Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:017/21
Data do Acordão:10/18/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO.
TRIBUNAIS JUDICIAIS.
DIREITO DE PROPRIEDADE.
ESCRITURA PÚBLICA.
NOTÁRIO.
Sumário:I - Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção de cuja petição se verifica que os pedidos formulados pelo autor revestem natureza do domínio de relações de direito privado, nomeadamente, um pedido de indemnização, para cujo conhecimento são competentes os tribunais judiciais.
II – Tal é o caso da responsabilidade civil do notário que está sujeita ao regime de direito privado e será responsabilidade extracontratual quando decorra da violação dos princípios ou deveres da função notarial.
Nº Convencional:JSTA000P28320
Nº do Documento:SAC20211018017
Data de Entrada:05/05/2021
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE BRAGA - JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE GUIMARÃES — JUIZ 2 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE BRAGA
AUTOR: A............ E OUTROS
REU: B............ E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº 17/21

Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A………… e marido C…………, identificados nos autos, intentaram no Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo Central Cível de Guimarães, acção contra B…………, D…………, E…………, F………… e G…………, formulando os seguintes pedidos:
a) Ser declarada a nulidade da procuração com termo de autenticação datada de 16 de Agosto de 2016, pretensamente outorgada pelos AA. a favor do 1º R.;
b) Ser declarada a nulidade do termo de autenticação que acompanha a aludida procuração;
c) Ser declarada nula a escritura de compra e venda dos prédios, outorgada em 19 de Agosto de 2016 no cartório do 4º R., por manifesta falsidade das procurações que lhe deram origem ou se assim não se entender, por simulação dos 1º e 2º RR;
d) Ser ordenado o cancelamento do registo a favor da 2.ª Ré na Conservatória do Registo Predial de Fafe;
e) Ser reconhecido que a A. esposa é co-herdeira e portanto tem quota-parte na herança, sobre os prédios supra identificados sob o artigo 8.º, que lhe adveio por óbito de seus pais, H………… e I…………;
f) Serem os RR. condenados solidariamente a pagarem aos AA. a quantia de €7.500,00 a título de danos patrimoniais;
g) Serem os RR. condenados solidariamente a pagarem aos AA. a quantia de €15.000,00 a título de danos não patrimoniais,
h) Aquelas quantias das alíneas f) e g) acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
i) Serem os RR. condenados nas custas e demais encargos legais.

Em síntese, alegam que o primeiro Réu, na qualidade de procurador dos seus quatro irmãos, entre os quais o Autor, outorgou escritura pública a 19.08.2016, no Cartório Notarial de Ponte de Lima perante o quarto Réu, notário de profissão, na qual declarou em nome da herança aberta por óbito dos seus pais vender à segunda Ré vários prédios pertencentes à herança, pelo valor global de €33.783,92. A procuração atribuída ao Autor, autenticada pela terceira Ré, exibida pelo primeiro Réu naquela escritura contém assinatura grosseiramente falsa do Autor que nunca a outorgou nem esteve na presença da terceira Ré e a procuração com assinatura a rogo de C………… foi feita sem reconhecimento e sem a identificação da rogada, o que constitui uma irregularidade que não devia ser ignorada pelo quarto Réu que, assim, agiu com negligência. Mais alegam que se tratou de um negócio simulado entre o primeiro e a segunda RR para prejudicar os restantes herdeiros.

Em 22.02.2018, o Juízo Central Cível de Guimarães - Juiz 2, julgou-se incompetente em razão da matéria para apreciação da acção intentada (fls. 260 a 268).
O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF de Braga), para o qual foram os autos remetidos a requerimento dos AA., decidiu em 04.01.2021 julgar aquele tribunal incompetente, em razão da matéria, para conhecer do objecto dos autos.
Suscitada a resolução do conflito, foram os autos remetidos a este Tribunal dos Conflitos.
As partes, notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º. da Lei n.º 91/2019, nada disseram.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da atribuição da competência ao Juízo Central de Guimarães.

2. Os Factos
Os factos relevantes para a decisão são os enunciados no relatório.

3. O Direito
O presente Conflito Negativo de Jurisdição vem suscitado entre Tribunal da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães e o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
Considerou o Juízo Central Cível de Guimarães que «no caso vertente estamos claramente perante uma relação jurídica intersubjectiva que ocorre entre um particular e a administração, regulada pelo direito administrativo.
Pretende o autor que o tribunal declare nulo o termo de autenticação, uma procuração e bem assim os actos praticados em abrigo desta mesma procuração, todos falsos e disso bem sabendo o 4º réu, o notário que não desconhecia a falta de autenticação da assinatura a rogo da 5ª ré. Com efeito, nos termos do Decreto-Lei n.º 244/1992, de 29 de Outubro, os conservadores, os oficiais de registo, os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimento simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos nos termos previstos na lei notarial, os quais conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial. (…)
Assente que os pedidos formulados contra os 3º e 4º réus fundam-se na responsabilidade civil extracontratual destes quer ao lavrar termo de autenticação como ao celebrar escritura pública de compra e venda com base em procuração que segundo alega a autor é falsa é pois de concluir as condutas daqueles são de gestão pública nos termos do conceito plasmado a alínea h do citado artigo 4º, do ETAF.
Consequentemente, trata-se de matéria da competência exclusiva dos Tribunais Administrativos (…) e quanto aos demais RR atento a que os pedidos são de condenação solidária de todos os RR a competência dos TAFs estende-se também a estes conforme artigo 4º/2 do ETAF (…)».
Remetido o processo ao TAF de Braga este, por sua vez, também se considerou incompetente em razão da matéria para conhecer de todos os pedidos «porque os pedidos formulados nas alíneas a), b), c), d) e e) do petitório (…) emergem, segundo se crê de modo nítido, da relação meramente particular existente entre os autores e os réus; está em causa a aplicação de disposições de direito privado, não sendo o tribunal administrativo competente para conhecer da nulidade de uma procuração, de um termo de autenticação e menos ainda de uma escritura pública de compra e venda a que subjaz um negócio puramente privado. Consequentemente, também não é ao tribunal administrativo que compete determinar o cancelamento do registo, e menos ainda reconhecer que a autora esposa é co-herdeira do que quer que seja.
Estas questões são todas elas, sem exceção, de natureza eminentemente privada; à sua resolução subjaz a aplicação de normas de direito privado, e o conflito emerge da relação particular que se estabelece entre os autores e alguns dos réus, a título privado.
Assim sendo, e em síntese, não compete ao tribunal administrativo conhecer de uma ação em que é pedida a declaração de nulidade de vários atos jurídicos, com fundamento em falsidade ou simulação, porquanto tais questões de enquadram no âmbito do direito privado. O mesmo sucedendo com o pedido de reconhecimento da autora esposa como co-herdeira.
Na verdade, o único ponto em que se poderia questionar de modo mais vincado a competência do tribunal judicial coincide com os pedidos de indemnização fundados em responsabilidade civil. Se bem entendemos a prévia decisão proferida no tribunal judicial, foi essencialmente este o considerando que sustentou a declaração de incompetência daquele tribunal.
Sobretudo no caso do 4.º réu, F…………, por ter este atuado na qualidade de notário. O que poderia fazer operar a alínea g) do n.º 1 do art.º 4.º do ETAF, na medida em que esta se refere à responsabilidade civil dos demais servidores públicos.
Todavia, pelo menos desde 2004 que o notariado deixou de ter natureza pública (ou pelo menos exclusivamente pública).
(…) à data em que a escritura pública foi celebrada (alegadamente), o notário era já um profissional liberal, e não um servidor público, exercendo livremente as suas funções, regido pelo respetivo estatuto profissional (tal como sucede com tantas outras profissões); pese embora se reconheça, mesmo legalmente, o relevo público da sua função, na dimensão de conferir autenticidade aos documentos e assegurar o seu arquivamento.
Mas a questão é que o notário atua como profissional liberal, de forma independente, imparcial e por livre escolha dos interessados. E é nesse regime puramente privado que exerce as suas funções, não substituindo os serviços do Estado ou exercendo qualquer função administrativa.
(…) Portanto, em suma, mesmo no caso do quarto réu a responsabilidade deste funda-se num ato de gestão privada, ou seja, numa atuação do mesmo enquanto profissional liberal, e não enquanto entidade que integra a Administração Pública ou que exerce uma função administrativa em substituição dos serviços do Estado.».

Vejamos:
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211.º, n.º1, da CRP; 64.º do CPC e 40.º, n.º1, da Lei n.º 62/2013, de 26/08 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF).
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no art.º 4.º do ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), com delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva (nºs 1 e 2) e negativa (nºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o A. configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta.
Como se afirmou no Acórdão deste Tribunal de 01.10.2015, Proc. 08/14 «A competência é questão que se resolve de acordo com os termos da pretensão do Autor, aí compreendidos os respectivos fundamentos e a identidade das partes, não importando averiguar quais deviam ser os termos dessa pretensão, considerando a realidade fáctica efectivamente existente ou o correcto entendimento do regime jurídico aplicável. O Tribunal dos Conflitos tem reafirmado constantemente que o que releva, para o efeito do estabelecimento da competência, é o modo como o Autor estrutura a causa e exprime a sua pretensão em juízo».
Analisada a petição verifica-se que os pedidos formulados pelos AA. nas alíneas a) a e), a declaração de nulidade da procuração e termo de autenticação, da escritura de compra e venda dos prédios da herança, o cancelamento do registo na Conservatória a favor da 2.º R. e o reconhecimento de que a A. esposa é co-herdeira, se tratam de pedidos cujo fundamento é a falsidade ou a simulação e se inserem no domínio de relações de direito privado para cujo conhecimento são competentes os tribunais judiciais.
É quanto aos pedidos das alíneas f) e g) «serem os RR condenados solidariamente a pagar aos AA a quantia de €7.500,00 a título de danos patrimoniais» e «serem os RR condenados solidariamente a pagar aos AA a quantia de €15.500,00 a título de danos não patrimoniais» que se levantaram as questões de competência material por também serem dirigidos contra os 3º e 4º Réus, na qualidade de advogada e de notário, respectivamente.
O Juízo Central de Guimarães considerou que esses pedidos eram da competência dos tribunais administrativos nos termos da al. h) do nº 1 do art. 4º do ETAF e, atento a que os pedidos eram de condenação solidária estendia-se também a todos os RR. a competência dos TAFs, conforme dispõe o nº 2 do art. 4º do ETAF.
Ora, advogado é um profissional liberal sujeito a normas de deontologia profissional conforme o Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei n.º 145/2015, de 09.09). Segundo o art. 104º daquele Estatuto «O advogado com inscrição em vigor deve celebrar e manter um seguro de responsabilidade civil profissional tendo em conta a natureza e âmbito dos riscos inerentes à sua atividade».
Apreciando caso paralelo ao dos autos, decidiu o Tribunal da Relação de Guimarães que: «Lê-se no art. 38º do Decreto-Lei nº 76-A/2006, de 29 de Março, e no que ora nos interessa, que, sem «prejuízo da competência atribuída a outras entidades, (…) os advogados (…) podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial» (nº 1); e os «reconhecimentos, as autenticações e as certificações efectuados pelas entidades previstas nos números anteriores conferem ao documento a mesma força probatória que teria se tais actos tivessem sido realizados com intervenção notarial» (nº 2).
Foram sobretudo razões de simplificação, desburocratização e agilização da prática destes actos, com vista ao incremento do desenvolvimento económico, que estiveram na base desta inovadora atribuição de competências (conforme Preâmbulo do diploma) - que antes eram exclusivas de autoridades públicas - a certas entidades; e, no caso dos advogados, o legislador terá presumido que, atentos os deveres constantes do seu estatuto profissional, os actos por eles praticados seriam verdadeiros (cfr. arts. 76º e seguintes do E.O.A., na versão então em vigor, aprovada pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março).
(…) o que o 2º Réu (…) violou com a sua conduta foram as normas atributivas da fé pública a documento que certificou como tendo sido assinado na sua presença, e que habilitava terceiro à prática de actos jurídicos em nome do pretenso autor daquela precisa assinatura. (…) A ser assim, as normas infringidas visam proteger todo e qualquer cidadão contra eventuais abusos ou violações registados na elaboração de documentos autênticos (nomeadamente, as que discriminam as características que devem revestir), bem como a segurança necessária ao tráfico jurídico neles assentes» (cfr acórdão de 24.01.2019, proc. 3294/11.2TBBCL.G1).
No acórdão de 02.05.2019, proc. 14647/14.4T8LSB.L1.S1, o Supremo Tribunal de Justiça assinalou «já se havia afirmado, no Acórdão do STJ, de 29.04.2010 (processo nº 2622/07.0TBPNF.P1.S1) que «a responsabilidade do advogado para com o cliente é contratual desde que o ilícito se traduza no incumprimento do, especifica ou genericamente clausulado (aqui incluindo os deveres colaterais deontológicos), no mandato forense, só sendo extra contratual se o ilícito consistir em conduta violadora de outros deveres - ou normas legais – não precisamente contratuais», entendimento que se perfilha, por se considerar mais consentâneo com o papel desempenhado pelas normas deontológicas, e sem prejuízo de se entender, ainda em consonância com este mesmo acórdão, que «a responsabilidade do advogado para com terceiros é sempre extracontratual».
E, como refere Orlando Guedes da Costa, «a responsabilidade do Advogado perante terceiros será, em princípio, de natureza extracontratual, sendo-lhe aplicáveis as regras de direito comum» (in A responsabilidade civil profissional do Advogado, em Responsabilidade Civil Profissional, CEJ, 2017, pág. 193. Portanto, o pedido formulado contra a terceira R. não se inscreve no art. 4º, nº 1, al. h) do ETAF por não lhe ser aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público e a sua apreciação não é da competência dos tribunais administrativos.
Por sua vez, dispõe o art. 1º do Estatuto do Notariado (aprovado pelo DL n.º 26/2004, de 04.02, e subsequentes alterações): «1 - O notário é o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função, é conferida fé pública. 2 - O notário é, simultaneamente, um oficial público que confere autenticidade aos documentos e assegura o seu arquivamento e um profissional liberal que atua de forma independente, imparcial e por livre escolha dos interessados. 3 - A natureza pública e privada da função notarial é incindível.».
O mesmo Estatuto estipula no art. 10º que o «notário exerce as suas funções em nome próprio e sob sua responsabilidade, com respeito pelos princípios da legalidade, autonomia, imparcialidade, exclusividade e livre escolha» e no art. 12º que «exerce as suas funções com independência, quer em relação ao Estado quer a quaisquer interesses particulares». E no art. 23º, nº 1, al. m) prescreve-se que constitui dever do notário «Contratar e manter seguro de responsabilidade civil profissional de montante não inferior a (euro) 100 000».
Segundo José Alberto Vieira, «Enquanto oficial público, o notário é o depositário da fé pública, imprimindo autenticidade aos actos jurídicos em que intervém, o que se projecta depois ao nível da força probatória dos documentos que corporizam esses actos (força probatória plena» e «Como profissional liberal, o notário exerce a sua profissão de modo autónomo e independente do Estado e de quaisquer outras entidades; simultaneamente, suporta integralmente os custos da sua actividade» (in Direito do Notariado em Tratado de Direito Administrativo Especial, coord. de Paulo Otero e Pedro Gonçalves, vol II, Almedina, 2009, pág. 136).
Em sede de responsabilidade explica aquele Autor, «numa lógica de notariado privado, em que o notário é um profissional liberal, não se suscita qualquer dúvida de que existe um princípio de responsabilidade do notário pelo exercício da função notarial, como acontece para os advogados e solicitadores» e acrescenta «A privatização da função notarial retirou os notários do seio da administração pública. Eles são profissionais liberais, pessoas singulares de Direito privado, que comunicam a fé pública com a sua intervenção em documentos. Não exercem, contudo, uma função administrativa do Estado, nem lhes é conferido qualquer poder público no desempenho da actividade notarial.
(...) O notariado não pertence mais à actividade administrativa do Estado.
Fica, assim, afastada a aplicação do regime especial da responsabilidade extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas, cujos requisitos de aplicação não se verificam quanto aos notários privados» (obra cit., pag. 160-161).
Podemos então concluir que a responsabilidade civil do notário está sujeita ao regime de direito privado e será responsabilidade extracontratual quando decorra da violação dos princípios ou deveres da função notarial. O regime da responsabilidade extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas não lhe é aplicável.
Assim, o pedido formulado contra o quarto R. não se inscreve no art. 4º, nº 1, al. h) do ETAF segundo o qual compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objecto questões relativas a «Responsabilidade civil extracontratual dos demais sujeitos aos quais seja aplicável o regime específico da responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público».
Veja-se também neste sentido os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 08.07.2015, proc. 543/13.6TBPNF.P1, do Tribunal Central Administrativo Sul, de 02.07.2020, proc. 2200/15.0BEALM e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.09.2020. proc. 1916/17.0T8LSB.L1-2.
São igualmente da competência dos tribunais judiciais a apreciação dos pedidos formulados quanto aos demais RR. São pedidos dirigidos a privados e que não emergem de uma relação jurídica administrativa mas antes de uma relação regulada pelo direito civil.
Deste modo, não se inscrevendo a acção em nenhuma das alíneas do n.º 1 do art. 4.º, do ETAF, que permitam submeter o litígio ao âmbito da jurisdição administrativa, e sendo da competência dos tribunais judiciais conhecer e decidir as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional, conclui-se que a competência material para conhecer da presente acção cabe à jurisdição comum.

Pelo exposto, acordam em julgar competente para apreciar a acção o Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Central Cível de Guimarães – Juiz 2.
Sem custas.

Lisboa, 18 de Outubro de 2021. - Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (relatora) – Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.