Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:047/19
Data do Acordão:11/03/2020
Tribunal:CONFLITOS
Relator:PIRES DA GRAÇA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P26669
Nº do Documento:SAC20201103047
Data de Entrada:10/04/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE SETÚBAL - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE SETÚBAL - JUIZ 1 E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE ALMADA, UNIDADE ORGÃNICA 1.
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: A............, LDA.
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito n° 47/19
Acordam no Tribunal dos Conflitos

A CÂMARA DE SETÚBAL - Departamento de Administração Geral, Finanças e Recursos Humanos Divisão de Fiscalização e Apoio Jurídico - Secção de Contraordenações e Execuções Fiscais proferiu em 28 de Outubro no Processo de Contraordenação n° 351/CON/2017, a seguinte DECISÃO

“No uso de competência conferida pelos art°s 33° e 34° do Regime Geral das Contraordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decreto-Lei n° 356/89, de 17 de Outubro, Decreto-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro e Lei n° 109/01, de 24 de Dezembro), e nos termos do disposto no n° 2 do art.° 58° do citado diploma legal, em cotejo com a alínea l), do n.° 1, do art.º 98° do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, na redação conferida pela Lei n.° 136/2014, de 9 de Setembro, e alínea c), do n.° 3, do art.° 18° do Decreto-Lei n.° 46/2008, de 12 de março, punível nos termos da alínea b), do n.° 2, do art.° 22° da Lei n° 50/2006 de 29 de agosto, na redação conferida pela Lei n.° 114/2015, de 28 de agosto, decido aplicar à Arguida A…………, LDA., NIPC: ………, com sede na Avenida ………, n.° …… ……, em Setúbal, a COIMA DE € 3.000,00 (TRÊS MIL EUROS), porquanto na obra sita na Rua das ………, Lote …… - ………, em Setúbal, a ficha de resíduos de construção e demolição (RCD) não se encontrava no local onde se realiza a obra, anexa ao livro de obra para o registo de dados de RCD, conforme legalmente exigível.

Esta decisão baseia-se no relatório instrutor, que se anexa com folhas numeradas de 1 a 10 dos autos, e a cujos fundamentos dou concordância, e fazem parte integrante desta decisão pela prática da contraordenação prevista na alínea l), do n.° 1, do art.° 98° do Decreto-Lei n ° 555/99, de 16 de Dezembro, na redação conferida pela Lei n.° 136/2014, de 9 de Setembro, e alínea c), do n.° 3, do art.° 18° do Decreto-Lei n.° 46/2008, de 12 de março, punível nos termos da alínea b), do n.° 2, do art.° 22° da Lei n° 50/2006 de 29 de agosto, na redação conferida pela Lei n.° 114/2015, de 28 de agosto, punível com a coima graduada de € 3 000 a € 13 000 em caso de negligência e de € 6 000 a € 22 500 em caso de dolo, no caso de pessoa coletiva.

A presente decisão transita em julgado e torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada no prazo de 20 (vinte) dias, após a sua notificação.

Em caso de impugnação judicial, o Tribunal decidirá em audiência de julgamento ou, caso a arguida e o Ministério Público não se oponham, mediante simples despacho.

A coima acima indicada deverá ser paga no prazo de 10 (dez) dias após o carácter definitivo ou o trânsito em julgado da decisão.

Na impossibilidade de pagamento tempestivo, tal facto deverá ser comunicado, por escrito, a esta Câmara Municipal.

Caso não proceda à liquidação da guia até à data indicada, o processo será remetido a tribunal para efeitos de execução judicial, nos termos do art.° 89° do diploma acima referido.

Liquidem-se as custas a suportar pela arguida no valor de € 51,00 (cinquenta e um euros) nos termos dos art.°s 92° e 94° do Regime Geral das Contraordenações e Regulamento de Taxas e Outras Receitas do Município de Setúbal.

Emitam-se as guias de pagamento. Registe-se e notifique-se a arguida.”


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A…………, Lda., com sede na Av. ………, N° …… …… 2910-…… Setúbal, NIPC ………, que no âmbito da sua actividade de construção civil construiu uma moradia no lote 299, sito na Rua das ………, na Urbanização da ……… em Setúbal, notificada da decisão da Câmara Municipal de Setúbal de aplicação de uma coima no processo de contra-ordenação n° 351/CON/2017, veio , nos termos do n° 3 do artigo 53° do Dec-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Dec-Lei n° 244/95, de 14 de Setembro apresentar recurso de impugnação dirigido ao Exmo Senhor Juiz de Direito do Tribunal Judicial de Setúbal, em 9 de Janeiro de 2019, requerendo a revogação do despacho que decidiu aplicar a coima por falta de fundamento legal.

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O Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Juízo Local Criminal de Setúbal - Juiz 1, em 08-04-2019, proferiu despacho a julgar-se incompetente nos seguintes termos

“Nos presentes autos o recorrente apresentou, na Câmara Municipal de Setúbal, o seu recurso de impugnação da Decisão dessa Autoridade Administrativa, que lhe aplicou uma coima no valor de € 3.000,00 pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 98°, n° 1, l) do RJUE.
Ora, por força do art.° 15°, n.° 5, do DL n.° 214-G/2015, de 2/10, a actual redacção do art.° 4.°, n.° 1, al. l), do ETAF atribuiu aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a competência para apreciação das impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo (entrada em vigor em 1/9/2016).
Assim, são os tribunais da jurisdição administrativa os competentes para apreciar o presente recurso de impugnação judicial e não os tribunais comuns (art.° 4.°, n.° 1, al. l), do ETAF, na redacção do DL n.° 214-G/2015).
Em face do exposto, julgo este Tribunal absolutamente incompetente, em razão da matéria, para a tramitação do presente recurso de impugnação judicial, motivo pelo qual o rejeito.
Notifique.
Após trânsito, remeta ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
Comunique à autoridade administrativa.”

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Em 6 de Maio de 2019, o referido processo de contraordenação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
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O Ministério Público apresentou pronúncia ao Senhor Juiz de Direito do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, alegando além do mais, que
“Na verdade, o conceito de Direito do urbanismo, embora não conheça fronteiras perfeitamente definidas, designadamente considerando o chamado “direito do ordenamento do território”, refere-se no seu núcleo essencial ao conjunto de normas e de institutos respeitantes à ocupação, uso e transformação do solo, designadamente para fins de urbanização e de construção [dr. Fernando Alves Correia, Estudos de Direito do Urbanismo. 1997, p. 97].
16°
Relevando, neste âmbito, um diploma: o Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro (na redacção que lhe foi dada pela Lei n°79/2017, de 18 de Agosto), que aprova o regime jurídico da urbanização e edificação.
17°
Ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.
18°
Ora, como bem se refere no douto despacho judicial, na decisão, vem mencionado o artigo 98° al. l) do RJUE que genericamente dispõe sobre a falta do livro de obra no local onde se realizam as obras” mas o que releva na coima aplicada não é a falta do livro de obra, mas a falta da ficha de resíduos de construção e demolição (RCD) que ao livro de obra deve estar anexa.
19º
E, tal como deriva da decisão administrativa, a referida matéria objecto da presente contraordenação em análise vem prevista no artigo 11º, alínea f) do Decreto-Lei n.° 46/2008, de 12 de Março, alterado pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17 de Junho.
20°
Prevê esta disposição legal: “Constitui contra-ordenação ambiental/leve:
a) Não efetuar o registo de dados de RCD ou não manter o registo de dados de RCD conjuntamente com o livro de obra nos termos da alínea f), do artigo 11.” 21°
Assim sendo, ao abrigo das disposições citadas, ocorrendo impugnação de decisão administrativa sancionadora com aplicação de uma coima que pune uma infracção relativa à violação de normas de outros domínios que não o urbanístico, a competência material para conhecimento dessa impugnação terá de caber aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos.
Por tudo o que acabamos de expor, afigura-se-nos que a decisão a proferir não poderá deixar de ser, segundo consideramos, de julgar este Tribunal Administrativo materialmente incompetente, para conhecer e decidir o presente processo de impugnação judicial de decisão proferida em processo de contra-ordenação em matéria (ambiental) de falta da ficha de resíduos de construção e demolição (RCD), sendo para tal materialmente competente o tribunal judicial, em concreto o Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal [Juízo Local Criminal de Setúbal].”

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, proferiu acórdão com a seguinte “DECISÃO
Face ao exposto:
I. Julgo procedente a exceção da incompetência do presente Tribunal Administrativo, em razão da matéria, para o conhecimento do presente recurso contraordenacional por respeitar a contraordenação em matéria-ambiental, sem se ordenar o envio para o Tribunal Judicial por haver sentença de incompetência em razão da matéria, transitada em julgado.
II. Custas do incidente pela Recorrente que se fixam em 0,5 (meia) UC.
III. Registe e Notifique.
IV. Em apenso, remeta-se oportunamente ao Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, cópia da decisão de fls. 23, da impugnação de fls. 28 a 37, da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal de fls. 42, da presente sentença e demais elementos indicados no artigo 35° n° 1 do CPP.”
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Em 30 de Setembro de 2019, o Tribunal Central Administrativo Sul decidiu o seguinte: “Decide este tribunal,
Por factos - falta da ficha de resíduos de construção e demolição (RCD), em violação do disposto no art 18°, n° 3, al c) do DL n° 46/2008, de 12.3, que estabelece o regime jurídico da gestão de resíduos resultantes de obras ou demolições de edifícios ou de derrocadas, designados resíduos de construção e demolição e da Lei n° 50/2006, de 29.8, que aprova a Lei Quadro das Contraordenações Ambientais - ocorridos em 29.9.2017, o Município de Setúbal aplicou a A………, Lda, coima no valor de €: 3.000,00.
Inconformada, a arguida apresentou impugnação judicial, nos termos do art 59° do DL n°433/82.
Remetidos os autos ao Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, por sentença de 8.4.2019, veio a ser decidido que o tribunal carecia de competência material para apreciar a impugnação, por isso, face à alteração introduzida pelo DL n° 214-G/2015, de 2.10, no art 4°, n° 1, al l) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, tal competência cabia aos tribunais da jurisdição administrativa.
Transitada em julgado a decisão, os autos foram remetidos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que, por sentença de 17.6.2019, decidiu ser a jurisdição administrativa incompetente para conhecer do recurso de contraordenação, por respeitar a contraordenação em matéria ambiental. Em consequência, o TAF de Almada julgou-se materialmente incompetente.
Formou-se assim um conflito negativo de jurisdição (cfr art 109°, n° 1 do CPC), e não, como concluiu o TAF de Almada, um conflito negativo de competência (cfr art 109°, n° 2 do CPC).
Apenas os conflitos de competência entre tribunais administrativos são resolvidos pela Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr art 24°, n° 1, al h) do ETAF).
Neste caso, por estar em causa um conflito de jurisdição, que ocorre entre dois tribunais integrados em ordens jurisdicionais diferentes, o mesmo deve ser resolvido pelo Tribunal de Conflitos (cfr arts 109°, n° 1 e 110°, n° 1 e n° 3 do CPC ex vi art 1° do CPTA).
O que significa que a decisão do TAF de Almada, a determinar a remessa dos autos a este Tribunal Central Administrativo Sul, a coberto do disposto no art 35° do Código de Processo Penal ex vi art 4., n° 1 do regime geral das contraordenações, não se mostra conforme com a lei.
Assim, com a declaração da incompetência dos TAF para conhecer dos autos e verificado o conflito negativo de jurisdições, cumpre suscitar oficiosamente a resolução do indicado conflito junto do Presidente do Tribunal de Conflitos, conforme dispõe o art 111º, n° 1 do CPC, considerando que o CPTA é omisso nesta matéria, por as regras dos arts 135° a 139° do CPTA serem apenas aplicáveis aos conflitos de competência e de atribuições.
Face ao exposto, considerando ainda o disposto no art 3°, n° 3, 2ª parte do Código de Processo Civil, com referência à manifesta desnecessidade, ex vi art° 1° do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, por este Tribunal Central Administrativo Sul não ter competência para a resolução do conflito, suscita-se oficiosamente a resolução do identificado conflito negativo de jurisdição junto do Presidente do Tribunal de Conflitos, para o qual deve o presente processo ser remetido.
Sem custas.
Notifique.
Remeta de imediato.”
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O Ministério Público junto do Tribunal dos Conflitos reiterou o parecer do MºPº de fls 49 a 52 no sentido de julgar competente os tribunais comuns para conhecer da matéria dos autos.”
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Cumprida a tramitação processual e, após vistos, seguiu o processo para julgamento
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Cumpre apreciar e decidir:
O Artigo 101.º n° 2, do Código de Processo Civil (CPC) - (art.° 107.° CPC 1961), sobre a Fixação definitiva do tribunal competente, dispõe no seu n° 2: “Se a Relação tiver julgado incompetente o tribunal judicial por a causa pertencer ao âmbito da jurisdição administrativa e fiscal, o recurso destinado a fixar o tribunal competente é interposto para o Tribunal dos Conflitos”.
Como já referia Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, págs 323 e segs: a propósito do referido art. 107°, n° 2, do CPC anterior: «O recurso a que alude o art° 107° n° 2 não é um meio de solução do conflito existente, mas de prevenção de conflito futuro, através de uma decisão que defina, com força de caso julgado material, fora da acção em que seja proferida, a “competência”(...)»
E, referia o mesmo Autor (ibidem, p. 324) em comentário ao texto de 1939: “sob o ponto de vista pragmático custa a admitir que proferida uma decisão, com trânsito em julgado, no sentido de que determinada causa é da competência dos tribunais de certa espécie e categoria, o tribunal perante o qual venha depois a acção a ser proposta, em obediência ao caso julgado, tenha ainda o poder de se declarar incompetente. Espectáculo pouco edificante e situação desairosa”.
O referido art° 101º do CPC actual, na sequência do art° 107°, n° 2, do CPC, anterior garante o exercício do direito ao recurso para o Tribunal dos Conflitos na situação ali indicada, onde se integra a dos autos.
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De harmonia com o art° 202° da Constituição da República Portuguesa (CRP):
“1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.”

O art° 211º da Lei Fundamental estabelece no seu n° 1 que os tribunais judiciais são os tribunais comuns em matéria cível e criminal e exercem jurisdição em todas as áreas não atribuídas a outras ordens judiciais.
Consagra-se a regra geral de jurisdição, ou jurisdição regra, incumbida aos tribunais judiciais, mas, sem prejuízo de áreas atribuídas a outras ordens judiciais, em que a jurisdição deixa de ser exercida pelos tribunais comuns.
Solução esta contemplada na lei ordinária. - v. art° 64.° do CPC (art.° 66 CPC 1961) “São da competência dos tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional.”

O art° 212° da CRP referindo-se aos tribunais administrativos e fiscais determina no n° 3 que: - “Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das acções e recursos contenciosos que tenham, por objecto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.”.
Assim também o artigo 1°, n° 1, do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei nº 13/2002, de 19 de Fevereiro, que dispõe:
“1 - Os tribunais da jurisdição administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, nos litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no artigo 4.° deste Estatuto”
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“Competência dum tribunal é a medida da sua jurisdição.”
Leis de competência são as que fixam a medida da jurisdição dos diversos tribunais” - Manuel A. Domingues de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora Limitada, 1976, p. 44.

“Sendo a função jurisdicional uma actuação de normas materiais ou substantivas - como que uma aproximação da Lei e da Vida, e encontrando-se o direito substantivo cindido em diversos ramos por necessidades de especialização, é consequência lógica que aplicação contenciosa de cada um deles, pertença ao sector específico da organização jurisdicional. A jurisdição apresentar-se-á, pois, pluralizada em diferentes formas. (...).
Preside a essa diferenciação a diversidade do seu objecto.” - Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. I, Almedina, Coimbra, p.s 15 e 16.

Como refere Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, revista, 2010, pág. 125: “a competência do tribunal deve ser aferida pelos termos da relação jurídico-processual, tal como é apresentada em juízo pelo autor, independentemente da idoneidade do meio processual utilizado (cfr. acórdãos do Tribunal de Conflitos de 25 de Janeiro de 2007, Processo n° 19/06, do TCA Sul de 12 de Fevereiro de 2009, Processo n° 3501/08, e de 5 de Março de 20089, Processo n° 3480/08).”
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Conflitos semelhantes aos dos presentes autos, já foram resolvidos pelo Tribunal dos Conflitos que, de forma unânime decidiu que, para efeitos de determinação da competência para a apreciação do recurso definida pelo art° 4°, n° 1, al. l) do ETAF, na redacção introduzida pelo art° 15° nº 5 do DL n° 214-G/15 de 02.10, em vigor a partir de 01.09.2016, o que vale é a data da apresentação a juízo do recurso interposto, independentemente da data da instauração do processo contra-ordenacional.

Por outro lado, tendo em consideração que a competência do tribunal se fixa no momento da propositura da causa [cfr. art° 5°, n° 1 do ETAF], sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente, há que, no caso, determinar em que data se considera proposta a acção, em face do disposto no art° 59° do DL n°433/82 de 14/09 de onde resulta que a decisão administrativa é susceptível de impugnação judicial através do recurso de impugnação interposto pelo arguido e apresentado à autoridade administrativa no prazo de 20 dias, devendo constar de alegações e conclusões, após o que os autos são enviados ao Ministério Público que os tornará presença ao juiz, valendo este acto como acusação.

Sobre esta questão, já se pronunciou por diversas vezes o Tribunal dos Conflitos - v.g. entre outros, Conflitos 05/17 e 26/17 de 01.06.2017, Conflito 26/17 e 24/17 de 28.09.17, 22/17, 35/17, 39/17, 42/17, 34/17 e 33/17 todos de 09.11.2017 — todos no sentido de que é a introdução em juízo do feito a julgar, que corresponde à data em que os autos são apresentados no tribunal, que marca o momento em que a competência se fixa.
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Dispõe o art. 4°, n° 1, alínea l) do ETAF, na redacção introduzida pelo DL n° 214-G/2015, de 2/10, que:
“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a:
(...)
I) Impugnações judiciais de decisões da Administração Pública que apliquem coimas no âmbito do ilícito de mera ordenação social por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismos;”

Nos termos deste normativo, o legislador previu, pois, a competência dos tribunais administrativos para o conhecimento das impugnações judiciais, no âmbito de ilícitos de mera ordenação social, mas restringido à violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo, como aliás é timbre da jurisprudência do Tribunal dos Conflitos.
Assim:
Como se expendeu no Ac. do Tribunal dos Conflitos de 27.09.2018, Proc. 023/18, no qual estava em causa um concurso de infracções relativo à violação de normas em matéria urbanística com violação de normas de outros domínios que não o urbanístico, quanto à opção legislativa relativa àquela alínea l) do n° 1 do art. 4° do ETAF:
«Daí que a opção tenha passado, nos termos da alínea l) do n.° 1 do art. 04.° do ETAF, pela atribuição da competência aos tribunais administrativos apenas das impugnações contenciosas de decisões que hajam aplicado coimas fundadas na violação de normas de Direito Administrativo em matéria de urbanismo [aqui entendido num âmbito que não abarca as regras relativas à ocupação, uso e transformação do solo (planos/instrumentos de gestão territorial], nem as regras relativas ao direito e política de solos, mas que inclui, mormente, as regras respeitantes à disciplina do direito administrativo da construção e à dos instrumentos de execução dos planos (v.g., reparcelamento, licenciamento e autorização de operações de loteamento urbano e de obras de urbanização e edificação)], ficando excluídas, salvo expressa disposição em contrário, todas as impugnações contenciosas relativas aos demais domínios/matérias tipificados em sede de ilícito de mera ordenação social e, assim, por este abrangidos.»
O direito do urbanismo é constituído pelo conjunto de normas e institutos públicos que, no quadro das directivas e orientações definidas pelo ordenamento do território, se destinam a promover o desenvolvimento e a conservação cultural da urbe (cfr. neste sentido o Ac. deste Tribunal de 21.03.2019, Proc. n°037/18).
Considerou o Ac de 19-06-2019 proc. 010/19 que “não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a legislação da protecção do domínio público rodoviário do Estado. E, não existindo expressa disposição em contrário, a impugnação contenciosa relativa a esta matéria tipificada em sede de ilícito de mera ordenação social está excluída da previsão do art. 4°, n° 1, al. l) do ETAF e, da competência dos tribunais administrativos.
A competência para a referida impugnação judicial cabe aos tribunais da jurisdição comum.”
Mesmo que a decisão administrativa fosse possível de ser enquadrada [que não é] como contra-ordenação ambiental [isto porque a recorrente “A…………” para além de sancionada pela prática de contra-ordenação por violação de normas constantes do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo DL n° 555/99 de 16.12, foi também sancionada pela prática de contra-ordenação fundada na violação de normas constantes do Regime Jurídico da Reserva Ecológica Nacional aprovado pelo DL n° 166/2008 de 22.08, na redacção dada pelo DL n° 96/2013 de 19.07, a verdade é que, inexiste, no entanto, qualquer menção à violação de prescrições do plano municipal ou do plano intermunicipal e da medida e contornos dessa eventual violação] também neste caso, o Tribunal de Conflitos tem entendido que estas matérias não são da competência da jurisdição administrativa — cfr. Acórdão do TC de 26.10.2017, in proc. n° 43/17- v. ac. T Conflitos - de 23-05-2019, proc. 047/18.

Como referiu o acórdão de 19 de Junho de 2019, proc. 010/19
Atento o disposto nos arts. 64° do CPC e 4°, nº 1, alínea l) do ETAF, compete à jurisdição comum, em razão da matéria, conhecer de um recurso em matéria contra-ordenacional, por colocação de um poste e respectivo armário eléctrico, constitutiva da contra-ordenação prevista no art. 53°, n° 2, al. a) do Estatuto das Estradas da Rede Rodoviária Nacional, aprovado pela Lei n° 34/2015, de 27/4, por não se integrar no conceito de matéria respeitante a urbanismo, antes integrando a legislação da protecção do domínio público rodoviário do Estado.”
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A norma constitutiva da contra-ordenação objecto dos presentes autos não se integra no conceito de matéria respeitante a urbanismo, é uma contra-ordenação ambiental, cuja impugnação foi apresentada no Tribunal Judicial de Setúbal.
Como salientou o acórdão de 21 de Março de 2019, do Tribunal dos Conflitos, proc. 037/18
“Sendo uma norma de cariz eminentemente ambiental está excluída do âmbito de actuação da alínea l) do n.° 4 do ETAF, na medida em que esta atribui à jurisdição administrativa a apreciação de impugnações de decisões judiciais que apliquem coimas por violação de normas de direito administrativo em matéria de urbanismo. Ora, como o direito do urbanismo é constituído pelo conjunto de normas e institutos jurídicos que, no quadro das directivas e orientações definidas pelo direito do ordenamento do território, se destinam a promover o desenvolvimento e a conservação cultural da urbe (Luís Filipe Colaço Antunes, “Direito Urbanístico - Um outro paradigma - a planificação modesto- situacional”, Livraria Almedina, 2002, páginas 68 e seguintes.) (figurando portanto como um desenvolvimento ou prolongamento do desenvolvimento do ordenamento do território), facilmente se constata que a norma que esteve na origem da aplicação da coima não tem qualquer ponto de contacto com esta matéria.”

O conhecimento/julgamento da norma contra-ordenacional objecto dos presentes autos, é pois da competência dos Tribunais de jurisdição comum, que não dos tribunais administrativos.
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Termos em que, decidindo:
Acordam os juízes do Tribunal dos Conflitos em dar provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, julgam competente a jurisdição comum - tribunais judiciais - para decidir o pleito como vem configurado pelo A.
Sem custas

Lisboa, 3 de Novembro de 2020
Elaborado e revisto pelo relator, que assina digitalmente
(Nos termos e para os efeitos do disposto art.° 15°-A do Decreto-Lei n.° 10-A/2020 de 13 de março na redação dada pelo DL n.° 20/2020 de 1 de Maio atesto que o presente Acórdão tem voto de conformidade dos Ex.m°s Srs. Juízes Conselheiros Adjuntos Dra Ana Paula Soares Leite Martins Portela; Dr. Fernando Jorge Dias; Dr. José Francisco Fonseca da Paz; Dr. Paulo Fonseca Ferreira da Cunha e Dra Maria Benedita Malaquias Pires Urbano)
António Graça