Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:024/21
Data do Acordão:12/15/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
RELAÇÕES DE CONSUMO
FORNECIMENTO DE ÁGUA
Sumário:Incumbe aos tribunais judiciais o julgamento de uma providência cautelar em que se discute questão emergente das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais.
Nº Convencional:JSTA000P28705
Nº do Documento:SAC20211215024
Data de Entrada:07/21/2021
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SETÚBAL, JUÍZO LOCAL CÍVEL DE SETÚBAL – JUIZ 3 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA UO1
AUTOR: A………………
RÉU: ÁGUAS DO SADO, SA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n.º 24/21

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A…………, identificada nos autos, intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada (TAF de Almada) contra Águas do Sado, SA, providência cautelar não especificada pedindo que aquela seja obrigada a estabelecer e manter o fornecimento de água na casa de que é arrendatária.
A requerente alega em síntese que é arrendatária de um imóvel e que, em virtude da proprietária ter mandado cortar o fornecimento de água, solicitou à requerida a celebração de um contrato em seu nome para aquele imóvel. Embora o fornecimento de água à requerente tenha sido efectuado e emitidas facturas, a requerida veio posteriormente a proceder ao seu corte. Refere ainda que a “providência servirá de suporte a uma acção de manutenção de contrato de fornecimento e do respectivo fornecimento de água”.
Em sede de oposição a requerida Águas do Sado, SA, além do mais, excepcionou a incompetência material do Tribunal.

Em procedimento cautelar anteriormente intentado, o Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Cível de Setúbal, Juiz 3, por despacho de 13.03.2021, julgou-se incompetente em razão da matéria, por entender que «Face à factualidade alegada pela requerente e que constitui a causa de pedir, afigura-se indubitável que está em causa a apreciação de normas de direito público no âmbito de relação jurídico-administrativa, da competência da jurisdição administrativa (e, dentro desta, dos tribunais tributários)».
Razão pela qual a A. propôs uma providência cautelar agora no TAF de Almada que, em 27.04.2021, também se julgou incompetente em razão da matéria. Considerou aquele Tribunal que, por se tratar de um litígio relativo a contrato de fornecimento de água ao consumidor, a sua apreciação «encontra-se excluída do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, de acordo com o disposto na alínea e), do n.º 4, do artigo 4.º, do ETAF».
Suscitada oficiosamente a resolução do conflito pelo TAF de Almada, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos.

Neste Tribunal dos Conflitos as partes, notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do art. 11º da Lei nº 91/2019, nada disseram.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de dever ser atribuída a competência material para apreciar a presente acção aos tribunais judiciais.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os constantes do relatório.

3. O Direito


O âmbito da jurisdição dos tribunais judiciais é constitucionalmente definida por exclusão, sendo-lhe atribuída em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais (artigo 211º, n.º 1, da CRP).

Por seu turno, a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é genericamente definida pelo n.º 3 do artigo 212.º da C.R.P., em que se estabelece que «compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais».
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.º do ETAF, com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4). Deste preceito importa reter o disposto na alínea e) do nº 4 que excluí do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal os litígios «emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respetiva cobrança coerciva» (redacção introduzida pela Lei n. º 114/2019, de 12.09).
Na Exposição de Motivos que acompanhou a Proposta de Lei nº 167/XIII, que deu origem à referida Lei nº 114/2019, consta o seguinte:
«A necessidade de clarificar determinados regimes, que originam inusitadas dificuldades interpretativas e conflitos de competência, aumentando a entropia e a morosidade, determinaram as alterações introduzidas no âmbito da jurisdição. Esclarece-se que fica excluída da jurisdição a competência para a apreciação de litígios decorrentes da prestação e fornecimento de serviços públicos essenciais. Da Lei dos Serviços Públicos (Lei n.º 23/96, de 26 de julho) resulta claramente que a matéria atinente à prestação e fornecimento dos serviços públicos aí elencados constitui uma relação de consumo típica, não se justificando que fossem submetidos à jurisdição administrativa e tributária; concomitantemente, fica agora clara a competência dos tribunais judiciais para a apreciação destes litígios de consumo.» (disponível em Detalhe Iniciativa, parlamento.pt).
A requerida Águas do Sado é uma sociedade comercial concessionária da exploração e gestão do Sistema de Abastecimento de Água (Captação, Tratamento, Elevação, Armazenamento e Distribuição) e do Sistema de Drenagem e Tratamento das Águas Residuais Urbanas do Concelho de Setúbal. A Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, consagra as regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente. De acordo com o artigo 1º, nº 2, alínea a) da referida Lei, de entre os serviços públicos abrangidos encontra-se o serviço de fornecimento de água.
Assim, sem dúvida que no presente caso estamos perante um litígio “emergente das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais” e, portando excluído do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 05.11.2020, Proc. nº 43364/19.7YIPRT.E1).
Pelo exposto, e atento o disposto no art. 4º, nº 4, al. e), do ETAF, acordam em julgar competentes para apreciar a presente providência cautelar os Tribunais Judiciais [Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo Local Cível de Setúbal, Juiz 3].
Sem custas.


Lisboa, 15 de Dezembro de 2021. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.