc. 44/21.9GBCVD-B.S1; todos disponíveis em www.dgsi.pt, e o acórdão proferido nestes mesmos autos – processo 2610/18.0T9VFX-C.S1 – de 01/06/2022).

Em face do exposto, entendemos que a prisão do arguido é legal e deverá ser mantida ao abrigo do disposto nos artigos 191.º, 192.º, 193.º, n.º 1 e 2, 196.º, 202.º, n.º 1, alíneas a) e c), 204.º, alíneas b) e c), e 215.º, n.º 1, als. a) e b), e n.º 2, do Código de Processo Penal, não estando, de todo, preenchido o requisito previsto no artigo 222.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Penal.»

3. O processo encontra-se instruído com documentação dos seguintes atos processuais:

(a) Despacho de acusação do Ministério Público de 25 de maio de 2022, por se encontrar “fortemente” indiciada a prática, pelo arguido, agora requerente, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, por referência às tabelas anexas I-B e I-C.

(b) Despacho judicial de 25 de maio de 2022 que, na sequência da dedução de acusação, procedeu ao reexame dos pressupostos da medida de coação e decidiu manter a medida de prisão preventiva aplicada ao arguido, agora requerente;

(c) Despachos judiciais de reexame dos pressupostos e de manutenção da prisão preventiva, de 23 de fevereiro de 2022 e de 19 de maio de 2022.

4. Convocada a secção criminal e notificados o Ministério Público e o defensor, realizou-se audiência, em conformidade com o disposto nos n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 223.º do CPP.

Terminada a audiência, a secção reuniu para deliberar (artigo 223.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPP), fazendo-o nos termos que se seguem.

II. Fundamentação

5. O artigo 31.º, n.º 1, da Constituição consagra o direito à providência de habeas corpus como direito fundamental contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegais privativas do direito à liberdade.

O habeas corpus constitui uma providência expedita e urgente de garantia do direito à liberdade consagrado nos artigos 27.º e 28.º da Constituição, em caso de detenção ou prisão «contrários aos princípios da constitucionalidade e da legalidade das medidas restritivas da liberdade», «em que não haja outro meio legal de fazer cessar a ofensa ao direito à liberdade», sendo, por isso, uma garantia privilegiada deste direito, por motivos penais ou outros (assim, Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2007, p. 508, e Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2005, p. 303, 343-344). O direito à liberdade consagrado e garantido no artigo 27.º da Constituição, que se inspira diretamente no artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e em outros textos internacionais, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 9.º), que vinculam Portugal ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, é o direito à liberdade física, à liberdade de movimentos, isto é, o direito de não ser detido, aprisionado ou de qualquer modo fisicamente confinado a um determinado espaço ou impedido de se movimentar [assim, por todos, o acórdão de 29.12.2021 (proc. 487/19.8PALSB-A.S1), em www.dgsi.pt].

Nos termos do artigo 27.º, todos têm direito à liberdade e ninguém pode ser privado dela, total ou parcialmente, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena ou de aplicação judicial de medida de segurança privativas da liberdade (n.ºs 1 e 2), excetuando-se a privação da liberdade, no tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos previstos no n.º 2 do mesmo preceito constitucional, em que se inclui a prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos [n.º 3, al. b)]. Como tem sido repetidamente afirmado, a prisão é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos neste preceito constitucional (por todos, o acórdão de 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt).

De acordo com o disposto no artigo 28.º, a detenção é submetida, no prazo máximo de 48 horas, a apreciação judicial, para restituição à liberdade ou imposição de medida de coação, em que se inclui a prisão preventiva, a qual tem natureza excecional e está sujeita aos prazos previstos na lei. A prisão preventiva só pode ser aplicada por um juiz, que, em despacho fundamentado, verifica a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida, que a justificam (artigos 193.º, 194.º, n.ºs 1 e 5, e 202.º do CPP). Dispõe o artigo 202.º do CPP que:

“1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

f) (…)

(…)”

6. A prisão preventiva, enquanto medida de coacção de ultima ratio, está sujeita aos prazos de duração máxima previstos no artigo 215.º do CPP, a contar do seu início, findos os quais se extingue.

Nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 deste preceito, a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação ou oito meses sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória.

Estabelecendo o respetivo n.º 2 que estes prazos são elevados, respetivamente, para seis meses e dez meses, em casos de criminalidade altamente organizada – categoria em que se incluem as condutas que integram os crimes tráfico de estupefacientes ou de substâncias psicotrópicas, na definição da al. m) do artigo 1.º do Código de Processo Penal –, ou quando se proceder por crime punível com pena de máximo superior a 8 anos, como no caso de crime de tráfico p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, a que corresponde a pena de prisão de 4 a 12 anos, ou por um dos crimes indicados nas alíneas desta disposição legal.

7. As decisões relativas à aplicação e reexame dos pressupostos da prisão preventiva – reexame que deve ter lugar no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, e quando no processo for proferido despacho de acusação [artigo 213.º, n.º 1, al. a) e b), do CPP] –, podem ser impugnadas por via de recurso ordinário, nos termos gerais (artigos 219.º, n.º 1, e 399.º e segs. do CPP), sem prejuízo de recurso à providência de habeas corpus contra abuso de poder por virtude de prisão ilegal (artigos 31.º da Constituição e 222.º a 224.º do CPP), com os fundamentos enumerados no n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Dispõe este preceito que:

“1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.”

8. Em jurisprudência constante, tem vindo este Supremo Tribunal de Justiça a afirmar que a providência de habeas corpus corresponde a uma medida extraordinária ou excecional de urgência – no sentido de acrescer a outras formas processualmente previstas de reagir contra a prisão ou detenção ilegais – perante ofensas graves à liberdade, com abuso de poder, ou seja, sem lei ou contra a lei, referidas nas alíneas a) a c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP (assim e quanto ao que se segue, por todos, de entre os mais recentes, o acórdão e 2.2.2022, Proc. n.º 13/18.6S1LSB-G, em www.dgsi.pt).

A providência de habeas corpus não constitui um recurso de uma decisão judicial, um meio de reação tendo por objeto atos do processo através dos quais é ordenada ou mantida a privação da liberdade do arguido ou um «sucedâneo» dos recursos admissíveis, que são os meios adequados de impugnação das decisões judiciais (artigos 399.º e segs. do CPP). A diversidade do âmbito de proteção do habeas corpus e do recurso ordinário configuram diferentes níveis de garantia do direito à liberdade, em que aquela providência permite preencher um espaço de proteção imediata perante a inadmissibilidade legal da prisão.

9. Os motivos de «ilegalidade da prisão», como fundamento da providência de habeas corpus, têm de reconduzir-se, necessariamente, à previsão das alíneas do n.º 2 do artigo 222.º do CPP, de enumeração taxativa.

Como se tem afirmado em jurisprudência uniforme e reiterada (acórdão de 2.2.2022 cit.), o Supremo Tribunal de Justiça apenas tem de verificar (a) se a prisão, em que o peticionante actualmente se encontra, resulta de uma decisão judicial exequível, (b) se a privação da liberdade se encontra motivada por facto que a admite e (c) se estão respeitados os respectivos limites de tempo fixados na lei ou em decisão judicial (cfr. também, entre outros, os acórdãos de 26.07.2019 cit. e de 09.01.2019, proc. n.º 589/15.0JALRA-D.S1, em www.stj.pt/wpcontent/uploads/2019/06/criminal_ sumarios_ janeiro_ 2019 .pdf).

10. O habeas corpus pressupõe a atualidade da ilegalidade da prisão, reportada ao momento em que a petição é apreciada, como também tem sido reiteradamente sublinhado (assim, o citado acórdãos de 2.2.2022, bem como, de entre outros, os acórdãos de 21.11.2012, proc. n.º 22/12.9GBETZ-0.S1, 09.02.2011, proc. n.º 25/10.8MAVRS-B.S1, de 11.02.2015, proc. n.º 18/15.9YFLSB.S1, e de 17.03.2016, proc. n.º 289/16.3JABRG-A.S1, em www.dgsi.pt).

11. Da petição, da informação a que se refere o artigo 223.º, n.º 1, do CPP e dos documentos juntos, resulta esclarecido, em síntese, que:

- O arguido, agora requerente, foi apresentado ao juiz de instrução para interrogatório judicial, que teve lugar no dia 25 de novembro de 2021, e, nesse mesmo dia, foi-lhe aplicada, pelo juiz de instrução, a medida de prisão preventiva, por ser considerada fortemente indiciada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei 15/93, de 22 de janeiro.

- Os pressupostos de que depende a aplicação e manutenção da prisão preventiva na fase de inquérito foram objeto de reexame por despachos judiciais de 23 de fevereiro de 2022 e de 19 de maio de 2022, nos quais se consignou que esta se mantinha dentro do prazo de 6 meses fixado pelo artigo 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP.

- Em 25 de maio de 2022 foi proferido despacho de acusação pelo Ministério Público, imputando ao arguido a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-lei 15/93, de 22 de janeiro.

- Proferida a acusação, foram, por despacho do mesmo dia 25 de maio de 2022, reexaminados os pressupostos da medida de prisão preventiva, aí se verificando e consignando que “não se encontra esgotado o prazo máximo de duração da prisão preventiva”, que passou a ser de 10 meses (com termo previsto para 25 de setembro de 2022).

12. Na petição da presente providência de habeas corpus, o arguido alega, em síntese, que se encontra em prisão preventiva desde o dia 25 de novembro de 2021, há mais de seis meses, que é o prazo máximo de prisão preventiva que deve ser observado, e que este prazo máximo se encontra esgotado, pois que, até à presente data, ainda não foi notificado da acusação, alegando, a este propósito, que, “mesmo que o Despacho de Acusação seja proferido com data anterior a 25/05/2022, o que é revelante para verificação do cumprimento do prazo máximo da prisão preventiva, previsto no artigo 215.º do Código de Processo Penal, é a data da expedição do registo postal e não a data da prolação da acusação”. Conclui, assim, que a situação de prisão em que se encontra é ilegal, por esta se manter para além do prazo fixado na lei, o que constitui fundamento de habeas corpus previsto na al. c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

Invoca a aplicabilidade do artigo 144.º do Código de Processo Civil (CPC), que diz respeito à “apresentação a juízo de atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes” (da epígrafe e do texto da disposição legal), por, em seu entender, ser subsidiariamente aplicável por força do artigo 4.º do CPP.

Finaliza arguindo a inconstitucionalidade, por violação dos artigos 2.º, 20.º, 27.º, n.º 2, 28.º n.º 4, 32.º, 202.º, 204.º, da Constituição, dos artigos 215.º e 222.º do Código de Processo Penal, quando interpretados no sentido que: "Para verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva é relevante a data da prolação do Despacho de Acusação e não a data da expedição postal." E ainda no sentido que: "Não é fundamento bastante do pedido de Habeas Corpus a data da expedição postal do Despacho de Acusação."

13. Por razões de ordem metodológica, há que, preliminarmente, apreciar da invocada aplicabilidade do artigo 144.º do CPC, ex vi artigo 4.º do CPP, o qual, sob a epígrafe “integração de lacunas”, dispõe que “Nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

Antecipando a conclusão, é manifesta a improcedência do argumento: não há lacuna, nem o Ministério Público é “parte”, na aceção do artigo 144.º do CPC, que, ao deduzir acusação no processo penal, deva praticar ato para ser “apresentado em juízo”.

Relembrando normas básicas do processo penal que agora relevam: o Ministério Público é uma “autoridade judiciária” relativamente aos atos que cabem na sua competência [artigo 1.º, al. b), do CPP]; cabe ao Ministério Público dirigir o inquérito (artigo 263.º, n.º 1, do CPP); o Ministério Público encerra o inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação (artigo 276.º, n.º 1, do CPP); se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público deduz acusação contra aquele (artigo 283.º, n.º 1, do CPP); os atos decisórios do Ministério Público tomam a forma de despachos (artigo 97.º, n.º 3, do CPP); o despacho de acusação é notificado ao arguido (artigos 283.º, n.º 5, 277.º, n.º 3, e 113.º, n.º 10, do CPP).

14. Assim, situando a análise na perspetiva da lei processual penal, como deve situar-se, a questão que se poderá colocar é a de saber se o termo do prazo máximo de prisão preventiva previsto no artigo 215.º, n.º 1, al. a), do CPP, que, no caso dos autos se eleva para seis meses, por força do disposto no n,º 2 mesmo preceito, ocorre na data em que o Ministério Público profere o despacho de acusação ou na data em que a acusação é notificada ao arguido, nos termos e pela forma prevista no CPP.

A resposta a dar a esta questão é sólida e firme na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça: ao estipular que a prisão preventiva se extingue quando, desde o seu início, tenham decorrido quatro meses [artigo 215.º, n.º 1, al. a)] ou seis meses (artigo 215.º, n.º 2), “sem que tenha sido deduzida acusação” [artigo 215.º, n.º 1, al. a)], a data que releva para determinação do termo do prazo é a data em que a acusação é proferida e não a data em que esta é notificada ao arguido. A interpretação da norma no sentido de que a data relevante é a da notificação não tem um mínimo de correspondência verbal na letra da lei, não sendo, por isso admissível (artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil).

Como muito recentemente se afirmou no acórdão de 1.6.2022, proferido no processo de habeas corpus n.º 2610/18.0T9VFX-C.S1, em situação idêntica, em que eram requerentes coarguidos no mesmo processo, “ao invocar o fundamento da al. c) [excesso do prazo de prisão preventiva], pretendem os requerentes que ocorreu a ultrapassagem dos prazos legais da prisão preventiva (para lá dos prazos fixados no artigo 215.º CPP) por não terem sido notificados da acusação dentro do referido prazo de seis meses. Ou seja, na sua alegação, não bastaria a dedução tempestiva da acusação pública no processo, exigindo-se ainda a notificação ao arguido no mesmo prazo. Sucede que a pretensão dos requerentes não encontra fundamento na lei, não tem cobertura legal nem constitucional, e contraria a jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça, consentânea com a visão do Tribunal Constitucional”.

Cita-se, neste sentido, o acórdão de 9.12.2011, proc. 25/10.8MAVRS-B.S1 (Raul Borges), em https://blook.pt/caselaw/PT/STJ/209946/, em cujo sumário se lê: “II -  No caso concreto, o que está em discussão é a questão de saber se o dies ad quem do prazo previsto no art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP – 6 meses – se deverá fazer coincidir com a data da acusação, ou com o momento em que o arguido toma efectivo conhecimento da peça acusatória. Nesta dicotomia, é de ter como correcta a opção pela data em que é elaborada a acusação. III - Desde logo, um argumento literal, a extrair da al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, quando refere o decurso do prazo sem que tenha sido deduzida acusação e de modo similar nas restantes alíneas, como na b), ao referir o decurso do prazo sem que tinha sido proferida decisão instrutória, e nas als. c) e d), ao colocar o ponto final do prazo sem que tenha havido condenação, em 1.ª instância, ou com trânsito em julgado. IV - Em todos estes casos é patente a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual e não com o momento em que chega ao conhecimento do destinatário da mesma. De contrário, em caso de pluralidade de arguidos, teríamos datas diferentes consoante os diversos momentos em que a decisão fosse chegando ao destino. V - Por outro lado, furtando-se o destinatário ao recebimento da notícia, descoberto estaria o caminho para se prolongar o prazo, caso se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente tal estratégia. VI - Em conclusão, o termo final do prazo referido na al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP é a data da dedução da acusação, solução de que não resulta prejudicado o direito de defesa”.

Cita-se também o acórdão de 04/11/2021 (Helena Moniz), proc. 77/21.5JALSB-C.S1, em www.dgsi.pt (frisa-se na fundamentação: “Acresce referir que a norma consagrada no art. 215.º, do CPP, é muito clara — “a prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: (...) meses sem que tenha sido deduzida acusação”. Pretender que se deve interpretar o momento da dedução da acusação como sendo o momento da sua notificação é não só uma interpretação em violação clara da letra da lei, como também é dizer, em desrespeito do disposto no art. 9.º, n.º 3, do Código Civil, que o legislador utilizou erroneamente o termo “deduzida” querendo dizer “notificada”, não tendo sabido exprimir o seu pensamento”) e o acórdão de 10.2.2022 (Cid Geraldo), proc. 44/21.9GBCVD-B.S1, também em www.dgsi.pt (lê-se no sumário: “I - Para a verificação do cumprimento do prazo máximo de prisão preventiva, previsto no art. 215.º, do CPP, é relevante a data de prolação da acusação (ou do despacho de pronúncia, ou da condenação) e não a notificação ao arguido dessa peça processual”, com exaustiva indicação de jurisprudência: “II - Este Supremo Tribunal já tomou posição sobre a questão, defendendo-se no acórdão de 11-10-2005, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 186, que para o efeito previsto no artigo 215.º do CPP, releva a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual, podendo ver-se neste sentido ainda os acórdãos de 14 e 22 de Março de 2001, in Sumários do Gabinete de Assessores, n.º 49, págs. 62 e 81; de 15-05-2002 e de 11-06-2002, ibid., n.º 61, pág. 84 e n.º 62, pág. 81; de 13-02-2003, processo n.º 599/03-5.ª; de 22-05-2003, processo n.º 2159/03-5.ª; de 18-06-2003, processo n.º 2540/03-3.ª; de 13-11-2003, processo n.º 3943/03-5.ª; de 08-06-2005, processo n.º 2126/05-3.ª; de 19-07-2005, processo n.º 2743/05-3.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1689/07-5.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3977/07-3.ª; de 12-12-2007, processo n.º 4646/07-3.ª; de 13-02-2008 no processo n.º 522/08 -3.ª; de 10-12-2008, processo n.º 3971/08-3.ª; de 06-01-2010, processo n.º 28/09.5MAPTM-B.S1-3.ª e de 30-12-2010, processo n.º 4/09.8ZCLSB-A.S1-3.ª – Jurisprudência indicada no Acórdão do STJ de 09/02/2011, proc. 25/10.8MAVRS-B.S1, 3ª Secção, Relator: Raul Borges; cfr. também, o recente Ac. do STJ de 04/11/2021, proc. 77/21.5JALSB-C.S1, 5ª Secção, Relator: Helena Moniz”).

15. Improcede igualmente a arguição da inconstitucionalidade dos artigos 215.º e 222.º do CPP suscitada pelo requerente, a qual se reconduz a mera invocação de contrariedade com os artigos 2.º, 20.º, 27.º, n.º 2, 28° n.º 4, 32.º, 202.º e 204.º da Constituição.

Como também se afirmou no acórdão de 1.6.2022, “a conformidade constitucional da posição que se sufraga, e que decorre de uma clara e legítima opção legislativa sobre o termo final da primeira fase da prisão preventiva (a data da acusação), sempre foi reconhecida pelo Tribunal Constitucional. Estranho (e ilegal) seria afirmar agora aqui o contrário”.

Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 280/2008, no âmbito do processo 522/2008 deste Supremo Tribunal (Raul Borges, citado no acórdão de 9.2.2011), onde se lê: «(…) como resulta do citado artigo 28.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, “a prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei”, significando que não pode, face à sua natureza de “ultima ratio”, de deixar de estar temporariamente limitada. Cabendo à lei a fixação de prazos de prisão preventiva, dispõe, consequentemente, o legislador ordinário de uma relativa margem de liberdade de conformação, sem embargo de dever ser respeitado o princípio da proporcionalidade (…). Nesta perspectiva, não se detecta razão de ser para emitir um juízo de inconstitucionalidade. Com efeito, estamos perante a fixação do termo de um prazo fixado na lei, de acordo com uma interpretação desta que “não se mostra incongruente com a aventada justificação do sistema instituído de duração de prisão preventiva, não desrazoável, tendo em atenção os factores relevantes de estar em causa crime de especial gravidade (…).” (Acórdão n.º 208/2006, já citado). Na verdade, o legislador não está impedido de tomar em conta como termo final do prazo da primeira fase da prisão preventiva a data de acusação, uma vez que este momento se revela congruente com propósito de promover sem delongas o normal decurso do processo. Não é assim desrazoável a opção do legislador.»

16. Assim sendo, e tendo por assente que a data a considerar para efeitos de contagem do termo do prazo de prisão preventiva é a da acusação, não procedendo a arguição de constitucionalidade, há que, perante o alegado pelo requerente, verificar se ocorre excesso de prazo da prisão preventiva.

Como se viu, a prisão preventiva iniciou-se com a sua aplicação, no dia 25 de novembro de 2021.

Sucede, porém, que, tendo em consideração que o requerente se encontra acusado pelo Ministério Público da prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 (supra, 11), punível com pena de prisão superior a oito anos, que também se inscreve na definição de “criminalidade altamente organizada”, não há que considerar o prazo de seis meses sem que tenha sido deduzida acusação [artigo 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP].

Há, por conseguinte, que levar em conta o prazo de dez meses para a fase seguinte do processo (instrução, para o caso de ser requerida) – artigo 215.º, n.º 1, al. b), e n.º 2, do CPP –, prazo que só terminará no dia 25 de setembro de 2022, sendo que, a não ser requerida instrução, a prisão preventiva só se extinguirá, posteriormente, depois de decorrido um ano e seis meses a contar do seu início [artigo 215.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, do CPP].

Nesta conformidade, impõe-se concluir que a prisão não se mantém atualmente para além dos prazos fixados por lei.

Pelo que não se verifica o motivo de ilegalidade previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 222.º do CPP.

17. A privação da liberdade, por aplicação da medida de prisão preventiva, foi ordenada por um juiz, que é a entidade competente, e foi motivada por facto pelo qual a lei a permite, não ocorrendo também, assim, qualquer dos motivos de ilegalidade da prisão previstos nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo preceito.

18. Em consequência do que se conclui que o pedido carece manifestamente de fundamento, devendo ser indeferido [artigo 223.º, n.º 4, al. a), e 6 do CPP].

III. Decisão

19. Pelo exposto, deliberando nos termos dos n.ºs 3, 4, alínea a), e 6 do artigo 223.º do Código de Processo Penal (CPP), acordam os juízes da 3.ª Secção Criminal em indeferir o pedido, julgando a petição de habeas corpus manifestamente infundada.

Nos termos do artigo 223.º, n.º 6, do CPP, vai o peticionante condenado na soma de 6 (seis) UC.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC, nos termos do artigo 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Processuais.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de junho de 2022.


José Luís Lopes da Mota (relator)

Maria da Conceição Simão Gomes

Nuno António Gonçalves

(assinado digitalmente)