Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:030/21.9YFLSB
Data do Acordão:02/15/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P29198
Nº do Documento:SAC20220215030
Recorrente:A.......
Recorrido 1:POLÍCIA JUDICIÁRIA DE LISBOA
SGMAI - SECRETARIA-GERAL DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 2:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, no Tribunal dos Conflitos:
1. AA instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé uma ação administrativa emergente de responsabilidade civil extracontratual contra a Polícia Judiciária – Direção Nacional, o Ministério da Administração Interna e o Estado Português, pedindo a condenação dos réus a pagarem-lhe a quantia de € 160.788,80, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos em consequência da apreensão indevida do seu veículo, no âmbito de um processo-crime, bem como da demora na sua restituição.
Alegou, em síntese, que
- É proprietária de um veículo automóvel que, em 14 de Fevereiro de 2004, foi apreendido à ordem de um processo-crime, por suspeita de ter sido utilizado em atividades relacionadas com tráfico de estupefacientes;
- Por acórdão de 19 de Dezembro de 2006, transitado em julgado em 2008, os arguidos foram absolvidos da prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, tendo sido ordenada a restituição dos veículos automóveis a quem demonstrasse ser seu proprietário;
- Em 23 de Junho de 2014, a autora apresentou requerimento a solicitar que lhe fosse restituído o seu veículo;
- Em 14 de Julho de 2014, foi proferido despacho a determinar que fossem notificados os titulares dos bens apreendidos para procederem ao seu levantamento;
- Em 7 de Agosto de 2014, por ofício, a Polícia Judiciária informou que o veículo da autora só poderia ser devolvido ao proprietário após o cálculo da compensação prevista no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 31/85, de 25/01;
- Por despacho de 27 de Janeiro de 2015, foi determinado que se notificasse a autora com a indicação de que, caso pretendesse a devolução do veículo, teria de pagar ao Estado Português a compensação, entretanto, apurada;
- Embora tenha solicitado, por diversas vezes, quer por escrito, quer pessoalmente, a restituição do seu veículo automóvel, este nunca lhe foi devolvido, por, alegadamente, se encontrar na Polícia Judiciária de Lisboa e a ser utilizado por esta;
- Em 9 de Junho de 2016, foi proferido despacho a declarar o referido veículo perdido a favor do Estado;
- Em 1 de Setembro de 2016, a autora interpôs recurso do referido despacho;
- Por acórdão de 2 de Maio de 2017, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, foi concedido provimento ao recurso e ordenada a revogação do despacho recorrido;
- Em 29 de Junho de 2017, foi proferido despacho a ordenar que se oficiasse à Polícia Judiciária para devolver o veículo à autora no prazo de 10 dias. Porém, a Polícia Judiciária não efetuou a entrega, nem mesmo após a prolação de novo despacho, em 12 de Julho de 2017, continuando a exigir o pagamento do valor de compensação apurado;
- Na sequência de requerimento da autora, por despacho de 1 de Setembro de 2017, o tribunal determinou que, em obediência ao decidido pelo Tribunal da Relação de Évora, a viatura fosse entregue à autora ou à sua mandatária, no prazo máximo de 10 dias, sem que aquela tivesse de efetuar o pagamento da compensação;
- Em 6 de Setembro de 2017 a autora solicitou no processo que, atendendo à falta de colaboração por parte da Polícia Judiciária, a viatura fosse entregue junto do Tribunal da Comarca de Faro, no dia 12 de Setembro, pelas 09h00;
- Em 18 de Setembro de 2017 o veículo automóvel foi entregue à autora.
Mais alegou que a apreensão, além de desproporcionada, foi abusiva, e que durante os 13 anos e 6 meses em que a sua viatura foi usada “indevidamente e de forma abusiva pelo Estado”, viu o seu direito de propriedade grosseiramente afetado.
Concluiu que “no caso sub judice a responsabilidade civil resulta dos danos emergentes da indevida apreensão do veículo, da Autora ter ficado privada e limitada do seu direito de propriedade e privada do seu uso, fruição e disposição” (art. 37.º da PI), “Bem como da constante recusa por parte da Ré Polícia Judiciária em restituir o veículo automóvel à Autora” (art. 38.º da PI).
Na contestação que apresentou, o Estado português, para o que agora releva, suscitou a incompetência dos Tribunais Administrativos para o conhecimento da causa.
Por decisão de 29 de Junho de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé julgou verificada a exceção dilatória de incompetência em razão da matéria dos Tribunais Administrativos, declarando-se incompetente para conhecer da ação e atribuindo a competência para a causa aos tribunais da jurisdição comum.
Para o efeito, e em síntese, considerou que, fundando-se a presente ação na responsabilidade civil dos réus por danos causados pela apreensão do veículo da autora em processo de natureza penal, é aos tribunais judiciais, e não aos tribunais administrativos, que compete o seu conhecimento.
Notificada, a autora propôs ação declarativa de condenação, agora no Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível, que ali viria a ser distribuída ao Juiz 3, sob o n.º 2612/21.....
Por decisão de 23 de Setembro de 2021, o Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro – Juiz 3, julgou-se igualmente incompetente em razão da matéria e indeferiu liminarmente a petição inicial.
Para assim decidir, considerou que a ação não visa a impugnação de qualquer acto ou decisão jurisdicional, traduzindo-se num mero pedido indemnizatório; e que não estão em causa factos que se possam qualificar como “erro judiciário”, porquanto a autora fundamenta os prejuízos que invoca na conduta da Polícia Judiciária e não na prática de atos ilegais ou injustificados por parte de um juiz de um tribunal comum.
Concluiu, assim, pela competência dos Tribunais Administrativos: “Destarte, alegando a autora que a Policia Judiciária, no exercício da sua função de órgão da policia criminal, procedeu à apreensão da viatura automóvel de que era proprietária e não a devolveu, privando-a do seu uso, causando-lhe desvalorização, obrigando a deslocações e sofrendo preocupação, angústia e sofrimento, teve um comportamento violador dos seus direitos, encontram-se em causa atos praticados no exercício de funções administrativas. Daqui resulta que para conhecimento dos pedidos dirigidos contra o Estado, Ministério da Administração Interna e Polícia Judiciária, de condenação no ressarcimento dos danos causados, à luz do citado art.º 4.º, n.º 2, al.f) do ETAF, serão competentes os Tribunais Administrativos.”
Por requerimento de 17 de Novembro de 2021, a autora veio requerer a resolução do conflito negativo de jurisdição.

2. Por despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, foi determinado que se seguissem os termos da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro (Tribunal dos Conflitos).
Notificadas para se pronunciarem, querendo, as partes não responderam.
O Ministério Público proferiu parecer no sentido de ser atribuída competência para conhecer da presente ação ao Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central Cível,– J3, apoiando jurisprudência que cita.

3. Cumpre, assim, definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio em causa caberá aos tribunais da jurisdição comum ou aos tribunais da jurisdição administrativa.
Os factos relevantes constam do relatório.
Está apenas em causa saber se a apreciação da presente acção é da competência da jurisdição administrativa e fiscal ou do âmbito dos tribunais judiciais e, resolvida esta dúvida, determinar qual é o tribunal concretamente competente.
Como uniformemente se tem observado, nomeadamente na jurisprudência do Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção).
Significa esta forma de aferição da competência, como por exemplo se observou no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 8 de Novembro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 20/18, que “A competência em razão da matéria é, assim, questão que se resolve em razão do modo como o autor estrutura a causa, e exprime a sua pretensão em juízo, não importando para o efeito averiguar quais deveriam ser os correctos termos dessa pretensão considerando a realidade fáctica efectivamente existente, nem o correcto entendimento sobre o regime jurídico aplicável – ver, por elucidativo sobre esta metodologia jurídica, o AC do Tribunal de Conflitos de 01.10.2015, 08/14, onde se diz, além do mais, que «o tribunal é livre na indagação do direito e na qualificação jurídica dos factos. Mas não pode antecipar esse juízo para o momento de apreciação do pressuposto da competência…».”.
A mesma orientação se retira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 2015, ww.dgsi.pt, processo n.º 1998/12.1TBMGR.C1.S1: “Como é sabido, a competência do Tribunal em razão da matéria é determinada pela natureza da relação jurídica tal como apresentada pelo autor na petição inicial, confrontando-se o respetivo pedido com a causa de pedir e sendo tal questão, da competência ou incompetência em razão da matéria do Tribunal para o conhecimento de determinado litígio, independente, quer de outras exceções eventualmente existentes”.

4. No conjunto da organização judiciária, os tribunais judiciais têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto); a jurisdição dos tribunais administrativos e fiscais é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelos artigos 1.º e 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. O que implica, em geral, que se comece por verificar se a acção de que se trate tem por objecto um pedido de resolução de um litígio “emergente” de “relações jurídicas administrativas e fiscais” (nº 2 do artigo 212º da Constituição, nº 1 do artigo 1º e artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).
No caso presente, está em causa uma acção de responsabilidade civil extracontratual instaurada contra a Polícia Judiciária – Direção Nacional, o Ministério da Administração Interna e o Estado Português.
O Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, veio trazer para o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal todas as acções de responsabilidade civil extra-contratual instauradas contra entidades públicas, incluindo a responsabilidade resultante do exercício da função jurisdicional, tornando-se desnecessário apurar se o acto indicado como fonte da obrigação de indemnizar, como tal indicado pelo autor, deve ser considerado um acto de gestão pública ou de gestão privada. No caso, aliás, considerando a causa de pedir invocada, nunca se colocaria qualquer dúvida, no que a esta alternativa respeita. Cfr. apenas a título de exemplo, o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10 de Março de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 013/10: «De referir ainda que, “o novo ETAF (aprovado pela Lei n.° 13/2002, de 19 de Fevereiro) unificou a jurisdição no tocante à responsabilidade civil extracontratual das pessoas colectivas de direito público, desinteressando-se da questão de saber se o direito de indemnização provém de acto de gestão pública ou de gestão privada, e, do mesmo modo, integrou no âmbito da jurisdição administrativa a responsabilidade por danos resultantes do exercício da função política e legislativa, bem como a resultante do deficiente funcionamento da administração da justiça, dissipando todas as dúvidas que pudessem colocar-se, no futuro, quanto à fronteira entre a jurisdição dos tribunais administrativos e dos tribunais comuns (cfr. artigo 4°, n.° 1, alínea g)” [actual al. f)] - acórdão do Tribunal de Conflitos de 18-12-2003, Proc.° n.° 15/03” e José Carlos Vieira de Andrade, A Justiça Administrativa, 18,ª ed., Coimbra, 2020, pág. 112, ou Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos , 4.ª ed., Coimbra, 2018, págs. 23 e 24.
Seja como for, o que agora releva é determinar se o litígio, tal como a autora o configurou, deve ser considerado como incluído na jurisdição administrativa e fiscal, pela al. f) do n.º 1 do artigo 4º do ETAF [“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham por objeto questões relativas a: (…) f) Responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo por danos resultantes do exercício das funções política, legislativa e jurisdicional, sem prejuízo do disposto na alínea a) do n.º 4 do presente artigo;”] ou dela excluído, pela al. a) do n.º 4 do mesmo artigo [“4 - Estão igualmente excluídas do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal: a) A apreciação das ações de responsabilidade por erro judiciário cometido por tribunais pertencentes a outras ordens de jurisdição, assim como das correspondentes ações de regresso;”].
Ou seja: há que saber se o pedido de indemnização formulado pela autora tem como causa de pedir um “erro judiciário cometido por tribunais pertencentes” a ordem diversa da Ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais, mais precisamente, aos Tribunais Judiciais, uma vez que o seu veículo foi apreendido no âmbito de um processo de natureza penal, como entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, ou aos tribunais administrativos, já que o pedido de indemnização não se fundamenta em actos que possam ser qualificados como erro judiciário, mas sim em actos de natureza administrativa, como considerou o Juízo Central Cível de Faro.
A exclusão prevista na al. a) do n.º 4 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais justifica-se por não se pretender deslocar a acção de responsabilidade para ordem diferente do tribunal a quem é atribuído o erro judiciário (cfr. José Carlos Vieira de Andrade, op. cit., pág 111, nota (204), que explica que a al. a) do n.º 4 do artigo 4.º exclui da jurisdição administrativa “o julgamento de responsabilidade por erro judiciário cometido por juízes de outras ordens de tribunais”, ou José Manuel Cardoso da Costa, Sobre o Novo Regime da Responsabilidade do Estado, Estudos em Homenagem a Manuel Henrique Mesquita, Coimbra, 2009, pág. 501 e segs., pág. 506: “Enquanto o apuramento da responsabilidade por danos causados, em geral, pela administração da justiça ficou deferido, qualquer que seja a ordem jurisdicional implicada, aos tribunais administrativos, já a apreciação da acção de responsabilidade por erro judiciário, bem como das correspondentes acções de regresso contra magistrados, foi cometida, e ficou confinada, à respectiva ordem de jurisdição (art. 4.º, n.º 1, alínea f) e n.º 3, alínea a), do referido ETAF"; cfr. ainda o acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21 de Outubro de 2014, www.dsgi.pt, processo n.º 034/14: “(…) a competência do foro administrativo abrange as acções respeitantes à responsabilidade civil fundada na prática de quaisquer actos ou omissões no exercício da função jurisdicional, a qual reveste natureza administrativa – arts. 202º, n.º 1 e 212º, n.º 3 da CRP e art. 1º do ETAF –, acções essas nas quais se englobam as resultantes da deficiente administração da justiça, tais como as fundadas na infracção das regras processuais ou na demora nas decisões judiciais, sem prejuízo, porém, e de acordo com a interpretação, a contrario, daquele último normativo transcrito, da exclusão de tal competência relativamente às acções fundadas em erro judiciário que haja sido cometido por tribunais não integrados na jurisdição administrativa – vide Reforma do Contencioso Administrativo, Ministério da Justiça, 2003, pág. 13 e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, anotado, dos Drs. Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, págs. 59/60 e 67/68.”
No mesmo sentido, decidiu-se no já citado acórdão do Tribunal dos Conflitos de 10 de Março de 2011: “Na verdade, como escrevemos no citado acórdão do Tribunal de Conflitos de 29- 11-2006, “hoje, é pacífico o entendimento jurisprudencial, na linha deste último aresto, de que estando em causa a responsabilidade emergente da função de julgar, a competência cabe aos tribunais judiciais, pois os actos e actividades próprias dos juízes na sua função de julgar são praticados no exercício específico da função jurisdicional e não da função administrativa; todos os outros actos e omissões de juízes, bem como toda a actividade e actuação dos restantes magistrados, órgãos e agentes estaduais que intervenham na administração da justiça, em termos de relação com os particulares ou outros órgãos e agentes do Estado, e, portanto, sejam estranhos à especifica função de julgar, inscrevem-se nos conceitos de actos e actividades administrativas ou de “gestão pública administrativa”, da competência da jurisdição administrativa - (cfr. entre outros, além do supra transcrito aresto de 12-05-1994, os acórdãos deste Tribunal de Conflitos de 23-01-2001, Conflito n.° 294, e de 21-02-06, Conflito n° 340, e, ainda, entre outros, os Acórdãos do STA de 13.02.1996, Proc. n°38.474, in AP DR de 31-8-98, 1095; de 15.10.98, Proc. n° 36.811; de 12.10.2000, Proc. n.° 45.862, in AP DR de 12-2-2003, 7360; de 12.10.2000, Proc. n.° 46.313, in AP DR de 12-2-2003, 7378; e de 22-05-2003, Proc. n.° 532/03).
(…) Ora no caso em apreço, como refere a decisão da 2ª Vara Cível, não está em causa a responsabilidade derivada da função de julgar, que o A. nem refere na petição inicial, mas tão só a ineficiência da actuação dos orgãos do Estado encarregados da investigação criminal que, na óptica do A., não procederam às diligências de investigação da queixa crime apresentada contra os denunciados.
Assim sendo, está-se no âmbito das relações jurídicas administrativas que se podem estabelecer entre a administração judiciária e os particulares na administração da justiça e não no âmbito da específica função de julgar, designadamente de qualquer erro judiciário, pelo que de acordo com a jurisprudência acima citada, e nos termos dos artigos 1°, n.° 1, e 4º, n.° 1, al. g) do ETAF, e 212, n.° 3, da CRP, há que concluir que incumbe aos tribunais administrativos o julgamento da acção de responsabilidade civil extracontratual intentada contra o Estado.”
Mais recentemente, o Acórdão do Tribunal dos Conflitos de 05/05/2021, processo n.º 03461/20.8T8LRA.S1 pronunciou-se no mesmo sentido: “Nestes termos, entende-se que a exclusão operada pela al. a) do n.º 4 do artigo 4.º do ETAF apenas se aplica às acções de responsabilidade por erro judiciário atribuído a tribunais não integrados na Ordem dos Tribunais Administrativos e Fiscais, ou seja, no que agora releva, a erro atribuído a decisão judicial (…).

5. No caso de que nos ocupamos, a autora fundamenta o seu pedido nos termos já sintetizados. Compulsado o auto de apreensão de veículo junto aos autos, verifica-se que a apreensão foi efetuada pela Polícia Judiciária, “por determinação superior”, não havendo qualquer referência a decisão judicial que a tenha ordenado ou validado.
Ora a autora não se insurge, em qualquer momento, na sua petição, contra decisão jurisdicional emergente da função de julgar, designadamente eventual ordem de apreensão do veículo.
Na verdade, a autora não invocou, como causa de pedir, qualquer erro judiciário cometido pelo julgador do Tribunal Judicial da Comarca de Faro: de acordo com a configuração objectiva da causa, que definiu, não está em causa nos autos um erro atribuído a decisão judicial, mas antes a atuação da Polícia Judiciária, quer na apreensão do veículo, quer na sua manutenção e uso, quer, por fim, na recusa da sua entrega.
Face ao exposto, afigura-se que cabe à Jurisdição Administrativa e Fiscal a competência para conhecer desta acção, nos termos do disposto na al. f) do n.º 1 do artigo 4.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; concretamente, ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé (artigos 18.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 9.º, n.º 2 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, 3.º, n.º 1 e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 325/2003, de 29 de Dezembro, e mapa anexo a este diploma).

6. Julga-se portanto competente para a presente acção a Jurisdição Administrativa e Fiscal e, concretamente, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé.

Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).
Lisboa, 15 de fevereiro de 2022. – Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.