Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96S177
Nº Convencional: JSTJ00032235
Relator: MATOS CANAS
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: SJ199707140001774
Data do Acordão: 05/14/1997
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N467 ANO1997 PAG405
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 136/95
Data: 02/19/1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR TRAB - CONTRAT INDIV TRAB.
DIR CIV - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: DL 64-A/89 DE 1989/02/27 ARTIGO 9 N1 N2 G.
CCIV66 ARTIGO 342.
DL 874/76 DE 1976/12/28 ARTIGO 25 N2 N4.
DL 49408 DE 1969/11/24 ARTIGO 27 ARTIGO 31.
AE IN BTE N43 IS DE 1984/11/22 CLÁUS37.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1993/02/25 IN CJSTJ ANOI TI PAG260.
Sumário : Constitui justa causa de despedimento, nos termos do artigo 9 ns. 1 e 2 alínea g) do Decreto-Lei 64-A/89, de
27 de Fevereiro, o facto de o trabalhador ter estado preso preventivamente 211 dias pela prática de crime, pelo qual veio a ser condenado, e assim, deverem tais faltas ser consideradas injustificadas.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Secção Social:
I
A) OS TERMOS DA CAUSA:
1) No Tribunal do Trabalho de Matosinhos, em 7 de Dezembro de 1993, A agente de métodos, residente em Matosinhos, demandou os Serviços de Transportes Colectivos do Porto, nestes autos de acção declarativa de condenação com processo ordinário derivada de despedimento que o autor considerou ilícito e que resultou de um processo disciplinar que a ré lhe moveu por ele ter faltado injustificadamente, pois que era trabalhador ao serviço da ré - a qual era sua entidade patronal - faltas consecutivas desde 15 de Dezembro de 1992 até 14 de Julho de 1993, porque esteve preso em prisão preventiva.
Requereu o autor a condenação da ré a pagar-lhe "428560 escudos correspondente aos ordenados que ele deixou de receber desde a data do despedimento até
à data da propositura da acção e os que se vencerem até a data da sentença, bem como 1928520 a título de indemnização por antiguidade ou a reintegrar o Autor se este assim optar" (sic).
Citada, a ré contestou, sustentando a legalidade do despedimento, pois que, resumidamente, o autor faltou ao serviço 211 dias porque esteve preso em prisão preventiva, faltas que são de considerar injustificadas, até porque no A.E., cláusula 37, inserto no B.T.E. n. 43, de 22 de Novembro de 1984, se consideram justificadas as faltas dadas por motivo de prisão preventiva, mas desde que não seguida de condenação - o que não sucedeu no caso do autor, pois este foi condenado judicialmente no processo à ordem do qual estivera preso preventivamente.
No saneador a acção foi julgada improcedente, decisão de que o autor apelou. A Relação do Porto, manteve o saneador - sentença.
O autor interpôs a revista que agora está em apreciação.
2) Nas suas alegações o autor formulou as seguintes CONCLUSÕES:
"A) As faltas dadas por motivo de prisão preventiva devem ser consideradas como cumprimento de uma obrigação legal, por facto não imputável ao trabalhador até ao momento de uma hipotética condenação.
B) Todo o Arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação.
C) Deve ser havido por extemporâneo o despedimento do Apelante decretado em 18 de Agosto de 1993, com motivo em faltas injustificadas derivadas de prisão preventiva, quando o Apelante só foi condenado por Sentença proferida em 15 de Setembro de 1993.
D) Ao entender-se de modo diverso criar-se-ia contradição insanável entre os princípios constitucionais de presunção de inocência e de proibição de despedimento sem justa causa.
E) O direito a impugnar o despedimento de que foi vítima surge na esfera jurídica do Autor, no momento e por causa do próprio despedimento, sendo ele o destinatário de uma declaração receptícia que se torna eficaz quando chega ao seu conhecimento.
F) Ao não entender assim, o Tribunal da Relação do Porto violou o diposto na cláusula 37, n. 1, situação
9, bem como o estatuído no artigo 23 n. 2 alínea e) do Decreto-Lei 874/76 de 28 de Dezembro e artigo
32 n. 2 da Constituição da República Portuguesa" (transcrevemos).
- Nas contra alegações, o recorrido sustenta seja mantido o acórdão da Relação, no essencial porque as faltas dadas por motivo de prisão preventiva seguida de sentença condenatória, apenas são imputáveis ao recorrente e devem-se a ilícito criminal por ele cometido.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto em serviço nesta Secção emitiu Parecer, notificado às partes, no sentido de ser concedida a Revista, pois que "sendo o despedimento nulo por falta de fundamento legal mesmo que mais tarde tal venha a surgir, o acto de despedir continua nulo e portanto o despedimento deve ser anulado"(sic).
Após os vistos, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre decidir.
II
A) MATÉRIA DE FACTO:
As instâncias deram como estando provada a matéria de facto que vamos transcrever.
"a)- A Ré dedica-se ao transporte urbano e suburbano de pessoas. b)- No exercício dessa sua actividade admitiu o autor ao seu serviço em 5 de Janeiro de 1976, como "agente de métodos". c)- Para sob as suas ordens e fiscalização estudar os métodos e a execução de trabalhos, os aperfeiçoar e fazê-los aplicar. d) O autor esteve ao serviço da ré até 18 de Agosto de 1993, auferindo ultimamente a remuneração mensal ilíquida de 107400 escudos. e) O autor foi detido preventivamente em 15 de Janeiro de 1992, à ordem dos autos de inquérito n. 6004/92 da Delegação da Procuradoria da República da comarca de Matosinhos, 2. Secção. f) Em 18 de Janeiro de 1992, foi dado conhecimento verbal à ré da situação em que o autor se encontrava. g)- Em 28 de Dezembro de 1992, foi apresentada à ré a declaração constante de fls. 10 dos autos. h)- O autor foi julgado em 14 de Julho de 1993, tendo, então, passado à situação de liberdade provisória, enquanto aguardava a leitura da sentença (processo n. 653/93, 4. Secção, 2. Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Matosinhos). i)- O Autor apresentou-se, então, ao serviço da ré em
15 de Julho de 1993. j)- Em 19 de Julho de 1993, o Autor, entregou na ré a declaração constante de fls. 12 dos autos. l)- A ré não permitiu ao autor que entrasse em funções, tendo-lhe enviado, em 28 de Julho 1993, a nota de culpa junta aos autos - fls. 13 -, cujo teor foi dado por reproduzido. m)- O Autor acabou por ser condenado, no processo crime referido em h), por acórdão proferido em 15 de Setembro de 1993, em que, tomando-se em conta o tempo de prisão preventiva já sofrido pelo Autor, acabou por lhe ser suspensa a parte restante da pena que lhe faltava cumprir.
B) QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO:
1) Desde a 1. instância que o problema fulcral a debater nestes autos consiste em apurar se o despedimento será de considerar ilícito por ter sido originado em faltas que se consideraram injustificadas porque elas foram motivadas por o autor ter sido submetido durante os dias em que faltou (211) a prisão preventiva.
Com interesse e complementarmente debate-se o problema de a condenação ter sido posterior à aplicação do despedimento no processo disciplinar, pelo que, é sustentado, haveria violação dos princípios constitucionais de presunção de inocência e de proibição de despedimento sem justa causa.
Estes, portanto, os aspectos que deverão ser equacionados e resolvidos.
2) A legalidade do despedimento.
O artigo 9 do Decreto-Lei 64-A/89, de 27 de Fevereiro disciplina a matéria da "justa causa de despedimento".
Segundo este preceito legal, constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a relação de trabalho.
Este, portanto, um primeiro requisito imprescindível para que o despedimento possa ser tido como feito com justa causa.
O dispositivo legal em causa continua, no n. 2, indicando vários índices que, segundo o mesmo, constituirão, nomeadamente, justa causa de despedimento.
Entre eles figuram as "faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano, cinco seguidas ou dez interpoladas".
No caso dos autos, não se discutiu, sequer, que as faltas foram muito mais do que cinco sem interrupção ou que dez interpoladas. Também, dado o elevado número de faltas ocorridas, não se discutiu que elas ocasionariam prejuízos graves para a ré.
Qualquer destes requisitos estão, pois indiscutivelmente preenchidos.
Que o comportamento do trabalhador, faltando tantos dias seguidos, é grave e que, em si mesmo considerado, tornou imediata e praticamente impossível a relação de trabalho, foi ponto que também não sofreu contestação e ele ser, objectivamente, causador de tais consequências, também não foi discutido.
Estes dados objectivos poderão, portanto, ser dados como adquiridos.
Resta é saber se as faltas, porque derivadas de prisão preventiva, poderão ser ou não justificadas.
3) A jurisprudência tem decidido que a prisão resultante de condenação constitui motivo de faltas não justificadas: na base de tal prisão e das consequentes faltas ao serviço, está sempre um comportamento que o trabalhador quis ou que, podendo evitar tal actuação, não agiu de modo adequado para que o evento criminoso, mesmo que culposo, não ocorresse.
Pode ver-se, agora num plano mais específico que o da condenação, pois que se aplica à prisão preventiva, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Fevereiro de 1993, apud, Col. Jur. TomoI, págs. 260, para o qual - "As faltas de serviço, por motivo de prisão preventiva do trabalhador, em consequência de acusação de tráfico de droga, crime porque veio a ser condenado, e que leva a imputar-lhe a responsabilidade de tal prisão, são consideradas como injustificadas, por procederem de comportamento gravemente censurável, constituindo, por isso, justa causa de despedimento".
Quanto ao regime da prova sobre este aspecto, a doutrina sustenta que "o empregador prova a falta - artigo 342 do C. Civil - cabendo ao trabalhador provar a sua justificação - artigo 25/2 e 4 do Decreto-Lei 874/76 "(Menezes Cordeiro, Manual, págs 835, Reimpressão).
Sem dúvida que o número elevado de faltas ficou provado. Mas, também não restam dúvidas que o trabalhador, ou seja o autor, não demonstrou a justificação para elas e nem, sequer, a sua reduzida valoração negativa.
Pelo contrário, não se ficando a saber qual o crime pelo qual o autor prestou contas à justiça, o certo
é que ele não deveria ter sido algo de muito "leve", já que a sanção aplicada sugere precisamente o contrário.
A este propósito não adianta chamar à colação as máximas constitucionais da presunção da inocência do arguido e da proibição dos despedimentos sem justa causa, pois que estamos no campo do direito disciplinar laboral e não no domínio do direito penal ou processual penal.
Pelo contrário, impendia sobre o autor a demonstração de que o crime pelo qual ele foi pronunciado e condenado, era de tal modo insignificante que em nada - ou em muito pouco - se repercutia sobre a relação laboral: essa prova ele não a fez, daí que fiquemos com uma pena de prisão em grau significativamente injuriante e com as faltas correspondentes.
Com todos estes elementos demonstrados estavam preenchidos todos os requisitos para que o despedimento pudesse ser considerado lícito.
4) Todavia, o recorrente caracteriza nas suas alegações como tendo sido extemporâneo o despedimento de que foi vítima, pois que a sua condenação no processo crime ocorreu posteriormente a tal despedimento.
Este aspecto não teria interesse, face aos elementos já aludidos, se não fosse o acordo de Empresa em que ele sustenta a sua pretensão (B.T.E. 1. Série, de 22 de Novembro de 1984) segundo o qual as faltas dadas pelo trabalhador motivadas por prisão seriam justificadas sempre que não houvesse condenação.
A extemporaneidade do processo disciplinar traduzia-se, ao fim e ao cabo, em o processo ter sido movido e a sanção ter sido aplicada antes de haver sentença penal condenatória.
Neste ponto, destacamos, desde logo, que a ser levada
às últimas consequências esta tese, na maioria dos casos em que os trabalhadores ao serviço da ré cometessem crimes, quando a ré pudesse mover o processo disciplinar ela já estaria fora de prazo para tal, pois que entre o conhecimento por parte da ré dos factos atribuídos ao trabalhador e a sentença condenatória mediaria, normalmente, mais tempo do que o previsto nos artigos 31 e 27 do Decreto-Lei 49408 a menos que houvesse suspensão do processo disciplinar até à decisão no processo crime.
Mesmo desprezando este ponto, o certo é que a empresa ficaria sujeita a demoras mais do que injustificadas para que pudesse, legalmente, mover algum processo disciplinar a um trabalhador ao seu serviço que cometesse um crime e pelo qual estivesse submetido ao devido processo judicial.
De resto, quanto mais grave ou complexo fosse o crime assacado ao trabalhador, maior seria normalmente a demora o que, portanto redundava numa inversão de valores a ter em consideração numa relação laboral normal e adequada aos interesses do empregador e à generalidade dos trabalhadores ao seu serviço. Já não havia benefício para os trabalhadores, pois que, a ser assim, havia era prejuízo final para todos eles, em geral.
Por aqui logo se conclui que o disposto na dita cláusula contratual tem de ser interpretado com adequada restrição. Quando muito, a entidade patronal, movendo desatempadamente o processo disciplinar, caso o trabalhador fosse absolvido, sujeitava-se a ver esse processo sem efeito, no caso de ser proferida sentença absolutória. Mas isso não implicava que a empregadora não pudesse mover o processo disciplinar - e até cominar a correspondente sanção, inclusivamente por outro motivo que não fosse as faltas injustificadas (v.g. perda de confiança). O processo não era nulo, ilícita acabaria por ser a sanção baseada nas faltas injustificadas
Mas, no caso dos autos, o problema nem se coloca nestes termos, pois que a sentença penal foi condenatória.
Assim, não há qualquer nulidade no processo disciplinar e este não se pode considerar como tendo sido extemporâneo.
Quanto à sanção propriamente dita, afastados estes aspectos que foram trazidos ao recurso, nada há a censurar, daí que a decisão recorrida tenha feito perfeita aplicação da lei aos factos provados.
III
Nos termos que ficaram expostos, nega-se a revista.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 14 de Maio de 1997.
Matos Canas,
Loureiro Pipa,
Almeida Deveza.