Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0284/17.5BEFUN
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:TAXA DE PUBLICIDADE
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I - A liquidação da taxa de publicidade a que alude o artigo 35.º do Regime Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças Municipais não padece de falta de fundamentação se a nota de liquidação contém a identificação do sujeito, os elementos que permitem a discriminação do ato sujeito a liquidação e o cálculo do montante a pagar e o seu teor, confrontado com o do documento de notificação, permite o seu enquadramento no regulamento e na tabela.
II - A atividade da proprietária de um prédio onde se encontra instalado um centro comercial e que se traduza na exploração do bem imobiliário respetivo não integra as atividades de comércio, serviços e restauração a que alude o Decreto Legislativo Regional n.º 30/2016/M.
III - A sujeição a licenciamento prévio ou à renovação da licença das mensagens publicitárias de natureza comercial afixadas no prédio aludido em II supra não viola as normas habilitantes do Regulamento aludido em I supra.
Nº Convencional:JSTA000P32511
Nº do Documento:SA2202407110284/17
Recorrente:A... - SOCIEDADE DE CENTROS COMERCIAIS, S.A.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DO FUNCHAL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – RELATÓRIO

I.1 - Alegações
A...-CENTRO COMERCIAL, SA, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida visando o indeferimento tácito da reclamação graciosa contra os actos de liquidação de taxa de licenciamento de publicidade/ocupação da via pública, emitidos pelo Município do Funchal, referentes ao ano de 2017, no montante global de €11.936,88 .
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 305 a 342 do SITAF:
1.ª Ao julgar suficientemente fundamentado o ato de liquidação impugnado, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação os artigos 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 77.º da LGT e 13.º do RGTLF, sendo certo que ato de liquidação impugnado, liquidado num alegado processo de ocupação de via pública («Processo n.º: ...63 do Tipo: OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA»), não permite a um destinatário médio apreender com objetividade, sem equívocos e riscos interpretativos extraordinários, a razão de ser do ato de liquidação impugnado.
2.ª O Tribunal a quo baseou erradamente o seu juízo sobre a suficiência da fundamentação do ato de liquidação impugnado, estribando-se na consideração de fundamentos exteriores e posteriores a tal ato (quer os que despontaram da instrução do processo judicial, quer os avançados na contestação, quer os que figuram no ofício de notificação do ato), o que não supre as exigências da fundamentação de atos de liquidação (artigos 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 77.º da LGT e 13.º do próprio Regulamento Municipal [RGTLF]).
3.ª A situação concreta patenteada nos autos afasta-se das retratadas pelo STA nos recentes acórdãos tirados a propósito do sector da revenda de combustíveis - cfr. Acs. do STA de 13 de janeiro de 2021 e de 3 de fevereiro de 2021, respetivamente, nos Procs. n.ºs 0238/16.9BEFUN e 034/16.3BEFUN, in www.dgsi.pt -, pois nos presentes autos não estamos perante qualquer atividade especial que se afaste das atividades de comércio geral e/ou de restauração que estão relacionadas nos normativos que especificamente vigoram na Região Autónoma da Madeira, maxime pela Portaria da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura n.º 449/2016, de 20 de outubro.
4.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, dado que, ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo, a atividade desenvolvida pela recorrente no estabelecimento comercial em causa nos autos (um centro comercial) está identificada no complexo normativo regional que adapta à Região Autónoma da Madeira o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, designadamente no anexo à Portaria da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura n.º 449/2016, de 20 de outubro, que identifica dezanove atividades comerciais, de entre as quais, estabelecimentos de comércio a retalho e estabelecimentos de restauração e bebidas ainda que inseridas em conjuntos comerciais.
5.ª Ao contrário do entendimento expresso na sentença sub judice, o ato de liquidação impugnado viola por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 1.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, na sua redação atual, e os artigos 38.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, normativos que se mostram igualmente violados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.
6.ª O entendimento expresso na douta sentença recorrida ao afastar a atividade desenvolvida pela recorrente – o qual manifestamente se identifica com as atividades expressamente elencadas na Portaria 449/2016, de 20 de outubro –, viola claramente tal Portaria e os princípios da igualdade de tratamento e da sã concorrência, tutelados pela Constituição da República Portuguesa, artigos 13.º e 81.º, e pelo ordenamento jurídico europeu em que nos inserimos.
6.ª São ilegais as normas ínsitas no artigo 35.º do Regulamento Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças do Município do Funchal e na respetiva tabela de taxas (art.º 31.º) que preveem a cobrança de taxas por afixação de publicidade “sempre que os anúncios estejam colocados ou sejam visíveis da via pública municipal”, dispondo contra a lei habilitante que expressamente isenta tais mensagens publicitárias de todo e qualquer ato permissivo, seja licença, autorização, comunicação ou sequer algum registo (v. artigo 1.º, n.º 3, al. b) e n.º 4 da Lei 97/88, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 48/2011).
7.ª Estando em causa um ato de liquidação que aplica norma regulamentar que é ilegal, por dispor contra legem, deveria o Tribunal a quo ter recusado a sua aplicação no caso concreto com fundamento na sua ilegalidade declarando a ilegalidade do ato.
8.ª Ao contrário do entendimento expresso na decisão recorrida, o RGTLF e respetivos anexos não contempla qualquer disposição regulamentar que permita ao município do Funchal tributar qualquer benefício que o particular possa retirar da suposta utilização extraordinária do espaço público decorrente da afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial em propriedade privada visíveis do espaço público, sendo por isso nulo, por violação do artigo 8.ª da LGT, qualquer ato de liquidação que tenha por fundamentação este critério.

I.2 - Contra-alegações
Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância.

I.3 - Parecer do Ministério Público
Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, veio o Ministério Público emitir parecer com o seguinte conteúdo:
“A...-Centro Comercial, SA vem interpor o presente recurso jurisdicional da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, datada de 2 de Março de 2021, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por si deduzida do indeferimento tácito da reclamação graciosa contra os actos de liquidação de taxa de licenciamento de publicidade/ocupação da via pública, emitidos pelo Município do Funchal, referentes ao ano de 2017, no montante global de €11.936,88 (cf. fls. 275 a 295 do SITAF).
Como melhor se alcança da análise da motivação sub judice, a Recorrente imputa à douta sentença recorrida erro de julgamento da matéria de direito ao considerar suficientemente fundamentado o acto de liquidação impugnado
E ao qualificar a informação que consta dos anúncios luminosos, com a sua marca e logótipo como mensagem de publicidade comercial,
Por errada interpretação e aplicação dos artigos 1º, nº 3, alínea b) da Lei nº 97/88, de 17 de Agosto, na sua redacção actual e 38º a 42º, do Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril.
Ora resulta expressamente da lei e é univocamente reconhecido pela jurisprudência que o âmbito do presente recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação, por parte do recorrente, não podendo o tribunal ad quem conhecer de matéria nelas não inserida, ressalvados os casos do seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº 5 a 7 do CPPT e 635º, nº 4, do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi do artigo 281º do CPPT.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Entendeu a douta sentença recorrida que a motivação externada pelo Município do Funchal satisfaz minimamente o requisito de fundamentação exigível pelo art. 77.º da LGT, sendo suficiente porque permite a reconstituição do “iter” cognoscitivo que determinou a emissão da liquidação impugnada,
Sendo que as alegações vertidas na petição inicial evidenciam de forma clara tal situação, tendo a Impugnante demonstrado uma adequada percepção do acto sindicado no que se refere aos “anúncios luminosos”,
Ao qual reagiu adequadamente em sede procedimental e processual.
Vejamos.
Ao nível dos atos tributários, encontra-se, especificamente, previsto no artigo 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam:
“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.
2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.
Como salientam DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES E JORGE LOPES DE SOUSA, “(…) a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do ato a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o ato, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente”.(Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4ª Edição, pág. 675).
Assim, a fundamentação terá de ser expressa, clara e congruente (Acórdãos do STA, de 17/03/2011, proc. nº 0964/10 e de 9/09/2015, proc. nº 01173/14, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
“ [C]omo é consensual na jurisprudência, as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido:
o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487º nº 2 do C.Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo do seu acerto jurídico em face da sua fundamentação.
Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto] ”. (Acórdão do STA, 12/03/2014, proc. nº 01674/13, também disponível em www.dgsi.pt).
É entendimento unânime jurisprudencial que a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a impugnação contenciosa do ato e a sua conformação.
Daí que abranja, quer o dever de motivação, ou seja, a concreta exposição das razões ou motivos justificativos da decisão,
Quer o dever de justificação, concretamente, a enumeração dos pressupostos de facto e de direito que suportam o sentido decisório do ato.
Logo, a fundamentação só é suficiente na medida em que se revele perfeitamente cognoscível para um destinatário normal, habilitando-o a reagir contra o ato, implicando, por isso, uma análise casuística.
Com efeito, se “[a] fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo).
Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas.
Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros.
Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão.
Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09) ”.
Ora, in casu, salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que do compulso da fatura n.º ...76 resultam explícitos a identificação do sujeito passivo e os montantes de taxa apurados tendo por referência a área de “anúncios luminosos” e de “outras ocupações da via pública”.
Perante esta “nota de liquidação” torna-se facilmente perceptível que as taxas liquidadas a título de “anúncios luminosos”, correspondem às taxas de publicidade apuradas com base na área dos anúncios constantes da fachada do edifício.
Consequentemente, não se verifica a assacada falta de fundamentação do acto impugnado pelo que se nos afigura que o recurso deve improceder quanto a este segmento decisório.
DO MÉRITO DO RECURSO
A Recorrente entende padecer a sentença recorrida de erro de julgamento de direito ao ter considerado que os anúncios luminosos instalados no edifício da Impugnante, ora Recorrida, possuem a natureza de publicidade comercial.
Bem como por ter entendido que à data da liquidação impugnada, os efeitos decorrentes do Decreto-Lei nº 48/2011, de 01/04 ainda não se mostravam vigentes na Região Autónoma da Madeira.
Afigura-se-nos, salvo melhor juízo, que os vícios invocados pela Recorrente não permitem abalar os fundamentos de direito constantes da decisão recorrida.
Conforme resulta de 2. do probatório estão em causa anúncios luminosos com a designação “A... “colocados na fachada do imóvel da Impugnante, ora Recorrente, situados no Município do Funchal.
No sentido de que aquele conteúdo é de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no art. 3.º do Código da Publicidade já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo de forma reiterada, designadamente, nos doutos Acórdãos proferidos em 25-02-2015 - 072/14, 25-09-2019 - 0214/13.1BEPRT, 09-10-2019 – 01080/12.2BEPRT, 08-01-2020 – 0913/12.7BESNTe 16-09-2020 – 0295/12.7BEBJA, disponíveis em www.dgsi.pt, Cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos, passando a transcrever-se o Sumário do últimos dos doutos Acórdãos, na parte que ora interessa:
“ I - É de considerar publicidade comercial, nos termos do disposto no art. 3.º do Código da Publicidade, a mensagem que, independentemente do seu conteúdo informativo, é apresentada por uma empresa comercial relativamente à sua actividade, que exerce em concorrência e visa, ainda que indirectamente, fazer com que os consumidores dos bens e serviços por ela oferecidos a prefiram, em detrimento das suas concorrentes.
II - Essa publicidade, porque estava sujeita a licenciamento da câmara municipal da área do respectivo concelho (cf. art. 1.º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, na sua redacção inicial), estava sujeita a taxa a cobrar pela mesma (cf. o regulamento municipal de taxas e licenças, art. 4.º, n.º 2, da LGT e art. 3.º do RGTAL) …”. Invoca também a Recorrente que a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 38º do Decreto Lei n.º 48/2011, artigo 1º da Lei n.º 97/88 (na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 48/2011),
Artigo 3º do Decreto Legislativo Regional n.º 27/2013/M e Portaria n.º 118/2013, de 16/12 porquanto nada tendo sido, expressa e especialmente, previsto para a Região Autónoma da Madeira, relativamente ao regime de afixação e da inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial consagrado no artigo 31º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de Abril,
Que procedeu à alteração da Lei n.º 97/88, não poderá deixar de se concluir pela sua plena aplicação àquela Região Autónoma, a partir da entrada em vigor do Decreto Legislativo Regional n.º 27/2013/M (30/07/2013) ou, no limite, da entrada em vigor da Portaria n.º 118/2013, de 16/12 (17/12/2013),
Mostrando-se plenamente vigentes na Região Autónoma da Madeira as disposições consagradas no artigo 1º da Lei n.º 97/88 à data da liquidação dos tributos impugnados, fácil se torna concluir que os elementos de imagem instalados no imóvel em questão beneficiavam da isenção de licença,
Porquanto se mostravam verificados os pressupostos fácticos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 3º, do artigo 1º daquele diploma legal.
Todavia, face à pormenorizada análise efectuada pela douta decisão recorrida do conteúdo da Lei n.º 97/88, do Decreto-Lei n.º 48/2011 de 1 de Abril que procedeu à alteração daquela e que estabeleceu expressamente no seu art. 38.º que “Os atos e os procedimentos necessários à execução do presente decreto-lei nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira competem às entidades das respectivas administrações regionais com atribuições e competências nas matérias em causa” Bem como do conteúdo do Decreto Legislativo Regional n.º 27/2013/M, de 29 de Julho, que definiu as entidades que, na Região Autónoma da Madeira, exercem as competências previstas no Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de Abril dispondo no seu artigo 3.º, a título de disposições transitórias, que “Até à disponibilização na Região Autónoma da Madeira do balcão único eletrónico, o cumprimento das obrigações previstas no Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de Abril, realizam-se através do preenchimento de impressos a aprovar por portaria da Vice Presidência do Governo Regional da Madeira”
E também do da Portaria n.º 118/2013, de 16 de Dezembro que entrou em vigor a 17- 12-2013 estabelecendo nos seus artigos 1º 2º “os modelos de impressos relativos à declaração de instalação, encerramento e modificação de estabelecimentos comerciais, para a prestação de serviços de restauração e bebidas de caracter não sedentário e para a ocupação de espaço público, que constam nos anexos à presente portaria e que dela fazem parte integrante” (respetivos artigos 1.º e 2.º),
Entendemos ter sido correcta a conclusão da sentença recorrida no sentido de que “os efeitos decorrentes do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de Abril, entraram em vigor na Região Autónoma da Madeira em 17 de Dezembro de 2013, mas apenas relativamente à declaração de instalação, encerramento e modificação de estabelecimentos comerciais de prestação de serviços de restauração e bebidas de caráter não sedentário e para ocupação de espaço público, e não para os demais sectores de actvidade, como o da Impugnante que se dedica à exploração de um centro comercial
Não sendo possível a interpretação pretendida pela Recorrente porquanto, desde logo, de acordo com a interpretação das normas tributárias (artigo 11º da LGT e 9º do CC) “ Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” – nºs 2 e 3 do artigo 9º do CC-,
Tanto mais que o Decreto Legislativo Regional n.º 27/2013/M, foi revogado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 30/2016/M, de 18 de Julho, que adaptou à Região Autónoma da Madeira o regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração (RJACSR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro consagrando no seu art. 5º, que :
“Até à disponibilização na Região Autónoma da Madeira do «Balcão do empreendedor», o cumprimento das obrigações previstas no RJACSR realizam-se através do preenchimento de impresso a aprovar por portaria da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura”,
Modelo de Impresso que só veio a ser aprovado pela Portaria da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura n.º 449/2016, de 20 de Outubro, tendo entrado em vigor em 21 de Outubro de 2016 sendo que nos sectores de actividade constantes do impresso aprovado também não há menção ao sector de actividade da Impugnante, ora Recorrente.
Consequentemente, afigura-se-nos que o recurso não merece provimento, também quanto a este segmento decisório.
CONCLUSÃO
Termos em que, com os fundamentos expostos, deverá ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se integralmente a douta sentença recorrida.”

I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 - De facto
A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:
1. A Impugnante é proprietária do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o n.º ...53, da freguesia de ..., sito no Caminho ..., ..., no ..., com a área total de 30.590 m2, sendo a área coberta de 13.472 m2 e a área descoberta de 17.118m2 – facto admitido por acordo.
2. No prédio referenciado no ponto antecedente encontra-se instalado e em funcionamento o conjunto comercial destinado a Centro Comercial designado por “A...” – facto admitido por acordo.
3. No mesmo imóvel encontram-se afixados dois suportes com as inscrições “A...”, ambos na fachada do edifício – facto admitido por acordo.
4. As inscrições apostas aos aduzidos suportes publicitários são visíveis a partir do espaço público – facto admitido por acordo.
5. No dia 04 de maio de 2017, foi emitida pelo Município do Funchal a nota de liquidação (fatura/recibo) n.º ...76 em nome da Impugnante, com o seguinte teor:
“(…)
Local pub: CAMINHO ..., ...
Descrição: A...
Processo n.º: ...63 do Tipo: OCUP. VIA PÚBLICA


[IMAGEM]

(…)” – cfr. fls. 01 do Processo Administrativo (PA) junto aos autos e doc. n.º 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. No dia 24 de maio de 2017, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra “o ato de liquidação” a que se reporta a Fatura/Recibo n.º ...76 referida no ponto anterior – cfr. fls. 05 a 17 do PA junto aos autos e doc. n.º 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Em 30 de maio de 2017, a Impugnante procedeu ao pagamento do montante liquidado com a Fatura/Recibo n.º ...76 de € 11.936,88 – cfr. fls. 03 e 19 do PA junto aos autos e doc. n.º 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. A presente impugnação judicial foi apresentada no dia 19 de setembro de 2017 – cfr. fls. 01 e ss. dos autos (suporte digital).

II.2 – De Direito
I. Vem o presente recurso interposto pela impugnante, ora Recorrente, A...-CENTRO COMERCIAL, SA, da douta sentença proferida pelo TAF do Funchal que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial por ela deduzida contra um ato de liquidação referente a «anúncios luminosos» e «outras ocupações da via pública», na parte relativa a taxas de publicidade por “anúncios luminosos” referentes ao ano de 2017, no valor total de € 10.401,12.
A decisão recorrida, ao julgar parcialmente procedente a referida impugnação judicial sob recurso, considerou improcedente o vício de falta de fundamentação invocado contra a fatura n.º ...76 que satisfaz “…minimamente o requisito de fundamentação exigível pelo art. 77.º da LGT, sendo suficiente porque permite a reconstituição do “iter” cognoscitivo que determinou a emissão da liquidação impugnada…”
Quanto à ilegalidade do acto tributário, por ser cobrado taxa sobre um licenciamento que não é legalmente devido desde 02 de maio de 2011, nos termos expressamente consagrados no artigo 1.º, n.º 3, alínea b) e n.º 4 da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, com a redação que lhe foi conferida pelo art. 31.º do Decreto-lei n.º 48/2011, de 1 de abril, considerou o tribunal a quo, louvando-se no Acórdão deste Supremo Tribunal, de 25 de fevereiro de 2015, proc. n.º 072/14, disponível em www.dgsi.pt., que “…os efeitos decorrentes do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 01 de abril, apenas entraram em vigor na Região Autónoma da Madeira em 21 de outubro de 2016 para os sectores de atividade constantes do impresso aprovado - de onde não se vislumbra qualquer menção ao sector de atividade da Impugnante (exploração de centro comercial), que, como tal, não se encontra isento de licença nos termos do apontado regime normativo.”
Por fim, quanto à questão da ilegalidade das normas contidas no artigo 35.º do RGTLF e no artigo 31.º da Tabela anexa, levantada pela Recorrente, decidiu a sentença sob recurso que a mesma é de improceder, tendo em conta que “…estes preceitos em nada colidem com o disposto no art. 1.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 97/88, na apontada redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 48/2011 (cujo regime legal não se mostrava aplicável “in casu”)”

II. Inconformada com o assim decidido, insurge-se a impugnante, ora recorrente, sustentando, no essencial que o tribunal a quo errou:
- quando considerou suficientemente fundamentado o ato de liquidação impugnado “…estribado na consideração de fundamentos exteriores a tal ato (quer os que despontaram da instrução do processo judicial, quer os avançados na contestação, quer os que figuram no ofício de notificação do ato).”;
- quando considerou que os anúncios luminosos instalados na fachada do edifico da ora Recorrente, com as inscrições “A...” possuem a natureza de publicidade comercial, segundo o disposto nos artigos 38.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril;
- quando fez errada interpretação e aplicação das normas conjugadas dos artigos 1.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 97/88, 31.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, 35.º do RGTLF e, por fim, 31.º da Tabela de Taxas anexa.
Vejamos, então.

III. Atento o teor das conclusões supra transpostas – as quais correspondem ipsis verbis ao teor daquelas outras constantes do Processo n.º 233/19, que correu termos neste Supremo Tribunal – e cujo objeto do recurso é rigorosamente idêntico, e no âmbito do qual foi, por este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO, lavrado Acórdão em 6 de Março de 2024 – disponível em www.dgsi.pt – e uma vez que não vemos razão para dele nos afastarmos, seja quanto à respetiva fundamentação seja quanto ao teor do respectivo dispositivo, remetemos para o respectivo teor do mesmo, o qual aqui integralmente reproduzimos, decidindo em conformidade:
3. Das conclusões do recurso extraem-se as seguintes questões a decidir:
a) A de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao julgar suficientemente fundamentado o ato de liquidação impugnado [“1.ª” e “2.ª” conclusões];
b) A de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que a atividade da ali Impugnante não integrava os setores de atividade abrangidos pela isenção da licença e de acordo com o regime que considerou aplicável [“3.ª” e “4.ª” conclusões];
c) A de saber se se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que o ato de liquidação impugnado não viola a lei que regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e o respetivo regime de licenciamento [“5.ª” conclusão];
d) A de saber se o entendimento expresso na sentença recorrida, ao afastar a atividade desenvolvida pela Recorrente dos setores de atividade que beneficiam da isenção, atenta contra os princípios constitucionais da igualdade de tratamento e da sã concorrência [“6.ª” conclusão];
e) A de saber se se as normas regulamentares aplicadas atentam contra a lei habilitante e se, por conseguinte, o Tribunal a quo deveria ter recusado a sua aplicação [“7.ª” e “8.ª” conclusões (“6.ª” repetida e “7.ª”, no original)];
f) A de saber se é errado o entendimento expresso na sentença recorrida, ao considerar que o regulamento e a lei permitem ao Município tributar benefícios retirados da utilização extraordinária do espaço público que se traduza na afixação de mensagens publicitárias dele visíveis [“9.ª” conclusão (“8.ª”, no original)].
No entanto, se analisarmos a sentença recorrida, verificamos que nela só foram apreciadas três questões: [1)] a de saber se o ato impugnado padece de falta de fundamentação; [2)] a de saber se o setor de atividade da impugnante está abrangido pela isenção de licença para afixação de publicidade na RAM; e [3)] a de saber se o regulamento, na interpretação adotada na sentença, atenta contra a lei habilitante.
O tribunal de primeira instância nunca apreciou, designadamente, a questão de saber se as normas consideradas aplicáveis violam os princípios constitucionais agora identificados ou se a taxa de publicidade pode incluir no seu pressuposto a tal «utilização extraordinária do espaço público», independentemente da existência de um procedimento de licenciamento. Questões que, por isso, pretende agora colocar, ex novo, ao tribunal de recurso.
E como se sabe, os recursos visam o reexame de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia pelo tribunal ad quem sobre questões novas.
Por outro lado, a invocação desses vícios junto do tribunal de recurso baseia-se em interpretações ou extrapolações que a própria Recorrente faz do discurso fundamentador na sentença recorrida. E que a leitura que dela fazemos não permite confirmar.
Assim, a Recorrente entende que a sentença recorrida viola os princípios da igualdade de tratamento e da sã concorrência porque entende também que o Tribunal a quo distingue entre o licenciamento da afixação de mensagens publicitárias em lojas de rua e em lojas inseridas em centros comerciais.
Ora, não só o tribunal de primeira instância não faz essa distinção nem ela vem ao caso porque dos autos resulta que não está em causa a publicidade licenciada para quaisquer dessas lojas mas publicidade ao próprio centro comercial.
Por outro lado, a Recorrente entende que a sentença recorrida fez errada interpretação do regulamento porque também entende que a sentença recorrida interpretou o artigo 35.º do regulamento no sentido de que era devida a taxa independentemente de ser devido o seu licenciamento.
Ora, não é isso que resulta da sentença. Aliás, resulta do seu teor precisamente o contrário: que a publicidade em causa estava sujeita a tributação porque também estava sujeita a licenciamento.
Pelo que estas questões nem vêm a propósito e, de qualquer modo, o tribunal ad quem não poderia delas, agora, conhecer.
Quanto à questão suscitada na “5.ª” conclusão do recurso:
Na sentença recorrida foi entendido que a afixação da publicidade em causa nos autos e a sua renovação estavam sujeitas a licenciamento porque foi também entendido que as alterações à Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, introduzidas pelo DL 48/2011, de 1 de abril, «apenas entraram em vigor na Região Autónoma da Madeira em 21 de outubro de 2016 para os setores de atividade constantes de impresso aprovado – onde não se vislumbra qualquer menção ao setor de atividade da Impugnante (exploração de centro comercial), que, como tal não se encontra isento de licença nos termos do apontado regime normativo».
Ora, a Recorrente disse não ignorar que é esse também o entendimento que o Supremo Tribunal Administrativo vem adotando, que especificou aceitar, «para efeitos do presente recurso», bem como o entendimento segundo o qual a aplicação da disciplina do DL 48/2011 só passou a aplicar-se na RAM após 20 de outubro de 2016 e apenas quanto às atividades listadas nos dispositivos reguladores regionais (ver o ponto 12 das alegações).
Assim, a Recorrente não pretende discutir no presente recurso, a conclusão tirada na sentença e que acima se transcreve. Questão que, por isso, não faz parte do âmbito do mesmo.
Todavia, a Recorrente também contrapõe que o assim entendido não obsta aplicação (imediata, pressupõe-se) do regime de isenção de licenciamento introduzido pelo DL 48/2011, de 1 de abril. Porque, afinal, foi também ali definido «um regime supletivo» (cit. ponto 15 das alegações).
A única forma de compatibilizar as duas afirmações é assumir que a Recorrente pretende que, a par de um regime de isenção a implantar com a entrada faseada da iniciativa “licenciamento zero” e a criação do “balcão do empreendedor”, resultava do referido DL a definição de um outro regime (supletivo), que dispensava aqueles procedimentos e que permitia à Recorrente aceder à pretendida isenção.
Mas, a ser assim, estamos, mais uma vez, perante uma questão totalmente nova. De que, por isso, também não se pode agora conhecer, pela razão que já acima invocamos.
Pelo que estamos reconduzidos às questões acima identificadas sob as alíneas a), b) e e).
Que apreciaremos nos pontos seguintes.

4. A primeira questão colocada no presente recurso é, então, a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que a nota de liquidação, na parte referente a “anúncios luminosos”, não padecia de falta de fundamentação.
Na sentença recorrida, foi entendido que estas liquidações se encontravam suficientemente fundamentadas porque era «facilmente percetível» que estavam em causa taxas de publicidade previstas no capítulo VIII da Tabela de Taxas e Outras Receitas Municipais, apuradas com base na área dos anúncios constantes da fachada do edifício onde funciona o centro comercial explorado pela Impugnante com a descrição “A...”.
E a Recorrente não conforma, porque entende que o Tribunal a quo confunde o ato de liquidação com o respetivo ofício de notificação e as justificações que deste constem não são aptas a suprir as deficiências daquele.
Por outro lado, a Recorrente considera que nem os elementos constantes do ofício de notificação permitem concluir que o ato se encontre suficientemente fundamentado, porque o seu teor não permite saber qual é o suporte publicitário que está em causa, não inclui as operações de cálculo e o enquadramento normativo se apresenta demasiado genérico e difuso.
Mas a Recorrente não tem razão. Vejamos porquê.
O artigo 13.º do Regulamento Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças Municipais do Município do Funchal dispõe que a liquidação deverá conter, para além da identificação do sujeito passivo, os seguintes elementos: a discriminação do ato, o seu enquadramento no regulamento ou na tabela e o cálculo do montante a pagar.
Pelo seu lado, o seu artigo 14.º dispõe que da notificação deverão constar a decisão e os seus fundamentos de facto e de direito.
Da primeira destas normas deriva que a nota de liquidação deverá conter os elementos necessários às operações de liquidação propriamente dita. Já a segunda indica claramente que o documento de notificação poderá incorporar a decisão de liquidar e os seus fundamentos.
Isto sucede porque a natureza bilateral e a estrutura sinalagmática das taxas favorece o recurso a procedimentos simplificados e a recondução da liquidação a meras operações materiais, por vezes automatizadas. Não existindo um procedimento formal destinado à declaração de direitos e deveres tributários e, por conseguinte, uma fase decisória onde a fundamentação deva ser externada.
Para utilizar uma expressão da doutrina, nem sempre existe, em matéria de taxas, um «momento central unilateral» para dar a conhecer ao sujeito passivo a motivação da tributação [cit. Nuno de Oliveira Garcia, in, «Contencioso das Taxas…» Almedina 2011, pág. 133].
O que não põe em causa a dita “função endógena” da tributação, desde que os elementos indicados na fundamentação tenham sido ponderados por quem decide e possam ser ponderados pelo destinatário da decisão antes de exercer o seu direito de defesa.
E isso não deixa de suceder se os documentos de liquidação e de notificação forem emitidos sucessivamente, pela mesma entidade e simultaneamente acedidos. Não podendo falar-se, em tal caso, de uma fundamentação posterior.
Em suma, não há razão para desconsiderar os fundamentos do ato de liquidação que tenham sido inseridos no documento emitido para a sua notificação, atentas as disposições regulamentares acima referidas.
Por outro lado, o documento a que alude o ponto 5 dos factos dados como provados na sentença recorrida contém a discriminação do ato sujeito a liquidação que se traduz em publicidade no local designado «...» com a descrição «A...», referenciando ainda o processo «n.º: ...63». Elementos que bastariam a um declaratário normal, colocado na posição da Recorrente, perceber que as razões de facto que motivaram a liquidação têm a ver com a (renovação da) licença de publicidade requerida naquele processo, exposta naquele local e com aquele conteúdo.
Quanto à fundamentação de direito, embora o referido documento se limite a remeter para o «Regulamento e Tabela de Taxas em vigor», a carta que o acompanhou esclarece que se trata das «taxas anuais de Publicidade (…) previstas no capítulo VIII (…) da Tabela Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças do Município do Funchal».
Ora, sendo verdade que o capítulo VIII daquela tabela contém nada menos que 15 disposições, o teor da nota de liquidação permite identificar claramente a que está em causa. Porque faz referência a «anúncios luminosos», o que nos remete, sem margem para erro, para a publicidade a que alude a epígrafe do primeiro artigo deste capítulo (o artigo 31.º).
Quanto à questão de saber se o Município estaria obrigado a indicar o número do artigo da tabela que prevê a referida taxa, o Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou no sentido de que não é sempre necessária a indicação dos preceitos legais aplicáveis, bastando a referência aos princípios pertinentes, ao regime jurídico ou a um quadro legal bem determinado – acórdão de 17 de novembro de 2010, tirado no Recurso n.º 01051/09.
Por último, a nota de liquidação também contém todos os elementos necessários à reconstituição do cálculo do montante a pagar. Assim, se conjugarmos os metros lineares do anúncio luminoso com as quantidades e se multiplicarmos o resultado pelo valor da tabela aplicável à renovação das licenças respetivas, chegamos ao valor liquidado nas duas parcelas em causa [139,70 m x 12 = 1.676,40 x 5,09 = 8.532,88; 35,05 m x 12 = 420,60 x 5,09 = 2.140,85].
Pelo que o recurso não pode merecer provimento por aqui.

5. A segunda questão colocada no presente recurso consiste em saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao concluir que a atividade desenvolvida pela Recorrente (exploração de centro comercial) não se encontra isenta de licença.
A conclusão tirada na sentença recorrida assenta em duas premissas.
A premissa segundo a qual o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, na parte em que dispensou de licenciamento «a afixação e a inscrição de mensagens publicitárias de natureza comercial em bens de que são proprietárias ou legítimas possuidoras ou detentoras entidades privadas e [quando] a mensagem publicita os sinais distintivos do comércio do estabelecimento ou do respectivo titular da exploração ou está relacionada com bens ou serviços comercializados no prédio em que se situam, ainda que sejam visíveis ou audíveis a partir do espaço público» produz efeitos na Região Autónoma da Madeira apenas para certos sectores de atividade, atento o disposto no artigo 5.º do Decreto Legislativo Regional n.º 30/2016/M, de 18 de julho [que adaptou à Região Autónoma da Madeira o regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração (RJACSR), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro].
E que o sector de atividade da ali Impugnante não se encontrava abrangido pelo âmbito deste diploma.
A razão de discordância da Recorrente tem a ver com a segunda premissa (ver os pontos 12 e 13 das doutas alegações de recurso).
Assim, a Recorrente entende que a sua atividade sectorial também cabe na lista de atividades a que alude a alínea B do anexo à Portaria n.º 449/2016, de 20 de outubro, da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura, que aprovou o modelo de impresso previsto no n.º 5 do Decreto Legislativo Regional n.º 30/2016/M, de 18 de julho.
Ora, a Recorrente também não tem razão nesta parte.
O anexo à Portaria n.º 449/2016 citada contém o modelo de impresso a preencher no acesso ao exercício de atividades de comércio, serviços e restauração na RAM.
As atividades de comércio, serviços e restauração são as que derivam do respetivo regime jurídico, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de janeiro (RJACSR).
Assim, as referências às atividades de comércio, serviços e restauração no anexo da Portaria 449/2016 devem ser interpretadas com o sentido que lhes é atribuído pelo Decreto-Lei n.º 10/2015.
Pelo que se entende por «atividade de comércio a retalho», para os efeitos da referida Portaria, a atividade de revenda ao consumidor final, de bens novos ou usados, tal como são adquiridos ou após algumas operações associadas, exemplificadas na alínea “i)” do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2015.
E a Recorrente não alega, nem tal se encontra demonstrado nos autos, que se dedique à atividade de revenda ao consumidor final de bens que adquira para o efeito e tal como se encontra descrito na referida alínea.
O que a Recorrente sempre alegou e o Tribunal deu como provado foi que era a proprietária de um prédio onde se encontra instalado um centro comercial. E o que daqui se pode retirar é, quando muito, que a Recorrente desenvolve uma atividade de exploração de bens imobiliários (nomeadamente de arrendamento de lojas comerciais), que é descrita na Classificação de Atividades Económicas com o Código 68200.
Observa a Recorrente que a atividade em causa integra o conceito de «conjunto comercial» previsto no artigo 2.º, alínea “m)”, daquele Decreto-Lei.
Na verdade, o legislador não alude ao «conjunto comercial» para identificar nenhuma atividade mas para identificar o empreendimento onde se encontra instalado um conjunto diversificado de estabelecimentos onde é exercida a atividade de comércio a retalho e ou de prestação de serviços.
E o que daqui se retira é que o legislador distingue claramente a atividade de exploração de conjuntos comerciais da atividade de exploração de estabelecimentos de comércio a retalho, e não o contrário.
O mesmo faz, por isso, a Portaria em análise, ao aludir à atividade de «comércio a retalho em grande superfície comercial inserido em conjunto comercial». Com o que pretende referir-se à atividade correspondente que é exercida pelos lojistas nesses conjuntos comerciais e não à atividade exercida por quem explora os conjuntos comerciais.
Sendo este o nosso entendimento, o recurso também não pode merecer provimento por aqui.

6. A terceira questão suscitada no presente recurso consiste em saber se os artigos 35.º do Regulamento Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças Municipais do Município do Funchal e o artigo 31.º da tabela anexa são ilegais por violarem a lei habilitante.
E se, por conseguinte, o Tribunal a quo deveria ter recusado a sua aplicação.
Importa observar desde já que, para chegar à conclusão de que as supra indicadas disposições do Regulamento Geral das Taxas e da respetiva Tabela são ilegais por violação da lei habilitante, a Recorrente parte do pressuposto de que a lei habilitante (isto é, a lei que visa regulamentar ou que define a competência objetiva ou subjetiva para a sua emissão – artigo 112.º, n.º 7 da Constituição) é, no caso, a Lei n.º 97/88, de 17 de agosto.
Ora, é manifesto que não é assim. Porque as normas habilitantes (e que foram como tal invocadas no preâmbulo do regulamento, disponível em redação integral no processo) são as que atribuem às autarquias locais o poder de criar taxas e aos respetivos órgãos as competências para aprovar os respetivos regulamentos e lhes dar a devida publicidade (e, em especial, as que, sendo ali invocadas, constam da Lei das Finanças Locais e do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais).
A tanto não obsta que o artigo 35.º n.º 1, do Regulamento disponha que «[a]s taxas de publicidade são devidas em conformidade com o previsto na Lei n.º 97/88, de 17 de agosto», porque a finalidade desta remissão não é a de convocar o regime legal que habilita a exercer o poder regulamentar, mas remeter para um determinado quadro normativo e integrá-lo na respetiva regulamentação.
Parece-nos também evidente que o problema que a Recorrente pretende colocar não tem a ver com a vinculação do regulamento a uma lei habilitante, mas com a vinculação material do respetivo regime às demais leis do ordenamento e às que dispõem sobre o regime de afixação ou inscrição de mensagens de natureza comercial em especial.
No fundo, o que a Recorrente vem defender é que o artigo 1.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, na redação que lhe foi introduzida pelo artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, na parte em que determinou que as mensagens publicitárias de natureza comercial afixadas em bens de particulares não estão sujeitas a licenciamento ou a qualquer outro ato permissivo ou de comunicação prévia, estabeleceu um parâmetro vinculativo com um conteúdo material com o qual o regulamento em causa não tem meio de se compatibilizar, pelo que deve ser afastada a sua aplicação.
Só que a sentença recorrida consignou a este propósito que a aplicação das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril nas regiões autónomas dependia de atos e procedimentos necessários à sua execução. O que foi expressamente ressalvado no artigo 38.º desse mesmo diploma, com a especificação de que os mesmos competiam às entidades das respectivas administrações regionais com atribuições e competências nas matérias em causa.
Por outro lado, foi ali entendido que o Decreto Legislativo Regional que definiu as entidades que, na Região Autónoma da Madeira, exercem as competências previstas no Decreto-Lei nº 48/2011, de 1 de abril também introduziu, no seu artigo 3.º, um regime transitório para o cumprimento das obrigações estabelecidas nesse diploma. Nos termos do qual, até à disponibilização na Região Autónoma da Madeira do balcão único electrónico, o cumprimento das obrigações previstas no mesmo se realizaria através de um impresso aprovado por uma portaria. Da qual, por sua vez, resultava que os efeitos decorrentes daquele diploma naquela Região só abrangiam certos estabelecimentos comerciais.
Ora, o que decorre deste entendimento é que foi o próprio diploma que fixou os parâmetros legais do licenciamento ou da sua isenção a introduzir um regime transitório para a Região Autónoma da Madeira e a estabelecer as condições de que dependia a sua vinculação na mesma Região. Condições que, no entendimento do mesmo tribunal, não estavam ainda reunidas para certas categorias de estabelecimentos.
E deve lembrar-se que a Recorrente esclareceu expressamente, no artigo 12 das doutas alegações de recurso que não pretendia contestar este entendimento. Que, por isso, não faz parte do âmbito deste recurso e não pode ser aqui sindicado.
E, assim sendo, não se vê como pode, agora, concluir-se a sujeição a licenciamento prévio (ou, no caso, à renovação da licença) das mensagens publicitárias de natureza comercial nesses estabelecimentos pode contender com o regime daquele diploma.


III - CONCLUSÕES
I - A liquidação da taxa de publicidade a que alude o artigo 35.º do Regime Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças Municipais não padece de falta de fundamentação se a nota de liquidação contém a identificação do sujeito, os elementos que permitem a discriminação do ato sujeito a liquidação e o cálculo do montante a pagar e o seu teor, confrontado com o do documento de notificação, permite o seu enquadramento no regulamento e na tabela.
II - A atividade da proprietária de um prédio onde se encontra instalado um centro comercial e que se traduza na exploração do bem imobiliário respetivo não integra as atividades de comércio, serviços e restauração a que alude o Decreto Legislativo Regional n.º 30/2016/M.
III - A sujeição a licenciamento prévio ou à renovação da licença das mensagens publicitárias de natureza comercial afixadas no prédio aludido em II supra não viola as normas habilitantes do Regulamento aludido em I supra.


IV - DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 11 de Julho de 2024. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso.