Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0431/17.7BEBJA
Data do Acordão:07/11/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32512
Nº do Documento:SA2202407110431/17
Recorrente:ASSOCIAÇÃO DE BENEFICIÁRIOS DO ...
Recorrido 1:A..., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

Associação de Beneficiários do ..., Impugnada nos autos em referência, não se conformando com a Sentença nestes proferida, dela vem interpor recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por apenas incidir sobre matéria exclusiva de direito, nos termos conjugados dos art.ºs 282.º e 280.º do CPPT.

Alegou, tendo concluído:
1 - Por sentença proferida pelo Senhor Juiz «a quo», foram mandados anular os actos impugnados, liquidação e cobrança das facturas emitidas pela Recorrente à Recorrida, indicadas sob as alíneas g), h) e i) dos Factos Provados, a fls 9 e 10.
2 - Estas respeitam à taxa de conservação e exploração devida pelos serviços prestados pela Recorrente, enquanto concessionária do aproveitamento hidroagrícola, à Recorrente, beneficiária deste, referentes aos meses de Julho, Agosto e Setembro do ano de 2017.
3 - E que possibilitaram a esta, com recurso a infraestruturas, o armazenamento de água, visando a sua disponibilização para abastecimento público.
4 - O Senhor Juiz «a quo» fundamentou a decisão por si proferida, na existência de erro de facto ou de direito por aqueles actos tributários não terem cumprido com os necessários pressupostos legais.
5 - Ou seja, não se atendeu ao preceituado na redacção dada ao art.º 69-A do Dec. Lei n.º 269/82, de 10 de Julho, pelo Dec. Lei nº 86/2002, de 6 de Abril, que estipula que a taxa de conservação e exploração devida por beneficiários de aproveitamento hidroagrícola para fins não agrícolas, tem de ser regulamentada e fixada pelo Senhor Ministro da Agricultura, por proposta de DGADR.
6 - Não atendeu assim o Tribunal de 1ª Instância a alterações posteriores a 2002 introduzidas no Dec. Lei n.º 269/82, nomeadamente a operada no seu art.º 107.º pelo Dec. Lei n.º 169/2005, de 26 de Setembro.
7 - Por este diploma, por forma a que todos os beneficiários de aproveitamento hidroagrícola gerido por associação de beneficiários, com actividade agrícola ou não agrícola, comparticipassem nos custos de exploração e conservação deste, e tornando-se difícil e desaconselhável proceder à regulamentação exigida pelo legislador de 2002, ordenou-se a manutenção em vigor da legislação aplicável às associações de beneficiários.
8 - Ou seja, o Decreto Regulamentar n.º 84/82, de 4 de Novembro, que atribui às associações de beneficiários competência para fixarem, liquidarem e cobrarem a taxa de exploração e conservação devida, nomeadamente aos beneficiários que prosseguem actividades não agrícolas.
9 - Assim, atendendo-se aos artigos 4.º, alíneas f), g) e h); 11.º, alínea c); 17.º alínea c); 46.º alínea a) e 47.º n.º 2 do cit. Decreto Regulamentar verifica-se, salvo melhor opinião, que não existe qualquer erro nos pressupostos dos actos de liquidação e cobrança praticados pela Recorrente e retratados nos autos.
10 - Pelo que a Sentença proferida pelo Senhor Juiz «a quo» deve ser revogada, por Douto Acórdão onde se declare que os actos praticados pela Recorrente são válidos, sem padecerem de qualquer vício e, confirmados estes, em consequência, deverá a impugnação ser considerada improcedente.


Contra-alegou a A…, S.A., tendo concluído:
A. A TEC liquidada pela AB… tem a sua fonte legal no Decreto-Lei n.º 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 86/2002, de 06/04, advindo a legitimidade daquela Associação, para a sua liquidação, do Contrato de Concessão para a Gestão do Aproveitamento Hidroagrícola do ..., firmado com Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural em 22/07/2009.
B. O art.º 69º-A do Decreto-Lei n.º 269/82 de 10/07, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 86/2002, de 06/04, determina que pela utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas é devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura sob proposta do IHERA – ora DGADR.
C. As diversas taxas previstas no regime jurídico das obras de aproveitamento hidroagrícola (entre as quais se inclui a TEC para atividades não agrícolas) têm o seu âmbito subjetivo de aplicação delimitado em torno dos diversos beneficiários das obras hidroagrícolas, seja em virtude da sua qualidade proprietários ou de usufrutuários de prédios beneficiados por tais obras (caso em que serão sujeitos passivos de uma taxa de conservação devida por hectare beneficiado), seja em resultado da sua qualidade de regantes beneficiários ou de utentes precários (situação em que se qualificarão como sujeitos passivos de uma taxa de exploração devida em razão do volume de água utilizado).
D. Assim, apenas são abrangidas pelo âmbito subjetivo de aplicação das taxas previstas no Decreto-Lei n.º 269/82, as entidades que beneficiem da respetiva obra de aproveitamento hidroagrícola, na qualidade de utilizadores finais de recursos hídricos.
E. No caso concreto do Aproveitamento Hidroagrícola do ..., as taxas previstas no Decreto-Lei n.º 269/82, de 10 de julho, serão devidas pelos utilizadores que recorram ou beneficiem dos serviços prestados pela recorrente, na sua qualidade de entidade gestora da totalidade das infraestruturas que constituem tal obra, nos termos definidos no seu contrato de concessão celebrado em 22 de julho de 2009, pelo que as mesmas não se mostram devidas por utilizadores principais de recursos hídricos, como é o caso da ora recorrida.
F. Também a impugnante e ora recorrida é titular de um contrato de concessão para a captação de água na albufeira do ..., para o abastecimento às populações, o qual tem o número 4/CSP/SD/2012.
G. A Barragem do ... tem assim, em simultâneo duas utilizações distintas e concorrentes, uma destinada à captação de água para rega (a prosseguida pela recorrente) e a captação de água para abastecimento público (a prosseguida pela recorrida), sendo que os títulos conferidos a recorrente e recorrida (os respetivos contratos de concessão) lhes conferem a qualidade de utilizador principal, nos termos definidos na Lei da Água (Cfr. n.º 4 do art.º 64.º da Lei n.º 58/2005).
H. Os custos das infraestruturas que são objeto de repercussão nos beneficiários dos serviços tipicamente prestados pela recorrente são bastante mais extensos que os custos suportados, apenas, com a conservação e a reabilitação da Barragem do ..., uma vez que aqueles, ao contrário destes, estendem-se aos necessários para explorar e manter em bom estado de funcionamento de todas as infraestruturas incluídas no Aproveitamento Hidroagrícola do ....
I. A Taxa de Conservação (sendo que a liquidada à ora recorrida também inclui a componente de exploração), definida no âmbito especial dos Aproveitamentos Hidroagrícolas, tem em consideração toda a obra hidráulica, que na maior parte dos casos, vai muito além da barragem em si, sendo que os custos de manutenção e conservação dos canais de rega e infraestruturas afins são bem mais onerosos que os despendidos na conservação da barragem.
J. Não é adequado nem justo que utilizações que se localizem no plano de água de uma albufeira de aproveitamento hidroagrícola, e que apenas beneficiam da existência da barragem, paguem uma taxa de engloba a conservação de toda a obra hidroagrícola (Cfr. informação do Instituto da Água, I.P., prestada em 28 de outubro de 2010, sob a referência ...80... Class. 1.2, p. 3.).
K. Esta é, claramente, a situação dos presentes autos, onde a ora recorrida capta diretamente no plano de água da albufeira, através de meios exclusivamente próprios, água nos termos do respetivo título de utilização privativa de recursos hídricos (TURH), beneficiando, portanto, da barragem.
L. Todos os meios necessários a essa captação são próprios da recorrente – torre de captação, bombas, quadros elétricos, tubagens, etc.
M. No entanto, existe uma clara desproporção entre aquilo que a ora recorrente liquidou a título de TEC à recorrida e aquilo que foi cobrado aos utilizadores finais em contrapartida da conservação e reabilitação de todas as infraestruturas inseridas no aproveitamento hidroagrícola, da captação, da distribuição e do efetivo fornecimento de água.
N. Pelo exposto, resulta que os atos de liquidação da TEC, tal como praticados pela recorrente, são ilegais, por assentarem no errado pressuposto que poderiam validamente comutar as despesas suportadas com a exploração e a conservação do aproveitamento hidroagrícola.
O. A recorrida não pode ser qualificada como utilizadora final do aproveitamento hidroagrícola – o que a exclui liminarmente do âmbito subjetivo de aplicação do tributo.
P. A sujeição a este tributo, por força da discriminação promovida, ser incompatível com o princípio da igualdade consagrado no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa.
Q. Os erros sobre os pressupostos de facto e de direito detetados consubstanciam um vício de violação da lei, gerador da anulabilidade dos atos impugnados, já decretada e que se deve manter.
Nestes termos e nos mais de direito, Deverá a sentença recorrida ser confirmada, nos seus precisos termos.

O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

Cumpre decidir.

Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
a) Em 22.07.2009, entre o Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, como primeiro outorgante, e a Impugnada, Associação de Beneficiários do ..., como segunda outorgante, foi outorgado “contrato de concessão para a gestão do aproveitamento hidroagrícola do ...”, com o teor que consta do documento 2 junto com a contestação, o qual aqui se dá por integralmente reproduzido;
b) Esse contrato é constituído, além do mais pelas seguintes cláusulas:
Cláusula I
Objecto da Concessão
1- O contrato de concessão tem por objecto, em regime de exclusividade, a gestão do AH...;
2- A actividade de concessão compreende uma ou mais das seguintes actividades:
a) A gestão dos recursos hídricos do AH..., bem como a utilização daqueles recursos do domínio público;
b) A exploração, conservação e reabilitação das infra-estruturas do AH... necessárias ao seu funcionamento;
c) As acções de modernização do AH...;
d) A captação e o fornecimento de água à actividade agrícola, ao sector agro-alimentar e a outras actividades de natureza económica, beneficiárias das infra-estruturas do AH...;
e) A prestação de serviços de armazenamento de água, visando a sua disponibilização a entidades que assegurem o abastecimento público.
3 – A concessão pode compreender, a título acessório e ou complementar, a exploração de outros serviços directamente associados à utilização de água, bem como ao conjunto das infra-estruturas do AH....
4 – Na prossecução das actividades elencadas nos n.ºs 2 e 3 desta Cláusula, a utilização e gestão dos recursos hídricos do AH... será efectuada nos termos constantes do título de utilização atribuído ao abrigo da Lei da Água, o qual será averbado ao contrato de concessão;
5 – Não integram o objecto da concessão as actividades de conservação e exploração de centrais de produção de energia eléctrica.
(…)
Cláusula V
Utilização do domínio público hídrico
1 – A concessionária terá o direito de utilizar o domínio público hídrico do Estado nos termos do título de utilização dos recursos hídricos.
(…)
(…)
Cláusula VIII
Obrigações gerais da concessionária
Constituem obrigações gerais da concessionária no âmbito da gestão do AH...;
a) Prestar os serviços concessionados de forma adequada, eficaz e continuada;
b) Assegurar a gestão racional da água de acordo com as normas estabelecidas e as disponibilidades hídricas;
c) Garantir a igualdade e transparência no acesso e na utilização da água e das infraestruturas do AH...;
d) Cumprir e fazer cumprir o regulamento do AH...;
e) Zelar pela protecção, vigilância e conservação dos bens do domínio público e, em especial, das infra-estruturas, objecto de concessão;
f) Garantir o cumprimento do regulamento de segurança da barragem do ...;
g) Colaborar com os serviços do Estado no estudo e execução das medidas atinentes ao desenvolvimento técnico, económico e social da zona beneficiada, em tudo quanto respeite ao AH...;
h) Colaborar com as entidades oficiais competentes no controlo da qualidade da água do AH...;
i) Cumprir as leis vigentes e aplicáveis, bem como as determinações que, nos termos deste contrato de concessão, sejam estabelecidas pelo concedente:
j) Cumprir as normas que no futuro entrem em vigor, ainda que estas determinem a prescrição ou modificação das disposições que enquadrem o regime de concessão.
Cláusula IX
Obrigações específicas no âmbito das infra-estruturas hidroagrícolas
Constituem obrigações específicas da concessionária no âmbito da gestão das infra-estruturas do AH...:
a) Garantir a segurança, a conservação e exploração das infra-estruturas, bem como zelar pela sua operacionalidade;
b) Assegurar o regular, contínuo e eficiente funcionamento das infra-estruturas, de modo a garantir a prestação dos serviços de forma apta e adequada;
c) Promover a realização de obras de reabilitação, efectuando para tanto as necessárias reparações, renovações e adaptações, de modo a assegurar a manutenção dos níveis de serviço com uma qualidade adequada no âmbito da utilização e desempenho das infra-estruturas do AH...;
d) As obras de requalificação, no âmbito do indicado na alínea anterior, carecem de prévio conhecimento do concedente.
Cláusula X
Obrigações específicas no âmbito da prestação de outros serviços
Constituem obrigações específicas da concessionária no âmbito da prestação dos serviços previstos no n.º 3 da Cláusula I:
a) Assegurar a prestação dos serviços de forma integrada com a gestão do AH...;
b) Garantir a prestação dos serviços nos termos fixados na legislação em vigor;
c) Assegurar a manutenção, renovação e funcionalidade de todos os bens e equipamentos afectos à prestação dos serviços;
d) Assegurar em condições de igualdade e de transparência o acesso aos serviços prestados;
e) Atender ao nível dos custos incorridos com a prestação, de forma a garantir a existência de receitas que garantam a respectiva rentabilidade.
(…)
Cláusula XXIV
Sistema de taxas e preços
1 – A utilização de água e das infra-estruturas do domínio público objecto de concessão encontram-se sujeitas ao pagamento das taxas previstas no regime jurídico dos aproveitamentos hidroagrícolas e na Lei da Água;
2 – O valor das taxas referidas no número anterior será fixado e actualizado de acordo com os princípios estabelecidos na legislação base e, quando relevante, em legislação complementar que regula o regime da sua aplicação.
3 – A concessionária fará repercutir sobre os utilizadores do AH... o encargo económico que a taxa de recursos hídricos representa, nos termos do previsto na Lei da Água e demais legislação complementar.
4 – O valor dos preços a cobrar pelos serviços referidos no n.º 3 da Cláusula I a prestar pela concessionária, será fixado em conformidade com o princípio inscrito na alínea e) do ponto único da Cláusula X.
(…)
c) A Impugnante é uma sociedade anónima cuja constituição foi apresentada a registo em 29.09.2009, e tem por objecto “1 - A exploração e a gestão dos serviços de águas relativos ao sistema público integrado de águas do Alentejo, doravante SPIAAlentejo, em regime de parceria pública, nos termos do Contrato de Parceria celebrado em 13 de Agosto de 2009 entre o Estado e os Municípios de Alcácer do Sal, Aljustrel, Almodôvar, Alvito, Arraiolos, Barrancos, Beja, Castro Verde, Cuba, Ferreira do Alentejo, Grândola, Mértola, Montemor-o-Novo, Moura, Odemira, Ourique, Santiago do Cacém, Serpa, Vendas Novas, Viana do Alentejo, Vidigueira, integrando como utilizadores originários os referidos Municípios. 2 A exploração e a gestão do SPIAAlentejo incluem a concepção, o projecto, a construção, a extensão, a reparação, a renovação, a manutenção e a melhoria das obras e a aquisição dos equipamentos necessários para o desenvolvimento da actividade prevista no número anterior.”
d) Para o desenvolvimento do seu objecto, a Impugnante capta água proveniente da barragem do ...;
e) Em 13.01.2012, entre a Administração da Região Hidrográfica do Alentejo IP, como primeiro outorgante, e a Impugnante, A…, S.A., como segundo outorgante, foi outorgado o “contrato de concessão relativo à utilização dos recursos hídricos para captação de água superficial destinada ao abastecimento público na albufeira do ..., n.º 4/CSP/DS/2012”, cujo teor consta do documento 4 junto com a petição inicial, e o qual aqui se dá por integralmente reproduzido;
f) Desse contrato, constam, nomeadamente, os seguintes considerandos e as seguintes cláusulas:
“Considerando que:
(…)
F. Os recursos hídricos, objecto deste contrato, pertencem ao Domínio Público do Estado;
(…)
Cláusula 1.ª
1. A concessão tem por objecto:
a) A captação de águas superficiais do domínio público, destinadas à produção de água para abastecimento público, na albufeira da barragem do ..., designada por sistema de Abastecimento do ...;
b) (…);
g) Com data de 02.08.2017, a Impugnada emitiu à Impugnante a factura n.º ...08, com o seguinte teor:
[IMAGEM]
h) Com data de 04.09.2017, a Impugnada emitiu à Impugnante a factura n.º ...09, com o seguinte teor:
[IMAGEM]
i) Com data de 04.10.2017, a Impugnada emitiu à Impugnante a factura n.º ...10, com o seguinte teor:

[IMAGEM]
j) O valor constante de cada uma dessas facturas respeita a serviços prestados pela Impugnada à Impugnante, relacionados com a captação de água que esta efectua na barragem do ..., e é exigido a título de taxa de exploração e conservação;
k) O valor de cada uma dessas facturas foi calculado em função do volume de água consumido em metros cúbicos;
l) Para o cálculo do valor unitário do metro cúbico de água facturada, a Impugnada tem em consideração os custos anuais da Impugnada com a manutenção e exploração do empreendimento da barragem do ...;
m) Para a manutenção da actividade relacionada com a barragem do ..., a Impugnada incorre em custos com segurança, distribuição de água por canal, mão-de-obra associada a essa distribuição, um funcionário, serviços de leitura de parâmetros e valores da água, software informático;
n) Os custos totais da Impugnada com a exploração e gestão do aproveitamento hidroagrícola do ... resultam de vários centros de custos sectoriais, com base nos quais são construídos os valores das contrapartidas dos respectivos serviços;
Facto não provado
1) Que o valor de cada uma das três facturas em causa na presente acção, respeitasse a venda de água da Impugnada para a Impugnante.
Nada mais se levou ao probatório.

Há agora que conhecer do recurso que nos vem dirigido.

A questão controvertida nestes autos consiste em saber se a liquidação à A. da taxa de conservação e exploração pela Associação de Beneficiários do ... se pode considerar conforme à lei e ao direito.
O tributo em apreço – a taxa de conservação e exploração para actividades não agrícolas – encontra-se previsto no artigo 69.º-A do Decreto-Lei n.º 269/82, de 10 de Julho, que define e classifica obras de fomento agrícola, tendo o artigo sido aditado àquele regime jurídico pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 86/2002, podendo ler-se no preâmbulo do referido diploma legal de 2002, que o objectivo deste novo tributo se enquadra no âmbito da melhoria da gestão destas infra-estruturas: (…) A taxa de conservação e exploração é substituída por duas taxas - a taxa de conservação, que se destina exclusivamente a suportar a conservação da infra-estrutura e que é paga por todos os proprietários ou usufrutuários dos prédios e parcelas beneficiados, e a taxa de exploração, que se destina exclusivamente a cobrir as despesas de gestão e exploração e que é paga pelos regantes em função do volume de água consumido (metro cúbico).
Pretende-se, assim, garantir, por um lado, a conservação das infra-estruturas e, por outro, através de um modelo de gestão adequado, separar o encargo dos proprietários e usufrutuários, que viram as suas terras beneficiadas, dos custos que os regantes devem assumir no âmbito da exploração das terras, permitindo que delas se retire o rendimento consentâneo com as melhores práticas agrícolas.
É também criada uma taxa de conservação e exploração para actividades não agrícolas (…)”.
E o artigo 69.º-A dispõe o seguinte:
Artigo 69.º-A
Taxa de conservação e exploração para actividades não agrícolas
1 - A utilização da obra hidroagrícola para fins não agrícolas não pode, excepto quando se trate de abastecimento público, prejudicar a satisfação de todas as necessidades das áreas beneficiadas, sendo devida uma taxa de conservação e exploração nos termos a fixar pelo Ministro da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, por proposta do IHERA.
2 - É aplicável à taxa de conservação e exploração para actividades não agrícolas o regime estabelecido na subsecção anterior, sendo a mesma devida a partir do início da actividade.

Porém, o Ministro da Agricultura não fixou os referidos termos em que a taxa de conservação e exploração pode ser liquidada pela Recorrida. Como se refere na decisão recorrida: “(…) não ficou provado, nem sequer alegado, que as taxas de conservação e exploração exigidas à Impugnante através das três facturas em causa na presente acção, nomeadamente o seu campo de incidência, a sua matéria colectável ou a forma de determinação da mesma, e, consequentemente, o valor de cada uma delas, tenham resultado dos termos fixados pelo Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, por proposta do IHERA, como determinado naquela norma. Aliás nem sequer é referido, e muito menos provado, qualquer acto ou regulamento daquele Ministro com vista a fixar os termos daquela taxa, nem qualquer proposta do IHERA (…)”. E, por estão razão, o TAF de Beja concluiu que “(...) nem a sujeição da Impugnante às taxas constantes das três facturas em questão na presente acção, nem a determinação concreta dos respectivos valores, cumpriram os respectivos pressupostos legais (…)”, o que é fundamento “(…) gerador da sua anulabilidade (…)”.
A Recorrida não se conformou com aquela decisão, alegando que o tribunal a quo errou ao não tomar em consideração que o Decreto Regulamentar n.º 84/82, de 4 de Novembro, atribui às associações de beneficiários competência para fixarem, liquidarem e cobrarem a taxa de exploração e conservação devida, nomeadamente aos beneficiários que prosseguem actividades não agrícolas. Para a Recorrida, os artigos 4.º, alíneas f), g) e h); 11.º, alínea c); 17.º alínea c); 46.º alínea a) e 47.º n.º 2 do referido Decreto Regulamentar n.º 84/82 constituem a base normativa suficiente e adequada para sustentar a prática dos actos de liquidação da taxa de exploração e conservação respeitantes à Impugnante.
Mas sem razão. É verdade que, como alega a Recorrente, o artigo 107.º do Decreto-Lei n.º 269/82, de 10 de Julho, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 169/2005, de 26 de Setembro, dispõe o seguinte: “mantém-se em vigor a legislação aplicável às associações de beneficiários e juntas de agricultores até à sua revisão por decreto regulamentar”. Porém, trata-se de “prorrogar” o regime jurídico em vigor até à sua alteração, sendo esta uma fórmula não apta a comportar a regulamentação de situações novas e não contempladas naquele regime jurídico-legal prévio, como é o caso da taxa de exploração e conservação devida por beneficiários de actividades não agrícolas. Sobretudo quando o legislador quis marcar essa especialidade ao remeter para a respectiva regulamentação pelo Ministro competente.
É verdade que da matéria de facto assente e dos documentos por esta adquiridos que constam dos autos e foram juntos com os articulados, resulta que havia uma intenção clara de submeter a Recorrida ao pagamento de uma quantia (não resultando evidente que esse pagamento fosse uma taxa antes da aprovação, em 2002, do artigo 69.º-A) a título de compensação para custos gerais de conservação e manutenção das obras do aproveitamento hidroagrícola de que a Recorrente é concessionária, mas tal não é, em si, suficiente para julgar lícitos os actos de liquidação praticados, uma vez que a norma legal impositiva não estava regulamentada à data em que foram praticados os actos de liquidação, o que significa que inexistiam os elementos necessários para que se pudesse validamente constituir de forma certa e liquida a obrigação tributária.
Portanto, a Recorrente procedeu à liquidação da taxa em causa sem que tivessem sido definidos pelo Ministro da Agricultura, como impunha expressamente a lei, alguns elementos relevantes do tributo e da sua operatividade, designadamente, a forma de cálculo da taxa. Ao definir que a taxa seria apurada a partir da aplicação de um valor ao volume de água captada, a Recorrente actuou sem base normativa: primeiro, sem que estivesse definido em regulamento o valor ou a fórmula de cálculo do valor da taxa a cobrar (o que, se aplicássemos o artigo 8.º, n.º 2, alínea b) do RGTAL a título subsidiário ou supletivo para colmatar a lacuna da inexistência de um regime geral de taxas, sempre concluiríamos pela nulidade consequente do acto tributário decorrente da ausência de regulamentação legalmente exigida); ii) segundo, sempre se terá de concluir pela anulação do acto de liquidação por violação do princípio da legalidade, uma vez que o artigo 8.º, n.º 2, alínea a) da LGT impede que possam ser liquidados tributos sem que a lei (ou um regulamento complementar e operativo da mesma no caso das taxas) defina os respectivos termos de liquidação e cobrança.
Assim, ainda que com uma fundamentação não inteiramente coincidente, cabe concluir pela manutenção do decidido pelo TAF de Beja.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente.
D.n.

Lisboa, 11 de Julho de 2024. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.