Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:018/24.8BALSB
Data do Acordão:06/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
Sumário:A questão de saber se o regime vertido no art. 11.º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais
Nº Convencional:JSTA000P32437
Nº do Documento:SAP20240626018/24
Recorrente: AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso por oposição de decisões arbitrais

1. RELATÓRIO

1.1 Em representação da AT, veio a Fazenda Pública interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro.), da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 22 de Dezembro de 2023 no processo n.º 162/2023-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=7578.). Invocou oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão proferida pelo CAAD em 22 de Fevereiro de 2022, no processo n.º 350/2021-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?id=6139.) e apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal Administrativo da Decisão Arbitral proferida em 22.12.2023 no Processo n.º 162/2023-T, por contradição com a Decisão Arbitral proferida em 22.02.2022, no Processo n.º 350/2021-T, no respeitante à condenação da AT à anulação parcial das liquidações impugnadas (e consequente reembolso da respectiva quantia, bem como do pagamento de juros indemnizatórios) efectuada ao abrigo da nova/actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro .

B. A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a Decisão Arbitral que se indica como fundamento, relativamente ao entendimento da conformidade do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, com o direito da União Europeia, concretamente com o artigo 110.º do TFUE.

C. A Decisão Arbitral recorrida considerou que o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos, na redacção introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, na parte em que estabelece um critério diferenciado para a redução do imposto pelo tempo de uso para a componente ambiental, permite uma discriminação entre os veículos usados nacionais e os provenientes de países da União Europeia, viola o artigo 110.º do TFUE.
De acordo com a mesma decisão, que se apoia na fundamentação, a qual perfilha, vertida na decisão, não transitada em julgado, proferida no Proc. n.º 372/2021-T, com referência à actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro
(…)

Portanto, a posição da Requerida, no entender deste tribunal arbitral, importa uma violação ao aludido artigo 110.º, do TFUE e, ao contrário do que defende, não é compatível com o modelo de tributação existente, uma vez que a jurisprudência europeia impõe que tais sistemas de tributação sejam expurgados de qualquer efeito discriminatório, por menor que ele seja, não havendo que aceitar uma discriminação menor face à situação anteriormente vigente. Sendo, por isso, que o actual artigo 110.º do TFUE se opõe a que um Estado Membro aplique aos veículos usados importados de outro Estado-membro um sistema de tributação em que o imposto que incide sobre esses veículos não atenda à depreciação real do veículo e não permita garantir sempre que o montante do imposto que fixa não excede o montante do imposto residual incorporado no valor de um veículo usado similar já matriculado no território nacional. Nestes termos, não pode este Tribunal arbitral deixar de considerar que, o que deverá aqui relevar, é que o artigo 11.º do CISV está em desconformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, não havendo, de acordo com os fundamentos da Requerida, qualquer interpretação desconforme à Constituição, por parte do Requerente, nem quanto ao direito da União Europeia e direito internacional, porquanto os fins que visam não se podem assegurar com base num sistema tributário discriminatório. (…)

D. Entendendo, assim, a mesma decisão, que a actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º, do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, mantém, ainda que de forma mais limitada, os mesmos problemas que lhe vinham sendo apontados, não reflectindo a doutrina que resulta do acórdão do TJUE, de 2 de Setembro de 2021, no Processo C-169/20.

E. Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com a Decisão Arbitral fundamento, pela anulação parcial das liquidações de ISV impugnadas, ordenando a AT a reembolsar o valor de imposto pago em excesso pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.

F. A Decisão Arbitral fundamento, proferida no Processo n.º 350/2021-T, em 22.02.2022, tendo por base também actos tributários de liquidação de Imposto Sobre Veículos efectuados ao abrigo da actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, além de outros realizados ao abrigo da redacção anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, entendeu que a nova redacção está em conformidade com o direito da União Europeia, pugnando pela sua compatibilidade com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária (cf. págs. 27 a 31 da decisão).

G. A mesma decisão fundamento defende que, na sua decisão, o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do art. 11.º do CISV, na nova redacção dada pelo art. 391.º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro.

H. Na Decisão fundamento, o tribunal arbitral, considerando, quanto às liquidações efectuadas em 2021, que as liquidações de ISV foram efectuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110.º do TFUE, não sendo o artigo 11.º, n.º 1, do CISV incompatível com a jurisprudência comunitária dimanada da interpretação do artigo 110.º do TJUE, estando de acordo com a decisão do TJUE proferida no Processo C-169/20, decidindo, por isso, pela procedência parcial do pedido, mantendo os actos de liquidação impugnados praticados em 2021.

I. Deste modo, a decisão Arbitral sob recurso considerou que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, ao estabelecer um critério diferenciado para a redução do imposto pelo tempo de uso nas componentes cilindrada e ambiental, continua a violar o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, não reflectindo o entendimento que resulta do acórdão do TJUE, de 2 de Setembro de 2021, vertido no Processo C-169/20.

J. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com a conformidade com o direito da União Europeia, concretamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, de liquidações de ISV efectuadas ao abrigo da redacção do n.º 1 do artigo 11.º do CISV introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão contestada, com substituição da mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de anulação parcial dos actos de liquidação de ISV, com todas as consequências legais, ao abrigo do n.º 6, do artigo 152.º do CPTA.

K. A infracção a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral Recorrida considera que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redacção introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, não está em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, ao prever taxas de redução distintas para as componentes cilindrada e ambiental, a aplicar na tributação dos veículos admitidos de outro Estado-membro da União Europeia.

L. A anterior redacção do n.º 1, do artigo 11.º do CISV, de 29 de Junho, dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro de 2016, e a sua conformidade com o Direito da União Europeia, designadamente com o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE – por não prever a aplicação de percentagens de redução à componente ambiental do ISV, previstas apenas para a componente cilindrada – foi objecto de diversos litígios no tribunal arbitral tributário, e veio a dar lugar ao pedido de reenvio prejudicial para o TJUE, no âmbito do qual veio a ser proferido o acórdão do TJUE, de 2 de Setembro de 2021, no Processo C-169/20.

M. Aquela norma não previa a aplicação de percentagens de redução à componente ambiental do ISV, previstas apenas para a componente cilindrada, no cálculo do valor do imposto aplicável aos veículos usados admitidos no território nacional e adquiridos noutros Estados-membros.

N. Através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, o legislador nacional procedeu à alteração da redacção do n.º 1, do artigo 11.º do CISV, passando este a prever que os veículos usados provenientes de Estados-membros da União Europeia beneficiem de redução sobre a componente ambiental do ISV à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, conforme resulta das percentagens constantes da tabela D constante daquela norma.

O. Conforme resulta da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2021, a nova redacção n.º 1 do artigo 11.º do CISV “(…) A tabela de desconto para a componente ambiental do ISV aplicável aos veículos usados provenientes de outros Estados-Membros, proposta pelo Governo na Proposta de Lei, mantém o essencial do entendimento da Comissão Europeia defendido na petição apresentada pela Comissão Europeia junto do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo n.º C-169/20 e salvaguarda as legítimas preocupações ambientais do Governo, já que as percentagens de redução propostas, ao invés de estarem associadas à desvalorização comercial média do veículo (como sucede no desconto aplicado à componente cilindrada), estão associadas directamente à vida útil média remanescente dos veículos, o que configura uma boa métrica do horizonte temporal de poluição que o veículo irá gerar ao longo da sua vida.
Mantendo inalterada a lógica subjacente à tabela de taxas de desconto para a componente ambiental do ISV proposta pelo Governo, propõe-se uma redução do seu número de escalões e, consequentemente, reajustamento das suas taxas, por forma a que a tabela possa ser mais facilmente articulada com a tabela de descontos aplicável à componente cilindrada do ISV, já que, deste modo, ambas as tabelas passam a ter o mesmo número de escalões e as mesmas taxas, ainda que por referência a anos de uso diferentes (atenta a lógica distinta que subjaz a cada uma das tabelas).” (Cf. Proposta de Lei n.º 61/XIV/2.ª - de acordo com a 2.ª Subst. 1261C-1).

P. Não podem, por conseguinte, ser imputados aos actos de liquidação efectuados ao abrigo da actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do TFUE, por não ter sido aplicada redução de anos de uso à componente ambiental, porque a nova redacção do n.º 1 do artigo 11.º já prevê, na Tabela D, percentagens de redução para a componente ambiental.

Q. A Decisão arbitral, ora recorrida, aderindo na totalidade à decisão do Proc.º 372/2021-T, não transitada, defende que a actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, estabelece um critério diferenciado para a redução do imposto pelo tempo de uso para a componente cilindrada e para a componente ambiental, que permite uma discriminação entre os veículos usados nacionais e os provenientes de países da União Europeia, e, em consequência, a violação do artigo 110.º do TFUE.

R. Defendendo a decisão arbitral sob recurso que a actual redacção do n.º 1 do artigo 11.º mantém, embora de forma mais limitada, os mesmos problemas, não reflectindo a doutrina que resulta do mesmo acórdão do TJUE, importa referir que tal norma não estabelece um “critério diferenciador”, mas, tão só, taxas percentuais que, embora não sendo totalmente coincidentes com as reduções previstas para a componente cilindrada, têm o mesmo número de escalões e taxas, embora com referência a diferentes anos de uso, conforme decorre da Tabela D, assentando tal facto numa lógica que atende à natureza específica de cada uma das componentes em causa.

S. Conforme se retira da proposta do Orçamento de Estado para 2021, no caso da componente ambiental, atende-se à vida útil média remanescente dos veículos, não podendo afirmar-se que tal facto permite a persistência de uma discriminação entre os veículos registados em território nacional e os veículos provenientes de outro Estado-membro.

T. Já a Decisão fundamento (cf. págs. 27 a 31 da decisão) defende que “o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do art. 11.º do CISV, na nova redacção dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro”, concluindo que “as liquidações de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foram efectuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110.º do TFUE”.

U. No mesmo sentido da decisão fundamento se pronunciam igualmente as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 349/2022-T e 481/2022-T, já transitadas em julgado, sendo que a decisão do processo n.º 481/2022-T, aludindo à natureza dos critérios e possibilidade de aplicação de diferentes taxas de redução à componente cilindrada e à competente ambiental do imposto, refere o seguinte:

31.O acórdão do processo C-290/05, de 05/10/2006, Ponto 52, esclarece que o critério ambiental é um critério objectivo e, sendo objectivo, como compensação não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.
Ora, a Tabela D do artigo 11.º do CISV tem duas componentes, a cilindrada e a ambiental e se, relativamente à primeira nenhumas dúvidas se suscitam quanto à relação que se possa estabelecer entre os preços dos veículos novos e usados e os valores residuais de imposto neles incorporados tendo em vista a liquidação do imposto, já relativamente à segunda tem de se concluir que há uma certa liberdade conformadora do imposto pelo legislador nacional, pois desde que ele tenha adoptado critérios objectivos, de todos conhecidos e a todo o momento verificáveis, nada obriga a que as regras que funcionam para a componente cilindrada tenham necessariamente de ser aplicáveis à componente ambiental, estando neste caso justificada a diferenciação que se estabelece entre as diferentes percentagens por tempos de uso consoante as componentes”.

V. A Jurisprudência e a Doutrina têm entendido que o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

W. O Regime Jurídico da Arbitragem Tributária prevê, no artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

X. No caso vertente encontram-se preenchidos todos os requisitos de admissibilidade impostos pelo artigo 152.º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo n.º 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no Proc. 4902/14.9T2SNT.L1.S1-A.

Y. Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no recurso n.º 87156, de 26.04.1995.

Z. Decorre, de todo o exposto, que a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a Decisão fundamento, devendo a decisão recorrida ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de anulação parcial do acto de liquidação de ISV praticado em 2022».

1.2 O Recorrido não contra-alegou.

1.3 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que «deve ser conhecido o mérito do presente recurso e neste sentido, deve a presente instância ser suspensa, considerando a necessidade de proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE, nos termos do artigo 267.º do TFUE, da questão da conformidade do artigo 11.º do CISV, na redacção que lhe foi conferida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31.12, com o artigo 110.º do TFUE».

1.4 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que examinar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].
Nesse caso, antes de passarmos ao conhecimento do mérito impor-se-á verificar da necessidade de proceder ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), da questão da conformidade do art. 11.º do Código do Imposto sobre Veículos (CISV), na redacção que lhe foi conferida pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, com o art. 110.º do TFUE.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«A. O ora Requerente introduziu em Portugal, em 5/8/2022 e 16/8/2022, os seguintes veículos automóveis ligeiros usados, provenientes da Alemanha, país membro da União Europeia: - Marca Ferrari, Modelo F 151, a que foi atribuída a matrícula ...; - Marca Rolls-Royce, Modelo Ghost Family, a que foi atribuída a matrícula ... . Veículos que tiveram a sua primeira matrícula no referido país de origem.

B. Conforme resulta dos elementos constantes do PA apenso aos autos, e relativos aos procedimentos atinentes às Declarações Aduaneiras de Veículo (DAVs) n.ºs, respetivamente, 2022/..., com data de 16/8/2022, e 2022/..., com data de 5/8/2022, ambas da Alfândega de Leixões, relativo a ISV, tendo sido as referidas DAVs apresentadas naquela instância aduaneira, por transmissão electrónica de dados, para introdução no consumo dos veículos, ligeiros de passageiros, usados, provenientes da Alemanha. Com referência às mencionadas DAVs, apresentadas pelo ora Requerente, operador sem estatuto, foram declarados os veículos ligeiros de passageiros da marca Rolls-Royce e Ferrari, usados, acima referidos e cujas características constam das inscrições dos Quadros E, para os quais aqui se remete (vd. PA apenso).

C. A liquidação e o cálculo do montante de imposto foram efectuados de acordo com os artigos 7.º e 11.º, n.º 1, do CISV, tendo sido aplicadas, conforme resulta do Quadro R da DAV, as reduções previstas nas tabelas A e D para os veículos ligeiros de passageiros, com referência à componente cilindrada e à componente ambiental, de acordo com as características do veículo, nos termos dos referidos artigos do CISV.

D. Dos Quadros T das declarações consta a identificação do acto de liquidação e data da liquidação (IL n.º 2022/..., de 11/8/2022, e IL nº 2022/..., de 4/8/2022), montante, termo final do prazo de pagamento (que, em ambos os casos, ocorreu em 31/8/2022), data de cobrança e a identificação do autor do acto (quadro V).

E. A AT liquidou ISV no montante de €20.687,43 quanto ao veículo da marca Ferrari, e € 27.524,32 quanto ao veículo da marca Rolls-Royce. Do valor total de ISV liquidado (e que foi pago pelo requerente), € 16.619,93 [= € 9.850,40 + € 6.769,53] correspondem à componente cilindrada e € 31.591,82 [= € 17.673,92 + € 13.917,90] à componente ambiental (vd. Docs. 1 e 2 apensos aos autos).

F. O Requerente alega que, quanto à componente ambiental, o ISV foi liquidado por mais € 11.460,81 – um “excesso [que] [...] resulta da aplicação das percentagens de redução de 28% e 43%, quando deveria ter aplicado as percentagens de 52% e 65%, respectivamente, percentagens que foram aplicadas à componente cilindrada”. Por essa razão, o Requerente considera que a liquidação deve ser corrigida, “reduzindo-se o valor do ISV a pagar para o valor de € 36.750,94”, e que deve ser “restituído ao Impugnante o [acima referido] montante de € 11.460,81”. Para o Requerente, a actual redacção do n.º 1 do art. 11.º do CISV “viola o direito europeu – art. 110.º do TFUE”.

G. A 1/9/2022, o Requerente apresentou o presente pedido de constituição de tribunal arbitral, peticionando a anulação parcial das liquidações de ISV ora em causa, assim como a restituição do montante de € 11.460,81, acrescido de juros indemnizatórios».


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2.1.2 A decisão arbitral fundamento deu como provada a seguinte factualidade:

«15.1 O Requerente procedeu à introdução no consumo por via da apresentação na Alfândega de Leixões da DAV n.º 2022/..., de 11.03.2022, do veículo ligeiro de passageiros da marca «...»», Modelo DA3, com o n.º de chassis ..., de ... centímetros cúbicos de cilindrada e 225 g/Km de emissões de dióxido de carbono, com a anterior matrícula definitiva da República de Espanha ..., atribuída pela primeira vez em 02.09.2009, e a que veio a ser atribuída a matrícula nacional ... .

15.2 O veículo move-se a gasolina, foi declarado aos serviços aduaneiros como tendo 90 288 quilómetros no conta quilómetros, e teve um valor de aquisição de 28 000 €.

15.3 O referido veículo foi sujeito à liquidação do ISV de 5526,49 €, em 09.03.2022, correspondendo 1437,98 €, a título de componente cilindrada, e 4088,51 €, a título de componente ambiental, tendo a referida importância sido paga em 11.03.2022.

15.4 O imposto foi formado a partir do cálculo das taxas em vigor para os veículos novos, com uma redução de 80%, na componente cilindrada, por força da aplicação de uma tabela escalonada em função dos tempos de uso, até 10 anos, e uma redução de 65% na componente ambiental, por força de uma tabela escalonada, em função dos tempos de uso, até 15 anos».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.2.1.1 DOS REQUISITOS DA ADMISSIBILIDADE

Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:

i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);

ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);

iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].

iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].

2.2.1.2 DA OPOSIÇÃO

Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii), dizendo, desde já, que é de considerar que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e cujo quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfiram, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
A Recorrente identificou como questão de direito decidida em sentido divergente pelos acórdãos em confronto a da conformidade com o Direito da União Europeia, designadamente com o disposto no art. 110.º do TFUE, das liquidações de ISV efectuadas em 2022, ao abrigo da redacção do n.º 1 do art. 11.º do CISV em vigor à data, que é a introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021. Dito de outro modo, a questão que se coloca consiste em saber se a referida redacção do n.º 1 do art. 11.º do CISV está em conformidade com o Direito da União Europeia, designadamente com o disposto no art. 110.º do TFUE, ao prever distintas taxas de redução nas componentes cilindrada e ambiental do imposto que recai sobre a importação de veículos usados de outros Estados-Membros da União Europeia.
Tendo como pano de fundo essa questão, vejamos o que a esse propósito ficou dito em cada uma das decisões arbitrais em confronto:
Na decisão arbitral recorrida está em causa um pedido de anulação parcial das liquidações de ISV, relativamente à admissão de dois veículos usados no território nacional em 2022, com a invocação de que, na redução prevista no art. 11.º do CISV, foram aplicadas, quanto à componente ambiental, «as percentagens de redução de 28% e 43%, quando deveria ter aplicado as percentagens de 52% e 65%, respectivamente, percentagens que foram aplicadas à componente cilindrada».
O Tribunal arbitral julgou procedente a pretensão do contribuinte, no entendimento de que a redacção dada ao art. 11.º do CISV pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro – apesar de pretender pôr termo às críticas que vieram a ser assumidas pelo TJUE no acórdão proferido em 2 de Setembro de 2021 no processo C-169/20 – não impede que a discriminação negativa dos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estados-Membros (comparativamente à tributação dos veículos originariamente registados em território português) se mantenha, embora por valores inferiores àqueles que vinham sendo praticados até 31 de Dezembro de 2020, termos em que entende que a violação do art. 110.º do TFUE se mantém, na medida em que sujeita os veículos usados importados de outros Estados-Membros a uma carga tributária superior ao do imposto residual contido nos veículos usados similares transaccionados no mercado nacional.
Por sua vez, na decisão arbitral fundamento estava em causa o pedido de anulação de liquidação de ISV efectuada em 2022 na parte em que, ao abrigo do n.º 1 do art. 11.º do CISV, na redacção introduzida pela Lei nº 75-B/2020, de 31 de Dezembro, foi feita uma redução de 28% na componente ambiental, ao invés de, como na redacção na componente cilindrada, se ter feito uma redução de 52%.
O tribunal arbitral entendeu, após invocar o entendimento sufragado pelo TJUE na decisão proferida no processo C-169/20, «que o artigo 11.º, n.º 1 do CISV, ao prever, na admissão de veículos usados provenientes de outros Estados-Membros da União Europeia, reduções do imposto diferenciadas em função dos tempos de uso, consoante se trate da componente cilindrada ou da componente ambiental, que não tenham exclusivamente em conta o preço, seja incompatível com a jurisprudência comunitária dimanada da interpretação do artigo 110.º do TJUE, contanto que as componentes que integram o imposto assentem em critérios objectivos e verificáveis».
Por isso, julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade daquele acto de liquidação de ISV na parte respeitante à componente ambiental.
Como decorre do exposto, ambas as decisões arbitrais se debruçaram sobre a aplicação do n.º 1 do art. 11.º do CISV, na redacção introduzida pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro e adoptaram soluções divergentes.
Há, pois, que conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DO MÉRITO DO RECURSO

Há que ter presente que no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, proferido em 22 de Novembro de 2023, no processo n.º 25/23.8BALSB (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e8cd36f13c5f373980258a75003f3545.), em que se colocava questão idêntica à dos presentes autos, foi determinado o reenvio prejudicial para o TJUE para apreciação da seguinte questão: «o artigo 110.º do TFUE e os comandos ínsitos no acórdão do TJUE n.º C-169/20, são afrontados pela alteração legislativa de 2020 do artigo 11.º do CISV, que estabeleceu as regras de desvalorização da componente ambiental, mas em que a desvalorização da componente ambiental obedece a critérios distintos da desvalorização da componente da cilindrada, o que implica taxas de desvalorização distintas e, nessa medida, poderá acarretar um efeito discriminatório sobre os veículos usados importados de outros países da União?»
Entretanto, o TJUE remeteu àquele processo cópia da declaração que emitiu em 6 de Fevereiro de 2024 no âmbito do referido processo n.º C-399/23, do seguinte teor:
«O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».
A pedido do TJUE e perante essa declaração, o Conselheiro relator no processo n.º 25/23.8BALSB informou aquele Tribunal de que, «atenta a similitude de teor do presente Processo com o Processo C-399/23 (Ósoquim), de 6 de Fevereiro de 2024 – designadamente, atento o teor da questão prejudicial reenviada – o presente Tribunal não mantém mais o interesse no Reenvio suscitado».
De seguida, foi proferido acórdão nesse processo.
Porque a situação é em tudo idêntica à que foi suscitada no referido processo n.º 25/23.8BALSB e porque o n.º 3 do art. 8.º do Código Civil assim o impõe, vamos seguir, reproduzindo, o que ficou dito no acórdão proferido naquele processo em 24 de Abril de 2024 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1105149c8ffa87ca80258b0d005efd38.):

«[…] já se deixou amplamente exposta a evolução da legislação da tributação automóvel nacional e a necessidade da sua conformação às disposições europeias ao longo dos últimos anos [cfr. o já referido acórdão proferido naquele processo 25/23.8BALSB em 22 de Novembro de 2023, onde foi ordenada a suspensão da instância e o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia].
Naquela que é uma das últimas alterações introduzidas naquela legislação, por força daquele desiderato, fixou-se o regime que ora se sujeitou ao crivo de conformidade do Tribunal de Justiça da União e que, em resumo, estabeleceu um critério de desvalorização da componente ambiental para a determinação do imposto sobre veículos devido por veículos usados importados do espaço da União Europeia que, apesar de pretender reflectir o imposto implícito nos veículos nacionais similares, é distinto daquele fixado para a componente cilindrada que compõe aquele imposto.
[…] Ora, por força das exigências de paridade de tratamento não penalizador destes veículos, entendeu o Tribunal de Justiça da União pronunciar-se no sentido de que, sem prejuízo de o critério de desvalorização fixado no artigo 11.º do Código do ISV não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.
É o que se extrai da mencionada decisão C-399/23 (Ósoquim), de 6 de Fevereiro de 2024, em termos que são, em tudo, equivalentes aos dos presentes autos: “O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre os veículos, quando é aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.”
[…] Colocada assim a questão, está fácil de ver que a resposta dada à questão prejudicial colocada por este Tribunal àquele Tribunal de Justiça da União será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras do daquele Tribunal, o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”.
Assim sendo, a determinação da conformidade ou não da legislação aqui em causa com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras ainda daquele Tribunal, por “determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.”
[…] Como está fácil de ver, esta comparação não foi, em momento algum, equacionada ao longo dos processos arbitrais aqui em confronto – ou, pelo menos, não o foi nos termos expressos em que o Tribunal de Justiça da União o exige – e pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.
Sucede que uma tal indagação – que carece de ser feita para se concluir acerca da conformidade ou não com o Direito Europeu – é, forçosamente, de natureza factual e encontra-se, por imposição legal, não apenas fora do âmbito do presente recurso uniformizador como, inclusivamente, fora do âmbito das competências deste Supremo Tribunal.
Assim sendo, importa apenas concluir no sentido da anulação da decisão arbitral recorrida».

Com esta fundamentação que vimos de citar e de que aqui nos apropriamos, também concluímos no sentido da anulação da decisão arbitral recorrida, como decidiremos a final.

2.2.4 CONCLUSÃO

Preparando a decisão, formulamos a seguinte conclusão:

A questão de saber se o regime vertido no art. 11.º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em conhecer do mérito do recurso, conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pelo Recorrido.


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Comunique-se ao CAAD.

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Lisboa, 26 de Junho de 2024. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.