Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1639/20.3T8OER.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: OPOSIÇÃO DE JULGADOS
REQUISITOS
PROVIDÊNCIA CAUTELAR NÃO ESPECIFICADA
PERICULUM IN MORA
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
ACÓRDÃO RECORRIDO
ACORDÃO FUNDAMENTO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
Data do Acordão: 06/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Interposto recurso de revista ao abrigo do disposto no art.º. 652.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil no âmbito de um procedimento cautelar não especificado não se verifica contradição de julgados fundamentadora da admissibilidade do recurso interposto no art.º 629.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil se a situação económica e financeira das empresas em questão no acórdão recorrido e no acórdão fundamento forem diversas e tenha sido tal diversidade que conduziu à afirmação da existência do periculum em mora numa, relativamente a uma empresa, com maior solidez financeira, mas não relativamente à outra que só alcançara resultados negativos.
Decisão Texto Integral:
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I – Relatório

I.1 – Questões a decidir

GLSMED TRADE, S.A., interpôs procedimento cautelar comum não especificado, onde requereu que, sem prévia audição das partes contrárias, nos termos do disposto no artigo 362.º do Código de Processo Civil fosse ordenado aos Requeridos que procedessem imediatamente ao depósito à ordem dos presentes autos do montante de USD 608,500.00 (no contravalor de € 558,257.00), até ao trânsito em julgado de sentença a decretar na acção principal.

Formulou igualmente os pedidos de condenação da sociedade requerida no pagamento de sanção pecuniária compulsória e a cominação ao Segundo Requerido, nos termos do disposto no artigo 375.º do Código de Processo Civil, de incorrer em crime de desobediência qualificada previsto e punido no artigo 348.º, n.º 2, do Código Penal caso não proceda ao depósito da quantia de USD 608,500.00 (no contravalor de € 558,257.00), à ordem dos presentes autos.

Em fundamento da sua pretensão alegou que:

A GLSMED, S.A é uma sociedade comercial anónima integrada no grupo empresarial denominado Luz Saúde com o objecto social:

 - Distribuição por grosso de medicamentos, dispositivos médico e produtos farmacêuticos em geral, a comercialização, importação e exportação de tais produtos, bem como de produtos de higiene e cosmética e produtos complementares;

- Implementação e gestão de redes e sistemas selectivos e informatizados para a distribuição e comercialização dos produtos mencionados na alínea anterior, e gestão dos respectivos stocks e vendas;

- Prestação de serviços de transporte de toda a espécie de produtos ou objectos, com ou sem valor comercial, que possam ser transportados em veículos automóveis ou conjunto de veículos;

- Prestação de serviços e exercício de actividades directa ou indirectamente relacionados ou conexos com os referidos nas alíneas a), b) e c).”

A JBMG é uma sociedade comercial por quotas com objecto social:

- Consultoria e assessoria, importação e exportação de produtos alimentares, vestuário e artesanato, aluguer de meios de transporte aéreo, actividades de operadores turísticos, aluguer de veículos automóveis ligeiros, actividades de representação no meio de comunicação.

- Prestação de serviços aéreo, sob qualquer modalidade, prestação de serviços de gestão de meios aéreos pertencentes a terceiros, consultoria aeronáutica, manutenção de aeronaves, equipamentos e aviónicos e, em geral, todos os serviços respeitantes á aeronavegação.

- Representação, compra e venda de aeronaves e equipamentos aeronáuticos.

- Exploração e comercialização de trabalhos aéreos e a indústria do transporte aéreo não regular em Portugal e no estrangeiro. Importação e exportação de aeronaves e material aeronáutico.

- Agenciamento de empresas estrangeiras em Portugal e venda dos seus produtos nos mercados internacionais.

- Soluções de engenharia para compra, venda e aluguer de aeronaves e todo o tipo de equipamentos aeroportuários, assim como reparação de motores, pintura de aeronaves e suas manutenções completas. - Desenvolvimento de soluções técnicas para hangares de aviões assim como portas especiais para os mesmos.

- Comércio electrónico.

- Plano de desenvolvimento de marketing.

- Gestão de registo e desenvolvimento de patentes e propriedade intelectual.

-  Formação.

- Compra, venda e arrendamento de bens imóveis.

Nas relações comerciais com a Requerente esta sociedade apresentou-se também como BMG, LDA. e FLYWAY.

O Segundo Requerido é o sócio maioritário da J..., Lda, e, seu único gerente.

As partes celebraram um contrato que denominaram “Full Charter Contract” em que a JBMG/FLYWAY se comprometeu, mediante o pagamento de USD 1,217,000, a fretar uma aeronave de carga (“Aircraft”), no caso um Boeing 747, para o transporte da ... para ... de equipamento médico essencial no contexto da pandemia de COVID-19, e tratar de toda a burocracia inerente à viagem do Boeing 747 entre o aeroporto de Shangai (PVG – Shangai Pudong International Airport) e Lisboa (LIS – Aeroporto Humberto Delgado)designadamente as necessárias autorizações à operação.

No dia 03 de Abril a GLSMED transferiu para a recorrida, do montante contratualmente estipulado USD 608,500.00 como sendo “reservation deposit” que esta recebeu.

O voo deveria ser realizado no dia 17 de Abril de 2020.

Em 09.04.2020, a recorrida indicou que não estava em condições de cumprir o acordado e revelou disponibilidade para devolver o “reserve deposit” efectuado pela GLSMED, o que não veio a ocorrer.

Em 27/05/2020 foi proferido despacho a determinar o prosseguimento da providência sem a prévia audição dos Requeridos.

A providência foi julgada parcialmente provada e procedente e determinado que:

1- A sociedade JBMG, Lda., proceda, de imediato, ao depósito à ordem dos presentes autos do montante de € 558,257.00 (contravalor de USD 608,500.00), até ao trânsito em julgado da sentença a proferir na acção principal que venha a ser intentada pela Requerente;

2- A advertência ao requerido AA, aquando da citação/notificação da presente providência, nos termos do artº 375º, do Código de Processo Civil, de que, na qualidade de legal representante da sociedade Requerida JBMG, Lda., poderá incorrer na prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artº 348º, nº 1 e 2, do Código Penal, caso não proceda ao imediato depósito, em nome da sociedade e à ordem destes autos, do montante de € 558,257.00 (no contravalor de USD 608,500.00), nos precisos termos determinados pelo Tribunal.

Os requeridos deduziram oposição onde requereram o levantamento da providência e interpuseram recurso da decisão que decretou a providência.

Foi admitido o recurso e não admitida a oposição.

Por decisão do relator, foi julgada procedente a apelação, revogada a decisão proferida em 1.ª instância e absolvidos os requeridos dos pedidos contra eles formulado.

Tal decisão veio a ser confirmada em conferência.

A requerente da providência cautelar interpôs recurso de revista nos termos do disposto nos artigos 629.º, n.º 2, d) (aplicável ex vi 370.º, n.º 2,), 671.º, n.º 1, 638.º, n.º 1, 645.º, n.º 1 a), 647.º, n.º 1, aplicáveis ex vi artigo 679.º, todos do Código de Processo Civil, apresentando as correspondentes alegações, que terminam com as seguintes conclusões:

I. O presente recurso de revista deve ser admitido nos termos do disposto no artigo 629.º. n.º 2, d), do CPC;

II. O teor do acórdão em recurso encontra-se em contradição com o acórdão fundamento (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.11.2011 proferido no âmbito do processo n.º 1707/10.0TVLSB-B.L1-7 [relator: Desembargador Pimentel Marcos]),

III. Tal contradição resulta de, relativamente aos mesmos factos índice, o acórdão recorrido ter considerando como não preenchido o periculum in mora e, perante os mesmos factos, o acórdão fundamento ter considerado como preenchido o periculum in mora;

IV. Nos termos do disposto nos artigos 425.º e 651.º, n.º 1, do Código de Processo Civil requer-se que seja admitida a junção do documento anexo.

V. Havendo lugar a recurso de revista, é neste âmbito que deve ser arguida a nulidade do Acórdão do Tribunal da Relação ...;

VI. Nulidade essa que resulta de o Acórdão em recurso não analisar nenhum dos argumentos apresentados pela Recorrente no âmbito da reclamação para a conferência;

VII. Ora, uma vez que tal reclamação não se limita a reproduzir as alegações de recurso (que não foram submetidas) o Acórdão é nulo por violação do disposto no artigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC;

VIII. Entendimento que é, aliás, em tudo conforme com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2019 proferido no âmbito do processo n.º 650/12.2TBCLD-B.s1 [relatora. Conselheira Catarina Serra];

IX. Realçando-se a total ausência por parte do Tribunal da Relação ... à análise da aplicabilidade do princípio “nec ultra nec extra petita”, positivado no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, a uma decisão proferida no âmbito de um procedimento cautelar e, também, do valor do depósito ordenado pelo Tribunal de Primeira Instância;

X. O Acórdão é igualmente nulo por violação do disposto no artigo 615, n.º 1, b) do CPC;

XI. Isto porque omite em absoluto aquele que no julgamento do Tribunal da Relação ... teria sido o «erro de direito» constante da Decisão proferida pelo Tribunal de Primeira Instância

XII. O Acórdão é também nulo por violação do disposto no artigo 615, n.º 1, d) do CPC;

XIII. Isto porque na análise sobre a existência de “periculum in mora” o Acórdão ignora em absoluto os factos que estão na base da decisão do Tribunal de primeira instância (apesar de os ter admitido integralmente), decidindo pela não existência de “periculum in mora” com recurso a factos não considerados pela Tribunal “a quo” para o efeito;

XIV. No que diz respeito à matéria do recurso propriamente dito, a Recorrente sustenta que estão manifestamente concretizados e provados os factos consubstanciadores do periculum in mora, conforme resulta da Decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, isto porque;

XV. Em face do facto provado de o único activo relevante que a Requerida tinha à data ser constituído por caixa e depósito(s) bancário(s) no valor de € 175.000,00;

XVI. Em face do facto provado de os requeridos manterem em sua posse montantes que reconhecidamente não têm direito em qualquer cenário;

XVII. Em face do facto de a requerida operar no sector aviação (relativamente ao qual é facto público e notório que sofre uma profunda recessão com inúmeras insolvência e ajudas de Estado às companhias aéreas, sendo que também a própria requerida o reconhece);

XVIII. É inegável que se verifica uma situação de periculum in mora, tal como resultaria da aplicação da doutrina do acórdão fundamento aos presentes autos;

XIX. Ainda para mais num contexto em que não se discute (é, portanto, assente para efeitos de procedimento cautelar) a existência de fumus boni júris;

XX. Sendo nesta análise importante realçar e levar em conta a degradação acentuada de outros índices da Requerida como o risco de deliquency e de failure desde a apresentação da providência cautelar até ao presente;

XXI. E a própria estrutura da Requerida que revela uma desproporção assinalável entre o “hipotético dever e o real haver”

XXII. Sendo que manifestamente tais factos, tal como consta da decisão proferida pelo Tribunal de primeira instância, são objectivamente reveladores da existência de periculum in mora,


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Foi dado cumprimento ao disposto no art.º 655.º do Código de Processo Civil vindo a requerente a reiterar o seu entendimento de verificação de oposição entre as decisões proferidas no acórdão fundamento e recorrido sobre a mesma realidade fáctica, considerando a recorrida que, manifestamente, tal oposição de acórdãos não se verifica.

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I.2 – Questão prévia da admissibilidade do recurso

A presente revista tem por objecto um acórdão da Relação proferido no âmbito de um procedimento cautelar não especificado e foi interposto ao abrigo do disposto no art.º. 652.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.

Como regra geral, o acórdão da Relação proferido em procedimento cautelar não é passível de recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º. 370.º do Código de Processo Civil.

Porém, essa regra encontra derrogação nas situações em que é sempre admissível recurso, ou seja, os previstos no artigo 629.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

Verificam-se os requisitos gerais de admissibilidade do recurso relativos ao valor e à sucumbência.

A recorrente invoca a contradição de julgados, fundamentando, pois, a admissibilidade do recurso interposto no art.º 629.º, n.º 2, al. d) do Código de Processo Civil.

Em seu entender, o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão da Relação de Lisboa (acórdão-fundamento) proferido em 15-11-2011 no processo n.º 1707/10.0TVLSB-B.L1-7, juntando aos autos certidão comprovativa do respectivo trânsito em julgado.

Seguindo a jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, de que indicamos a título meramente exemplificativo a decisão proferida em 18-01-2022 na Revista n.º 1560/13.1TBVRL-M.G1.S2, disponível em www http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/ haverá contradição de julgados susceptível de tornar admissível o recurso de revista quando se verificarem cumulativamente a identidade do quadro factual, da questão de direito expressamente resolvida, e da lei aplicável, que aquela tenha sido determinante para a decisão final, e, que esteja em concreta oposição com a decisão recorrida.

Tratando-se de um procedimento cautelar, numa interpretação conjugada dos arts. 370.º, n.º 2, e 629.º, n.º 2, al. d), do Código de Processo Civil, a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça  de decisões proferidas nos procedimentos cautelares com fundamento em oposição de julgados está limitada às situações em que a matéria objecto de contradição respeite aos pressupostos do procedimento cautelar e não ao mérito da questão decidida cautelarmente, seguindo uma vez mais a posição reiterada do Supremo Tribunal de Justiça a que aderimos, de que é exemplo o acórdão antes citado.

A recorrente fundamenta a contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, na apreciação de um dos pressupostos do presente procedimento cautelar, o periculum in mora.

A recorrente circunscreve a identidade dos factos no acórdão recorrido e no acórdão fundamento ao “parco património composto essencialmente por contas bancárias (facilmente ocultáveis e dissipáveis); volume de negócios em manifesta queda, existência de diversos credores”.

Não há dúvida que num e noutro acórdão está em causa a apreciação do periculum in mora que o acórdão fundamento considerou existir e o acórdão recorrido que não existe.

Porém, há significativas e determinantes divergências entre os dois acórdãos que passamos a analisar.

Desde logo, enquanto no acórdão recorrido estava em causa um procedimento cautelar não especificado onde foi apreciado o requisito previsto no n.º 1 do art.º 362.º, do actual Código de Processo Civil, relativo ao “fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito”, no acórdão fundamento, proferido num  procedimento cautelar de arresto,  foi apreciado o requisito previsto no n.º 1 do art.º 619.º do antigo Código de Processo Civil  relativo ao “justo receio de perda da garantia patrimonial do crédito” realidades jurídicas não sobreponíveis.

Num e noutro processo foi analisado o património de uma sociedade constituído exclusivamente pelo saldo de uma conta bancária no acórdão fundamento e pelo saldo de uma conta bancária e um saldo em caixa, no acórdão recorrido.

Seguindo a matéria de facto do acórdão recorrido da situação económica e financeira da recorrida conhecemos que:

53. A Primeira Requerida tem o capital de € 10.000,00, o seu “risco de deliquency” foi alterado de 1 para 2, numa escala de 5.

54. O passivo para com Estado e outros entes públicos ascender quase a € 35.000,00.

55. O activo da Primeira Requerida ascende a cerca de € 193.000,00, em 2018 era composto essencialmente por caixa e depósito bancários: € 175.500,50

56. O resultado líquido para o ano de 2018 foi de € 108.919,91.

A análise do probatório sobre o qual laborou o acórdão fundamento indica uma empresa com uma situação económica e financeira diversa:

8. A Requerida encontrava-se numa difícil situação financeira, tendo a Requerente com um resultado operativo de € -905 000 (novecentos e cinco mil euros negativos) em 2008, e € -792 (setecentos e noventa e dois mil euros negativos) em 2009.

10. Em Julho de 2010, a Requerida atingiria, pela primeira vez, um resultado operativo positivo de € 48 000 (quarenta e oito mil euros).

11. Sendo que, a mesma conseguiria, no ano de 2010, obter um resultado operativo total positivo de € 11 000 (onze mil euros).

13. A Requerida realizou uma auditoria às suas contas por uma entidade exterior e imparcial denominada “E”, com o objectivo de assistir a Requerida através da análise da sua capacidade de gerar os recursos financeiros necessários no ano de 2009 e de 2010, tendo como finalidade comprovar a correcção da projecção anual para o ano de 2010 elaborada pelo Sr. Dr. “P”, examinando, assim, se a Requerida teria ou não condições para continuar a sua actividade.

14. Tendo a Requerente conhecimento que da auditoria referida resultou em sede de conclusão a perspectiva para um crescimento a partir dos resultados de € -793 000 (setecentos e noventa e três mil euros negativos) no final de 2009 para € 22 000 (vinte e dois mil euros) no final de 2010.

17. A Requerida acabou por perder um dos seus clientes principais, a “Z... S.A”.

32. A requerida é titular de um depósito bancário não lhe sendo conhecidos outros activos disponíveis;

33. A não obtenção dos resultados projectados pela requerente deve-se a uma má gestão da requerida.

34. A requerida encontra-se numa situação económica difícil.

35. Os accionistas encontram-se a ponderar a viabilidade económica da manutenção da requerida em Portugal.

Tendo em conta os dados disponíveis num e noutro acórdão, a única identidade quanto à matéria de facto em que se suportaram as decisões apenas coincide quanto à existência de um saldo de uma conta bancária no activo de ambas as empresas, cujo valor se desconhece por completo na situação do acórdão fundamento e, no acórdão recorrido sabemos que estará contido no valor de € 193.000,00.

A empresa do acórdão fundamento que tinha outros credores para além da requerente do arresto, nunca tinha tido um resultado operativo total positivo, esperava atingi-lo no ano do processo, € 11 000 (onze mil euros). Mas nem isso veio a acontecer.

A empresa do acórdão recorrido apresentou um resultado líquido para o ano de 2018 de € 108.919,91.

Na fundamentação do acórdão fundamento percebe-se que a conta bancária foi um dos factores que concorreram para a decisão:

No caso sub judice, a requerida tem outros credores e o volume de negócio cada vez mais reduzido e, o que é muito importante, para além da conta bancária não são conhecidos outros bens à requerida. Ora, como é sabido, nos dias de hoje, numa fracção de segundos, a conta bancária pode ficar a zero. Alega a recorrente que a afirmação de que “a requerida encontra-se numa situação económica difícil” é uma mera conclusão que não está suportada por qualquer prova produzida. E não há dúvida nenhuma de que o requerente do arresto deve alegar e provar factos de que o julgador possa concluir pelo receio justificado da perda de garantia patrimonial. Não pode, pois, limitar-se a alegar meros juízos de valor ou conclusivos. Ora, afirmar-se que uma sociedade comercial se encontra “em situação económica difícil” é uma conclusão a retirar de factos alegados nesse sentido. Mas, como diz a recorrida, a apreciação dos factos tendentes a demonstrar o pericula in mora não deve ser considerada isoladamente, mas sim no seu conjunto. Por isso, a situação económica difícil há-de resultar da apreciação de todo um conjunto de factos cuja prova se fez em sede de audiência. Ora, os accionistas encontram-se a ponderar a viabilidade económica da manutenção da requerida em Portugal. E esta não só não executou o que lhe foi projectado como se recusa a efectuar o pagamento da quantia em divida.”

No acórdão recorrido considerou-se que a recorrida dispunha de uma situação económica e financeira equilibrada que arredava a verificação do “periculum in mora”:

No ponto 53 o risco de «delinquency» é menos que normal: 2 numa escala de o a 5. No ponto 54, o passivo de 35 000,00 € não se pode considerar exorbitante. E aceitável para um meridiano esforço de cumprimento. Nos pontos 55 e 56 pode-se também entender como equilibrado o passivo de 193 000,00 e o resultado líquido de 108 919,91 €. Ou seja. Não estamos perante uma situação de incumprimento objetivo de compromissos assumidos que cause lesão irreparável. Dito de outro modo: não se está perante uma situação em que de todo em todo é expectável que caso a presente providência não seja decretada, não haja satisfação de um eventual crédito emergente de ação declarativa. Em suma. Parece-nos que este requisito não se preenche.” (há dois manifestos lapsos de escrita neste texto – equilibrado o passivo de 193 000,00 quando se trata do valor do activo; caso a presente providência não seja decretada - caso a presente providência seja decretada).

O quadro factual de um e outro acórdão são muito diversos e essa diversidade é que conduziu a soluções diferentes. Não se trata, pois, de uma aplicação diversa do direito a uma realidade fáctica semelhante, mas da definição, de soluções jurídicas diversas para situações fácticas também diversas, o que impede contradição entre as duas decisões.

Não é, pois, admissível a revista.

III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em não tomar conhecimento do recurso de revista.

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Custas pela recorrente.

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Lisboa, 07 de Junho de 2022

Ana Paula Lobo (relatora)

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria da Graça Trigo