Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0118/23.1BECBR |
Data do Acordão: | 05/02/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MARIA DO CÉU NEVES |
Descritores: | DISPENSA DO PAGAMENTO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P32172 |
Nº do Documento: | SA1202405020118/23 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | B..., LDA. E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO B..., Ldª, pessoa colectiva número ...58, com sede na Rua ..., ..., ..., Coimbra, devidamente identificada nos autos, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra – Unidade Orgânica 1 - a presente acção administrativa pré-contratual contra a C..., S.A., indicando como contra – interessada A..., S.A., pedindo a anulação do ato de exclusão da proposta da Autora e do ato de adjudicação à contra-interessada, devendo ordenar-se a recomposição do acto final e fazer-se a adjudicação à proposta da Autora, no âmbito do Concurso Público Internacional de Prestação de Serviços de Manutenção dos Centros Operacionais Afectos ao Departamento de Equipamentos Norte – Procedimento Pré-contratual TA_22_171_CI_S_008_DMA, para a aquisição de serviços para a execução de trabalhos de manutenção do sistema Multimunicipal de Saneamento da Entidade Demandada naqueles Centros Operacionais. O processo seguiu os seus termos e por Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em 14.03.3034, foi concedido provimento ao recurso interposto pela contra interessada A..., S.A., revogando-se consequentemente o Acórdão proferido no TCA Norte. Nesta procedência foi a Autora condenada em custas. * Por requerimento datado de 22.03.2024, veio a Autora requerer ao abrigo do disposto no artº 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais que seja dispensado o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça devida.E fá-lo invocando em síntese: «Preceitua o artº 1º, nº 1 do Regulamento das Custas Processuais (RCP) que todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo referido Regulamento. Por sua vez, as custas processuais compreendem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (artº. 529º nº 1 do Código de Processo Civil (CPC) e artº. 2º nº 1 do RCP). A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente e é fixado em função do valor e complexidade da causa, nos termos do RCP (artº. 529º nº 2 do CPC). Dispõe o artº. 530º nº 7 do CPC que, para efeitos de condenação no pagamento da taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: a) Contenham articulados ou alegações prolixas; b) Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; ou c) Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas. Para as situações em que seja evidente a desproporção entre o valor a pagar a título de taxa de justiça e o custo do serviço prestado, o legislador estabeleceu no nº 7 do artigo 6º do R.C.P., um factor de equilíbrio, adequando a taxa de justiça ao caso concreto nas causas de valor superior a € 275.000,00. Com efeito, através do citado normativo foi reconhecido ao julgador o poder de dispensar o pagamento da taxa de justiça sempre que a situação o justifique, considerada a complexidade da causa e a conduta processual das partes. Tem, assim, o Tribunal a possibilidade de intervir no sentido de garantir o equilíbrio e a equidade nos casos em que o mero resultado decorrente da aplicação da tabela prevista no RCP se traduz numa manifesta desproporcionalidade entre os serviços prestados pelo Tribunal e o montante de custas a ser suportado pelos intervenientes processuais. Como doutamente explanou a recorrente perante este Tribunal por requerimento de 07/12/2023 – Refª: ...46, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos, sendo o valor da ação de €15 100 000,00, o remanescente da taxa de justiça devido pelo recurso de Apelação, para cada uma das partes, seria de €90 729,00 (noventa mil setecentos e vinte e nove euros) (artigo 26º.) e o valor da taxa de justiça devido pelo recurso de Revista, para cada uma das partes seria de €86 751,00 (oitenta e seis mil setecentos e cinquenta e um euros) (artigo 31º), implicando o pagamento de um valor adicional de €358 938,00 (trezentos e cinquenta e oito mil novecentos e trinta e oito euros). Analisadas as questões levadas ao conhecimento superior em qualquer uma das instâncias recursivas, verifica-se que as mesmas não envolvem particular complexidade jurídica, especificidade técnica ou âmbitos jurídicos diversos. Por outro lado, as partes não apresentaram argumentação prolixa nas suas alegações, tendo-se esta revelado adequada na sua fundamentação doutrinária e jurisprudencial em ordem à demonstração da bondade das suas posições. Acresce que as partes orientaram sempre a sua conduta com seriedade intelectual e de acordo com o princípio da cooperação, demitindo-se de quaisquer expedientes inoportunos, dilatórios ou supérfluos. Verificam-se, portanto, os requisitos exigidos no artº 6º, nº 7 do RCP para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por existir conformidade entre o serviço público de justiça prestado e as taxas de justiça já cobradas, de sorte que, a não ser assim entendido, tal constituiria uma interpretação violadora do citado preceito por ofensa dos princípios constitucionais do direito de acesso aos tribunais e da proporcionalidade estatuídos, respetivamente, nos artºs 20º nº 2 e 18º nº 2 da Constituição da Republica Portuguesa (…)». * Notificados os demais intervenientes processuais, nenhum emitiu pronúncia.* Cumpre decidir:Compulsados os elementos constantes dos autos é possível deles extrair, entre o mais, com interesse para o presente requerimento de “reforma quanto a custas”: (i) o recurso de revista foi interposto por articulado com 35 páginas, do qual constavam mais de 64 conclusões; (ii) o articulado das contra-alegações apresentado pela recorrida/ora requerente contem 73 páginas e 36 conclusões. (iii) Antes da interposição da presente revista, constata-se que na contestação apresentada foi efectuada a defesa por excepção e por impugnação; foi deduzido incidente através do qual se pediu o decretamento do levantamento do efeito suspensivo automático e foram deduzidas oposições; o mesmo foi decidido; foi junto o processo administrativo; foi apresentada prova documental e testemunhal, tendo-se por fim dispensado a prova testemunhal e a audiência prévia. De acordo com o artigo 6º do RCP as custas processuais são fundamentalmente fixadas em função do valor da causa, sendo esse o critério elegido pelo legislador como critério-regra para o cálculo da contrapartida devida pelo uso do serviço público de justiça. E esse é o critério legal assumido por via da aplicação do princípio da proporcionalidade subjacente à ponderação entre o serviço de justiça prestado e o custo do mesmo, o qual é uniformizado, de forma objectiva e rigorosa “em função do valor e complexidade da causa”, sendo esse critério objectivo de proporcionalidade, também ele válido, para as causas de valor igual ou inferior a €275.000,00. Complementarmente a este regime regra, o nº 7, do artigo 6º, prevê a faculdade de dispensa do remanescente da taxa de justiça para as causas de valor superior a €275.000,00 que o tribunal pode aplicar aos casos concretos, oficiosamente ou a requerimento das partes, desde que, no caso, se verifiquem as especificidades legalmente indicadas, ou seja, complexidade abaixo do normal e conduta processual das partes que contribua activamente para agilizar o serviço de justiça. Ora, neste caso, nenhum dos critérios para a dispensa do remanescente se encontra preenchido, seja porque a causa não apresenta uma complexidade abaixo da média daquelas que são julgadas por este Supremo Tribunal Administrativo – note-se que estava em causa de acordo com o que ficou consignado no Acórdão que admitiu a Revista: «(…)Trata-se de interpretação que envolve dificuldades óbvias, como logo se vê pela resposta contraditória das instâncias (tendo ainda o acórdão do TCA um voto de vencido), e dita consequências práticas relevantes no âmbito dos concursos públicos, podendo, assim, ser repetível, tanto administrativamente, como em sede judicial, sendo, por isso, uma problemática sobre a qual é de toda a conveniência que seja reapreciada por este Supremo Tribunal, pelo que se justifica a admissão da revista para uma melhor dilucidação de assuntos de natureza similar. – seja, ainda, porque a conduta processual ao apresentar articulados mais extensos do que o necessário e ajustável, superior à “média” também não preenche objectivamente o pressuposto normativo imposto para a dispensa do pagamento dos “custos normais” do serviço de justiça. O valor das custas apurado segundo o disposto nos artºs 529º do CPC e 6º do RCP é baseado num critério de proporção típico da bilateralidade das taxas e não pode ser interpretado, como parece pretender a requerente, como se de uma medida sancionatória se tratasse. Daí que, não apresente sustentação jurídica a alegação de que o montante apurado segundo a regra legal deva ser reduzido sempre que o comportamento das partes não mereça censura. Pelo contrário, nos casos em que o comportamento processual das partes merece ser censurado a consequência jurídica não é a aplicação do valor regra das custas, mas sim o agravamento da taxa de justiça, previsto no artigo 531º do CPC. Por outro lado, o que o nº 7, do artigo 6º do RCP visa é a possibilidade de o Tribunal “se a especificidade da situação o justificar”, dispensar uma parte do valor das custas (até à totalidade do remanescente da taxa de justiça) apuradas de acordo com os critérios legais, sempre que considere que aquele valor legal é desproporcionado, não em função do quantitativo das custas devidas que resulte do respectivo cálculo segundo a regra legal, mas sim em função da menor intensidade da contraprestação – o serviço de justiça concretamente prestado –, a qual é aferida pelos já mencionados critérios da maior simplicidade da questão (face à média) ou de um contributo activo das partes para agilizar o serviço de justiça, que, aqui, pelas razões acima expostas, não estão preenchidos. E assim, sem necessidade de outros considerandos, concluímos como não manifestamente excessivo o montante das custas devidas no âmbito do presente recurso, atendendo ao correspectivo serviço de justiça. * Assim, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em indeferir o pedido de reforma quanto a custas.Custas do incidente: 3UC (artigo 7º do RCP). Lisboa, 2 de Maio de 2024. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Cláudio Ramos Monteiro. |