Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0587/15
Data do Acordão:03/16/2016
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
IVA
FACTURAS FALSAS
ÓNUS DE PROVA
Sumário:I - É de admitir o recurso por oposição de acórdãos em que se verifique uma identidade substancial (entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais) das situações fácticas em confronto, que determine divergência de soluções quanto à mesma questão de direito.
II - Para que a AT, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 19º do CIVA, obste à dedução do IVA mencionado em facturas existentes na escrita do contribuinte e relativamente às quais considera não se terem efectivamente realizado as operações nelas consubstanciadas, não tem de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende.
III - Basta à AT provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente e ocorrem os pressupostos de que depende o seu direito àquela dedução.
Nº Convencional:JSTA00069619
Nº do Documento:SAP201603160587
Data de Entrada:09/23/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A..., HERDEIROS E MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC TCAN DE 2013/12/20 - AC TCAN DE 2012/04/26 PROC964/06.0BEPRT.
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
DIR FISC - IVA.
Legislação Nacional:ETAF02 ART27 B .
LGT98 ART74.
CPPTRIB99 ART284.
CPTA02 ART152.
CIVA08 ART19 ART36 ART82.
CCIV66 ART240.
Jurisprudência Nacional:AC STAPLENO PROC0591/15 DE 2016/02/17.; AC STAPLENO PROC0616/08 DE 2009/05/06.; AC STAPLENO PROC0616/07 DE 2008/07/14.; AC STAPLENO PROC0452/07 DE 2007/09/26.; AC STAPLENO PROC0276/05 DE 2005/05/18.; AC STAPLENO PROC019532 DE 1996/06/19.; AC STJ PROC87156 DE 1995/04/26.; AC STA PROC0241/03 DE 2003/04/30.; AC STA PROC0871/02 DE 2002/10/09.; AC STA PROC0102/02 DE 2002/04/24.; AC STA PROC026635 DE 2002/04/17.; AC STA PROC026015 DE 2011/11/14.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Fazenda Pública, não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 20 de Dezembro de 2013 (de fls. 1631 a 1679 dos autos), que concedeu provimento ao recurso interposto por A………….., HERDEIROS, com os sinais dos autos, da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2001, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a referida impugnação, vem, nos termos do artigo 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para este Supremo Tribunal, por alegada oposição do decidido com o acórdão, também do TCA Norte, de 26 de Abril de 2012, proferido no recurso n.º 964/06.0BEPRT (junto a fls. 1788 a 1807 dos autos).
A recorrente apresentou, nos termos do disposto no nº 3 do art. 284º do CPPT, alegações com vista a demonstrar a alegada oposição de julgados (fls. 1709 a 1713), contra-alegando a recorrida, nos termos de fls. 1719 a 1723, no sentido de a oposição alegada ser julgada não verificada e o recurso findo.

No seguimento, foi proferido despacho pelo Exmo. Relator no TCA Norte (fls. 1815/1816), no qual se considerou que parecem verificar-se, efectivamente, os requisitos para fundamentar a oposição de julgados exigida para efeitos de prosseguimento do recurso, ordenando-se a notificação das partes para deduzirem alegações.

A recorrente termina a suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A. A Recorrente (Fazenda Pública) não se conformando com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte no processo à margem identificado, interpôs o presente recurso para o Supremo Tribunal Administrativo por o mesmo estar em oposição com o douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 26.04.2012, referente ao processo 964/06.0BEPRT.

B. O acto recorrido consubstancia-se no douto acórdão de 20.12.2013, do Tribunal Central Administrativo Norte, processo n.º 1328/06.1BEPRT, que revogou a sentença recorrida na parte que julgou improcedente a impugnação judicial no tocante às correcções da matéria tributável por desconsideração das facturas emitidas por B…………….., Lda e C…………… Lda. e que julgou procedente a impugnação judicial e mandou anular as liquidações impugnadas (liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes ao ano de 2001).

C. O Acórdão invocado para fundamento da oposição, foi proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte em 26.04.2012 no Processo n.º 964/06.0BEPRT.

D. Estão integralmente verificados os pressupostos constantes do art.º 284.º do CPPT e do art.º 152.º do CPTA, relativos à verificação da oposição entre Acórdãos:

i. identidade substancial da questão de facto,

ii. mesma questão fundamental de direito,

iii. existência de duas decisões expressas e contraditórias.

E. Tanto o acórdão Recorrido como o acórdão fundamento se debruçaram sobre o ónus que impende sobre a Autoridade Tributária e sujeito passivo, ou seja, sobre as regras do ónus da prova do art.º 74º da LGT, considerando-se que compete à Autoridade Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação e que, feita esta prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.

F. O acórdão recorrido, face aos mesmos elementos de facto relevantes e à mesma questão fundamental de direito, decidiu em sentido contrário ao acórdão fundamento, porquanto entendeu que os indícios referentes aos emitentes não são suficientemente forte, por si só, para permitir que se desconsidere o direito à dedução do IVA e que para ser legítima essa presunção seria necessário que a AT tivesse reunido elementos que relacionassem a utilizadora das facturas com o esquema simulatório.

G. Enquanto o aresto fundamento entendeu que os “factos-índice”, numa análise concatenada e ponderados à luz da experiência, são suficientes para permitir à Administração Tributária desconsiderar os custos que têm as facturas em causa como suporte documental, com o fundamento de que as operações referidas nessa factura são simuladas.”

H. E que “não é imperioso que a Administração efectue uma prova directa da simulação. Como em muitos outros casos, haverá que recorrer à prova indirecta, a “factos indiciantes, dos quais se procurará extrair, com o auxílio das regras de experiência comum, da ciência ou da técnica, uma ilação quanto aos factos indiciados. A conclusão ou prova não se obtém directamente, mas indirectamente, através de um juízo de relacionação normal entre o indício e o tema de prova” - cfr. Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág. 154; também neste sentido, entre outros, o já citado acórdão de 18/11/10, proferido no processo 00144/02.TFPRT 12.

I. Entendendo ainda que: “Nesta tarefa, poderá a Administração Tributária lançar mão de elementos obtidos com recurso à fiscalização cruzada, junto de outros contribuintes, para obter os referidos indícios, pelo que tais indicadores de falsidade das facturas não têm necessariamente que advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.”

J. Considerando as duas decisões opostas, entende a Fazenda Pública que a razão terá de estar com a primeira tese e, portanto, com o Acórdão Fundamento e, por conseguinte, o Acórdão Recorrido andou mal e violou o artigo 74º da LGT e n.º 3 do art. 19º do CIVA. Com efeito, a Fazenda Pública não pode concordar com o desenho decisório do acórdão recorrido, sendo que, apenas impende sobre a AT a prova da existência de factos que valorados à luz das regras da experiência comum, permitam ajuizar que não se esteja perante transacções reais, prova essa que poderá ser recolhida apenas na esfera dos alegados fornecedores, não tendo de fazer a prova dos requisitos da simulação tal como se encontra consagrado no direito civil (mormente no artigo 240.º do CC).

K. Entende a Fazenda Pública que o acórdão recorrido pretende sustentar uma transposição cega do regime jurídico da simulação para o plano fiscal e, mais concretamente, para o campo da facturação falsa.

L. O conceito e o regime jurídico da simulação, tal como se encontram consagrados, designadamente, no artigo 240.º do Código Civil não foram pensados para aqueles casos em que operadores económicos pretendem reduzir ou mesmo evitar o pagamento de imposto suportado em documentos que não representam transacções reais, ou através do mecanismo da dedução do IVA, furtar-se a entregar este imposto ao Estado ou a peticionar reembolsos indevidos.

M. Quanto ao ónus da prova e ao seu cumprimento pela AT, andou bem o acórdão recorrido ao considerar que recai sobre o contribuinte a prova da existência dos factos tributários que alegou como pressuposto do direito à dedução do imposto (IVA).

N. No entanto, e divergindo do entendimento propugnado no acórdão fundamento [e pela Fazenda Pública] defende o acórdão recorrido que cabe(ria) à AT reunir indicadores objectivos da existência de acordo simulatório entre os intervenientes na operação económica, indícios esses que devem ser recolhidos quer na esfera do emitente das facturas falsas, quer na utilizadora das ditas “facturas falsas”, de forma a provar a participação destes no esquema fraudulento, entendimento que, com o devido respeito, não poderá vingar.

O. Na perspectiva do acórdão recorrido a AT tinha de efectuar uma prova directa da simulação, não bastando a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis na esfera dos emitentes para concluir que as facturas em causa são falsas, logo que não poderão suportar o direito à dedução do IVA mencionado naquelas facturas.

P. Entende a Fazenda Pública que não é imperioso que a AT efectue uma prova directa da simulação, bastando-se com a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis de que não existiu qualquer transmissão (de bens) pelo fornecedor identificado nas facturas para aquele que utiliza o documento na sua contabilidade. Imperioso [e suficiente em termos de prova da simulação] é que os indícios recolhidos pela AT, a prova recolhida, na sua globalidade, inculquem a certeza, dentro do que é lógico e normal, de que não existiu operação económica associada à emissão daquelas facturas de modo a sustentar o direito à dedução de IVA.

Q. Não pode, pois, a Fazenda Pública manifestar concordância com o acórdão sob recurso quando, partindo da regra - do ónus da prova do art.º 74º da LGT - que compete à AT fazer prova de que existem indícios sérios de que a operação constante da factura não corresponde à realidade, acaba por considerar que a AT teria de invocar factos que indicassem a participação do utilizador das facturas no esquema simulatório, o que parte, como já se disse e agora se reafirma, da errada consideração de que o regime jurídico da simulação civil é integralmente transponível, sem atender a qualquer especificidade, para o campo fiscal.

R. A Fazenda Pública não questiona que é à AT que compete reunir os tais “indicadores objectivos” da existência da simulação: o que não se aceita é que a AT tenha de provar directamente, ou seja, por demonstração recolhida [também] na esfera do utilizador, a existência do acordo simulatório, não se mostrando suficientes e fortes os indícios respeitantes aos emitentes das facturas.

S. Competiria à AT reunir indicadores objectivos do acordo simulatório entre os emitentes das facturas (D……………., E…………. e C………….. Lda.), e o seu utilizador (A…………., Herdeiros), o que, como resulta do Relatório Inspectivo (ponto 3. dos factos provados pela sentença de 1ª instância), foi por aquela realizado.

T. Indicadores esses (da operação simulada) que não têm necessariamente de advir de elementos do próprio contribuinte fiscalizado.

U. Assim sendo, e contrariamente ao decidido no acórdão recorrido, face ao quadro indiciário que suporta a conclusão da AT no sentido de que as facturas em causa não se reportam a transmissão de bens (cumprido que está, nos termos já expostos, o ónus da prova que neste ponto lhe competia) impunha-se à Impugnante ora Recorrida, fazer a prova de que adquiriu os bens em causa e que os mesmos lhe foram transmitidos pelos emitentes das facturas. O que aquela não fez.

Termos em que deve ser declarada a existência de oposição de acórdãos e a procedência do recurso e que, consagrando-se o entendimento perfilhado no acórdão fundamento, deverá, consequentemente, ser revogado o acórdão recorrido, fazendo-se inteira e acostumada JUSTIÇA


2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:
A. O Tribunal recorrido faz uma interpretação errada das possibilidades de aplicação do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA: a AT está obrigada a recolher indícios sérios de que entre o contribuinte inspeccionado e os seus fornecedores de serviços ou bens houve um conluio simulatório.

B. Para que o n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA se possa considerar correctamente aplicado, a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.

C. É que, conforme bem decidiu o Tribunal recorrido, ainda que todos aqueles supostos “indícios” resultassem provados, daí não poderia concluir-se pela inexistência de meios para celebrar com a Recorrida os negócios titulados nas facturas: nenhum desses indícios impede um operador de, obtendo as necessárias quantidades de mercadorias, munindo-se de um livro de facturas e abrindo uma conta bancária em nome do titular da factura, se deslocar às instalações de um outro revendedor, oferecer as mercadorias, acordar um preço e descontar o cheque usado como meio de pagamento. Ou seja, não pode concluir-se, apenas por que se confirmam aqueles factos, que os fornecedores não estavam em condições de transaccionar as mercadorias.

D. Não é aceitável a aplicação indiscriminada de um princípio segundo o qual, sempre que a AT aponte (a posteriori) indícios suficientemente fortes para suspeitar da idoneidade de emitentes de facturas, devam automaticamente estas ser consideradas falsas e os seus destinatários prejudicados no seu direito de dedução em sede IRC ou IVA.

E. Os indícios relativos a emitentes apenas podem fundamentar uma correcção se deles resultar a participação do destinatário no conluio fraudulento: é que podem existir indícios de falta de idoneidade do emitente mas que não configuram simultaneamente indícios de inexistência das operações declaradas.

F. Ou seja, os indícios mobilizados têm de apontar com suficiente probabilidade, não que a empresa tem problemas fiscais ou uma estrutura empresarial desadequada, mas que as operações concretamente declaradas não existiram.

G. Os indícios até podem dizer respeito aos emitentes, mas têm de tal sorte que dele possa ser extraída a falsidade de determinadas operações.

H. Se, por exemplo, existir uma factura que titula a prestação de um serviço para o qual é indispensável uma certa máquina mas é demonstrado que o emitente não tinha a propriedade nem teve acesso de qualquer modo à máquina necessária, é provável que a factura seja falsa. Estamos, aqui, perante um indício sobre o emitente mas que afecta directamente a veracidade da concreta operação facturada.

I. Já, pelo contrário, se os indícios relativos aos emitentes colocarem, de forma mais genérica, apenas a questão da sua idoneidade empresarial e do cumprimento das obrigações fiscais, não se pode dizer que tais indícios afectem imediatamente as operações concretas - quando para mais esteja em causa uma situação em que a utilizadora das facturas não tenha que conhecer essas condições.

J. Ora, na situação dos autos, a AT não conseguiu estabelecer um nexo suficientemente perceptível entre as características (alegadamente inidóneas) dos fornecedores da Recorrida e a inexistência das operações.

K. Por outro lado, a A………. conseguiu ela própria demonstrar o contrário, ou seja, que aquelas características, resultantes dos indícios mobilizados, não podiam levar necessariamente à conclusão da falsidade das facturas, uma vez que, expostos o modo de funcionamento do sector das sucatas, os seus costumes, a estrutura empresarial de que um operador deve tipicamente dispor (tudo desenvolvido em sede de prova testemunhal), não se pode se não concluir que não era anormal - e era até comum - que um comerciante de sucatas, do tipo dos que fornecem as empresas do nível da Recorrida (empresas agregadoras fornecedoras das grandes fundições) pudesse efectivamente actuar no sector com a estrutura que a AT identificou e descreveu.

L. Comprovou-se nos autos, de facto, que um operador não necessita de uma grande estrutura física e humana para ter uma actividade relevante no comércio de sucatas, bastando muitas vezes até que disponha de um camião (e nem sequer a título de propriedade) e conheça onde pode adquirir e carregar a mercadoria que depois vende (sem ser inclusivamente necessário que possua qualquer estrutura de armazenamento, porque a mercadoria pode ser adquirida e carregada e transportada imediatamente para o posterior adquirente).

M. De resto, dos autos resultou a documentação cabal das transacções, por parte da Recorrida, o que é uma prova da realidade das operações tituladas que não pode ser refutada apenas com base em factos relativos aos fornecedores que, por si só, não afectam propriamente as operações concretamente questionadas.

N. Não tendo a AT feito o que lhe caberia por lei - a prova dos factos de que resulte a demonstração clara e inequívoca da existência de um conluio entre a F………. e alguns dos seus fornecedores, no sentido da simulação, mediante facturas “de favor”, de operações tributáveis -, bem andou o Tribunal recorrido ao decidir que aquela não cumpriu o seu especial dever de fundamentação dos actos tributários impugnados.

O. A AT violou o ónus de prova que sobre si recaía, ao abrigo do n.º 1 do artigo 74º da LGT, tendo assim realizado uma aplicação ilegal do n.º 3 do artigo 19º do Código do IVA.

Termos em que se requer a V. Exas. que julguem o presente Recurso como improcedente, com todas as devidas consequências legais.


3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Recurso por oposição de acórdãos interposto pela Fazenda Pública, em processo de impugnação, sendo recorrida A……………, Herdeiros:

Afigura-se haver, antes de mais, questão preliminar relativa à admissibilidade do recurso para a qual é competente o Pleno da S.C.T. do S.T.A., nos termos previstos no art. 27.º n.º 1 alínea b) do E.T.A.F. de 2002, entendido o recurso de oposição de acórdãos ainda como uma forma do recurso de uniformização de jurisprudência nesta última norma expressamente previsto.

Tal admissibilidade depende da existência de contradição como pronúncia expressa quanto a idêntica questão fundamental de direito, no quadro de idêntica regulamentação jurídica aplicável e de serem idênticas as situações de facto, tendo ainda a decisão proferida de não estar de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada - arts. 284.º do C.P.P.T., 27.º, n.º1, al. b) do E.T.A.F. vigente, e art. 152.º, n.ºs 1, al. a) e 3 do C.P.T.A. - assim, entre outros acórdãos de 26-9-07 proferido pelo S.T.A. no processo 0452/07, e de 12-12-12 no processo 0483/12, acessíveis em www.dgsi.pt.

A recorrente interpôs o recurso do acórdão proferido pelo T.C.A. Norte (fls. 1631 a 1679), justificando a oposição (fls. 1709 a 1713), quanto à questão de direito do ónus probatório que incumbe à A. T.

A recorrida apresentou quanto a tal contra-alegações (fls. 1835 a 1859), em que defende terem sido feitas diferentes interpretações quanto ao conteúdo do art. 74.º da L.G.T., mas, não aceitando a justificação apresentada, defende, resumidamente, que a questão suscitada é ainda de facto e ser diferente o decidido, por não ter sido feita prova, pela impugnante, quanto à existência e veracidade das transações/faturas, ao contrário do que ocorreu no caso do acórdão fundamento.

Mostra-se ainda junta cópia do acórdão fundamento (fls. 1788 a 1808).

No caso do acórdão fundamento foi decidido no sentido da legalidade da tributação com base no entendimento que a utilização de faturas falsas corresponde a operações simuladas, resultando assim cumprido pela A.T. o ónus de prova que lhe competia.

E no acórdão recorrido decidiu-se pela ilegalidade da tributação, com base no entendimento de que no caso de faturas falsas incumbiria à A.T. demonstrar o conhecimento, por parte da impugnante, de que as ditas faturas eram de emitentes sem estrutura para tal, o que foi entendido na esteira de jurisprudência do Tribunal de Justiça que cita.

Em ambos os acórdãos foi proferida pronúncia com base numa materialidade que é semelhante.

Certo é que o decidido não está de acordo com a jurisprudência consolidada sobre a repartição do ónus da prova no caso de utilização de faturas falsas, sendo de ainda de considerar as respetivas operações como simuladas – assim, nomeadamente, no acórdão do STA de 12-10-11, no proc. 524/11, no qual se decidiu serem de efetuar correções técnicas ou meramente aritméticas, “no caso de haver razão para a inadmissibilidade de dedução de IVA resultante de operações simuladas (artigo 19.º n.º 3 do CIVA).

Concluindo:

Parecem estarem reunidos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso interposto, questão preliminar que cumpre apreciar.

É ao Pleno da S.C.T. do S.T.A. que compete proferir decisão sobre tal, nos termos previstos no art. 27.º n.º 1 alínea b) do E.T.A.F. de 2002.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação –
4 – Questões a decidir
Importa averiguar previamente se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito.


5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:
1) A……………, Herdeiros, tem a sua sede social na Rua ………….., n.º ………..,, Porto, tendo como exercício de atividade o “Comércio por grosso de sucatas e de desperdícios metálicos”, CAE 051571, e estando abrangida, no período a que se reportam as liquidações, no regime normal do IVA, de periodicidade mensal (cfr. fls. 87 a 90 do Relatório de Inspecção Tributária junto ao PA).

2) Pela ordem de Serviço n.º OI200502534, foi determinada a realização de procedimento de inspeção à impugnante, com incidência em IRS e IVA para o ano de 2001, a qual decorreu entre 01 de junho e 03 de novembro de 2005. (fls. 87/88 e 90 do FA).

3) Foi elaborado projeto de Relatório de Inspeção Tributária relativo ao ano de 2001, o qual foi notificado à impugnante para efeitos de exercício do direito de audição prévia em 07/11/2005 (fls. 158 do PA).

4) Em 18/11/2005, a impugnante exerceu no âmbito do procedimento inspetivo o direito de audição (fls. 158 do PA).

5) Em 23/11/2005, foi elaborado o Relatório, junto de fls. 87 a 176 do PA, que aqui se dá por reproduzido e se transcreve parcialmente:

(reproduzido a fls. 1690 a 1698 dos autos).

6) Em 07/12/2005, por ofício n.º 66678/0506, foi a impugnante notificada por carta registada com aviso de receção do Relatório de Inspeção Tributária referido em 5.

7) Das correções resultantes do procedimento inspetivo, foram emitidas as seguintes liquidações adicionais de IVA, relativas a cada um dos períodos dos anos de 2001, bem como as respetivas liquidações de juros compensatórios (JC) (cfr. doc. 1 junto com a petição inicial – fls. 78 a 99 dos autos -, a saber:

Nº LiquidaçãoPeríodo Data da liquidaçãoData Limite de pagamentoValor
05357104
0101 (IVA)
16.12.200528.02.200667.388,94
05357105
0101(JC)
16.12.200528.02.200617.009,71
05357106
0102 (IVA)
16.12.200528.02.2006136.066,65
05357107
0102 (JC)
16.12.200528.02.200633.587,96
05357108
0103 (IVA)
16.12.200528.02.2006112.531,64
05357109
0103(JC)
16.12.200528.02.200627.130,92
05357110
0104 (IVA)
16.12.200528.02.2006127.810,88
05357111
0104 (JC)
16.12.200528.02.200630.030,30
05371112
0105 (IVA)
16.12.200528.02.2006140.489,13
0537113
0105 (JC)
16.12.200528.02.200632.227,82
0537114
0106 (IVA)
16.12.200528.02.2006162.626,23
0537115
0107 (JC)
16.12.200528.02.200636.339,17
0537116
0107 (IVA)
16.12.200528.02.200653.478,61
0537117
0107 (JC)
16.12.200528.02.200611.631,96
0537118
0109 (IVA)
16.12.200528.02.200665.973,58
0537119
0109 (JC)
16.12.200528.02.200613.552,60
0537120
0110 (IVA)
16.12.200528.02.200659.327,08
0537121
0110 (JC)
16.12.200528.02.200611.868,67
0537122
0111 (IVA)
16.12.200528.02.200638.970,84
0537123
0111 (JC)
16.12.200528.02.20067.564,61
0537124
0112 (IVA)
16.12.200528.02.200672.925,45
0537125
0112 (JC)
16.12.200528.02.200613.707,99

8) A administração fiscal não aceitou as deduções efetuadas pelo sujeito passivo, em faturas do ano de 2001, no valor de €3.622.162,64 e €3.518.890,44, cuja discriminação individual consta de fls. 160/161 e 171/172 do anexo 1 e 4, do Relatório de Inspeção;

9) A administração fiscal não aceitou as deduções efetuadas pelo sujeito passivo, em faturas do ano de 2001, relativamente aos seguintes fornecedores:

1. B……………., Lda, NIPC n.º ……………,, conforme listagem constante de fls. 160/161 do anexo 1, do Relatório de Inspeção;

2. C………………, Lda., NIPC n.º ……………., conforme listagem constante de fls. 171/172 do anexo 4, do Relatório de Inspeção.

10) Em 28/12/2001, por escritura pública lavrada no Quarto Cartório Notarial do Porto, foi constituída a sociedade anónima sob a firma “A……………. – Importação e Exportação de Metais, S.A.”, que integrou o património da impugnante. (cfr. Doc. 2 fls. 100 a 114 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido)

11) A impugnante solicitava informação à AF relativa a alguns dos seus fornecedores (cfr. depoimento da testemunha ………………..)

3.1. FACTOS NÃO PROVADOS

Que as mercadorias, nos anos de 2001, foram efectivamente adquiridas à B…………….., Lda e C………………,, Lda.

As facturas contabilizadas e emitidas por B………………, Lda e C………………., Lda. consubstanciam aquisições de mercadorias efectivamente pagas às empresas emissoras das mesmas

6 – Apreciando.
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Importa, em primeiro lugar, verificar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do presente recurso por oposição de julgados.
O presente processo iniciou-se em 2006, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.

Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:

- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).

A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).

Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).

Vejamos.

Perante alegações e contra-alegações de recurso substancialmente idênticas às dos presentes autos - salvo quanto à identificação da recorrida/impugnante e aos valores impugnados -, e igualmente perante uma materialidade fáctica semelhante e sendo invocado como acórdão fundamento o mesmo aresto, concluiu recentemente este Supremo Tribunal – cfr. o Acórdão do Pleno da Secção do passado dia 17 de Fevereiro, proferido no recurso n.º 591/15 - pela divergência quanto ao sentido das decisões em confronto (sendo que está em causa a aplicação das mesmas normas legais e em ambas as decisões a questão de direito subjacente respeita ao funcionamento das regras do ónus da prova - art. 74° da LGT – nomeadamente no que se refere à extensão, abrangência ou amplitude desse ónus, por parte da AT, nas situações em que se questiona a realidade da operação mencionada em factura), pois que em termos de identidade de situações, é de concluir, por um lado, (i) que a questão de facto se apresenta como substancialmente idêntica (identidade entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais), já que em ambos os arestos concorre a identidade dos respectivos pressupostos de facto, na medida em que nenhuma das partes contesta que a materialidade fáctica é (em qualquer dos acórdãos) essencialmente composta por "factos índice" que a AT reuniu e enuncia e que a levaram a concluir que as operações económicas referidas nas respectivas facturas são simuladas e que, consequentemente, deveria ser rejeitada a dedução do imposto nelas mencionado [o núcleo da situação de facto é, pois, essencialmente, o mesmo, do ponto de vista do seu significado jurídico, traduzido na comprovada existência dos apontados "factos índice" recolhidos na esfera do emitente das facturas (factualidade essa que foi vertida no Probatório de ambos os acórdãos)] e, por outro lado, (ii) que também se verifica divergência na solução da questão jurídica da extensão, abrangência ou amplitude do ónus de prova, por parte da AT, para desconsiderar a dedução do imposto (ou efectuar a correcção): se lhe basta comprovar a existência dos apontados “factos índice”, ou se necessita de fazer a prova do acordo simulatório entre o emitente e o receptor das facturas (enquanto segundo a solução jurídica adoptada no acórdão recorrido a AT tem de fazer a prova do acordo simulatório para satisfazer o ónus de prova que lhe compete para desconsiderar a dedução do imposto – IVA - mencionado na factura, não bastando a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis na esfera dos emitentes das facturas para concluir pela respectiva falsidade, já na solução jurídica adoptada no acórdão fundamento não é imperioso que a AT efectue uma prova directa da simulação, bastando-lhe a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis de que não ocorreu a operação económica titulada na factura.

O mesmo julgamento se justifica no caso dos autos, daí que também aqui se conclui pela verificação da invocada oposição de acórdãos, susceptível de fundamentar o presente recurso.

É que, embora o acórdão recorrido tenha expressamente consignado que A Administração tributária não tem de provar o acordo simulatório, afirmou que tem de apontar e provar indícios seguros da falsidade das facturas que envolvam as duas partes no negócio, sendo que deles se retirará naturalmente o animus nocendi, porquanto seria violador do princípio da justiça negar o direito à dedução do imposto previsto na lei a um contribuinte sem que a administração tributária tivesse de recolher os indícios da sua participação na operação simulatória (cfr. acórdão recorrido, a fls. 1672 dos autos), daí que tendo a administração reunido indícios apenas relativamente aos emitentes das facturas, nada dizendo sobre a impugnante ora recorrente que a possa envolver num esquema simulatório conclui que a administração fiscal não logrou demonstrar a existência de indícios suficientes da falsidade das facturas, ónus que sobre si recaía, pelo que as liquidações impugnadas, ao contrário do decidido pelo Tribunal recorrido, violam o disposto no artigo 19.º, n.º 1 e 3 do Código do IVA – cfr. acórdão recorrido, a fls. 1678/1679 dos autos.

Também aqui, embora com intensidade menor do que no acórdão sindicado pelo Pleno em 17 de Fevereiro último, se verifica entre os arestos em confronto divergência na solução da questão jurídica da extensão, abrangência ou amplitude do ónus de prova, por parte da AT, para desconsiderar a dedução do imposto (ou efectuar a correcção), pois que o acórdão recorrido não se basta, contrariamente ao acórdão fundamento, com a recolha de indícios sérios, seguros e credíveis na esfera dos emitentes das facturas para concluir pela respectiva falsidade. Isso mesmo, aliás, é salientado no voto de vencido aposto no acórdão recorrido.

Haverá, pois, que conhecer do mérito do recurso.

6.2 Do mérito do recurso

O acórdão recorrido considerou que, no caso dos autos os únicos factos índice da falsidade das facturas invocados na sentença recorrida prendem-se com os emitentes das facturas e que ainda que tais factos – todos relativos aos emitentes das facturas – possam ser verdadeiros, nada impede que as transacções tituladas nas facturas tenham acontecido (…), considerando que os indícios recolhidos não são susceptíveis de só por si permitir relacionar a impugnante ora recorrente no esquema simulatório, tendo a AT de apontar e provar indícios seguros da falsidade das facturas que envolvam as duas partes no negócio, sendo que, no caso em recurso a administração tributária apenas reuniu indícios relativamente aos emitentes das facturas, nada dizendo sobre a impugnante ora recorrente que a possa envolver num esquema simulatório, razão pela qual não estava legitimada a coartar-lhe o direito à dedução do imposto constante de tais facturas – cfr. acórdão recorrido, a fls. 1667 a 1679 dos autos.

Tal posição não é de sufragar, como decidido no Acórdão do Pleno desta Secção do STA do passado dia 17 de Fevereiro, recurso n.º 591/15, onde se consignou:

«(…)

Com efeito, como a jurisprudência do STA tem unanimemente afirmado, apesar de, atendendo ao princípio da legalidade administrativa, impender sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente (não aceitando a respectiva dedução) o montante do IVA incluído em facturas correspondentes a transacções que considere não se terem realizado, basta para legitimar essa actuação da AT (ao abrigo do nº 3 do art. 19º do CIVA) a existência de indícios sérios de que as operações tituladas por tais facturas não são verdadeiras, cabendo depois ao contribuinte demonstrar que o são.

E reiterando-se tal entendimento, é de concluir que cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade.

O que corresponde ao ensinamento de Vieira de Andrade in Justiça Administrativa, 2ª edição, pág, 269: "há-de caber, em princípio à Administração, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos"» (ac. do STA, de 30/4/2003, no proc. nº 0241/03). (No qual se referenciam, igualmente, os ac.s de 24/4/02, rec. 102/02, de 17/4/02, rec. 26.635, de 9/10/02, rec. 871/02 e de 14/11/01, rec. 26.015.)

Na verdade, embora a regularidade formal da escrita constitua presunção da sua veracidade - estendida aos seus elementos de apoio (art. 75º da LGT) -, tal presunção cessa no caso da existência de indícios sérios de que as operações escrituradas se não realizaram. Daí que, como se disse, provando a AT a existência de indícios sérios e credíveis de que tais operações não são verdadeiras, cabe ao contribuinte o ónus da prova da veracidade das mesmas.

Sobre esta matéria escreveu-se no Acórdão do STA, de 24/4/2002, Rec. 0102/02:

«Ora, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os arts. 349° e 350° do CCivil), a recorrente, tendo a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados decorrentes.

A não ser que se verifiquem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva.

Quer dizer, a presunção cessa quando, estando, embora, a escrita ou contabilidade organizada de acordo com a lei, enferme de erros ou inexactidões, ou haja “indícios fundados” de que, apesar da sua correcta organização, não reflecte a matéria tributável efectiva.

Cabe nesta previsão, claramente, o caso de a contabilidade, impecavelmente organizada, se avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico, no entanto omitir operações efectuadas; e cabe o caso inverso - o de incluir operações não efectuadas. Este último é aquele que correntemente se vem chamando de “facturas falsas”, isto é, a contabilidade considera (e trata de forma contabilisticamente correcta) documentos emitidos na forma legal, mas que não correspondem a qualquer realidade, porque as operações que era suposto reflectirem, na verdade, não tiveram lugar.

E, aqui, a lei não exige senão “indícios fundados”, ou seja, não impõe à Administração a “prova provada” de que por detrás dos documentos não está a realidade que normalmente reflectem e comprovam, basta-se com indícios fundados para fazer cessar a presunção a favor do contribuinte. E a este, desprovido do escudo protector da presunção, não resta senão demonstrar a veracidade dos seus elementos contabilísticos, e respectivos suportes, destarte posta em crise, face àqueles “fundados indícios”.

De todo o modo, quando seja a Administração Fiscal a praticar um acto, designadamente, um acto tributário de liquidação, fundado na existência de determinado facto tributário, por hipótese não revelado pela escrita do contribuinte, não deixa de ser ela a ter que provar tal existência, pressuposto da sua actuação. É isto corolário do princípio da legalidade administrativa, de acordo com o qual a Administração só pode agir se isso lhe permitir a lei, e não pode fazê-lo contra ela. Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.

Porém, no caso vertente, a Administração Fiscal não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário, nomeadamente, liquidando o correspondente imposto. Antes, obstou ao exercício, por parte da recorrente, do seu direito à dedução do IVA constante das facturas em causa, baseada no entendimento de que, face aos indícios recolhidos, não se teriam, realmente, realizado as operações comerciais que tais facturas, supostamente, titulavam.

Como assim, o caso, aqui, é diverso, também para os efeitos de saber a quem cabe provar a ocorrência dos factos em que assenta o direito à dedução: é a recorrente quem se arroga um direito que pretende exercer - o direito à dedução do IVA -, que não é reconhecido pela Administração Fiscal.

Destarte, não é a Administração que afirma um facto positivo com consequências tributárias - é o contribuinte que invoca o seu direito à dedução do IVA pago a montante. Por isso, é ele quem deve provar a verificação dos pressupostos em que assenta tal direito.

Conforme se diz no recente - 17 de Abril de 2002 - acórdão deste mesmo Tribunal, proferido no recurso n° 26635, “da conjugação das normas dos art.s 82° n° 1 e 19° do CIVA resulta, assim, que não caberá à administração o ónus de prova da inexistência dos factos tributários cujo imposto considerou fundamentadamente deduzido ilegalmente por parte do contribuinte, mas que caberá ao próprio contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários em que fundou a dedução que declarou. Digamos (...) que (...) à administração cabe o ónus de prova da verificação dos requisitos estabelecidos no art. 82° n° 1 do CIVA para que possa liquidar adicionalmente o IVA respeitante a deduções indevidas, mas já não a existência dos factos contra ela afirmados pelo contribuinte, traduzidos na existência dos factos tributários e sua expressão quantitativa. Os requisitos legalmente estabelecidos para que seja permitida a dedução do imposto pago a montante não constituem, nesta óptica, também requisitos que estejam legalmente previstos enquanto requisitos de legitimação da actuação da administração. Relativamente a esta matéria, a lei basta-se com um juízo administrativo de adequação entre os factos e valorações em que a administração diz, formalmente, suportar a sua decisão e o resultado desse juízo no sentido de se lhe afigurar ter sido declarado uma dedução superior à devida, e com a prova perante o tribunal da pertinência desse juízo ou seja, com a prova, perante o tribunal, da existência dos elementos que tornam possível ter como adequada a consideração por si feita de que o contribuinte declarou uma dedução superior à permitida pela lei”.

Neste aresto faz-se, aliás, uma exaustiva análise da questão do ónus probatório na matéria, concluindo-se, lapidarmente, no seu sumário, que “quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação, constantes do art. 82° n° 1 do CIVA e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do art. 19° do CIVA”.».

Também a nosso ver é esta a interpretação legal que resulta do disposto nos apontados normativos (nº 3 do art. 19º e no nº 1 do art. 82º, do CIVA, art. 74º da LGT e 240º do CCivil), bem como no art. 36º (renumeração actual) do CIVA, sendo que igualmente não se vislumbram razões que levem a conclusão diversa, sendo que a própria argumentação da recorrida (nas respectivas contra-alegações) acaba, no essencial, por apelar a uma interpretação do nº 3 do art. 19º do CIVA no sentido de que a AT deveria ter identificado, nas relações da Recorrida com os seus fornecedores, quer o intuito e o acordo simulatórios, quer o “animus nocendi” em desfavor do Estado.

E volvendo, então, à concreta situação dos autos, há, portanto, que concluir que a AT, para proceder a correcções decorrentes da não aceitação da dedução do IVA mencionado nas facturas relativamente às quais considerou que as transacções nelas mencionadas não correspondem à realidade, não tinha de fazer prova da existência de acordo simulatório (existência de divergência entre a declaração e a vontade negocial das partes por força de acordo entre o declarante e o declaratário, no intuito de enganar terceiros – cfr. art. 240º do CCivil) para satisfazer o ónus de prova que sobre si impende. Antes lhe bastando provar a factualidade que a levou a não aceitar a respectiva dedução de imposto, factualidade essa que tem de ser susceptível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respectivos documentos de suporte, só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova do direito de que se arroga (o de exercer o direito à dedução do IVA) e que não é reconhecido pela AT, ou seja, o ónus de prova de que as operações se realizaram efectivamente.» (FIM DE CITAÇÃO)

Também no caso dos presentes autos o acórdão recorrido do TCA Norte que assim não decidiu não pode manter-se, impondo-se a sua revogação.

Todavia, uma vez que, fixado o regime jurídico do ónus de prova aplicável, a determinação concreta desse regime implicará ponderação da factualidade já assente nos autos, deverão os autos baixar ao mesmo TCAN para prolação de novo acórdão que, em conformidade com o apontado regime jurídico, aprecie o recurso interposto da sentença proferida em 1ª instância.

O recurso merece provimento.


- Decisão -

7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
- julgar verificada a invocada oposição de acórdãos;
- dar provimento ao recurso e revogar o acórdão recorrido;

- ordenar a baixa dos autos ao TCA Norte para prolação de novo acórdão que, em conformidade com o supra apontado regime jurídico atinente ao ónus de prova, e face à factualidade assente nos autos, aprecie o recurso interposto da sentença proferida em 1ª instância.


Custas pela recorrida, que contra-alegou.

Lisboa, 16 de Março de 2016. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – José da Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Pedro Manuel Dias Delgado - Ana Paula Fonseca Lobo, vencida conforme voto que se segue – Jorge Miguel Barroso de Aragão SeiaJosé Maria da Fonseca Carvalho - Dulce Manuel da Conceição NetoJoaquim Casimiro Gonçalves.


Voto de Vencida

Voto vencida pelas seguintes razões que passo a indicar:
Ambos os acórdãos em confronto, recorrido e fundamento se pronunciaram sobre a suficiência dos indícios apresentados pela Administração Tributária para serem consideradas falsas as facturas utilizadas para dedução, numa situação em que estava em causa a legalidade da dedução do IVA mencionado em facturas.
Ambos os acórdãos em confronto, recorrido e fundamento lançaram mão da mesma regra de direito quanto à repartição do ónus da prova aplicável a esta situação: art.º 74º da LGT, ambos considerando que compete à Autoridade Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua actuação e que, feita esta prova, compete ao sujeito passivo o ónus da prova da veracidade da transacção.
Face à concreta prova apresentada num e noutro processo, só documental no acórdão fundamento e documental e testemunhal no acórdão recorrido, vieram a ser consideradas falsas as facturas em causa no acórdão fundamento e sem prova de falsidade no acórdão recorrido, tudo se reconduzindo a análise da concreta matéria de facto disponível num e noutro processo com as ilações que cada Tribunal, no uso do seu poder de livre apreciação da prova, insindícável pelo Supremo Tribunal Administrativo, retirou das provas que analisou e valorou.
Assim, não creio que possa falar-se de uma questão jurídica de «extensão, abrangência
ou amplitude do ónus de prova» mas da apreciação da matéria de facto, pelo que consideraria inadmissível o presente recurso por oposição de acórdãos, nos termos dos arts. 2º nº 1, e 4º, nº 2, da Lei nº 13/2002, de 19/2, na redacção da Lei nº 107-D/2003, de 31/12, e artigos 27º al. h) do ETAF e 152º do CPTA, por não existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, mas tão só sobre a valoração da matéria de facto.

Lisboa, 16.03.2016
Ana Paula Lobo.