Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0929/12.3BEALM 01021/17
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
TERRENO PARA CONSTRUÇÃO
CONSTRUÇÃO DE IMÓVEL
Sumário:I - Nesta matéria, é sabido que o descrito art. 10º nº 5 do CIRS, enquanto norma de incidência (negativa), a matéria sobre que versa está sujeita ao princípio da legalidade tributária - cf. art. 8º nº 1 da Lei Geral Tributária (LGT), bem como, eventuais lacunas que encerre não são susceptíveis de integração analógica - art. 11º nº 4 do mesmo diploma legal, ou seja, os conceitos utilizados no analisado art. 10º nº 5 estão proibidos, pelo legislador, de serem estendidos a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.
II - O argumento interpretativo da norma, baseado apenas na interpretação literal não cede tendo em conta a interpretação sistemática da lei, conforme se constata pela análise do n.º 6, tanto mais que esta disposição (que tem de ser lida em conjugação com o nº 5) aponta exactamente em direcção oposta quando contempla, de forma distinta, as três situações enunciadas na al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS, evidenciando uma clara separação dos casos contemplados na lei.
III - Da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS vigente à data, resulta que o legislador, de forma expressa, distinguiu, alternativamente, o reinvestimento do valor de realização na aquisição da propriedade de outro imóvel, na aquisição de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel, ou seja, foi o próprio legislador que distinguiu as três possíveis situações de reinvestimento do valor de realização, sem que se afigure possível ao intérprete retirar outro sentido da lei que não esse, isto é, não é possível da lei e do seu espírito, extrair a possibilidade de o sujeito passivo poder reinvestir o valor de realização na aquisição do terreno e simultaneamente na construção do imóvel nesse mesmo terreno, repita-se, à luz da norma então em vigor, e aqui aplicável.
IV - Tal análise sai reforçada pela actual redacção da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS (introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, cujo art. 17º nº 7 refere expressamente que “Os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, aplicam-se apenas às mais-valias apuradas a partir de 1 de janeiro de 2015”), a mesma prevê a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições, nomeadamente, e para o que releva nos presentes autos, o valor de realização seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.
V - Assim, não se trata de uma mera clarificação, mas sim de uma alteração da configuração das alternativas consignadas na lei, em que a última hipótese, que abrangia a construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel, passou a considerar só as últimas duas situações, sendo a referência a construção integrada no segundo segmento da norma, compreendendo a aquisição de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou seja, passou a prever a situação dos autos, o que não acontecia antes de 01-01-2015.
Nº Convencional:JSTA000P28226
Nº do Documento:SA2202110060929/12
Data de Entrada:09/27/2017
Recorrente:A............
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 929/12.3BEALM (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A…………, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, datada de 30-01-2017, que julgou improcedente a pretensão pelo mesmo deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto tributário de liquidação de IRS n.º 2012 250004800302, referente ao ano de 2008, e respectiva liquidação de juros compensatórios, no valor total de € 36.342,26, bem como contra a decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra aquele acto de liquidação.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

I. Reproduz-se porque constitui matéria pertinente para a boa decisão da causa, toda a matéria de facto dada por provada pelo Ilustre Tribunal a quo, que em síntese, comprova, que o terreno e a construção, que em conjunto constituem habitação própria permanente foram atempadamente finalizados, cumprindo todos os requisitos impostos pelo n.º 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, na versão que lhe foi conferida pelo Decreto-lei n.º 361/2007 de 2 de novembro, para que fosse conferida ao Recorrente a exclusão de tributação prevista na Lei.

II. Ao que parece o Ilustre Tribunal a quo interpretou a referida norma como se esta tivesse sido formulada pela negativa e não pela positiva, no entanto é entendimento dominante na doutrina que só por meio de uma interpretação a contrario sensu é que transformamos uma norma negativa numa positiva (como era defendido pelo Prof. MANUEL DE ANDRADE traduzia-se na falibilidade do argumento a contrario sensu).

III. No caso em apreço, as restrições constantes à aplicação do n.º 5 constam integralmente no n.º 6 do enunciado diploma, pelo que qualquer interpretação restritiva ao âmbito de aplicabilidade da norma resulta numa dupla exclusão.

IV. Ora, os pressupostos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação integral da aludida disposição legal de não incidência, parecem recusar em absoluto a interpretação do Ilustre Tribunal Recorrido, já que são eles exatamente os seguintes: a) que os imóveis (o alienado e o adquirido) tenham por fim, e exclusivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar b) que o produto da alienação seja investido na nova habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar.

V. Parece, deste modo, evidente que, o elemento literal da regra em apreço não integra, portanto, uma exclusão da exclusão, a saber - que ao valor de realização reinvestido o contribuinte tenha que optar entre: inscrever como exclusão da tributação aquisição do terreno ou a construção do imóvel - quando a Lei diretamente refere no seu n.º 5 do artigo 10.º do citado diploma que: “… São excluídos da tributação, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: …” e a própria Lei, estabelece, tipificadamente, em que situações não existe lugar à exclusão de tributação (ou seja, à exclusão das mais-valias); no Artigo 10.º n.º 6 do citado diploma.

VI. Na verdade, os nºs 5 e 6 do referido artigo 10.º formam um único corpo legislativo único, não podendo ver-se separadamente. Pelo que é entendimento do Recorrente que o argumento interpretativo da norma, baseado apenas na interpretação literal, cede tendo em conta a interpretação sistemática da lei, conforme se constata pela análise do n.º 6, mas também pelo elemento teleológico que preside à análise da citada norma legal.

VII. O argumento teleológico na interpretação da norma busca os fins sociais e bens comuns e é parte integrante da intenção legislativa. Tratando-se de hermenêutica jurídica, a sistematização da interpretação do Direito deve necessariamente passar por uma leitura valorativa constitucional, política e até sociológica.

VIII. No que respeita à ratio legis da norma, como aceitar, que no espírito do legislador pairasse sequer a intenção de introduzir um elemento de descriminação negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um agregado familiar cuja habitação decomposta entre aquisição de um terreno e construção própria tenha um tratamento diferente da aquisição de uma propriedade vulgarmente denominada como “chave na mão”?

IX. Pelo que, entende o Recorrente que a interpretação literal do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS à data em vigor, deve ser ainda condicionada pelo espírito da aludida disposição normativa. Ou seja, pela política legislativa-constitucional que lhe está subjacente;

X. Verifica-se que as mais-valias imobiliárias são genericamente tributáveis em sede de IRS, enquanto incrementos patrimoniais; e que a exclusão de incidência de tributação (delimitação negativa de incidência) ao aplicar-se apenas aos casos em que o valor obtido com a alienação de imóvel para habitação própria permanente é investido na compra de outro imóvel com o mesmo destino, busca favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente, eliminando os obstáculos das famílias na aquisição e alteração de casa própria.

XI. Entende o Recorrente que discriminar as famílias com base em terem adquirido terreno e efetuado construção de habitação própria não vai de encontro, quer quanto ao argumento literal, que como se viu não está verdadeiramente a autonomizar em que casos se aplica a exclusão, quer de encontro à interpretação sistemática, uma vez que a norma, artigo 10.º do citado diploma, expressamente prevê, no seu n.º 6 em que situações não se aplica a exclusão de tributação.

XII. E por fim a interpretação efetuada pelo Ilustre Tribunal a quo, não tem em conta os mais básicos princípios constitucionais aplicáveis, nomeadamente, o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) pois quem compra uma habitação já completada, pelo mesmo preço, do que quem adquire o terreno e a constrói; tem uma maior vantagem, não respeitando o princípio informador da capacidade contributiva e o da igualdade fiscal.

XIII. Afasta-se também do Principio da Verdade Material que decorre naturalmente do Principio da Legalidade, que estipula qual deve ser o objetivo do procedimento fiscal e contencioso tributário, pois a Administração Fiscal e o Ilustre Tribunal Recorrido, ao restringir o âmbito das exclusões tributárias, sem ter em conta o âmbito de todo o diploma e outra legislação e a Constituição da República Portuguesa; ao analisar e fundamentar apenas e meramente com recurso à letra do dispositivo enunciado no n.º 5 do artigo 10.º do já referido e citado diploma, está como que a legislar. Âmbito que saí fora das suas funções e atribuições jurídico-constitucionais, de acordo com o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da C.R.P..

XIV. Ao fazer-se uma interpretação restritiva da norma em crise, de forma a excluir do seu âmbito de incidência, situações em que o sujeito passivo adquire o terreno e faz a construção, entendendo-se que o valor sobre o qual se aplica o benefício fiscal é apenas o do terreno ou o da construção, é necessariamente o mesmo que tributar o valor restante, colocando-o no âmbito da incidência do imposto; ato administrativo em absoluto contrário aos ditames constitucionais (inconstitucionalidade orgânica).

XV. Ora, sendo certo ser a indiscutível densificação dogmática do princípio da tipicidade legal que determina que o imposto deve ser desenhado de forma suficientemente determinada, sem margem para desenvolvimento regulamentar nem para discricionariedade administrativa quanto aos seus elementos essenciais e interpretação, e não se detetando qualquer falha a esse nível na norma em crise, tudo indicará que, para além de ilegal, a aplicação efetuada da norma ao caso concreto é igualmente desconforme aquele preceito constitucional.

XVI. Por outro lado, a exclusão da tributação, tendo em conta a utilização exclusiva do argumento literal e das disposições comuns de interpretação de normas, do artigo 9.º do C.C., conforme fez o Ilustre Tribunal a quo, e desconsiderando os princípios e normas subjacentes ao ramo do direito em causa, o Direito Fiscal, não se coaduna com as regras aplicáveis a este ramo do direito, no âmbito das quais o direito civil é aliás o ramo do direito mais distante, veja-se o artigo 2.º da LGT e ainda como refere o n.º 3 artigo 11.º da LGT: "… Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários ...”.

XVII. Ora, um terreno para construção adquirido com a finalidade do proprietário nele instalar uma habitação, neste caso casa de morada de família, fica a constituir uma realidade indivisível, quando a construção é completada. Tanto mais que a inscrição na matriz é única e una, dá origem a um único artigo matricial, e a uma única descrição registral, pois são realidades indissociáveis.

XVIII. Ora este é o critério jurídico e económico de habitação, estrutura habitacional que tem que estar implantada num terreno, constituindo uma única realidade, esse é o entendimento que retira o recorrente do douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo n.º 07073/13, datado de 12 de Dezembro de 2013 (Cujo Relator foi o Ilustre Juiz Desembargador o Sr. Dr. JOAQUIM CONDESSO). Ou seja, o Ilustre Tribunal Superior, não faz qualquer tipo de dissociação entre realidades advenientes da aquisição e construção, antes da unicidade do imóvel desde que os prazos legais estejam devidamente respeitados.

XIX. Por outro lado, acresce ainda que, a Ilustre Sentença recorrida sustenta a referida alteração sustentada pelo facto de o legislador, na redação atual do artigo 10.º, n.º 5, do CIRS, de: “... forma expressa, distinguiu, alternativamente, o reinvestimento do valor de realização na aquisição da propriedade de outro imóvel, na aquisição de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel. Ou seja, foi o próprio legislador que distinguiu as três possíveis situações de reinvestimento do valor de realização, sem que se afigure possível ao intérprete retirar outro sentido da lei que não esse, isto é, não é possível da lei e do seu espírito, extrair a possibilidade de o sujeito passivo poder reinvestir o valor de realização na aquisição do terreno e simultaneamente na construção do imóvel nesse mesmo terreno, repita-se, à luz da norma então em vigor, e aqui aplicável ...”.

XX. Sucede que com a redação introduzida pela Lei n.º 82-E/2014 de 31 de Dezembro ao referido preceito, terá pretendido o Legislador, não alargar o âmbito da exclusão, mas antes aclarar um texto em que se verifica clara falta de coerência semântica, propício a várias interpretações. Evitando que diferentes Serviços de Finanças tivessem diferentes entendimentos sobre os mesmos factos.

XXI. Só existem dois ofícios circulados por parte da Administração Tributária respeitante à exclusão de mais valias, o Ofício-Circulado 20054, de 11/10/2001 - Direcção de Serviços do IRS; e o Ofício-Circulado 9/93, de 12/06 - Direcção de Serviços do IRS. Em nenhum deles estabelece a Administração Tributária o critério legal de enquadramento das exclusões das mais-valias.

XXII. É que o entendimento de que a lei nova alterou o regime das exclusões, com o devido respeito não faz qualquer sentido, uma vez que até do PROJETO DA REFORMA DO IRS, de autoria da COMISSÃO PARA A REFORMA DO IRS, melhor plasmado nas motivações de recurso, as alterações que recomendaram ao legislador e foi aceite dizem respeito ao momento em que a propriedade de “partida” é vendida, não colocando em questão a existência de qualquer distinção relativamente ao facto do reinvestimento ser efetuado na aquisição ou na construção do imóvel, tão somente quanto aos prazos para o seu início e finalização.

XXIII. Evidenciando que a desigualdade dizia respeito aos prazos e não quanto ao facto de o imóvel ser de aquisição direta ou para construção (terreno mais obras). Afastando-se de qualquer “conflito” interpretativo, surgindo no diploma publicado de facto uma formulação mais “feliz” do diploma, no que diz respeito a possibilidade de o reinvestimento do valor de realização ocorrer parcelarmente, antes e depois da alienação, essa sim é a alteração (temporal) que propõe e melhor formula, não estabelecendo qualquer alteração relativamente às exclusões específicas do n.ºs 5 e 6.

XXIV. Nestes termos e nos mais de Direito, deve o presente recurso judicial ser julgado tempestivo e procedente, e em consequência:

a) Ser substituída a douta Sentença proferida em Primeira Instância. De forma a ser anulado o despacho do Ilustre Chefe de Finanças na parte em que não reconhece ao impugnante o valor para efeitos de exclusão de tributação no montante de € 152.515,29 euros, relativos às despesas de aquisição documentadas e aceites pela Administração Fiscal, de modo a que a sentença inclua quer as despesas de relativas à construção quer as despesas relativas à aquisição, para efeitos de exclusão de tributação, tal como previsto no n.º 5 do artigo 10.º do CIRS.

b) E em consequência anulada a liquidação de imposto relativa ao IRS de 2008, a originária e a posterior que já considere o deferimento parcial (que ainda não foi notificada ao impugnante), e em sua substituição ser ordenada a liquidação de imposto considerando a totalidade das despesas apresentadas e reconhecidas pela Administração Fiscal, para efeitos de exclusão de tributação.

c) Serem anuladas todas as liquidações dos juros compensatórios que não incluam a exclusão de tributação anteriormente requerida.

TERMOS EM QUE SE REQUER A V. EXAS., A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA ORA EM CRISE PELOS MOTIVOS SUPRA EXPOSTOS,

VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO ASSIM A ACOSTUMADA JUSTIÇA.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar se é possível ao ora Recorrente, para efeitos de exclusão da tributação de mais-valias em sede de IRS, utilizar o valor obtido com a alienação da habitação própria e permanente e reinvesti-lo na aquisição de terreno para construção e na construção do imóvel destinado a esse mesmo fim.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Em 19-02-1999 foi entre o impugnante, na qualidade de comprador, e a sociedade «B………… Lda.», na qualidade de vendedora, celebrado contrato de compra e venda, através do qual o impugnante adquiriu pelo preço de $ 18.694.000,00 (dezoito milhões seiscentos e noventa e quatro mil escudos) o lote de terreno para construção, designado pelo lote n.º …, sito em Casal do Sapo, Vila Alegre, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …., inscrito na matriz sob o artigo …., da freguesia de Fernão Ferro (cfr. escritura pública de fls. 85 a 87 do processo administrativo – PA – apenso aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. O prédio identificado no número antecedente – artigo …. – deu origem ao prédio urbano destinado à habitação – artigo ….. –, sito na Rua ………, n.º …, Pinhal do General, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …., o qual foi inscrito na matriz pelo impugnante em 2003 e que constituía o seu domicílio fiscal e habitação própria e permanente (cfr. fls. 72, 95 e 96 do PA apenso; facto não controvertido);

3. Em 14-11-2008 foi entre o impugnante e a sua esposa, na qualidade de vendedores e C………… e sua esposa, na qualidade de compradores, celebrado contrato de compra e venda, através do qual o impugnante e a sua esposa venderam, pelo preço de € 450.000,00, o prédio urbano identificado no número anterior (cfr. escritura pública de fls. 89 a 93 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

4. No contrato identificado no número anterior interveio como mediador imobiliário a sociedade «D…………, Lda.», a qual, pelos serviços de intermediação, cobrou o valor de € 19.800,00, pago pelo impugnante (cfr. escritura pública de fls. 89 a 93 do PA apenso; factura e cheque de fls. 58 e 59 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

5. Na mesma data - 14-11-2008 - foi entre o impugnante e a sua esposa, na qualidade de compradores e E………… e F…………, na qualidade de vendedores, celebrado contrato de compra e venda, através do qual o impugnante e a sua esposa adquiriram pelo preço de € 122.000,00 o prédio urbano composto por lote de terreno para construção urbana, sito em Casal do Sapo, freguesia de Fernão Ferro, concelho do Seixal, descrito na Conservatória do Registo Predial do Seixal sob o n.º …., inscrito na matriz sob o artigo …. (cfr. escritura pública de fls. 7 a 11 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

6. O impugnante suportou, com a aquisição do terreno identificado no número antecedente, custos no valor total de € 10.715, 29 (fls. 9, 12, 13, 38, 39 e 40 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7. Em 29-04-2009 foi emitida pela Câmara Municipal do Seixal, em nome do impugnante, o comprovativo de admissão de comunicação prévia n.º 31/2009 referente a obras de construção no prédio identificado no número antecedente (cfr. fls. 77 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

8. Em 19-05-2009 o impugnante procedeu à entrega de declaração modelo 3 do IRS referente ao ano de 2008, tendo no quadro 4 do anexo G declarado a aquisição e venda do prédio urbano inscrito sob o artigo ……, da freguesia de Fernão Ferro, inscrevendo os seguintes valores:

[Imagem]

(cfr. fls. 63 a 67 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
9. Ainda na declaração identificada no número anterior, o impugnante manifestou a intenção de reinvestir o montante de € 450.000,00, bem como o reinvestimento de € 131.714, 29 no ano da venda (cfr. fls. 63 a 67 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
10. Na sequência da declaração identificada em 1) foi em 23-06-2009 emitida a liquidação de IRS n.º 2009 5003466646, com reembolso de imposto valor de € 2.391,21 (cfr. fls. 68 do PA apenso);
11. Em 09-07-2010 o impugnante procedeu à entrega da declaração modelo 1 do IMI com vista à inscrição de uma moradia – prédio inscrito sob o artigo …. – e ao qual foi atribuído o valor patrimonial tributário de € 246.160,00 (cfr. escritura pública de fls. 74 do PA apenso);
12. A moradia identificada no número antecedente foi afecta à habitação própria e permanente do impugnante em 26-03-2010 (facto que se extrai a informação que serve de suporte à decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa a fls. 101 do PA apenso e não impugnado);
13. O impugnante suportou, com a construção da moradia identificada em 11), custos no valor total de € 232.681,29 (fls. 6 a 37 e 39 a 57 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
14. Em 23-07-2012, face à não entrega do anexo G, foi emitida a liquidação n.º 2012 5004800302, com imposto a pagar no valor de € 36.342,26, tendo como data de pagamento voluntário o dia 29-08-2012 (cfr. fls. 62 e 69 a 71 do PA apenso);
15. Em 21-08-2012 o impugnante apresentou, no Serviço de Finanças do Seixal - 1, reclamação graciosa contra a liquidação identificada no número antecedente (cfr. fls. 15 e 16 dos autos e fls. 100 a 168 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
16. Em 06-03-2012 foi exarada informação pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal a propor o deferimento da parcial da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante, que mereceu despacho concordante Chefe da Divisão de Justiça Tributária, em 21-09-2012, e que parcialmente se transcreve:

[Imagem]
(cfr. fls. 18 a 24 dos autos e fls. 100 a 103 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
17. A proposta de deferimento parcial da reclamação graciosa identificada no número anterior foi remetida ao impugnante, através do ofício n.º 025962, de 21-09-2012, para exercício do direito de audição (cfr. fls. 17 dos autos e fls. 104 do PA apenso);
18. Em 04-10-2012 o impugnante exerceu, por escrito, o direito de audição sobre a proposta de deferimento parcial da reclamação graciosa (cfr. fls. 25 e 26 dos autos e fls. 105 e 106 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
19. Com base na informação exarada pela Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Setúbal, foi pelo Chefe da Divisão de Justiça Tributária proferida, em 10-10-2012, decisão de deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante, tornando definitivo o projecto identificado em 14) (cfr. fls. 28 a 30 dos autos e fls. 106 e 107 do PA apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
20. A decisão de deferimento da parcial da reclamação graciosa identificada no número anterior foi remetida ao impugnante através do ofício n.º 028209 de 11-10-2012, do qual o impugnante tomou conhecimento em 15-10-2012 (cfr. fls. 27 dos autos e fls. não numerada do PA apenso);
21. A presente impugnação judicial deu entrada no TAF de Almada em 30-10-2012 (cfr. carimbo aposto a fls. 1 dos autos).

* * *
B) FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.

A convicção do tribunal baseou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente nas informações oficiais, documentos constantes dos autos e do processo administrativo apenso, conforme remissão feita a propósito de cada número do probatório.”

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3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar se é possível ao ora Recorrente, para efeitos de exclusão da tributação de mais-valias em sede de IRS, utilizar o valor obtido com a alienação da habitação própria e permanente e reinvesti-lo na aquisição de terreno para construção e na construção do imóvel destinado a esse mesmo fim.

Nas suas alegações, o Recorrente refere que os pressupostos do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS, para efeitos de aplicação integral da aludida disposição legal de não incidência, parecem recusar em absoluto a interpretação do Ilustre Tribunal Recorrido, já que são eles exactamente os seguintes: a) que os imóveis (o alienado e o adquirido) tenham por fim, e exclusivamente, a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar b) que o produto da alienação seja investido na nova habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, o que implica que o elemento literal da regra em apreço não integra, portanto, uma exclusão da exclusão, a saber - que ao valor de realização reinvestido o contribuinte tenha que optar entre: inscrever como exclusão da tributação aquisição do terreno ou a construção do imóvel - quando a Lei directamente refere no seu n.º 5 do artigo 10.º do citado diploma que: “… São excluídos da tributação, os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições: …” e a própria Lei, estabelece, tipificadamente, em que situações não existe lugar à exclusão de tributação (ou seja, à exclusão das mais-valias), sendo que os nºs 5 e 6 do referido artigo 10.º formam um único corpo legislativo único, não podendo ver-se separadamente. Pelo que é entendimento do Recorrente que o argumento interpretativo da norma, baseado apenas na interpretação literal, cede tendo em conta a interpretação sistemática da lei, conforme se constata pela análise do n.º 6, mas também pelo elemento teleológico que preside à análise da citada norma legal, pois que o argumento teleológico na interpretação da norma busca os fins sociais e bens comuns e é parte integrante da intenção legislativa e tratando-se de hermenêutica jurídica, a sistematização da interpretação do Direito deve necessariamente passar por uma leitura valorativa constitucional, política e até sociológica.

Depois, no que respeita à ratio legis da norma, como aceitar, que no espírito do legislador pairasse sequer a intenção de introduzir um elemento de descriminação negativa entre famílias, prejudicando com uma carga fiscal adicional um agregado familiar cuja habitação decomposta entre aquisição de um terreno e construção própria tenha um tratamento diferente da aquisição de uma propriedade vulgarmente denominada como “chave na mão”, o que quer dizer que a interpretação literal do n.º 5, do artigo 10.º do CIRS à data em vigor, deve ser ainda condicionada pelo espírito da aludida disposição normativa. Ou seja, pela política legislativa-constitucional que lhe está subjacente.

Ora, as mais-valias imobiliárias são genericamente tributáveis em sede de IRS, enquanto incrementos patrimoniais; e que a exclusão de incidência de tributação (delimitação negativa de incidência) ao aplicar-se apenas aos casos em que o valor obtido com a alienação de imóvel para habitação própria permanente é investido na compra de outro imóvel com o mesmo destino, busca favorecer a propriedade do imóvel destinado a habitação permanente, eliminando os obstáculos das famílias na aquisição e alteração de casa própria, ou seja, discriminar as famílias com base em terem adquirido terreno e efetuado construção de habitação própria não vai de encontro, quer quanto ao argumento literal, que como se viu não está verdadeiramente a autonomizar em que casos se aplica a exclusão, quer de encontro à interpretação sistemática, uma vez que a norma, artigo 10.º do citado diploma, expressamente prevê, no seu n.º 6 em que situações não se aplica a exclusão de tributação, além de que a interpretação efetuada pelo Ilustre Tribunal a quo, não tem em conta os mais básicos princípios constitucionais aplicáveis, nomeadamente, o princípio da igualdade (artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa) pois quem compra uma habitação já completada, pelo mesmo preço, do que quem adquire o terreno e a constrói; tem uma maior vantagem, não respeitando o princípio informador da capacidade contributiva e o da igualdade fiscal e afasta-se também do Principio da Verdade Material que decorre naturalmente do Principio da Legalidade, que estipula qual deve ser o objectivo do procedimento fiscal e contencioso tributário, pois a Administração Fiscal e o Ilustre Tribunal Recorrido, ao restringir o âmbito das exclusões tributárias, sem ter em conta o âmbito de todo o diploma e outra legislação e a Constituição da República Portuguesa; ao analisar e fundamentar apenas e meramente com recurso à letra do dispositivo enunciado no n.º 5 do artigo 10.º do já referido e citado diploma, está como que a legislar, âmbito que saí fora das suas funções e atribuições jurídico-constitucionais, de acordo com o disposto no artigo 103.º, n.º 2, da C.R.P. e ao fazer-se uma interpretação restritiva da norma em crise, de forma a excluir do seu âmbito de incidência, situações em que o sujeito passivo adquire o terreno e faz a construção, entendendo-se que o valor sobre o qual se aplica o benefício fiscal é apenas o do terreno ou o da construção, é necessariamente o mesmo que tributar o valor restante, colocando-o no âmbito da incidência do imposto; acto administrativo em absoluto contrário aos ditames constitucionais (inconstitucionalidade orgânica).

Por outro lado, a exclusão da tributação, tendo em conta a utilização exclusiva do argumento literal e das disposições comuns de interpretação de normas, do artigo 9.º do C.C., conforme fez o Ilustre Tribunal a quo, e desconsiderando os princípios e normas subjacentes ao ramo do direito em causa, o Direito Fiscal, não se coaduna com as regras aplicáveis a este ramo do direito, no âmbito das quais o direito civil é aliás o ramo do direito mais distante, veja-se o artigo 2.º da LGT e ainda como refere o n.º 3 artigo 11.º da LGT: "... Persistindo a dúvida sobre o sentido das normas de incidência a aplicar, deve atender-se à substância económica dos factos tributários ...”.

Assim, um terreno para construção adquirido com a finalidade do proprietário nele instalar uma habitação, neste caso casa de morada de família, fica a constituir uma realidade indivisível, quando a construção é completada. Tanto mais que a inscrição na matriz é única e una, dá origem a um único artigo matricial, e a uma única descrição registral, pois são realidades indissociáveis e este é o critério jurídico e económico de habitação, estrutura habitacional que tem que estar implantada num terreno, constituindo uma única realidade.

Além disso, com a redacção introduzida pela Lei n.º 82-E/2014 de 31 de Dezembro ao referido preceito, terá pretendido o Legislador, não alargar o âmbito da exclusão, mas antes aclarar um texto em que se verifica clara falta de coerência semântica, propício a várias interpretações. Evitando que diferentes Serviços de Finanças tivessem diferentes entendimentos sobre os mesmos factos.

Que dizer?

É sabido que as mais-valias constituem incrementos patrimoniais (artigo 9º nº 1 al. a) do Código do IRS) ocasionais, não decorrentes do exercício de qualquer actividade, que provêm da valorização de um bem pelo decurso do tempo e que não devam ser considerados rendimentos de outras categorias, sendo que a sua inclusão no Código do IRS deriva da concepção do rendimento-acréscimo acolhida pelo legislador, “que alarga a base da incidência a todo o aumento do poder aquisitivo, incluindo nela as mais-valias” em contraposição à do rendimento-produto, “que leva a tributar o fluxo regular de rendimentos ligados às categorias tradicionais da distribuição funcional” (ponto 5 do preâmbulo do Código do IRS).

No domínio relevante para os autos, importará recordar o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do CIRS, na versão em vigor ao tempo do facto tributário em causa nos autos (2008), a saber:

“(…) 5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data da realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em território português;

b) Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;

c) Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir.

6 – Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando:

a) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afecte à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado;

b) Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, excepto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização;

c) Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização. (…)”.

A decisão recorrida procedeu à análise da realidade em apreço, negando abrigo à pretensão do ora Recorrente, pois que “… da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS vigente à data, resulta que o legislador, de forma expressa, distinguiu, alternativamente, o reinvestimento do valor de realização na aquisição da propriedade de outro imóvel, na aquisição de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel. Ou seja, foi o próprio legislador que distinguiu as três possíveis situações de reinvestimento do valor de realização, sem que se afigure possível ao intérprete retirar outro sentido da lei que não esse, isto é, não é possível da lei e do seu espírito, extrair a possibilidade de o sujeito passivo poder reinvestir o valor de realização na aquisição do terreno e simultaneamente na construção do imóvel nesse mesmo terreno, repita-se, à luz da norma então em vigor, e aqui aplicável.”


Pois bem, neste domínio, como se tem sublinhado na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, o conceito de reinvestimento subjacente ao nº 5 do artigo 10º é um “conceito económico” e, por isso, o que é essencial é provar que “o produto da alienação obtido na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar seja reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado ao mesmo fim” (Ac. deste Supremo Tribunal de 12-02-2020, Proc. nº 0116/07.2BECTB 01243/17, www.dgsi.pt). Preenchido esse pressuposto e os de que “o reinvestimento seja efectuado entre os 24 meses anteriores e os 36 meses posteriores contados da data da realização” e “o sujeito passivo manifeste a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando o respectivo montante na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação”, devem considerar-se verificadas as exigências legais para a isenção.

No entanto, a AT sustenta que “… a al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS prevê a exclusão de tributação caso o reinvestimento ocorra na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel. Por outro lado o nº 6 da norma distingue claramente as três situações, estabelecendo, para cada uma delas, individualmente, os factos impeditivos do benefício. Assim, deverá entender-se que o reinvestimento só poderá ocorrer numa daquelas situações e não em duas simultaneamente, como pretende o reclamante. Por conseguinte, ou se considera o reinvestimento no terreno ou o reinvestimento na construção, sendo que no 1º caso se aceita como valor reinvestido o custo de aquisição do terreno ou o seu valor patrimonial, se superior e, no 2º caso (reinvestimento na construção) se aceita como valor reinvestido apenas os custos de construção realizados dentro dos 36 meses após alienação …”, o que redundou na afirmação conclusiva de que “… Donde concluímos que estão reunidos por requisitos previstos na al. a) do nº 5 e al. c) do nº 6 do art.º 10º do CIRS para se verificar a exclusão de tributação. …”.

Avançando, diga-se que o aludido art. 10º nº 5 do CIRS, enquanto norma de incidência (negativa), a matéria sobre que versa está sujeita ao princípio da legalidade tributária (art. 8º nº 1 da Lei Geral Tributária), bem como, eventuais lacunas que encerre não são susceptíveis de integração analógica - art. 11º nº 4 do mesmo diploma legal, ou seja, os conceitos utilizados no analisado art. 10º nº 5 estão proibidos, pelo legislador, de serem estendidos a uma situação de facto não expressamente regulada na lei.
Diga-se ainda que na interpretação das normas fiscais se seguem os mesmos cânones hermenêuticos aplicáveis na interpretação da generalidade das normas jurídicas (art. 11º nº 1 da Lei Geral Tributária), dispondo o artigo 9º do C. Civil, que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada” (nº 1) e ainda que “não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” (nº 2) bem como que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (nº 3).
Tal significa que a letra da lei é não só o ponto de partida, é também um elemento irremovível de toda a interpretação, o que quer dizer que o texto funciona também como limite da busca do espírito, dada a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, impondo-se ainda sublinhar que a interpretação extensiva apenas é legítima quando há razões para concluir que uma hipótese mais vasta não pode ter deixado de ter sido ponderada pelo legislador.

Ora, a propósito de uma outra situação mas em que se faz a análise comparativa do arts. 10º nº 5 al. a) e 46º nº 3 do CIRS, o Ac. deste Supremo Tribunal de 18-01-2017, Proc. nº 0774/14, www.dgsi.pt, deixou consignado que: “… Dos normativos destacados parece-nos que, quando o legislador refere empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, este termo aquisição a que o legislador se refere não pode igualar-se em termos de significado jurídico ao conceito de aquisição referida no artº 46º nº 3 do CIRS que conduziu à incorporação do prédio na esfera jurídica do interessado por via da construção por conta do próprio interessado, na consideração primeira de que, ainda que a lei para efeitos fiscais integre no conceito de aquisição tanto o imóvel adquirido a terceiros como a imóvel construído pelo próprio, a mesma norma ao efectuar uma definição concreta para efeitos de cálculo do valor de aquisição, acaba por limitar a possibilidade de deduzir um qualquer empréstimo hipotecário contraído para a construção do imóvel.
A lei especifica um concreto modo de determinação do valor de aquisição a título oneroso de bens imóveis construídos pelo sujeito passivo onde prevalece uma espécie de prestação de contas assente por um lado no valor do terreno para construção e por outro nos concretos custos de construção devidamente documentados/comprovados permitindo que o valor de aquisição de um imóvel construído pelo contribuinte se aproxime ou coincida mesmo com o seu valor real de construção, tenha ou não existido empréstimo bancário para financiar a mesma. E daí, cremos que, face à possibilidade concreta de um empréstimo contraído para construção de um imóvel ser desviado dos seus fins pelo mutuário o legislador tenha limitado o benefício em causa apenas a, empréstimos contraídos para aquisição de imóvel, situação mais facilmente verificável e menos propensa a desvios relativamente aos seus fins.
Acresce referir que quando a lei exclui de tributação os ganhos provenientes da transmissão caso o sujeito proceda, no prazo de 24 meses, ao reinvestimento do valor de realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel - alínea a) do nº 5 do art. 10º do CIRS, estabelece assim, de forma clara, os critérios legalmente exigidos para que se verifique a exclusão de tributação: tem de haver, no prazo fixado, o reinvestimento do valor de realização, embora a este valor de realização seja deduzida a amortização do empréstimo contraído exclusivamente para a aquisição do imóvel, sendo que caso o empréstimo contraído esteja já integralmente amortizado, não há esta dedução, pese embora a injustiça que isso possa constituir relativamente aos contribuintes que na altura em que alienaram o imóvel que constituía a sua habitação já tenham procedido à amortização integral do empréstimo que tenham contraído.”.

Perante o que ficou dito, cremos que não procede a alegação do Recorrente no sentido de que o argumento interpretativo da norma, baseado apenas na interpretação literal, cede tendo em conta a interpretação sistemática da lei, conforme se constata pela análise do n.º 6, tanto mais que esta disposição (que tem de ser lida em conjugação com o nº 5) aponta exactamente em direcção oposta quando contempla, de forma distinta, as três situações enunciadas na al. a) do nº 5 do art. 10º do CIRS, evidenciando uma clara separação dos casos contemplados na lei, o que se afasta da leitura do Recorrente neste âmbito.

Assim, não merece censura a decisão recorrida quando tomou posição no sentido de que da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS vigente à data, resulta que o legislador, de forma expressa, distinguiu, alternativamente, o reinvestimento do valor de realização na aquisição da propriedade de outro imóvel, na aquisição de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel. Ou seja, foi o próprio legislador que distinguiu as três possíveis situações de reinvestimento do valor de realização, sem que se afigure possível ao intérprete retirar outro sentido da lei que não esse, isto é, não é possível da lei e do seu espírito, extrair a possibilidade de o sujeito passivo poder reinvestir o valor de realização na aquisição do terreno e simultaneamente na construção do imóvel nesse mesmo terreno, repita-se, à luz da norma então em vigor, e aqui aplicável.
Mas mais.
Tal análise sai reforçada pela actual redacção da alínea a) do n.º 5 do artigo 10.º do Código do IRS (introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, cujo art. 17º nº 7 refere expressamente que “Os n.ºs 5 e 6 do artigo 10.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, aplicam-se apenas às mais-valias apuradas a partir de 1 de janeiro de 2015”), a mesma prevê a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, desde que verificadas, cumulativamente, as seguintes condições, nomeadamente, e para o que releva nos presentes autos, o valor de realização seja reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou na ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino.

Ora, ao contrário do defendido pela Recorrente, não se trata de uma mera clarificação, mas sim de uma alteração da configuração das alternativas consignadas na lei, em que a última hipótese, que abrangia a construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel, passou a considerar só as últimas duas situações, sendo a referência a construção integrada no segundo segmento da norma, compreendendo a aquisição de terreno para construção de imóvel e ou respectiva construção, ou seja, passou a prever a situação dos autos, o que não acontecia antes de 01-01-2015.
Quanto ao mais, no que concerne ao princípio da igualdade em matéria de impostos, importar notar que tal princípio analisa-se em termos de capacidade contributiva ou capacidade para pagar, “revelada, nos termos da lei, através do rendimento ou da sua utilização e do património” (art. 4º nº 1 da Lei Geral Tributária), não se podendo falar na sua violação nas situações de injustiça relativa que, comparativamente, ocorrem relativamente aos contribuintes que, optaram pelo reinvestimento nos termos propostos pelo Recorrente, procedendo à aquisição de um terreno e efectuando a respectiva construção, não sendo tal procedimento relevado em toda a sua extensão para efeitos de exclusão de tributação dos ganhos de mais-valias, situação que conduz à improcedência do presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 6 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.