Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02840/09.6BEPRT
Data do Acordão:06/09/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IVA
CÁLCULO PRO RATA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:Considerando que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão da questão colocada pelas partes, há que revogar, nesta medida, a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P27835
Nº do Documento:SA22021060902840/09
Data de Entrada:01/18/2021
Recorrente:A………………., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…………………, S.A. (anteriormente designada por B…………….., S.A.), com os sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 30-06-2020, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação que intentara da liquidação adicional de IVA do período de Dezembro de 2005 e respectiva liquidação de juros compensatórios no montante total de €814.834,23.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente A……………., S.A., as seguintes conclusões:

A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IVA e nº 09135188 relativa ao período de dezembro de 2005 e da inerente liquidação e juros compensatórios nº 09135189.
B. Na citada sentença, o Tribunal a quo acolheu o entendimento da AT subjacente à liquidação adicional de IVA em relevo, ao entender que: (i) A Recorrente considerou, erradamente, para efeitos do cálculo do pro rata definitivo a atender para o exercício de 2005, os valores referentes à atividade de ALD desenvolvida pela C……… durante esse ano – entidade que foi incorporada por fusão fiscalmente neutra na Recorrente que produziu efeitos contabilísticos e fiscais a 1 de janeiro de 2005 – visto que, atendendo a que a C........... deduziu a totalidade do IVA suportado nas suas aquisições, a Recorrente ao incluir na base de cálculo da percentagem de dedução do IVA os proveitos obtidos pela C........... está (alegadamente) a influenciar indevidamente, de forma positiva, a base de cálculo e, consequentemente a duplicar a dedução de IVA, via regularização do pro rata definitivo; e que (ii) A Recorrente considerou indevidamente no cálculo da fração supramencionada a componente de amortização financeira respeitante às rendas de leasing da Recorrente e não apenas os juros, o que, supostamente, conduziu a uma percentagem de dedução de IVA em 2005 muito superior àquela que corresponde ao “real peso” das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e que, alegadamente, provocou distorções significativas no imposto dedutível relativo aos denominados bens de utilização comuns.
Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia:
C. A sentença aqui recorrida padece de uma nulidade por falta ou omissão de pronúncia [cf. nº 1 do artigo 125º do CPPT e alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC, aplicável ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT].
D. O cálculo do pro rata em relevo, determinado inicialmente pela Recorrente na declaração periódica de dezembro de 2005, incluiu no numerador o montante de EUR 22.921.763,14 e no denominador o montante de EUR 55.544.832,21, tendo apurado uma percentagem de dedução de 42%.
E. Em sede do procedimento de inspeção subjacente aos presentes autos, ao reunir a documentação referente ao cálculo acima apresentado, a Recorrente detetou que, ao invés dos montantes referidos, deveria ter incluído no numerador o montante de EUR 43.367.392,99 e no denominador EUR 79.892.096,59, o que significaria o apuramento de um pro rata de 55%, ao contrário dos 42% inicialmente apurados, o que trouxe ao conhecimento da AT e pela mesma não foi tomado em consideração.
F. Em sede de impugnação judicial, a Recorrente expôs, novamente, esta situação, juntando, inclusivamente, um quadro com o somatório dos valores retirados da sua contabilidade, que deveriam naturalmente ter servido como ponto de partida para as correções realizadas pela AT, tendo, nestes termos, produzido prova em juízo que questiona e altera a quantificação do ato tributário em discussão.
G. Esta questão plasmada no capítulo B.2.3 da petição inicial e inerente erro na quantificação do facto tributário (que, conforme resulta do artigo 100º do CPPT, deveria ter levado à anulação do ato impugnado) não foi, inexplicavelmente, objeto de pronúncia na sentença aqui posta em crise, pois da leitura da mesma não resulta em momento algum qualquer análise ou explicação sobre quais as razões existentes para não se conhecer da questão.
H. A questão submetida a apreciação não ficou prejudicada pelo conhecimento dado pelo Tribunal a quo às duas correções empreendidas pela AT, na medida em que o apuramento de um pro rata definitivo de 55%, ao invés de 42%, mesmo com as correções efetuadas pela AT e mantidas pela sentença recorrida, sempre determinaria uma percentagem de dedução superior à percentagem de 11% aplicada pela AT.
I. O Tribunal a quo (i) não tomou uma posição sobre a questão colocada pela ora Recorrente; (ii) não emitiu uma decisão no sentido de dela não poder tomar conhecimento; (iii) não indicou razões para justificar essa abstenção de conhecimento; e (iv) da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio, sendo a sentença nula por omissão de pronúncia a este respeito.
Do erro de julgamento: da (não) inclusão da atividade da C……….. no cálculo do pro rata definitivo:
J. Decorre do nº 4 do artigo 23º do Código do IVA – na redação à data dos factos – que deverão ser considerados para efeitos do cálculo do pro rata os montantes anuais, imposto excluído, das prestações de serviços que deram lugar à dedução (a incluir no numerador) e de todas as operações (incluindo as operações isentas e as fora do campo do imposto), que em 31 de dezembro de 2005, constem da contabilidade da Recorrente e que relevem para efeitos fiscais.
K. Por outro lado, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 23º do Código do IVA
(Na redação em vigor à data dos factos.)A percentagem de dedução, calculada provisoriamente, com base no montante de operações efetuadas no ano anterior, será corrigida de acordo com os valores referentes ao ano a que se reporta, originando a correspondente regularização das deduções efetuadas, a qual deverá constar da declaração do último período do ano a que respeita.
L. Resulta dos autos – cf. facto provado nº 2 – que, no dia 30 de dezembro de 2005, a ora Recorrente incorporou, por fusão fiscalmente neutra a C……… operação que, por sua vez, produziu efeitos contabilísticos e fiscais a 1 de janeiro de 2005.
M. As operações de fusão efetuam-se na base de uma situação contabilística fixada numa data anterior à operação, e, por este motivo, todas as operações realizadas pela sociedade incorporada posteriormente a essa data são reputadas como realizadas por conta da sociedade incorporante, reconhecendo-se, pois, a possibilidade de a sociedade incorporante refletir nas contas relativas ao exercício da fusão, os resultados das operações realizadas pelas sociedades incorporadas durante o período intercalar (Cf. EDUARDO SÁ SILVA, “Gestão Financeira – Opções Reais”, Lisboa, Vida Económica, p.59; vide, também, ELDA MARQUES e ORLANDO VOGLER, em comentário ao artigo 98º do CSC in Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Volume II, Coord. Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Almedina, 2ª edição, p. 194; cf., ainda, alínea i) do nº 1 do artigo 98º e alínea a) do artigo 112º do CSC)
.
N. Não decorre da legislação de IVA em vigor à data dos factos que exista qualquer limitação no sentido de excecionar a regra do cálculo de pro rata consagrada no nº 4 do artigo 23º do Código do IVA que pudesse levar a que a Recorrente – uma vez cessada a atividade da C………. e observada a consolidação de todos os efeitos jurídicos, fiscais e contabilísticos –, fosse obrigada a desconsiderar da respetiva fração a parte dos valores agregados que resultam da sua contabilidade a 31 de dezembro de 2005 que correspondesse à atividade de ALD prosseguida pela C........... antes do registo da fusão.
O. Tal como, aliás, o próprio Tribunal a quo reconhece – cf. p. 9 da sentença recorrida: “em sede de IVA não é feita qualquer referência à forma de actuação. Nomeadamente, à forma/meio como se há-de proceder à dedução do IVA” –, o Código do IVA não prevê, expressa ou tacitamente, qualquer exceção ao apuramento do pro rata definitivo nas situações em que o sujeito passivo incorpore por fusão uma outra sociedade comercial.
P. A partir do momento em que a C……… se extingue em virtude de uma fusão que produz efeitos retroativos, a nível contabilístico e fiscal, numa determinada data (i.e., 1 de janeiro de 2005), toda a sua atividade desde essa data é entendida, salvo alguma disposição em contrário, como tendo sido levada a cabo pela sociedade resultante da fusão, ou seja, a Recorrente.
Q. A 31 de dezembro de 2005, a C........... tinha já sido incorporada na Recorrente e com efeitos a 1 de janeiro desse ano, razão pela qual a Recorrente apenas poderia ter efetuado, nos termos do disposto no nº 6 do artigo 23º do Código do IVA, a regularização do IVA dedutível com base nos resultados contabilísticos após a fusão.
R. Não pode o Tribunal a quo – tal como também não podia a AT em sede inspetiva – legalmente criar regras restritivas relativamente ao apuramento do pro rata definitivo aquando de uma operação de fusão por incorporação, quando, na prática, o legislador fiscal, podendo, não as quis impor – cf., em especial, artigo 9.º do Código Civil e princípio da legalidade.
S. A Lei, ao calar a possibilidade de limitar o apuramento do pro rata definitivo no caso de uma operação de fusão de sociedades, não a quis regular, não a contempla, pelo que, à luz do princípio da legalidade, não é possível fazer semelhante limitação, não se podendo, por isso, manter a correção que assim foi realizada pela AT sem qualquer fundamento legal para o efeito, nem a sentença aqui recorrida que a manteve.
T. Não ocorreu nenhuma “duplicação de dedução do IVA” no caso concreto, visto que o pro rata nem sequer é uma dedução de imposto, mas sim, como decorre da jurisprudência do STA, apenas uma forma de cálculo usada para fixar a percentagem de dedução do IVA suportado nos inputs de utilização mista Cf. Ac. proferido no processo nº 081/13, no dia 4 de março de 2015 e disponível em www.dgsi.pt.
U. Ao relevar a atividade da sociedade incorporada C........... no ano de 2005 no cálculo do pro rata da sociedade única, incorporante, que resultou da referida operação de fusão por incorporação, a Recorrente realizou uma aplicação direta da Lei, que determina que a fórmula de cálculo para fixar a percentagem definitiva do pro rata tem em consideração a globalidade das operações da entidade – que, por força da operação de fusão, é una, tendo incorporado, com efeitos contabilísticos e fiscais, a atividade da C............
V. A decisão recorrida, ao acolher a correção da AT realizada no sentido de excluir, de forma discricionária e sem fundamento legal, do cálculo da percentagem do pro rata de dedução definitiva de 2005 os valores consolidados pós-fusão respeitantes à atividade de ALD, afronta, nomeadamente, o princípio da legalidade, o disposto no artigo 23.º do Código do IVA e o disposto nos artigo 98.º e 112.º do CSC, razão pela qual deverá ser revogada, nesta parte, com todas as consequências legais.
Do erro de julgamento: da desconsideração da amortização financeira no cálculo do pro rata:
W. O artigo 23º do Código do IVA consagra apenas dois métodos (E não um hipotético terceiro método – chamemos-lhe, o método assente num “coeficiente de imputação específico” –, que resulta na prática aplicado na correção em causa.)
distintos para os sujeitos passivos efetuarem a dedução do imposto suportado, nos casos em que os mesmos, no exercício da sua atividade, realizam operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem esse direito: por regra, o método do pro rata, que permite que os sujeitos passivos efetuem uma ponderação do peso que determinados bens e serviços, que são utilizados indiferentemente em operações que conferem direito à dedução e em operações que não conferem direito à dedução, possuem no respetivo volume de negócios total (cf. nº 1 deste artigo); e o método da afetação real, que consiste na utilização de critérios objetivos que permitem determinar o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que conferem direito à dedução (cf. nº 2 deste artigo).
X. A letra do nº 2 do artigo 23º do Código do IVA prevê expressamente que caso o sujeito passivo decida efetuar a dedução segundo o método da afetação real poderá a AT “lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação.”, possibilidade admitida à AT nos casos previstos no nº 3 do mesmo artigo, i.e., quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas (que não é o caso da Recorrente, que exerce uma só atividade: a atividade financeira) ou quando a aplicação do referido processo conduza a distorções significativas na tributação. Não obstante, nada é dito a este respeito quando se aplica o método da percentagem de dedução, sendo o respetivo cálculo determinado nos termos do nº 4 do referido artigo, o qual não prevê a possibilidade de serem efetuadas correções por parte da AT ao montante que daí resultar.
Y. Já quanto ao método da percentagem de dedução ou pro rata, a única fórmula de cálculo prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do nº 4 do artigo 23º do Código do IVA, não existindo qualquer outra fórmula prevista no aludido artigo, ou mesmo no Código do IVA, de determinação do pro rata.
Z. A alínea c) do nº 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva prevê que os Estados-Membros possam adotar medidas que, quando seja aplicado o método pro rata, autorizem ou obriguem os sujeitos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou parte dos bens e dos serviços.
AA. A norma da Sexta Diretiva supra referida não é de aplicação direta, na medida em que as disposições constantes das Diretivas vinculam os Estado-Membros quanto ao resultado a alcançar e carecem, para a sua aplicação, da necessária transposição, ao abrigo do disposto no artigo 288º do TFUE, pelo que a sua aplicação no direito interno português teria de ser efetuada por via legislativa, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 103º e alínea i) do nº 1 do artigo 165º da CRP e do artigo 8º da LGT, em conjugação com o já mencionado artigo 288º do TFUE.
BB. A letra da norma consagrada no nº 2 do artigo 23º do Código do IVA, ponto de partida e limite da interpretação da lei (cf. artigo 9º do CC), refere, expressamente, que é apenas relativamente à aplicação do método da afetação real que é permitido à AT efetuar correções ao mesmo, nos casos em que a aplicação do aludido método provoque distorções na tributação, não sendo permitido a aplicação da mesma possibilidade por analogia ao método da percentagem de dedução, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 11º da LGT, que proíbe a interpretação analógica em matéria tributária.
CC. Tal possibilidade não está expressamente prevista no Código do IVA para os casos de aplicação do método da percentagem de dedução ou pro rata, sendo o respetivo cálculo determinado nos termos do nº 4 do artigo 23º do Código do IVA, o qual não prevê a possibilidade de desconsiderar a totalidade ou uma parte dos bens ou serviços da fórmula aí prevista.
DD. A falta de transposição por parte do legislador nacional da possibilidade conferida pela alínea c) do nº 5 do artigo 17º da Diretiva resulta que foi sua intenção de, perante a aludida norma facultativa, optar por não a acolher, nem adotar no ordenamento jurídico nacional.
EE. A decisão proferida pelo TJUE no Caso Banco Mais assentou numa errado pressuposto do direito interno português, uma vez que não confirmou se a legislação nacional consagrou, efetivamente, a possibilidade conferida pela alínea c) do nº 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva e assume que a lei portuguesa previu efetivamente a possibilidade de a AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista, o que não corresponde à realidade – cf., no mesmo sentido, Acórdãos CAAD nos 311/2017-T, 309/2017-T, 312/2017-T, 11/2019-T, 646/2018-T, 769/2019-T ou 505/2019-T.
FF. O Considerando nº 19 do citado Acórdão Banco Mais apenas refere que tal informação foi dada pelos representantes do Governo português em sede de audiência, não tendo o TJUE, antes pelo contrário, proferido qualquer juízo sobre se o nº 2 do artigo 23º do Código do IVA constitui a transposição da alínea c) do nº 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva.
GG. Tal não poderia deixar de ser assim, visto que, nos termos do artigo 267º do TFUE, resulta que o reenvio prejudicial apenas tem em vista levar ao TJUE qualquer questão relativa à interpretação ou à apreciação da realidade de um ato de direito europeu, sendo que, quem tem competência para apreciar se as normas do direito europeu foram ou não transpostas para o direito interno português são precisamente os tribunais nacionais, não podendo estes escudarem-se no facto de que a putativa transposição da alínea c) do nº 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva no nº 2 do artigo 23º do Código do IVA serviu de pressuposto de facto no julgamento do TJUE produzido no Caso Banco Mais, para obstarem a se pronunciarem sobre os argumentos acima aduzidos relativos à sua efetiva não transposição.
HH. A legislação portuguesa não transpôs internamente a faculdade prevista na alínea c) do nº 5 do artigo 17º da Sexta Diretiva que permite aos Estados-Membros obrigar os sujeitos passivos a efetuar a dedução com base na afetação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços, pelo que não existe, na letra da lei, nomeadamente no nº 2 do artigo 23º do Código do IVA, a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no nº 4 do artigo 23º do Código do IVA.
II. Consequentemente, salvo o devido respeito pelo entendimento contrário, a verdade é que a sentença recorrida encontra-se inquinada por uma errada interpretação e aplicação do Direito interno português e da jurisprudência comunitária que cita, errando nos seus pressupostos.
JJ. Ainda que se entenda que a jurisprudência europeia constante do aludido Acórdão proferido no Caso Banco Mais não assenta numa premissa errada e é aplicável ao caso concreto – no que não se concede – o que é facto é que a decisão proferida pelo Tribunal a quo erra ainda nos seus pressupostos ao ter interpretado erradamente aquele que é o entendimento perfilhado pelo STA nesta senda.
KK. Isto porque, na sua jurisprudência proferida a respeito desta temática, o STA defende que ao abrigo daquela disposição da Sexta Diretiva – que aceita ter sido transposta para o nº 2 do artigo 23º do Código do IVA, no que, com o devido respeito por entendimento contrário, não se concede – poderão ser impostas condições especiais na fórmula de cálculo do pro rata e que a desconsideração no numerador e no denominador da fração do pro rata da componente de amortização financeira respeitante às rendas, sendo uma situação excecional, poderá apenas ocorrer sempre que a utilização dos bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada, na parte a que respeita aos contratos de leasing e de ALD, pela componente do financiamento e da gestão desses contratos, ao invés da componente de disponibilização dos veículos.
LL. Para que tal seja possível, o STA tem destilado na sua jurisprudência consolidada o facto de ser necessário que, em 1ª instância, se formule sobre a matéria de facto um juízo sobre se a utilização dos inputs comuns possui uma afetação direta com a atividade de disponibilização das viaturas locadas, sob pena de o método de cálculo do pro rata aventado pela AT garantir uma determinação mais precisa do pro rata de dedução do critério baseado no volume de negócios (isto apesar de, no modesto entendimento da Recorrente, nos termos do disposto no artigo 74.º da LGT, impender sobre a AT o ónus de demonstrar, no caso concreto, que, efetivamente, o cálculo da percentagem de dedução utilizado pela aqui Recorrente se mostrava incoerente e/ou causava distorções significativas na tributação – o que não fez –, requisito essencial para que, caso se admitisse que a AT tinha poderes para efetuar correções ao cálculo da percentagem, pudesse efetivamente corrigir o cálculo da Recorrente a este respeito).
MM. O Tribunal a quo não só deu como facto não provado que “A utilização dos bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinado pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.” (Cf. facto não provado previsto na alínea b), p.5 da sentença aqui recorrida.), como considerou que “Na senda do aqui exposto, impunha-se que a Impugnante tivesse comprovado que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, por forma a poder concluir-se que não foram provocadas distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns.”(Cf. p. 18 da sentença aqui recorrida.), tendo julgado improcedente a impugnação nesta parte.
NN. De acordo com o entendimento jurisprudencial consolidado do STA, era precisamente o contrário que se imporia à ora Recorrente, ou seja, impunha-se comprovar que a utilização mista dos seus inputs, por referência à atividade de leasing e ALD, foi sobretudo determinada pela disponibilização das viaturas locadas, de forma a assegurar que a desconsideração da componente de amortização financeira dos contratos não é suscetível de garantir uma repartição mais precisa do que a que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
OO. Ao ter ficado provado nos autos que os custos gerais não foram sobretudo determinados pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, o método de cálculo do pro rata que a Recorrente aplicou e que decorre da aplicação do critério geral da repartição baseada no volume de negócios é suscetível, no caso em relevo, de garantir uma repartição mais precisa dos inputs mistos, do que o que decorreria da aplicação do método de repartição aplicado pela AT – e assentido pelo Tribunal a quo – que exclui da fração do pro rata a componente de amortização financeira.
PP. Neste sentido, em linha com a aplicação da citada jurisprudência do TJUE e STA, tendo ficado provado nos autos que os custos gerais não foram sobretudo determinados pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, impunha-se julgar procedente a impugnação nessa parte, o que aqui se requer.
QQ. Ainda que assim não se entenda – no que não se concede –, sempre se diga que, consequentemente, será inteiramente aplicável aos presentes autos o entendimento de que “II - Por força da interpretação dada pelo TJUE em processo de reenvio prejudicial, que as partes não podiam ter em conta dadas nos articulados que apresentaram, muito antes da sua prolação, importa, pois, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.” – cf. Ac. STA, de 4.03.2015, proc. 081/13, disponível em www.dgsi.pt.
RR. De facto, a Recorrente apresentou a sua petição inicial que dá causa aos autos no dia 5 de novembro de 2009 – i.e., muito antes da prolação do referido Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014, e, bem assim, do Acórdão do STA emanado na sequência desse pedido de reenvio prejudicial, proferido no dia 3 de abril de 2015, no processo nº 01017/12 – não podendo antecipar que, segundo as palavras do Tribunal a quo, teria de comprovar que “(…) a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira” – Cf. página 18 da sentença aqui recorrida.
SS. À vista disso, dita o STA que “O Tribunal recorrido deverá ouvir ambas as partes sobre a forma de proceder a tal averiguação, convocando-as a nela participarem, por se abrir neste processo uma fase excecional decorrente da pronúncia do Tribunal de Justiça, já analisada, que haverá de ser dirimida com respeito por todos os princípios que regem o processo como um meio de alcançar a tutela jurisdicional efetiva.” - cf. Ac. STA, de 4.03.2015, proc. 081/13, disponível em www.dgsi.pt.
TT. Assim, nesse cenário, deverá ser anulada a sentença recorrida, nesta parte, e substituída por outra que, em cumprimento do princípio da tutela jurisdicional efetiva e descoberta da verdade material, decida, após audição das partes, a ampliação da base factual necessária, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 674º e nos 1 e 3 do artigo 682º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT, o que se requer.
Da decisão quanto a custas: dispensa do pagamento do remanescente de taxa de justiça
UU. O Tribunal a quo não se pronunciou oficiosamente sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na sentença aqui recorrida, razão pela qual, cabendo o presente recurso da decisão, a Recorrente vem, ao abrigo do nº 3 do artigo 616º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, aqui, igualmente, requerer que seja declarada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos autos por referência à primeira instância.
VV. Tendo em consideração que (i) a decisão da causa foi proferida, numa parte significativa, tendo por base jurisprudência anterior que aí vem citada; (ii) bem como ao facto de não ter havido lugar nos autos, por exemplo, a realização de qualquer audiência para produção de prova (inquirição de testemunhas); (iii) em contraponto com o elevado valor da ação, no montante de EUR 814.834,23, dúvidas não poderão restar que o remanescente da taxa de justiça devida no processo pelas partes ascende a um montante que não reflete a complexidade da causa, sendo largamente superior.
WW. Devendo, deste modo, adequar-se o valor da taxa de justiça dos presentes autos aos custos aproximados em concreto, por forma a salvaguardar os valores da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais, nos termos da segunda parte do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, requerendo-se que assim seja declarado por referência à primeira instância, e, bem assim, relativamente também à presente instância de recurso.
NESTES TERMOS deve o presente recurso proceder, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais.

Não houve contra-alegações.

Por despacho de 14/01/2021, o Tribunal de 1ª instância apreciou a questão e supriu a nulidade, declarando improcedente o alegado pela recorrente.

Neste Supremo Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, notificada nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser de negar provimento ao recurso e quanto ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça “não pode ser atendido mas que sendo reduzido, não deve essa redução exceder os 50%”, com a seguinte fundamentação:


“O presente recurso vem interposto por A…………., S.A. (anteriormente designada por B……………., S.A.), inconformada com a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, o que faz com invocação dos art.ºs 280º n.º 1 e 2, 281º e 282.º n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
A Sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) nº 09135188 relativa ao período de Dezembro de 2005 e da inerente liquidação de juros compensatórios nº 09135189, deduzida pela aqui recorrente.
A liquidação de IVA supra identificada foi adicionalmente promovida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (ATA) por entender, em suma, que:
(i) A Recorrente considerara, erradamente, para efeitos do cálculo do pro rata definitivo a atender para o exercício de 2005, os valores referentes à actividade de Aluguer de Longa Duração (ALD) desenvolvida pela C........... – Comércio e Aluguer de Veículos e Equipamentos, S.A. (C...........) até à sua extinção, sendo que, a que esta deduziu a totalidade do IVA suportado nas suas aquisições, a Recorrente ao incluir na base de cálculo da percentagem de dedução do IVA os proveitos obtidos pela C........... influenciou indevidamente, de forma positiva, a base de cálculo e duplicou a dedução de IVA, via regularização do pro rata definitivo;
(ii) A Recorrente considerou indevidamente no cálculo da fracção supramencionada a componente de amortização financeira respeitante às rendas de leasing da Recorrente e não apenas os juros, o que, supostamente, conduziu a uma percentagem de dedução de IVA em 2005 muito superior àquela que corresponde ao “real peso” das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e que provocou distorções significativas no imposto dedutível relativo aos denominados gastos comuns ou bens de utilização mista.
Na sentença aqui recorrida o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sufragou o entendimento constante do ponto (i) acima, ao referir que “… independentemente do CIVA não regular expressamente a situação presente, permitir à Impugnante relevar os custos incorridos pela C........... no ano de 2005 com a actividade da ALD seria possibilitar a duplicação da dedução do IVA por via da influência positiva da base de cálculo (facto para o qual a Impugnante nada alega), para além de que as actividades de leasing e de concessão de crédito terem funcionado separadamente uma vez que até 30.12.2005 cada uma das sociedades funcionou autonomamente (10 da sentença aqui recorrida).”
Já a respeito do entendimento perfilhado no supracitado ponto (ii) o Tribunal entendeu que:
“(…) impunha-se que a Impugnante tivesse comprovado que a utilização dos bens e serviços de utilização mista foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira, por forma a poder concluir-se que não foram provocadas distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns. Assim, para efeitos do cálculo da percentagem de dedução nos termos do que dispõe o nº 4 do artigo 23º do CIVA, apenas poderia a Impugnante considerar o montante correspondente aos juros relativos a atividade de locação financeira (…)”(p. 18 e 19 da sentença aqui recorrida).
Refira-se que, no âmbito da sua actividade, a aqui Recorrente pratica actividades que conferem direito à dedução de IVA e actividades que não conferem direito à dedução, assumindo a categoria de “sujeito passivo misto” para efeitos de IVA, na medida em que pratica por um lado (i) operações tributáveis (que conferem o direito de dedução do imposto – nomeadamente, as actividades de leasing) e, por outro, (ii) operações sujeitas a IVA mas isentas do imposto (que não permitem a dedução de IVA – nomeadamente, operações de financiamento e concessão de crédito).
Relativamente a 2005, no exercício do direito à dedução de IVA a Recorrente utilizou o método da percentagem de dedução quanto aos custos suportados com os bens e serviços de utilização comum a todas as suas actividades e em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações relevantes respeitavam.
Para o cálculo da referida percentagem, a Recorrente, inicialmente, na declaração periódica de Dezembro de 2005, incluiu no numerador o montante de €22.921.763,14 e no denominador o montante de €55.544.832,21, tendo apurado uma percentagem de dedução de 42%.
Posteriormente, em sede de procedimento de inspecção externa realizado ao exercício de 2005, ao reunir a documentação referente ao cálculo acima apresentado, a Recorrente detectou que, ao invés dos montantes referidos, deveria ter incluído no numerador o montante de €43.367.392,99 e no denominador €79.892.096,59, o que significaria o apuramento de um pro rata definitivo de 55%, ao contrário dos 42% inicialmente apurados. Sucede, então, que a aqui Recorrente não se conforma com a apreciação e com os fundamentos da sentença proferida pelo Tribunal a quo, e da inerente manutenção na ordem jurídica do citado acto ilegal de liquidação adicional de IVA, razão pela qual vem interpor o presente Recurso.
A recorrente invocou nulidade da Sentença por omissão de pronúncia uma vez que o Tribunal a quo (i) não tomou posição sobre a questão colocada pela Recorrente quanto à percentagem do pro rata e aos valores que a justificam, (ii) não emitiu decisão sobre alguma razão impeditiva de o fazer, nem indicou razões para justificar essa abstenção de conhecimento e (iv) da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
Em decisão proferida em 04/01/2021, porém, a Excelentíssima Senhora Conselheira Relatora pronunciou-se sobre a arguida nulidade, declarou a existência da mesma, apreciou a questão e suprindo a nulidade, decidiu que “a Impugnante não logrou comprovar que efectivamente a diferença da percentagem não resultou da consideração … do valor da amortização financeira e juros de todas as operações de crédito das duas sociedades que constituem âmbito de actividades das duas sociedades, tal como concluído pelos SIT, na medida em que o quadro junto aos autos e coligido na factualidade assente, ponto 11), não logra infletir as conclusões extraídas pelos SIT, uma vez que tais conclusões decorreram da análise dos elementos existentes na contabilidade, nomeadamente, saldos dos balancetes e outros dados relevantes (cfr. ponto 7) da factualidade assente).
… atendendo a que os demais fundamentos apresentados também não foram procedentes, tendo o Tribunal concordado com a AT na fixação do pro rata de na ordem dos 11%, mostra-se irrelevante a anuência com o valor de pro rata na ordem dos 55%, uma vez que após a análise dos SIT o montante apurado e confirmado pelo Tribunal não se situa nos iniciais 42% mas em 11%.”
Nesta perspectiva o tribunal a quo declarou improcedente o alegado pela Impugnante.
Sendo assim, tendo sido suprida a nulidade por omissão de pronúncia arguida pela recorrente, deve considerar-se prejudicado o recurso, nesta parte.
Quanto ao invocado erro de julgamento pela não inclusão da actividade da C........... no cálculo do pro rata definitivo, defende a recorrente que o pro rata definitivo que deveria ter considerado para o ano de 2005, deveria ter sido calculado e aplicado ao IVA suportado relativo a custos comuns da sua actividade de Leasing e concessão de crédito no montante de €2.314.934,84, não relevando a actividade de ALD exercida pela C............ (p. 10 da sentença aqui recorrida).
Ora, a cessação da C........... para efeitos de IVA ocorreu em 30.12.2005, (data da fusão) e quanto à sua actividade de ALD, como actividade totalmente sujeita, deduziu ela a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afectos directamente a essa actividade, tendo ocorrido uma afectação real total durante o ano de 2005.
Como se considerou na decisão recorrida o que a impugnante não provou foi que teve custos comuns a partir do momento em que a C........... se extinguiu em virtude da fusão, com efeitos retroactivos a 1.01.2005, sendo que a fusão ocorreu em 30.12.2005 e que como se referiu a Impugnante entregou separadamente da C........... as declarações periódicas de IVA do ano de 2005, tendo esta deduzido integralmente o IVA suportado com os custos directamente relacionados com a actividade de leasing e de ALD (cfr. ponto 5) do probatório), bem como deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afectos directamente a essa actividade, tendo ocorrido uma afectação real total durante o ano de 2005.
Por isso é que o tribunal a quo considerou que permitir à Impugnante relevar os custos incorridos pela C........... no ano de 2005 com a actividade de ALD seria possibilitar a duplicação da dedução do IVA por via da influência positiva da base de cálculo (facto para o qual a Impugnante nada alega), para além de que as actividades de leasing e de concessão de crédito terem funcionado separadamente uma vez que até 30.12.2005 cada uma das sociedades funcionou autonomamente.
Sendo assim, entendemos que é correcta a conclusão do tribunal a quo, segundo a qual “o pro rata” definitivo que a Impugnante deveria ter considerado para o ano de 2005 deveria ter sido calculado e aplicado ao IVA suportado relativo a custos comuns da sua actividade de Leasing e concessão de crédito no montante de €2.314.934,84 não relevando a actividade de ALD exercida pela C...........”.
Em consequência, é também correcta a posição da ATA ao ter recalculado o pro rata definitivo da Impugnante do ano de 2005, atendendo a que em relação ao ALD foi utilizado o método da afectação real.
Assim, importa analisar para a justa composição do litígio se o cálculo do pro rata relativo ao exercício de 2005 não poderia ter em conta a amortização financeira resultante dos contractos de locação financeira realizados pela Impugnante, na medida em que esta defende que a inclusão do quantitativo das rendas de locação financeira e de ALD no pro rata de dedução é a única solução legalmente admissível.
Importa aqui ter em consideração o teor do artº 23.º n.º 1 do CIVA - na redacção aplicável à data dos factos segundo o qual “quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que deem lugar a dedução”.
Ainda assim o número 2 do mesmo preceito estabelecia que “não obstante o disposto no número anterior, poderá o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificarem distorções significativas na tributação”. Estes são os designados sujeitos passivos mistos, pois efectuam simultaneamente operações tributáveis que conferem o direito à dedução e operações isentas que não conferem o direito à dedução.
Em consonância com a Sexta Directiva, o CIVA prevê o apuramento da dedução por recurso ao método da afectação real ou ao método da percentagem de dedução o denominado de pro rata, conforme decorre do artigo 23.º do CIVA.
O art.º 19.º da Sexta directiva estabelece as regras de cálculo do pro rata.
Quanto à questão colocada ao TJUE se “num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua acepção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”, o TJUE respondeu que o artigo 17.°, n.° 5, 3.º§, al. c), da Sexta Directiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.” – Cfr. Acórdão TJUE de 10.07.2014, proferido processo C-183/13, Acórdão do STA de 27.11.2019, rec. 0977/07.5BELRS 0466/15, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
A prática utilizada pela recorrente ao incluir no cálculo do pro rata a componente “amortização financeira” conduziu a uma percentagem de dedução muito superior àquela que corresponde ao real peso das operações com direito à dedução no conjunto das operações praticadas e provocou distorções significativas no apuramento do imposto dedutível relativo aos denominados custos comuns; como bem se decidiu, para efeitos do cálculo da percentagem de dedução nos termos do que dispõe o n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, apenas poderia a Impugnante considerar o montante correspondente aos juros relativos a actividade de locação financeira, improcedendo o alegado.
A recorrente pede ainda, com invocação dos art.ºs 616º n.º 3 do CPC, ex vi alínea e) do art.º 2º do CPPT, que o tribunal a dispense do pagamento do remanescente da taxa de justiça, uma vez que sobre a questão não se pronunciou o TAF/Porto.
De acordo com o artº 6º nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, na redacção dada pela Lei nº 7/2012, “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
O legislador permite que o julgador dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça em causa, nas acções cujo valor seja superior a €275 000,00, se a especificidade da causa o justificar, ponderando a complexidade da causa e a conduta processual das partes.
Analisada a acção, entendemos que a mesma não pode ser considerada como carecendo, em absoluto, de complexidade.
Entendemos que a acção deve considerar-se complexa, atenta a complexidade jurídica da questão em litígio.
A Sentença proferida em 1.ª Instância tem 19 páginas e as Alegações respeitantes ao recurso de Apelação interposto de cerca de 41 páginas, o que é significativo e demonstrativo da complexidade referida.
Vista assim a questão, pensamos que não pode ser atendido o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, pelo menos nos termos em que vem requerida.
Certo que as partes agiram sempre correctamente e tal também deve ser valorado, sendo o nosso entendimento que, no caso, é razoável, em obediência ao princípio da proporcionalidade que o remanescente da taxa de justiça seja diminuída, mas não em mais de 50%.
Sendo assim e em consequência defendemos que o pedido só em parte deve ser atendido.
Sendo assim, entendemos que, como resulta de tudo o que deixámos exposto, deve ser negado provimento ao recurso, inclusive na parte em que foi arguida a nulidade por omissão de pronúncia, mantendo-se a sentença recorrida por esta não merecer a censura que lhe faz a recorrente.
Quanto ao pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, entendemos que o mesmo não pode ser atendido mas que sendo reduzido, não deve essa redução exceder os 50%.”
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Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1) A B……………, SA está enquadrada no regime normal de IVA, com periodicidade normal, realizando operações tributadas, operações isentas e operações isentas que não conferem direito à dedução, utilizando o método de afectação real no leasing mobiliário e o método pro rata para os gastos comuns.

2) Em 30.12.2005 a B……………., SA incorporou, por fusão a C........... SA, com efeitos contabilísticos reportados a 1.01.2005 – cfr. fls. 35 a 38 do processo físico.

3) A B………..., SA tinha como objecto social o financiamento de aquisições a crédito de bens de consumo e equipamentos, passando a realizar a actividade de concessão de novos financiamentos de novos produtos, como o aluguer de longa duração de veículos automóveis, após a fusão a que se alude em 2).

4) Em sede de IVA e anteriormente à incorporação da C........... por fusão, o tratamento conferido pela B………. quanto à dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços relacionados com a sua actividade era a seguinte: - Dedução integral do imposto suportado com os bens e serviços directa e exclusivamente relacionados com a actividade de locação financeira (leasing) – dedução do imposto correspondente à percentagem de dedução, pro rata, suportado na aquisição de bens e serviços afectos simultaneamente às atividades de leasing e crédito – cfr. artigo 8.º da PI.

5) A C........... , SA, anteriormente à sua extinção por fusão, deduzia integralmente o IVA suportado com os custos diretamente relacionados com a actividade de leasing e de ALD – cfr. artigo 9.º da PI

6) No cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI200700455 os Serviços da Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto efectuaram procedimento inspectivo à B…………….., SA, com incidência no exercício de 2005, tendo apurarado IVA em falta no período de 0512 no montante de €717.629,80 – cfr. fls. 25 a 113 do processo administrativo (PA) junto aos autos.

7) Em 30.06.2009 foi elaborado o relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 7) – cfr. fls. 25 a 113 do PA junto aos autos.

8) Do relatório do procedimento inspectivo a que se alude em 7) faz parte integrante os Anexos 1 a 131 – cfr. fls. 114 a 348 do PA junto aos autos.

9) Foi emitida a liquidação adicional de IVA n.º 09135188 do período de 0512 no montante de €717.629,80 e respectiva liquidação de juros compensatórios n.º 09135189 no montante de €97.204,43 - cfr. fls. 33 e 34 do processo físico.

10) Foi elaborado quadro identificando valores respeitantes a Contas, Operações Tributáveis, Operações isentas com direito a dedução, Total do numerador, Operações isentas sem direito à dedução e Denominador – cfr. fls. 131 do processo físico.

Para além dos factos já fixados, com relevância para a análise e decisão do erro na quantificação do cálculo do pro rata, foi aditado ao probatório, por despacho de 14/01/2021, o seguinte facto:

11) Foi elaborado quadro identificando valores respeitantes a Contas, Operações Tributáveis, Operações isentas com direito a dedução, Total do numerador, Operações isentas sem direito à dedução e Denominador – cfr. documento junto aos autos a fls. 130 do processo físico.

Factos não provados

A sentença recorrida considerou não resultar comprovado da instrução dos autos que:

a) A partir do momento em que a C..........., SA se extingue em virtude da fusão, que produz efeitos retroactivos, gerou custos comuns ao nível da B……………, SA,

b) A utilização dos bens e serviços de utilização mista é sobretudo determinado pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.

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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou improcedente a impugnação relativa à liquidação do IVA, padece de (i) nulidade por omissão de pronúncia, de (ii) erro de julgamento pela não inclusão da actividade da C..........., incorporada por fusão na empresa principal (e sujeito passivo misto, por praticar operações tributáveis que conferem o direito de dedução do imposto – actividades de leasing e operações sujeitas a IVA, mas isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA – operações de financiamento e concessão de crédito) no cálculo do pro rata definitivo, defendendo a recorrente que esse cálculo deveria ter sido considerado e aplicado ao IVA suportado relativo a custos comuns da sua actividade de leasing, concessão de crédito e actividade de ALD e (iii) que o tribunal dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Conhecendo das questões pela ordem indicada:

(i) Da nulidade por omissão de pronúncia:

A recorrente assaca tal nulidade à sentença por o Tribunal a quo não ter tomado tomou posição sobre a questão colocada pela Recorrente quanto à percentagem do pro rata e aos valores que a justificam, sendo que não indicou qualquer razão impeditiva para não o fazer, nem apontou razões para justificar essa abstenção de conhecimento e da sentença também não resulta, de forma expressa ou implícita, que esse conhecimento tenha ficado prejudicado em face da solução dada ao litígio.
O certo é que, como bem denota a EPGA, em decisão proferida em 04/01/2021, a Mª Juíza a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade, declarou a existência da mesma, apreciou a questão e suprindo a nulidade, decidiu que “a Impugnante não logrou comprovar que efectivamente a diferença da percentagem não resultou da consideração … do valor da amortização financeira e juros de todas as operações de crédito das duas sociedades que constituem âmbito de actividades das duas sociedades, tal como concluído pelos SIT, na medida em que o quadro junto aos autos e coligido na factualidade assente, ponto 11), não logra infletir as conclusões extraídas pelos SIT, uma vez que tais conclusões decorreram da análise dos elementos existentes na contabilidade, nomeadamente, saldos dos balancetes e outros dados relevantes (cfr. ponto 7) da factualidade assente).
… atendendo a que os demais fundamentos apresentados também não foram procedentes, tendo o Tribunal concordado com a AT na fixação do pro rata de na ordem dos 11%, mostra-se irrelevante a anuência com o valor de pro rata na ordem dos 55%, uma vez que após a análise dos SIT o montante apurado e confirmado pelo Tribunal não se situa nos iniciais 42% mas em 11%.”
Nesta perspectiva o tribunal a quo declarou improcedente o alegado pela Impugnante.
Assim, tendo sido suprida a nulidade por omissão de pronúncia arguida pela recorrente, deve considerar-se prejudicado o conhecimento do recurso, nesta parte.

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(ii) Do erro de julgamento

A questão principal é não inclusão da actividade da C..........., incorporada por fusão na empresa principal (e sujeito passivo misto, por praticar operações tributáveis que conferem o direito de dedução do imposto – actividades de leasing e operações sujeitas a IVA, mas isentas do imposto, que não permitem a dedução de IVA – operações de financiamento e concessão de crédito) no cálculo do pro rata definitivo, defendendo a recorrente que esse cálculo deveria ter sido considerado e aplicado ao IVA suportado relativo a custos comuns da sua actividade de leasing, concessão de crédito e actividade de ALD.
Na verdade, a recorrente sustentou que o pro rata definitivo que deveria ter considerado para o ano de 2005, deveria ter sido calculado e aplicado ao IVA suportado relativo a custos comuns da sua actividade de Leasing e concessão de crédito no montante de €2.314.934,84, não relevando a actividade de ALD exercida pela C............ (p. 10 da sentença aqui recorrida).
Sucede que a cessação da C........... para efeitos de IVA ocorreu em 30.12.2005, (data da fusão) e quanto à sua actividade de ALD, como actividade totalmente sujeita, a mesma deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afectos directamente a essa actividade, tendo ocorrido uma afectação real total durante o ano de 2005.
Sobre essa realidade, pronunciou-se a sentença no sentido de que a impugnante não provou que teve custos comuns a partir do momento em que a C........... se extinguiu em virtude da fusão, com efeitos retroactivos a 1.01.2005, sendo que a fusão ocorreu em 30.12.2005, tendo a Impugnante entregue separadamente da C........... as declarações periódicas de IVA do ano de 2005, e esta deduzido integralmente o IVA suportado com os custos directamente relacionados com a actividade de leasing e de ALD (cfr. ponto 5) do probatório), bem como deduziu a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens e serviços afectos directamente a essa actividade, tendo ocorrido uma afectação real total durante o ano de 2005.
Nessa conformidade, o tribunal a quo considerou que permitir à Impugnante relevar os custos incorridos pela C........... no ano de 2005 com a actividade de ALD seria possibilitar a duplicação da dedução do IVA por via da influência positiva da base de cálculo (facto para o qual a Impugnante nada alega), para além de que as actividades de leasing e de concessão de crédito terem funcionado separadamente uma vez que até 30.12.2005 cada uma das sociedades funcionou autonomamente.
Por essas razões conclui o tribunal a quo, que “o pro rata definitivo que a Impugnante deveria ter considerado para o ano de 2005 deveria ter sido calculado e aplicado ao IVA suportado relativo a custos comuns da sua actividade de Leasing e concessão de crédito no montante de €2.314.934,84 não relevando a actividade de ALD exercida pela C.............”, aprovando a posição da ATA ao ter recalculado o pro rata definitivo da Impugnante do ano de 2005, atendendo a que em relação ao ALD foi utilizado o método da afectação real.
Significa que, tal como assevera a EPGA, importa analisar para a justa composição do litígio se o cálculo do pro rata relativo ao exercício de 2005 não poderia ter em conta a amortização financeira resultante dos contratos de locação financeira realizados pela Impugnante, na medida em que esta defende que a inclusão do quantitativo das rendas de locação financeira e de ALD no pro rata de dedução é a única solução legalmente admissível.
Há abundante jurisprudência sobre a matéria, nomeadamente o Acórdão do TJUE, no Proc. n.º C-183/13, de 10/07/2014, Acórdãos do STA de 24/02/2021, Proc. n.º 084/19.8BALSB, de 20/01/2021, Processo nº 0101/19.1BALSB (Pleno) e de 17/02/2021, Processo nº 01077/14.7BEPRT para a qual iremos remeter, com a devida vénia, mais concretamente para o Acórdão de 30/09/2020, Processo nº095/19.3BALSB (Pleno).
Por assim ser, aderimos em absoluto à jurisprudência estabilizada deste STA adoptando a solução que foi ditada no aresto proferido no Processo Processos nº052/19.0BALSB (Pleno) referido condensada no respectivo bloco fundamentador que passa a transcrever-se de modo adaptativo:
“ (…)
A questão em causa nos presentes autos já se colocou por diversas vezes a este Supremo Tribunal Administrativo, que tem respondido de forma uniforme nos diversos Acórdãos proferidos a seu respeito – veja-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 (Acórdão Fundamento).
Concordamos com esta orientação jurisprudencial, não apenas por ser aquela que se encontra actualmente consolidada mas também, e sobretudo, por ser aquela que se revela mais curial.
Tal como aconteceu nos arestos acima referidos, também nos presentes autos se verifica que a questão a decidir é em tudo idêntica à que foi objecto de pronúncia pelo TJUE a 10 de Julho de 2014 no processo n.º C-183/13 (Acórdão Banco Mais), na sequência de pedido de reenvio suscitado por este STA no âmbito do processo n.º 1017/12.
A questão formulada pelo STA ao TJUE foi a seguinte: “Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda, sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a atividade da banca obtém pelo contrato de locação?”.
E o TJUE emitiu pronúncia nos termos seguintes: “O artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-membro, em circunstâncias como a do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar”.
Conforme se explicitou no Acórdão proferido por este STA a 17 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 01874/13, aquilo que o TJUE concluiu é “que a norma comunitária não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista (edifícios, consumos de electricidade, serviços transversais, etc., que sejam utilizados indistintamente para a realização de operações que confiram e não confiram direito à dedução do IVA suportado), apenas a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos”.
E isto porque “na apreciação do TJUE, o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios (que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos), leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método aplicado pela Fazenda Pública, baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel”.
Sucede que a Recorrida põe em causa a aplicabilidade desta jurisprudência do TJUE ao caso dos autos, arguindo que o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA “não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Directiva (hoje constante do artigo 173.º da Directiva do IVA)”.
Mas sem razão que lhe assista.
Vejamos as disposições legais em causa:
O artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA dispõe que: “Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação” (nosso sublinhado).
E o artigo 17.º, n.º 5 da Directiva 77/388/CEE dispõe que: “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo, não só para operações com direito à dedução, previstas nos n º 2 e 3, como para operações sem direito à dedução, a dedução só é concedida relativamente à parte do imposto sobre o valor acrescentado proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações. Este pro rata é determinado nos termos do artigo 19º, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo. Todavia, os Estados-membros podem:
(…)
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (nosso sublinhado)”.
Como já se esclareceu no Acórdão proferido por este STA a 3 de Junho de 2015 no âmbito do Processo n.º 0970/13, ao interpretar as normas supra referidas o TJUE tomou em consideração que “na interpretação de uma disposição de direito da União, importa ter em conta não apenas os respectivos termos mas também o seu contexto e os objectivos prosseguidos pela regulamentação em que está integrada (acórdão SGAE, C-306/05, EU:C:2006:764, n. 34). E que no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24 do Acórdão) ”.
Neste contexto, não só se verifica que o artigo 19.º n.º 1 da Sexta Directiva (intitulado “Cálculo do pro rata de dedução”) remete unicamente para o pro rata previsto no artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, desta Directiva, como se verifica que, “embora o segundo parágrafo do artigo 17.º, n.º 5, da Sexta Directiva preveja que essa regra de cálculo se aplica a todos os bens e serviços de utilização mista adquiridos por um sujeito passivo, o terceiro parágrafo desse artigo 17.º, n.º 5, que também inclui a disposição que figura na alínea c), começa com a conjunção adversativa «todavia», que implica a existência de derrogações à referida regra (acórdão Royal Bank of Scotland, EU:C:2008:750, n.º 23). - Parágrafos 25 e 26.
Ora, nesta perspectiva a norma do artº 23º nº 2 do CIVA, ao permitir que Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – artº 17º, nº 5, terceiro parágrafo, al. c) da sexta directiva, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços» ”.
E é precisamente por este motivo que não colhe a argumentação da Recorrida quando vem arguir que nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do Código do IVA é, necessariamente, “toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista”. E não colhe porque, ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro.
Porém, importa considerar que esta possibilidade concedida aos Estados-Membros apenas se revela possível na medida em que o método seguido garanta uma determinação mais precisa do pro rata de dedução que resulta do critério baseado no volume de negócios (vide, assim, o Acórdão Banco Mais e o Acórdão BLC Baumarkt, proferido a 8 de Novembro de 2012 no Processo C-511/10).
Por outras palavras, e como já se consignou no Acórdão deste STA proferido a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, “a circunstância de o Tribunal de Justiça ter considerado que a Administração Tributária poderia criar um sistema específico para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista não significa que, perante a legislação nacional tal sistema específico seja pura e simplesmente admitido, em todas as situações, como não o é, de resto, face à legislação comunitária. Resulta, de modo inequívoco, do acórdão do Tribunal de Justiça que tal situação será excepcional, quando a utilização desses bens e serviços de utilização mista seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos – aqueles que obtêm enquadramento na actividade exercida pelo banco e que não confere direito à dedução de imposto, por se tratar de actividade isenta –”. Aquilo que importa, portanto, é que “sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos”.
Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos.
Como de forma unânime tem afirmado o Supremo Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Administrativo, os juízos de facto ou juízos sobre factos, incluindo os juízos de valor sobre matéria de facto, e a própria interpretação dos factos e das ilações que as instâncias deles retiram não podem ser formulados ou reapreciados pelo tribunal de revista. Assim, e porque este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.”
Seguindo, pois, essa jurisprudência consolidada no Pleno do STA, cumpre definir idêntico desfecho para o presente recurso, ficando prejudicada a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça porquanto tal decisão não importa tributação como se determinará no dispositivo infra.
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A recorrente ainda suscita que o Tribunal a quo não se pronunciou oficiosamente sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na sentença aqui recorrida, razão pela qual, cabendo o presente recurso da decisão, a Recorrente vem, ao abrigo do nº 3 do artigo 616º do CPC, ex vi alínea e) do artigo 2º do CPPT, aqui, igualmente, requerer que seja declarada a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos autos por referência à primeira instância.
Resulta insofismavelmente, em vista dos requisitos fixados no artº 530º, nº7, do CPC no que tange à averiguação da especial complexidade de uma causa, o CPC (art.º 530.º n.º 7), a saber: (i) A existência ou não de articulados ou alegações prolixas – vide al. a); (ii) A questão da causa ser, ou não, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, ou importarem questões de âmbito muito diverso – vide al. b); (iii) e a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de diligências de prova morosas – vide al. c). que as partes adoptaram, neste processo, um comportamento processual irrepreensível de colaboração com os Tribunais, não promovendo quaisquer expedientes de natureza dilatória ou praticando actos inúteis, guiando-se pelos princípios da cooperação e da boa fé, apenas apresentando as peças processuais essenciais para a descoberta da verdade material, não recorrendo à utilização de quaisquer articulados ou alegações prolixas, nem solicitando quaisquer meios de prova adicionais.
Sendo que, relativamente à especificidade técnica da causa e ao assunto em discussão, decorre, do acórdão do STA para o qual se remeteu, não ser, a questão da causa, dada a sua repetibilidade, de elevada especialização jurídica ou especificidade técnica, não sendo, igualmente, as questões aqui em crise, de âmbito muito diverso das já abundantemente tratadas quer no TT, quer no STA, susceptíveis de justificar o pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente a uma acção no valor de €814.834,23.
Assim, como invoca a recorrente, deve adequar-se o valor da taxa de justiça dos presentes autos aos custos aproximados em concreto, por forma a salvaguardar os valores da proporcionalidade e da justiça distributiva na responsabilização/pagamento das custas processuais, nos termos da segunda parte do nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, pelo que se autoriza a dispensa do remanescente da taxa de justiça.
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3. Decisão

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, anular a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.

Custas pela recorrida, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, correspondente ao valor da causa, na parcela excedente a €275.000, atento o grau de complexidade do processado, a conduta dos litigantes e a utilidade económica das pretensões das partes.

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José Gomes Correia (relator) * - Aníbal Ferraz - Pedro Vergueiro (em substituição)

* Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, aditado pelo art.3º do DL nº 20/2020, de 1/5, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os Senhores Juízes Conselheiros Aníbal Augusto Ruivo Ferraz e Pedro Nuno Pinto Vergueiro, integrantes da formação de julgamento.

Lisboa, 9 de junho de 2021.