Acórdãos T CONFLITOS

Acórdão do Tribunal dos Conflitos
Processo:05010/20.9T8CBR-A.P1.S1
Data do Acordão:01/18/2022
Tribunal:CONFLITOS
Relator:MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores:CONFLITO DE JURISDIÇÃO
Sumário:Nos termos do art. 8.º, n. º 2, da Lei n.º 77/2013, de 21 de Novembro, cabe à jurisdição administrativa a apreciação da impugnação de contraordenações aplicadas pela Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, deduzida por um administrador judicial.
Nº Convencional:JSTA000P29063
Nº do Documento:SAC2022011805010
Recorrente:JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE OLIVEIRA DE AZEMÉIS
A...............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Área Temática 1:*
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, no Tribunal dos Conflitos:
1. Por decisão de 18 de Maio de 2020, a Comissão para Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça (CAAJ) condenou o ora recorrente, AA, administrador judicial, no pagamento da coima única de € 30.000, por violação reiterada de vários deveres funcionais, bem como na sanção acessória de interdição temporária do exercício da atividade de administrador judicial pelo período de dezoito meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo.
Inconformado, em 7 de Julho de 2020 o recorrente impugnou judicialmente a decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, alegando, em suma, que se encontram prescritos onze dos dezanove processos em causa, devendo, consequentemente, ser recalculadas a coima e a sanção acessória, quanto aos demais.
Notificada, a recorrida Comissão para Acompanhamento dos Auxiliares de Justiça sustentou a sua decisão.
Em 29 de Setembro de 2020, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer do presente litígio, atribuindo a competência aos Tribunais da Jurisdição comum.
Para o efeito, e em suma, considerou que a competência para o julgamento de processos relativos a contraordenações pertence aos tribunais judiciais, tendo sido apenas transferida para o campo da justiça administrativa a matéria de contra-ordenações urbanísticas.
Remetidos os autos, o Juiz Local Criminal de Coimbra – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, por despacho de 2 de Maio de 2021, declarou-se territorialmente incompetente para conhecer do recurso interposto, atribuindo a competência ao Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro.
Por despacho de 11 de Junho de 2021, o Juízo Local Criminal de Oliveira de Azeméis do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, decidindo que das decisões da CAAJ cabe recurso para os tribunais administrativos competentes, nos termos do art. 8.º, n.º 2, da Lei 77/13, de 21 de Novembro, excepcionou a sua competência material para conhecer dos autos, suscitando um conflito de competência junto do Tribunal da Relação do Porto.
Por decisão singular de 15 de Julho de 2021, o Tribunal da Relação do Porto., considerando ter sido suscitado um conflito negativo de competência entre tribunais judiciais de 1.ª instância pertencentes a áreas de jurisdição de diferentes Tribunas da Relação, julgou-se incompetente para decidir o conflito e determinou o envio dos autos ao Supremo Tribunal de Justiça.
Por decisão singular de 30 de Agosto 2021, o Supremo Tribunal de Justiça ordenou a remessa ao Tribunal dos Conflitos, por estar em causa um conflito de jurisdição.
Remetidos os autos ao Tribunal dos Conflitos, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determinou que se seguissem os termos resultantes da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro (Tribunal dos Conflitos)
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser atribuída competência para conhecer da presente ação ao Tribunal Administrativo e Fiscal ....

2. Os factos relevantes constam do relatório.
Está apenas em causa determinar quais são os tribunais competentes para apreciar a impugnação em causa, se os tribunais judiciais – que, no conjunto do sistema judiciário, têm competência residual (n.º 1 do artigo 211º da Constituição e n.º 1 do artigo 40º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, a Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto) –, se os tribunais administrativos e fiscais, cuja jurisdição é delimitada pelo n.º 3 do artigo 212º da Constituição e pelo artigo 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais; sendo certo que haverá ainda que contar com determinações legais específicas eventualmente aplicáveis.
Como uniformemente se tem observado, nomeadamente no Tribunal dos Conflitos, a competência determina-se tendo em conta os “termos da acção, tal como definidos pelo autor — objectivos, pedido e da causa de pedir, e subjectivos, respeitantes à identidade das partes (cfr., por todos, os acórdãos de 28 de Setembro de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 023/09 e de 20 de Setembro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 03/11” – acórdão de 10 de Julho de 2012, www.dgsi.pt, proc. nº 3/12 ou, mais recentemente, o acórdão de 18 de Fevereiro de 2019, www.dgsi.pt, proc. n.º 12/19, quanto aos elementos objectivos de identificação da acção.

3. No caso presente, o impugnante, administrador judicial, foi condenado, por despacho da CAAJ, no pagamento de uma coima e em sanção acessória, por violação reiterada dos deveres legais previstos no art. 54.º, n.º 1 e n.º 5 do art. 55.º, art. 55.º, n.º 1 dos arts. 56.º, 58.º, art. 59.º, n.º 1 do art. 61.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do art. 62.º, n.º 5 do art. 72.º, art. 79.º, arts 129.º, 149.º, 151.º, 153.º, 155º, 169.º, n.º 2 do art. 188.º, n.º 2 do art. 240.º, todos do CIRE, bem como dos arts 6.º, 7.º e 8.º, n.º 1 e n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Civil, conjugados com os n.ºs 1, 2 , 3 e n.º 12 do art.12.º, arts 15.º e 16.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, e art. 28.º da Lei n.º 77/2013, de 21 de Novembro.
Os administradores judiciais encontram-se sujeitos aos deveres enunciados no artigo 12.º da Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro (Estatuto dos Administradores Judiciais – EAJ), designadamente aos deveres de legalidade, justiça, imparcialidade ou independência, diligência e sigilo.
O incumprimento de tais deveres pelos Administradores Judiciais acarreta, além de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (art. 483.º, n.º 1, do Código Civil), responsabilidade disciplinar e contraordenacional (art. 17.º, n.º 1, do EAJ), sujeita às sanções enunciadas nos artigos 19º e 20º do EAJ.
Dispõe o art. 1.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 77/2013, de 21 de Novembro:
1 - É criada a Comissão para o Acompanhamento dos Auxiliares da Justiça, abreviadamente designada por CAAJ, a qual é responsável pelo acompanhamento, fiscalização e disciplina dos auxiliares da justiça, em conformidade com a presente lei e com os estatutos dos profissionais que prevejam a sua intervenção.
2 - Estão sujeitos ao acompanhamento, fiscalização e disciplina da CAAJ os auxiliares da justiça cujos estatutos prevejam a sua intervenção, nomeadamente os agentes de execução e os administradores judiciais, bem como outros auxiliares da justiça nos termos que a lei determine”.
Nos termos do art. 8.º, n. º 2, da mesma Lei n.º 77/2013,
Das sanções disciplinares e das contraordenações aplicadas pela CAAJ aos auxiliares da justiça cabe recurso para os tribunais administrativos competentes, a instaurar no prazo de 20 dias contados da data de notificação da decisão que as aplica.”.
Assim, em face da norma expressa contida naquele art. 8.º, n.º 2, cabe à jurisdição administrativa a apreciação da impugnação deduzida; concretamente, compete ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (n.º 1 do artigo 16.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais).

Sem custas (art. 5.º nº 2, da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro).

Lisboa, 18 de Janeiro de 2022. – Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (relatora) – Maria Teresa Sena Ferreira de Sousa.