Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:057/19
Data do Acordão:07/08/2021
Tribunal:CONFLITOS
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO
FUNDO DE RESOLUÇÃO
Sumário:Incumbe aos Tribunais Judiciais o julgamento de uma acção instaurada por um depositante em banco intervencionado, contra tal banco, o banco de transição e o Fundo de Resolução, sendo pedida a condenação solidária de todos os réus, e, imputado ao primeiro a violação dos deveres inerentes ao exercício da actividade bancária ou a mediação de títulos e em que o banco de transição é demandado por se lhe imputar a qualidade de sucessor do primeiro e o Fundo de Resolução apenas a qualidade de titular do capital do banco intervencionado.
Nº Convencional:JSTA000P28005
Nº do Documento:SAC20210708057
Data de Entrada:11/25/2019
Recorrente:CONFLITO NEGATIVO DE JURISDIÇÃO, ENTRE O TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DO PORTO ESTE – AMARANTE – INSTÂNCIA LOCAL – SECÇÃO CÍVEL – J1, E O TRIBUNAL ADMINISTRATIVO E FISCAL DE PENAFIEL
AUTOR: A..............
RÉU: B................., S.A. E OUTROS
Recorrido 1:*
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral: Conflito nº: 57/19


Acordam no Tribunal dos Conflitos

1. Relatório
A………………., identificado nos autos, intentou no Tribunal da Comarca do Porto Este, Instância Local de Amarante, Secção Cível, acção declarativa comum contra B……………., SA, Agência do C………….., SA, Amarante e Fundo de Resolução pedindo a condenação solidária dos RR a pagarem-lhe a quantia de €27.000,00, acrescida de juros contratuais e de juros de mora vencidos e vincendos, bem como o valor de €5.000,00 a título de danos patrimoniais, com fundamento em responsabilidade contratual e extracontratual.
Em sede de contestação, além do mais, os Réus deduziram várias excepções tendo o R. Fundo de Resolução excepcionado a incompetência, em razão da matéria, dos tribunais judiciais para conhecer da acção e, se assim se não entendesse, a incompetência territorial.
No Tribunal da Comarca do Porto Este, Instância Local de Amarante, Secção Cível, J1, foi proferida decisão em 09.01.2017, (fls. 443/451) que considerou “(…) na situação vertente, pelo menos por parte do réu Fundo de Resolução está, claramente em causa apenas a sua responsabilidade extra-contratual e como garante solidário da entidade privada “C…………”, logo a discussão de relações jurídicas de cariz administrativo”, para decidir que “(…) considerando a natureza e finalidade da criação do “Fundo de Resolução” como pessoa colectiva de direito público, e o disposto no artigo 4.º n.º 1 alínea f) e n.º 2 do ETAF (…), julgo o Juízo Local Cível de Amarante, incompetente em razão da matéria para tramitar a presente acção, sendo a competência, outrossim, do Tribunal Administrativo e em decorrência, absolvo os réus da instância”.
No seguimento dessa decisão, o A. requereu a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e, após decisão do recurso interposto por um dos RR. para o Tribunal da Relação do Porto, quanto ao deferimento do pedido de remessa, foram os autos recebidos no TAF de Penafiel.
Por decisão de 26.06.2018 (fls. 604/608), o TAF de Penafiel ponderou que "há duas causas de pedir distintas: uma fundamenta-se no incumprimento contratual e outra na existência de responsabilidade civil extracontratual (…) relativamente à relação jurídica de natureza contratual, a alegação do autor contende com a existência de um contrato de depósito bancário: está em causa um contrato de natureza privada celebrado entre entidades privadas e não submetido a normas de direito público (…) por outro lado, também o regime da responsabilidade civil extracontratual que está em causa não é o regime especificamente aplicável ao Estado e demais entidades públicas” para concluir que a matéria dos autos se mostra excluída do conhecimento da jurisdição administrativa e julgar-se incompetente para conhecer da acção.
O Fundo de Resolução interpôs recurso dessa sentença para o TCA Norte que, por acórdão proferido em 12.06.2019, negou provimento ao recurso (fls. 668/677), observando na sua fundamentação que “o Autor, em momento algum da petição inicial faz derivar a responsabilidade do Fundo de Resolução de factos concretos relacionados com a posição de supremacia em que o mesmo se encontra na sua relação com o C…………… ou com o B……... Não configura o Autor, portanto, a situação dos autos como emergente de qualquer relação jurídica administrativa. Só teria sentido chamar à colação a norma do nº 2 do artigo 4º do CPTA se o Fundo de Resolução estivesse a ser demandado nos autos por via de uma relação jurídica administrativa, o que como vimos, não sucede”.
Suscitado oficiosamente o conflito no TAF de Penafiel, foi o processo remetido ao Tribunal dos Conflitos.
Neste Tribunal dos Conflitos as partes, notificadas para efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 11.º. da Lei n.º 91/2019, nada disseram.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que a competência para conhecer do pedido deduzido pelo A contra todos os demandados deverá ser atribuída aos tribunais judiciais.
Cumpre decidir.
A questão colocada a este Tribunal dos Conflitos reconduz-se apenas a definir se a competência em razão da matéria para a apreciação do litígio da presente acção caberá aos tribunais da jurisdição comum, ou aos tribunais da jurisdição administrativa. Questão que não é nova, existindo jurisprudência constante e recente deste Tribunal dos Conflitos em situações em tudo semelhantes à dos presentes autos [cfr. v.g., os acs. de 23.05.2019, Conflito n° 39/18, que na sua fundamentação remete para os acórdãos de 14.02.2019, proferidos nos Conflitos nºs 31/18 e 46/18 e ainda de 19.06.2019, Conflito nº 05/19, de 25.06.2020, Conflito n.º 59/19 e de 02.03.2021, Conflito n.º 60/19]. Assim, e porque entendemos que a referida jurisprudência é de seguir na íntegra, remetemos para o que se escreveu no Conflito nº 46/18, que assumimos como nosso:
«(…)
Portanto, no caso em apreço, da análise do pedido formulado na acção e das respectivas causas de pedir resulta que o A acciona a responsabilidade civil contratual e extracontratual das 1ª a 3ª RR, pelo que o conhecimento do pedido contra estas dirigido, incidindo sobre relações inequivocamente privatísticas, compete à jurisdição comum, por não dever nem poder ser deduzido na jurisdição administrativa. Conclusão que se estendeu à 3ª R (C………….. SA) porque o A, embora sem a envolver na prática de qualquer dos factos ilícitos em que fundamenta a constituição da obrigação de indemnizar das duas primeiras RR, estrutura a respectiva responsabilidade na sua alegada qualidade de sucessora nos direitos e obrigações da 1ª R (B……….SA).
Quanto aos demais RR, Banco de Portugal, Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Fundo de Resolução, são todos pessoas colectivas de direito público, como resulta do art. 1° da Lei Orgânica do primeiro (Lei 5/98, de 31/1), do art. 1° dos Estatutos da segunda (DL 5/2015, de 8/1) e, quanto ao último, do art. 153º-B do RGICSF (DL 298/92, de 31/12, com a actualização da Lei 23-A/2015, de 26/03).
(…)
Especificamente quanto ao Fundo de Resolução, que vem demandado, apenas, com base na titularidade do capital do «C…………» - e, igualmente, sem que lhe seja imputado qualquer concreto facto ilícito -, não só essa titularidade tem origem na aludida medida de resolução bancária decretada pelo Banco de Portugal, como a sua responsabilidade apenas se poderia estribar na sua qualidade de instrumento (dependente) da entidade pública junto da qual funciona para lhe prestar apoio financeiro à aplicação de medidas de resolução pela mesma adotadas (cf. art. 153°-C do citado RGICSF), ou seja, no caso em apreço, para a execução das deliberações do Banco de Portugal concernentes à medida de resolução tomada em relação ao B……. no exercício de funções públicas e na prossecução de um interesse público.
Todavia, no que concerne a este R, considerando o estritamente alegado quanto à fundamentação da sua demanda - ser ele o único detentor do capital do C……….. - e o uniformemente decidido nos precedentes arestos deste Tribunal, deve concluir-se que também cabe aos tribunais judiciais a competência para conhecer a pretensão deduzida contra o mesmo.
É certo que, como supra foi relatado, o A formulou um pedido de condenação solidária de todos os RR a pagarem-lhe determinada quantia em dinheiro e respectivos juros, bem como o valor dos danos não patrimoniais. Contudo, não enformou os fundamentos dessa sua pretensão com qualquer espécie de intervenção das entidades públicas nos factos ilícitos imputados às 1ªs RR, pelo que não ressuma da PI o fundamento previsto no citado nº 2 do art. 4° do ETAF para deverem ser demandados conjuntamente todos os RR, porquanto não se vê em que medida aqueles entes poderiam estar ligados por vínculos jurídicos de solidariedade com as demais RR (particulares), designadamente por terem concorrido em conjunto com estas para a produção dos mesmos danos (Mário Aroso de Almeida [Em “Manual de Processo Administrativo”, Almedina, 3ª ed., pp. 253-254] refere que aquela regra procurou obviar a dificuldades que se vinham suscitando «quanto à competência dos tribunais administrativos para conhecer de ações de responsabilidade civil quando se verifique o chamamento ao processo de sujeitos privados que se encontrem envolvidos com a Administração ou com outros particulares numa relação jurídica administrativa ou no âmbito de uma relação conexa com a relação principal que constitui objeto do litígio».).
Como uniformemente foi ponderado nos arestos deste Tribunal precedentemente referenciados, a solidariedade nas obrigações, tal como decorre do artigo 513° do CC, só existe quando resulta da lei ou da vontade das partes. Não basta, deste modo, pedir ao Tribunal que condene solidariamente, sendo necessário alegar os factos - para os poder vir a demonstrar - «de que deriva a obrigação de indemnizar e, em caso de pluralidade de responsáveis, que as obrigações tenham entre si uma relação de solidariedade, que, em caso de procedência, fundamente a condenação solidária» [cit. acórdão de 22-03-2018 (p. 56/17)].»
Pelo exposto, acordam em atribuir a competência material aos tribunais da jurisdição comum para conhecer do objecto da presente acção proposta contra o B…………….., SA, a Agência do C…………… e o Fundo de Resolução.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que a adjunta Senhora Vice-Presidente do STJ, Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza tem voto de conformidade.

Lisboa, 8 de Julho de 2021

Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa