Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:026/22
Data do Acordão:04/18/2023
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
ADMINISTRADOR/ LIQUIDATÁRIO
EMPRESA MUNICIPAL
INDEMNIZAÇÃO
Sumário:É da competência dos Tribunais Judiciais a apreciação de uma acção proposta por um Município contra o administrador/liquidatário de empresa do sector empresarial local cujo contrato com esta é de prestação de serviços, mesmo que seja para o exercício de funções de gestão da actividade da mesma empresa municipal, tendo em atenção que as mesmas tinham carácter precário, tal como as de liquidatário.
Nº Convencional:JSTA000P30887
Nº do Documento:SAC20230418026
Data de Entrada:09/30/2022
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE A COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA - INSTÂNCIA LOCAL - SECÇÃO CÍVEL -- JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE LEIRIA UO1
AUTOR: MUNICÍPIO DE LEIRIA
RÉU: AA
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 26/22

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
O Município de Leiria intentou no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Instância Local, Secção Cível, Juiz 1 de Leiria, acção declarativa de condenação com processo comum contra AA, pedindo a sua condenação no pagamento, a título de indemnização, de €33.814,30, pelos danos causados pelos actos praticados com preterição dos deveres contratuais, durante o exercício das suas funções enquanto administrador executivo e liquidatário da A..., EM, acrescido de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Em síntese, o Autor alegou que foi acionista único da A..., EM (A...), uma sociedade anónima, com um capital social de €55.600,00, integralmente detida pelo A., constituída nos termos da Lei nº 58/98, de 18/8, e, posteriormente adaptada ao regime jurídico do sector empresarial local aprovado pela Lei nº 53-F/2006, de 29/9, e depois pela Lei nº 50/2021, de 31/8.
Por deliberação de 31.08.2012, o Réu foi nomeado como administrador, com funções executivas, daquela sociedade, auferindo uma remuneração correspondente a 95% do vencimento mensal de vereador a tempo inteiro, acrescida de despesas de representação, não tendo àquela data, qualquer vínculo laboral ou de qualquer outra natureza com o Autor. E que em face dos resultados negativos apresentados, foi deliberada a dissolução da sociedade, nos termos do art. 62º, nº 1, alínea d) da Lei nº 50/2012, sendo deliberado pela Assembleia Geral da sociedade nomear o Réu como liquidatário da mesma, sendo investido de todos os poderes para dar cumprimento à liquidação, incluindo os poderes gerais de liquidação do activo e do passivo da sociedade, bem como os poderes para administrar a actividade dos estabelecimentos que a sociedade mantivesse durante o período de liquidação e, ainda, dos poderes especiais para a prática de actos de representação em juízo e de alienação de direitos sobre imóveis, incluindo os previstos no art. 152º do Código das Sociedades Comerciais, nomeadamente proceder à alienação global do património da sociedade, nos termos previstos no projecto de dissolução e liquidação. Alega o A. que o R. determinou que fossem feitos pagamentos a si próprio a título de subsídios de férias e de Natal, férias não gozadas, formação profissional, indemnização por cessação de contrato de trabalho, compensação por pré-aviso em falta [descritos nos arts. 63º, 64º, 65º da p.i.], que não lhe são devidos por não se tratar de um vínculo jurídico-laboral, cujo reembolso reclama nos presentes autos.
No entanto, a situação remuneratória do Réu manteve-se inalterada quando passou de administrador executivo da A... para liquidatário desta, pelo que inexiste qualquer vínculo laboral que justifique o pagamento das quantias descritas nos autos, uma vez que o regime jurídico da actividade empresarial local e das participações locais afasta expressamente a aplicação do regime jurídico do contrato de trabalho aos gestores das empresas locais, atento o disposto no seu art. 30º, nº 4, que manda aplicar subsidiariamente aos titulares de órgãos de gestão e de administração das empresas locais, o Estatuto do Gestor Público.
Assim, o Réu ao dar ordem de pagamento das quantias mencionadas adoptou um comportamento lesivo dos interesses financeiros do Autor, de que resultou um prejuízo no montante total de €33.814,30 de que pretende ver-se ressarcido [cfr. arts. 69º e 73º da p.i.]. Pelo que ao abrigo do disposto nos artigos 30º, nº 4 do Estatuto do Gestor das Empresas Locais. Aprovado pela Lei nº 50/2012, de 18/1, dos artigos 64º, 72º a 79º e 152º, nº 1, todos do Código das Sociedades Comerciais (CSC), deve o Réu ser condenado na devolução da indicada quantia acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a citação.

O Réu contestou por impugnação e deduziu reconvenção – cfr. fls. 137 a 143.

O Autor replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção deduzida – cfr. fls. 154 a 160.

Em 29.03.2017, na Instância Local, Secção Cível de Leiria, Juiz 1, foi proferida sentença a julgar o tribunal incompetente em razão da matéria para apreciação e julgamento da acção intentada, absolvendo o Réu da instância e declarando competentes para dirimir o litígio os Tribunais Administrativos - cfr. 315 a 317 verso.
Remetidos os autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria (TAF de Leiria), foi aí proferida sentença em 15.06.2022 a declarar a incompetência em razão da matéria para conhecer do objecto dos autos, sendo o Réu absolvido da instância principal e o Autor absolvido da instância reconvencional.
Suscitada oficiosamente a resolução do conflito negativo de jurisdição, por despacho de 26.09.2022 do TAF de Leiria foram os autos remetidos a este Tribunal dos Conflitos.
Neste Tribunal dos Conflitos as partes foram notificadas para efeitos do disposto no nº 3 do artigo 11º da Lei nº 91/2019 e nada disseram.
O Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu parecer, em 03.11.2022, no sentido de que a competência material para julgar a acção deverá ser atribuída ao Tribunal Judicial da Comarca Leiria (Instância Local Cível), onde a mesma foi inicialmente proposta.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no Relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre o Tribunal Judicial de Leiria, Juízo Local Cível e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria.
Entendeu o Juízo Local Cível de Leiria que “No caso dos autos decorre dos factos que preenchem a causa de pedir que a natureza do vínculo jurídico que liga o réu à autora é o de um contrato de trabalho público, uma vez que a autora, ao deliberar a nomeação do réu como administrador e depois como liquidatário o fez ao abrigo de normas de conteúdo administrativo de carácter público, ao abrigo de poderes públicos e não num contexto de uma relação estritamente jurídico-privada (…).
Razão por que a relação entre as partes deve ser integrada num litígio emergente do vínculo de emprego público, regida por normas de direito público, portanto, um litígio de natureza jurídico-administrativa, sujeito à jurisdição dos tribunais administrativos – cf. ETAF, art.º 4-1-4-b)(…)”.

Por sua vez o TAF de Leiria tendo em conta o Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local das Participações Locais – Lei nº 50/2012, de 31/8 (arts. 1º, 25º, nº 1 e 26º), o Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo DL nº 71/2007, de 27/3 (na sua redacção inicial – arts. 1º, 12º, 13º, nºs 1 e 6 e 15º, nº 1) e os Estatutos da A... (arts. 11º e 26º, nºs 1 e 2), entendeu que a relação jurídica estabelecida entre o Réu e a A... se subsumia à relação jurídica de mandato, regulada no art. 1157º do Código Civil (CC). Seguiu, para tanto, a jurisprudência deste Tribunal dos Conflitos no acórdão de 11.01.2016, Proc. nº 026/17, em situação semelhante à dos autos. Entendimento que considerou ser de estender ao exercício das funções de liquidatário, “uma vez que o vínculo emerge igualmente da atribuição de um contrato de mandato, conforme resulta expressamente da deliberação de liquidação da A..., junta como documento n.º 6 com a petição inicial, e que, nos termos do artigo 151.º, n.º 1 do Código das Sociedades Comerciais, derivou da qualidade de administrador anteriormente exercida pelo Réu.
Assim, aderindo ao entendimento exposto, independentemente da natureza pública da empresa A... e das funções eminentemente prosseguidas por esta, a verdade é que o vínculo contratual de onde emerge a causa de pedir dos presentes autos não tem a natureza de vínculo de emprego público, pelo que a competência para apreciar os atos praticados pelo Réu, quer na qualidade de administrador, quer na qualidade de liquidatário da referida empresa, …, se encontram excluídos da jurisdição administrativa, sendo que tal conclusão não é afastada pelo disposto no artigo 30.º, n.º 2 do Estatuto da A... (cf. documento n.º 3 com a petição inicial), uma vez que este artigo apenas se aplica às atuações praticadas ao abrigo de normas de direito público (atos administrativos), julgamento de ações emergentes de contratos administrativos e das ações que se refiram à responsabilidade civil que a sua gestão provoque.”. Sendo que nenhuma dessas situações se verifica nos autos.
Concluiu que: “(…), assim, por não se inserir na competência da jurisdição administrativa, prevista no artigo 4.º do ETAF, ser da competência da jurisdição comum a apreciação dos pedidos deduzidos nos presentes autos, quer em sede principal, quer em sede reconvencional, nos termos do disposto nos artigos 64º do CPC e 40º da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, que aprovou a Lei de Organização do Sistema Judiciário.
Vejamos.
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211.º, n.º1, da CRP, 64º do CPC e 40º, nº1, da Lei nº 62/2013, de 26/8 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212º, nº 3, da CRP e 1º, nº 1, do ETAF).
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4º do ETAF (Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro), com delimitação do “âmbito da jurisdição” mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta. Como se afirmou no Ac. deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. 08/14 “A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo”.
Analisados os termos e teor da petição inicial constata-se estarmos perante um litígio regulado por normas de direito privado, no qual se pede uma indemnização pelos danos causados pelos actos praticados com preterição dos deveres legais e contratuais, durante o exercício de funções do Réu enquanto administrador e liquidatário da empresa A....
Com efeito, a solução do conflito pressupõe a fixação do vínculo jurídico constituído entre o Réu e a empresa A....
Ora, entendemos que, tal como bem refere o EMMP, o litígio não decorre de uma relação jurídica administrativa por lhe faltarem os respectivos pressupostos.
Como refere Mário Aroso de Almeida, in “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 2010, pág. 175, essa qualificação só é de atribuir “(…) quando lhe sejam aplicáveis normas que atribuam prerrogativas de autoridade ou imponham deveres, sujeições ou limitações especiais a todos ou a alguns dos intervenientes por razões de interesse público, que não se colocam no âmbito de relações de natureza jurídico-privado”, pressupostos estes que não se verificam no caso em apreço, tanto bastando para afastar a inclusão que aqui se discute no âmbito da jurisdição administrativa.
Com efeito, é de afastar a qualificação como relação de emprego público a estabelecida entre a sociedade A... e o Réu, face ao enquadramento estatutário deste enquanto administrador de uma empresa municipal, ou enquanto liquidatário da mesma. É o que resulta da Lei nº 50/2012 que estabeleceu o Regime Jurídico da Actividade Empresarial Local das Participações Locais (cfr. o respectivo art. 1º). De acordo com o art. 25º, 1 daquele diploma, sem prejuízo do disposto naquela lei, a natureza e as competências dos órgãos sociais das empresas locais obedecem ao disposto na lei comercial. Quanto à constituição do vínculo dos membros dos órgãos de gestão ou administração, no art. 26º da mesma Lei dispõe-se: “1 – Os membros do órgão de gestão ou de administração das empresas locais são eleitos pela assembleia geral. 2 – Compete ao órgão executivo da entidade pública participante designar o representante desta na assembleia geral da respetiva empresa local. 3 – Compete ao órgão deliberativo da entidade pública participante designar o fiscal único da empresa local, sob proposta do órgão executivo. 4 (…). 5 – O órgão de gestão ou de administração da empresa local é composto por um presidente e um máximo de dois vogais”.
Conforme vem alegado na petição inicial (arts. 11º e 12º), no dia 31 de Agosto de 2012, por deliberação da assembleia geral da sociedade A..., o Réu foi nomeado administrador, com funções executivas daquela sociedade, sem que, anteriormente, tenha tido qualquer vínculo laboral ou de outra natureza com o Autor. Ou seja, o vínculo constituído entre o Réu e a sociedade A..., foi-o nos termos do disposto no art. 26º, nº 1 da Lei nº 50/2012.
Nos termos do disposto no nº 4 do art. 30º do mesmo diploma, “Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o Estatuto do Gestor Público, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de março, alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18 de janeiro, é subsidiariamente aplicável aos titulares dos órgãos de gestão ou de administração das empresas locais.
Considera-se gestor público quem seja designado para órgão de gestão ou administração das empresas públicas abrangidas pelo DL 558/99, de 17/12 (entretanto revogado pelo DL nº 133/2003, de 3/10) – cfr. art. 1º do DL nº 71/2007, de 27/3.
Como resulta do documento nº 4 junto com a p.i. (fls. 47 e 48 dos autos), o Réu foi nomeado para o cargo de Vogal do Conselho de Administração, com funções executivas, sendo-lhe, como tal, aplicável o disposto no art. 26º, nº 1 da Lei nº 50/2012, art. 13º, nºs 1 e 6 do DL nº 71/2007 e art. 7º, nº 1, al. a) dos Estatutos da A... (doc. nº 3 junto com a p.i.). Prevê o art. 11º, nº 1 dos referidos Estatutos que o mandato dos órgãos sociais tem a duração de quatro anos, sem prejuízo dos actos de exoneração e da continuação de funções até à efectiva substituição. Ou seja, a nomeação do Réu para exercer as funções de vogal consubstancia-se na atribuição de um mandato de quatro anos para esse efeito, como decorre daquele art. 11º dos Estatutos e do art. 15º, nº 1 do DL nº 71/2007, sem prejuízo da possibilidade prevista no art. 26º, nºs 1 e 2 deste diploma, de cessação dessas funções a qualquer altura, por decisão do órgão de designação ou nomeação. No que se nos afigura estar-se perante uma relação jurídico-privada de mandato, prevista no art. 1157º do Código Civil.
Entendimento que foi perfilhado por este Tribunal dos Conflitos no acórdão de 11.01.2017, Proc. nº 027/16, em situação semelhante à dos presentes autos, e a cuja fundamentação aderimos, tendo-se nele expendido o seguinte: «Esta relação jurídica de mandato, livremente cessada e/ou renunciada, até, pelo gestor público nomeado, nos termos do artigo 27º, nº 1 do DL 71/2007, de 27 de Março, é uma relação jurídica de direito privado, estranha, pois, à ambiência contratual administrativa, cfr. neste sentido e em sede de exoneração de gestor público, embora no direito pregresso, mas com inteira pertinência no caso em análise, o Ac. do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA de 6 de Outubro de 2005 (Relatora Angelina Domingues), in www.dgsi.pt.
O mandato, nos termos do artigo 1157º do CCivil, é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta de outra, sendo certo que, in casu, as atribuições dos membros do Conselho de Administração decorrem do artigo 8º dos Estatutos da Empresa municipal B..., situando-se as respectivas competências dentro dos poderes de gestão aí consignados.
Como contrato de mandato que é, livremente revogável, encontra-se sujeito à disciplina do direito privado, a qual implica a obrigação de indemnização pelos prejuízos causados tendo em atenção o prazo conferido para o exercício da função, artigos 1172º, alínea c) do CCivil e 26º, nº 3 do DL 71/2007, de 27 de Março.
Acresce ainda a circunstância de o ETAF, no seu artigo 4º, nº 3, alínea d) estabelecer, de forma expressa, a exclusão do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, além do mais, a apreciação de litígios emergentes de contrato individual de trabalho, que não confiram a qualidade de agente administrativo, ainda que uma das partes seja uma pessoa colectiva de direito público, daqui resultando, por maioria de razão, a exclusão de um vínculo precário, proveniente da atribuição de um mandato, mesmo com funções executivas.
Ora, se assim sucede em relação ao contrato individual de trabalho, que pressupõe um vínculo contratual mais profundo e duradouro, por maioria de razão terá de suceder com um contrato de prestação de serviços, mesmo que seja para o exercício de funções de gestão da actividade de uma empresa municipal, tendo em atenção que as mesmas tinham carácter precário – três anos – e poderiam, como aliás foram -, antecipadamente concluídas por vontade unilateral da CM de Ourém.
No dizer de Vieira de Andrade, in Justiça Administrativa (Lições), …, 56 «(…) Excluem-se, assim, em princípio, do âmbito substancial da justiça administrativa as questões administrativas de puro direito privado, isto é, as decorrentes da actividade de direito privado da Administração – quer seja a que corresponde ao mero exercício da sua capacidade privada (negócios auxiliares, administração do património, gestão de estabelecimentos económicos em concorrência), quer se trate de actividades funcionalmente administrativas, quando ou na medida em que se desenvolvam exclusivamente através de instrumentos jurídicos privatísticos (subvenções, fornecimento de bens e serviços, gestão de estabelecimentos públicos, intervenção no mercado), (…)», sendo precisamente neste conspecto relacionado com a gestão de uma empresa municipal, que se coloca a problemática que nos ocupa.
Daqui decorre ser da competência dos Tribunais comuns a apreciação da questão suscitada, isto é, o pedido de indemnização formulado por via da revogação do mandato do gestor nomeado (…)».
Esta solução é inteiramente transponível para o presente caso. Por isso, estando em causa uma acção emergente de contrato de natureza privada, a presente acção está excluída da competência material dos tribunais administrativos, cabendo a competência material para a apreciar e decidir aos tribunais judiciais.
Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a presente acção o Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Instância Local Cível, Juiz 1.
Sem custas.

Lisboa, 18 de Abril de 2023 - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa de Sousa (relatora) - Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.