Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:071/13.0BEPDL
Data do Acordão:04/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25741
Nº do Documento:SA220200420071/13
Data de Entrada:10/25/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.....................
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada de 15 de Junho de 2018 que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A……., com os sinais dos autos, contra liquidação adicional de IRS do ano de 2008, anulando a liquidação sindicada.
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao desaplicar a legislação que enquadra os factos apurados e assentes;
B) Ao defender que «procedeu corretamente o impugnante quando apresentou a primeira declaração de rendimentos, em 13 de maio de 2009», dá abrigo a uma interpretação que desconsidera os requisitos de efetivação do regime de exclusão da tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS;
C) Estabelece este preceito no referido n.º 5 que «São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar (realce e sublinhado nossos);
D) É condição essencial para que este regime seja utilizado, que os ganhos resultem da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar;
E) Ficou assente na matéria de facto que o imóvel se tratava de um rés-do-chão composto por uma loja com instalações sanitárias, destinada a comércio, profissões liberais ou ainda, posteriormente, adaptação a moradia, bem como no Relatório da Inspeção Tributária se esclareceu que «por não se tratar de imóvel afeto à habitação permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, em 05-07-2012 foi efetuada liquidação adicional de IRS, desconsiderando o valor de reinvestimento e apurando-se o respetivo cálculo para efeito de mais-valias», bem como apurou que era explorado pela sociedade «B….., Lda.», não tendo nenhum dos membros constituintes do agregado familiar residência fiscal na referida loja, nem lá detinha habitação própria e permanente;
F) O impugnante, no âmbito dos presentes autos, nem abordou a temática de o imóvel alienado não ser habitação própria e permanente, limitando-se a questões de forma;
G) Nestes termos, no preenchimento do anexo G da declaração Modelo 3 do IRS não podia o sujeito passivo indicar que iria reinvestir o valor que declarou ir reinvestir, porque esse campo está dedicado à alienação de habitações próprias e permanentes;
H) O Tribunal a quo errou, pois está a aprovar um tratamento fiscal diferenciado de um imóvel que não é de habitação própria e permanente, incluindo-o na exclusão de tributação de mais-valias prevista no artigo 10.º do CIRS;
I) O sujeito passivo também não conseguiu comprovar o reinvestimento declarado, pelo que igualmente por este lado não andou bem o Tribunal a quo ao aceitar como boa a «primeira declaração de rendimentos, em 13 de maio de 2009»;
J) O Meritíssimo Tribunal a quo não atendeu ao estabelecido no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS relativamente aos requisitos de aplicação da exclusão da tributação das mais-valias gerando, com esta decisão, uma violação do princípio da igualdade tributária, além de estar a privar o erário público de quantias que lhe são devidas.
K) Existindo erro de julgamento, deverá improceder a impugnação.

Nestes termos, e nos mais de Direito que V. Exas., COLENDOS CONSELHEIROS, doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente por provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo substituída por outra que determine a improcedência da impugnação, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!


2 - Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Recorrente: Fazenda Pública
Objecto do recurso: sentença anulatória de liquidação adicional de IRS (ano 2008) no montante de € 47 129,79
FUNDAMENTAÇÃO
1.O recurso constitui um meio de impugnação das decisões judiciais, no qual o recorrente deve apresentar a sua alegação onde conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão (Arts.627º e 639º nº1 CPC vigente)
Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar,
a) as normas jurídicas violadas;
b) o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) invocando -se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada
(art.639º nº2 CPC/art.2º al.b) CPPT)
2.No caso concreto a sentença invocou como fundamento da decisão de anulação do acto de liquidação erro no valor de aquisição do imóvel cuja alienação gerou as mais - valias tributadas, considerando como valor correcto € 133,54 (aquele que deveria ter sido considerado para efeitos de liquidação de Imposto do Selo); e não o valor de € 530,00 (declarado pelos sujeitos passivos no anexo G da declaração modelo 3 de IRS; factos provados nºs 5/6)
Este fundamento não é criticado explicitamente ou implicitamente pela recorrente, a qual não questiona a interpretação e aplicação das normas que constituem o suporte jurídico da decisão anulatória da liquidação (arts 10º nºs1 al.a) e 4 al) a),45º nº 1 als.a) e b) CIRS).
A recorrente limita-se a invocar a falta de afectação do imóvel alienado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, e a falta de reinvestimento do valor de realização em imóvel com o mesmo destino, ignorando que a inverificação desses pressupostos de exclusão da tributação das mais-valias nunca esteve em causa na apreciação do tribunal, nem foi determinante da decisão impugnada (art.10º nº5 als.a) e b) CIRS)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
- Fundamentação -

4 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao julgar procedente a impugnação da liquidação adicional de IRS impugnada.

5 – Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado:
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Desde 4 de maio de 1998, A…….. dedica-se à atividade de construção de edifícios, a que corresponde o CAE 041200, estando coletado em sede de imposto sobre o rendimento na categoria B, regime normal (cfr. fls. 2 do processo administrativo).
2) De acordo com a caderneta predial, a fração “A” do prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o n.º 257, da freguesia da …., ……. , sita à Rua de ….. n.º ……., encontra-se descrita como “rés-do-chão composto por uma loja com instalações sanitárias, destinada a comércio, profissões liberais ou ainda posteriormente adaptação a moradia” (cfr. fls. 37 do suporte físico do processo).
3) Em 24 de março de 2001, A………. adquiriu a fração referenciada em 2), na sequência de partilha efetuada por óbito de seu pai C………., tendo sido atribuído ao mesmo o valor patrimonial de € 133,54 (cfr. teor de fls. 90 do suporte físico do processo e teor da informação de fls. 41 do processo administrativo).
4) Em 31 de outubro de 2008 foi efetuada a escritura de compra e venda da fração indicada em 2), pela qual o Município de …….. adquiriu a mesma a A………., a troco de € 300.000,00 (cfr. teor de fls. 91 do suporte físico do processo e fls. 29 e teor da informação de fls. 41 do processo administrativo).
5) Em 13 de maio de 2009, A………… e D………. apresentaram conjuntamente a declaração modelo 3 de IRS, relativa a 2008, na qual indicaram o estado de “casados” (cfr. fls. 4 do processo administrativo).
6) Com a declaração indicada em 5), foi apresentado um anexo G, na qual se indica a alienação da fração indicada em 2), pelo valor do € 300.000,00, declarando-se ainda como valor de aquisição € 530,00, e a pretensão de reinvestimento do valor de € 300.000,00 (cfr. fls. 4 e 8 do processo administrativo).
7) Em consequência da declaração especificada em 6), foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2009.5003084237, da qual resultou um reembolso no valor de € 3.963,38 (cfr. fls. 3 do processo administrativo).
8) Em 5 de julho de 2012 foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2012.5004799456, da qual resultou um valor a pagar no montante de € 46.935,74, com fundamento no facto de o valor de € 300.000,00 não ter sido reinvestido dentro do prazo de três anos, conforme declarado em 6) (cfr. fls. 12 e informação de fls. 40 do processo administrativo).
9) Em 13 de maio de 2009, A……….. e D………… apresentaram conjuntamente uma declaração modelo 3 de IRS, de substituição, relativa a 2008, em cujo anexo G foi indicado a alienação da fração indicada em 2), pelo valor do € 300.000,00, declarando-se como valor de aquisição € 530,00, e despesas e encargos no valor de € 327.558,00 (cfr. fls. 13 e 18 do processo administrativo).
10) Em consequência da declaração especificada em 9), foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2012.5004934860, da qual resultou um reembolso no valor de € 4.107,07 (cfr. fls. 22 do processo administrativo).
11) A………… foi alvo de uma inspeção tributária de âmbito geral desenvolvida a coberto da ordem de serviço n.º OI201200322, de 16 de outubro de 2012 (cfr. fls. 41 do suporte físico do processo).
12) Em 16 de outubro de 2012, A………. assinou a carta-aviso de inspeção da ordem de serviço n.º OI201200322, do despacho que ordena o procedimento de inspeção e nota de diligência n.º 2012162 e n.º 201416 (por confissão).
13) Em 12 de novembro de 2012 foi efetuado o relatório de inspeção pelo qual se efetuaram correções de natureza aritmética ao IRS de 2008, no valor de € 149.615,38, de acordo com o seguinte fundamento:












(cfr. fls. 39 a 45 verso do suporte físico do processo).
14) Em 13 de novembro de 2012, o Diretor de Finanças de Angra do Heroísmo concordou com as conclusões do relatório de inspeção em 13) (cfr. fls. 39 do suporte físico do processo).
15) A……….. teve conhecimento do ofício n.º 5476, de 14 de novembro de 2012, o qual lhe transmitiu o teor do relatório identificado em 13) (por confissão).
16) Em 20 de novembro de 2012 foi efetuada a liquidação de IRS n.º 2012.5005053983, relativo a 2008, da qual resultou um valor a pagar no montante de € 47.129,79 (cfr. fls. 24 do processo administrativo e fls. 15 do suporte físico do processo).
17) Em 26 de novembro de 2012 foi efetuada a demonstração de liquidação de IRS n.º 2012.00011164975, relativo a 2008, no montante de € 47.129,79, cujo prazo de pagamento voluntário terminou a 2 de janeiro de 2013 (cfr. fls. 15 do suporte físico do processo e fls. 26 do processo administrativo).
18) Em 6 de dezembro de 2012, a demonstração de liquidação de IRS n.º 2012.00011164975 foi enviada para A…………. e D…….., através da carta registada com o n.º RY58290348PT (cfr. fls. 15 do suporte físico do processo e fls. 25 do processo administrativo).
19) Em 10 de abril de 2013, A……….. apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação n.º 71/13.0BEPDL (cfr. fls. 1 do suporte físico do processo).
20) Em 31 de agosto de 2011, o valor patrimonial tributário do imóvel indicado em 2) foi avaliado no montante de € 83.220,00 (cfr. fls. 37 e 38 do suporte físico do processo e fls. 29 do processo administrativo).
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Da instrução da causa não se demonstrou que a Administração Tributária tivesse informado o impugnante da realização da ação inspetiva, antes de 16 de outubro de 2012.
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A convicção do tribunal fundou-se na análise dos documentos juntos ao suporte físico do processo e no processo administrativo, nos termos especificados.
Quanto à matéria indicada em 12) e 15), decorre do alegado nos pontos 9º, 25º, 27º e 29º da petição inicial.
Tal matéria é, aliás, corroborada pelo relatório de inspeção, como se pode ler no parágrafo n.º 4 do ponto III – Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas à matéria tributável (cfr. 13)).
Quanto ao facto não provado, o Tribunal teve em consideração que a prova de tal facto só poderia ser efetuada com recurso a prova documental. Porém, os autos não revelam a existência de documentos demonstrativos quer do ofício de notificação quer do respetivo envio para o impugnante.
Por tal razão, considerar-se tal matéria como não provada.


6. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrido contra liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 2008, resultante do apuramento de mais-valias imobiliárias, no entendimento de que a liquidação adicional efectuada pela AT era ilegal por ter efectuado o cálculo da mais-valia tributável considerando como valor de aquisição não o valor que se impunha atenta a aquisição a título gratuito do bem (artigo 45.º do Código do IRS), em concreto € 133,54, antes determinando o valor de aquisição por aplicação da regra do n.º 3 do artigo 46.º do Código do IRS, regra esta inaplicável, uma vez que o impugnante não adquiriu a título oneroso nenhum prédio rústico ou terreno para construção nem erigiu qualquer obra sobre o mesmo (atendendo à descrição do prédio alienado, referido em 2)).
Por este único motivo, julgou a impugnação procedente, anulando a liquidação sindicada.
Alega a recorrente que a sentença recorrida dá abrigo a uma interpretação que desconsidera os requisitos de efetivação do regime de exclusão da tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, sendo condição essencial para que este regime seja utilizado, que os ganhos resultem da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o que não sucedia no caso dos autos, razão porque entende que a sentença não atendeu ao estabelecido no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS relativamente aos requisitos de aplicação da exclusão da tributação das mais-valias gerando, com esta decisão, uma violação do princípio da igualdade tributária, além de estar a privar o erário público de quantias que lhe são devidas, razão por que imputa à sentença erro de julgamento e pede que a impugnação seja julgada procedente.
O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal no seu parecer junto aos autos e supra reproduzido pronuncia-se pelo não provimento do recurso, porquanto o fundamento da decisão anulatória não é criticado explicitamente ou implicitamente pela recorrente, a qual não questiona a interpretação e aplicação das normas que constituem o suporte jurídico da decisão anulatória da liquidação (arts 10º nºs1 al.a) e 4 al) a),45º nº 1 als.a) e b) CIRS). //A recorrente limita-se a invocar a falta de afectação do imóvel alienado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, e a falta de reinvestimento do valor de realização em imóvel com o mesmo destino, ignorando que a inverificação desses pressupostos de exclusão da tributação das mais-valias nunca esteve em causa na apreciação do tribunal, nem foi determinante da decisão impugnada (art.10º nº5 als.a) e b) CIRS).
E assim é, efectivamente.
Ao contrário do alegado, a sentença não dá guarida a qualquer que desconsidera os requisitos de efetivação do regime de exclusão da tributação previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS, pois que sobre tais requisitos nem sequer chega a pronunciar-se. Queda-se a montante dessa questão, no cálculo da mais-valia tributável, sendo nesse cálculo, concretamente na determinação do valor de aquisição do imóvel alienado e gerador de mais-valias tributáveis, que detecta a ilegalidade determinante da anulação da liquidação.
Ora, quanto a esta ilegalidade e seu efeito invalidante a recorrente AT nada diz. E o que diz – a alegada não verificação dos requisitos para a exclusão de tributação da mais-valia imobiliária – é matéria sobre a qual a sentença não versa.
A recorrente também não imputa à sentença recorrida nulidade por omissão de pronúncia, por esta não se ter pronunciado sobre os requisitos de exclusão de tributação das mais-valias imobiliárias, matéria que suscitou na contestação apresentada. Sucede que, não sendo as nulidades da sentença matéria de conhecimento oficioso, não pode este STA oficiosamente sobre tal matéria se debruçar.

Pelo exposto se conclui que o recurso não pode obter provimento.
- Decisão -
7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 20 de Abril de 2020 – Isabel Marques da Silva (relatora) – José Gomes Correia – Nuno Bastos.