Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01467/23.4BELSB-A
Data do Acordão:07/04/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:DISPENSA DO PAGAMENTO
REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32498
Nº do Documento:SA12024070401467/23
Recorrente:A..., S.A.E OUTROS
Recorrido 1:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO

A..., S.A, S.A./B..., S.A.U./ C..., S.L., devidamente identificadas nos autos, intentaram junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa – Juízo de Contratos Públicos (TAC) a presente providência cautelar de suspensão de eficácia contra a INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, S.A., doravante IP, pedindo a suspensão de eficácia da deliberação, de 24/01/2023, do Conselho de Administração Executivo da IP, que resolveu o contrato de prestação de serviços nº ...16 para a elaboração do Estudo de Viabilidade, Estudo Prévio, Estudo de Impacte Ambiental, Projeto de Execução e RECAPE para a Modernização da Linha da Beira Alta, no troço Pampilhosa - Mangualde e decidiu exercer o direito indemnizatório decorrente do incumprimento deste contrato.

O processo seguiu os seus termos e por Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo em 04.04.2024, foi negado provimento ao recurso interposto pelas recorrentes, com custas pelo decaimento.
Inconformadas, vieram ainda as mesmas, mediante requerimento, suscitar a nulidade do Acórdão, por omissão de pronúncia e por falta de fundamentação, bem como, a reforma do mesmo por discordarem da aplicação do quadro jurídico/normativo aplicado.
Nesta sequência, foi proferido novo Acórdão, neste Supremo Tribunal, em 23 de Maio de 2024 que indeferiu na totalidade o requerido, com custas pelas requerentes.
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Por requerimento datado de 03.06.2024, vieram as autoras/recorrentes requerer ao abrigo do disposto no artº 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais que sejam dispensadas o pagamento da totalidade do remanescente da taxa de justiça devida.
E, fazem-no, invocando em síntese:
«1. O nº 7, do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais, dispõe que “nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.
2. Portanto, estabelece o citado normativo que, nos processos cujo valor da acção seja superior a € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), como é o caso dos presentes autos, o Tribunal pode, de forma fundamentada, dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
3. Os critérios que fundamentam essa dispensa devem partir de um juízo a fazer sobre a complexidade da causa e da conduta processual das partes.
4. Descendo ao caso concreto, a verdade é que ao longo do processo – e excecionando-se uma única circunstância, não imputável às Recorrentes – ambas as partes pautaram a sua ação pelos princípios da cooperação, transparência e boa-fé, abstendo-se de atos ou diligências impertinentes e/ou dilatórias.
5. O processo teve uma tramitação que se poderá considerar como célere, mesmo perante a existência de complexidade da causa, tendo-se verificado a prolação da sentença a fls. 459 pelo TAC de Lisboa logo após a fase dos articulados.
6. Note-se que não foi necessário produzir prova através de quaisquer diligências complementares, como seria, por exemplo, com a realização de uma perícia.
7. Não se verificou igualmente a realização de uma audiência de produção de prova, atenta a sua desnecessidade em função de o Tribunal ter decidido unicamente com base na prova documental carreada pelas partes para os presentes autos.
8. Apesar de o presente processo ter seguido a sua tramitação até este Ilustríssimo
Supremo Tribunal Administrativo, com admissão da complexidade da causa pelo mesmo por via do Acórdão a fls. 801, certo é também que a decisão que virá a transitar em julgado assumiu a sua forma e os seus fundamentos logo no Acórdão a fls. 622 do TCA Sul, tendo esta Ilustríssima Instância confirmado tal decisão e respetivos fundamentos no Acórdão a fls. 811.
9. Apesar da prova documental ter também sustentado a decisão que virá a transitar em julgado, in casu, as várias Instâncias prolataram essencialmente uma decisão relativa a matéria de Direito, ou seja, quanto aos efeitos da alínea l) do nº 1 do artigo 55º do Código dos Contratos Públicos no caso da providência cautelar de suspensão da eficácia de um ato administrativo de resolução sancionatória (alínea a) do nº 2 do artigo 112º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).
10. Como tal, resulta do acabado de expor que o presente processo não se revestiu de uma especial complexidade fática e a conduta processual de ambas as partes foi suficientemente impoluta.
11. Razão pela qual deverá este Douto Tribunal julgar procedente o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça».
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Notificados os demais intervenientes processuais, não houve pronúncia quanto a esta questão.
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Cumpre decidir:
Compulsados os elementos constantes dos autos é possível deles extrair, entre o mais, com interesse para o presente requerimento de “reforma quanto a custas”:
(i) o recurso de revista foi interposto por articulado com 120 páginas, com 317 pontos, do qual constavam mais de 173 conclusões;
(ii) o articulado das contra-alegações apresentado pela parte contrária contem apenas 21 conclusões;
(iii) Foi pelas ora requerentes pedido a condenação da entidade requerida, como litigante de má fé, que também obrigou a pronúncia judicial;
(iv) Foi ainda suscitado pelas ora requerentes a questão prévia do efeito do recurso, que obrigou a despacho proferido em 23.01.2024 no TCA Sul.
(v) Pese embora ter sido dispensada a prova testemunhal, foi junto o processo administrativo e apresentada prova testemunhal.

De acordo com o artigo 6º do RCP as custas processuais são fundamentalmente fixadas em função do valor da causa, sendo esse o critério elegido pelo legislador como critério-regra para o cálculo da contrapartida devida pelo uso do serviço público de justiça.
E esse é o critério legal assumido por via da aplicação do princípio da proporcionalidade subjacente à ponderação entre o serviço de justiça prestado e o custo do mesmo, o qual é uniformizado, de forma objectiva e rigorosa “em função do valor e complexidade da causa”, sendo esse critério objectivo de proporcionalidade, também ele válido, para as causas de valor igual ou inferior a €275.000,00.
Complementarmente a este regime regra, o nº 7, do artigo 6º, prevê a faculdade de dispensa do remanescente da taxa de justiça para as causas de valor superior a €275.000,00 que o tribunal pode aplicar aos casos concretos, oficiosamente ou a requerimento das partes, desde que, no caso, se verifiquem as especificidades legalmente indicadas, ou seja, complexidade abaixo do normal e conduta processual das partes que contribua activamente para agilizar o serviço de justiça.
Ora, neste caso, nenhum dos critérios para a dispensa do remanescente se mostra preenchido, seja porque, a causa não apresenta uma complexidade abaixo da média daquelas que são julgadas por este Supremo Tribunal Administrativo, muito pelo contrário, – note-se que estava em causa de acordo com o que ficou consignado no Acórdão que admitiu a Revista:
- «(…) questão é saber se o decretamento da suspensão de eficácia do acto de resolução sancionatória do contrato que as requerentes celebraram com a entidade requerida é adequado a evitar o prejuízo de difícil reparação que para aquelas decorria do impedimento estabelecido pela al. l) do nº 1 do artº 55º do CCP.
A questão é juridicamente relevante e reveste-se de alguma complexidade, que, aliás, é indicada pela divergência das instâncias no seu tratamento, suscitando-se legítimas dúvidas quanto ao acerto da solução que veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido» – seja, ainda, porque a conduta processual ao apresentar articulados prolixos, desnecessários, e desajustados a um padrão normal, suscitando ainda jurisprudência proferida pelo TJUE, também não preenche objectivamente o pressuposto normativo imposto para a dispensa do pagamento dos “custos normais” do serviço de justiça.
O valor das custas apurado segundo o disposto nos artºs 529º do CPC e 6º do RCP é baseado num critério de proporção típico da bilateralidade das taxas e não pode ser interpretado, como parecem pretender as requerentes, como se de uma medida sancionatória se tratasse. Daí que, não apresente sustentação jurídica a alegação de que o montante apurado segundo a regra legal deva ser reduzido sempre que o comportamento das partes não mereça censura. Pelo contrário, nos casos em que o comportamento processual das partes merece ser censurado a consequência jurídica não é a aplicação do valor regra das custas, mas sim o agravamento da taxa de justiça, previsto no artigo 531º do CPC.
Por outro lado, o que o nº 7, do artigo 6º do RCP visa é a possibilidade de o Tribunal “se a especificidade da situação o justificar”, dispensar uma parte do valor das custas (até à totalidade do remanescente da taxa de justiça) apuradas de acordo com os critérios legais, sempre que considere que aquele valor legal é desproporcionado, não em função do quantitativo das custas devidas que resulte do respectivo cálculo segundo a regra legal, mas sim em função da menor intensidade da contraprestação – o serviço de justiça concretamente prestado –, a qual é aferida pelos já mencionados critérios da maior simplicidade da questão (face à média) ou de um contributo activo das partes para agilizar o serviço de justiça, que, aqui, pelas razões acima expostas, não estão preenchidos.
E assim, sem necessidade de outros considerandos, concluímos como não manifestamente excessivo o montante das custas devidas no âmbito do presente recurso, atendendo ao correspectivo serviço de justiça.
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Assim, os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em indeferir o pedido de reforma quanto a custas.
Custas do incidente: 3UC (artigo 7º do RCP).

Lisboa, 4 de Julho de 2024. - Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Cláudio Ramos Monteiro.