Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:080/23.0BALSB
Data do Acordão:06/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
IMPOSTO SOBRE VEÍCULO
Sumário:A questão de saber se o regime vertido no art. 11.º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
Nº Convencional:JSTA000P32442
Nº do Documento:SAP20240626080/23
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, não se conformando com a decisão arbitral proferida em 26 de março de 2022 no processo arbitral n.º 372/2021-T, vem, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do CPTA (Código de Processo nos Tribunais Administrativos) e do n.º 2, do artigo 25.º do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro), dela interpor recurso por alegada oposição com o decidido pela Decisão Arbitral proferida no Processo nº 350/2021-T, de 22/02/2022, na parte referente à conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, das liquidações de ISV efetuadas em 2021, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV à data em vigor (redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021).
A recorrente conclui as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal Administrativo da Decisão Arbitral proferida em 28.03.2022 no Processo n.º 372/2021-T, por contradição com a Decisão Arbitral proferida em 22.02.2022, no Processo n.º 350/2021-T, no respeitante à decisão de anulação parcial da liquidação impugnada (com anulação parcial da quantia paga em excesso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios) efetuada ao abrigo da nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro.
B. A Entidade Recorrente tem legitimidade e está em tempo para interpor o presente recurso, o qual é apresentado na sequência da notificação à Diretora-Geral da AT, efetuada por correio registado de 16.05.2023, da decisão sumária do Tribunal Constitucional, proferida em 15.05.2023, que recaiu sobre o recurso interposto pelo Ministério Público, atenta a cessação da interrupção dos prazos de outros recursos que caibam da decisão, conforme o disposto no artigo 75.º, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional.
C. A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a Decisão Arbitral que se indica como fundamento, relativamente ao entendimento da conformidade do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, com o direito da União Europeia, concretamente com o artigo 110.º do TFUE.
D. Na sequência do pedido do Requerente de anulação parcial da liquidação, a Decisão Arbitral a quo entendeu que deve ser aplicada, por referência à componente ambiental, a mesma percentagem de redução prevista na lei para a componente cilindrada, considerando que o artigo 11.º, n.º 1, do Código do Imposto sobre Veículos, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, na parte em que estabelece um critério diferenciado para a redução do imposto pelo tempo de uso para a componente ambiental, permite uma discriminação entre os veículos usados nacionais e os provenientes de países da União Europeia, viola o artigo 110.º do TFUE.
E. De acordo com a mesma decisão, conforme se extrai do sumário da mesma (ponto 3), o artigo 11.º, n.º 1, do CISV, na redação introduzida pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, “não está em conformidade com o direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE (aplicável por força do artigo 8.º, n.º 4 da CRP) porquanto o mesmo padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução aplicada à componente cilindrada (65%), na taxa de redução de ISV relativa à componente ambiental, onde aplicou apenas a taxa de 43%, em violação do disposto no artigo 110.º do TFUE ”.
F. Entendendo, assim, a mesma decisão, com referência à atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que “(…) haverá que continuar a entender, sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, que o Estado português ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado-Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, violou efetivamente o artigo 110.º TFUE” (a. págs. 42 da decisão).
G. Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com a Decisão Arbitral fundamento, pela anulação parcial da liquidação de ISV, por defender que a mesma padece de ilegalidade na parte em que não considerou aplicável a mesma taxa de redução às duas componentes, determinando a anulação parcial da quantia paga em excesso, e pela procedência do pedido de condenação da Requerida no pagamento dos juros indemnizatórios.
H. A Decisão Arbitral fundamento, proferida no Processo n.º 350/2021-T, em 22.02.2022, tendo também por base atos tributários de liquidação de Imposto Sobre Veículos efetuados ao abrigo da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, além de outros realizados ao abrigo da redação anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, entendeu que a nova redação está em conformidade com o direito da União Europeia, pugnando pela sua compatibilidade com o artigo 110.º do TFUE e com a jurisprudência comunitária (cf. págs. 27 a 31 da decisão).
I. A mesma decisão fundamento defende que, na sua decisão, o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na nova redação dada pelo artigo 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro”
J. Na Decisão fundamento, o tribunal arbitral, considerando, quanto às liquidações efetuadas em 2021, que as liquidações de ISV foram efetuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110.º do TFUE, não sendo o artigo 11.º, n.º 1, do CISV incompatível com a jurisprudência comunitária dimanada da interpretação do artigo 110.º do TFUE, estando de acordo com a decisão do TJUE proferida no Processo C-169/20, decidindo, por isso, pela procedência parcial do pedido, mantendo os atos de liquidação impugnados praticados em 2021.
K. Deste modo, a decisão Arbitral sob recurso considerou que, tendo sido aplicada a taxa prevista no n.º 1 do artigo 11.º, há que continuar a entender que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, viola o artigo 110.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, por não aplicar a mesma taxa/percentagem de redução prevista para a componente cilindrada, à componente ambiental.
L. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e a Decisão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com a conformidade com o direito da União Europeia, concretamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE, de liquidações de ISV efetuadas ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão contestada, com substituição da mesma por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de anulação parcial do ato de liquidação de ISV, com todas as consequências legais, ao abrigo do n.º 6, do artigo 152.º do CPTA.
M. A infração a que se refere o n.º 2 do artigo 152.º do CPTA traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral Recorrida considera que o n.º 1 do artigo 11.º do CISV, na redação introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, não está em conformidade com o disposto no artigo 110.º do TFUE, ao prever taxas de redução distintas para as componentes cilindrada e ambiental, a aplicar na tributação dos veículos admitidos de outro Estado-membro da União Europeia.
N. As anteriores redações do n.º 1, do artigo 11.º do CISV, aprovado pela Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho, dada pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro de 2016, e a sua conformidade com o Direito da União Europeia, designadamente com o disposto no artigo 110.º do TFUE foram objeto de processos de contencioso junto do Tribunal de Justiça, sendo que a redação resultante da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro de 2016, deu origem ao Proc.º n.º C-169/20 do TJUE, que opôs a Comissão Europeia ao Estado Português, norma igualmente questionada no âmbito de diversos litígios no tribunal arbitral tributário, por não prever a aplicação de percentagens de redução para a componente ambiental do ISV, as quais se encontravam previstas apenas para a componente cilindrada no cálculo do valor do imposto aplicável aos veículos usados admitidos no território nacional de outros Estados-membros.
O. Através da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento de Estado para 2021, ainda antes da prolação do Acórdão do Proc.º C-169/20, o legislador nacional procedeu à alteração da redação do n.º 1, do artigo 11.º do CISV, passando este a prever que os veículos usados provenientes de Estados–membros da União Europeia beneficiem de redução sobre a componente ambiental do ISV à semelhança do que já sucedia com a componente cilindrada do ISV, conforme resulta das percentagens constantes da tabela D constante daquela norma.
P. Conforme resulta da Proposta de Lei do Orçamento de Estado para 2021, a nova redação n.º 1 do artigo 11.º do CISV “(…) A tabela de desconto para a componente ambiental do ISV aplicável aos veículos usados provenientes de outros Estados-Membros, proposta pelo Governo na Proposta de Lei, mantém o essencial do entendimento da Comissão Europeia defendido na petição apresentada pela Comissão Europeia junto do Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito do processo n.º C-169/20 e salvaguarda as legítimas preocupações ambientais do Governo, já que as percentagens de redução propostas, ao invés de estarem associadas à desvalorização comercial média do veículo (como sucede no desconto aplicado à componente cilindrada), estão associadas diretamente à vida útil média remanescente dos veículos, o que configura uma boa métrica do horizonte temporal de poluição que o veículo irá gerar ao longo da sua vida.
Mantendo inalterada a lógica subjacente à tabela de taxas de desconto para a componente ambiental do ISV proposta pelo Governo, propõe-se uma redução do seu número de escalões e, consequentemente, reajustamento das suas taxas, por forma a que a tabela possa ser mais facilmente articulada com a tabela de descontos aplicável à componente cilindrada do ISV, já que, deste modo, ambas as tabelas passam a ter o mesmo número de escalões e as mesmas taxas, ainda que por referência a anos de uso diferentes (atenta a lógica distinta que subjaz a cada uma das tabelas).” (Cf. Proposta de Lei n.º 61/XIV/2ª – de acordo com a 2.ª Subst. 1261C-1).
Q. Não podendo, por conseguinte, ser imputados a atos de liquidação efetuados ao abrigo da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, introduzida pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, qualquer vício de violação do direito da União Europeia, mormente do artigo 110.º do TFUE, por não ter sido aplicada redução de anos de uso à componente ambiental, porque a nova redação do n.º 1 do artigo 11.º já prevê, na Tabela D, percentagens de redução para a componente ambiental.
R. Não obstante, a Decisão arbitral, ora recorrida, entende que a atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, por não prever e aplicar as mesmas taxas de redução para as duas componentes, cilindrada e ambiental, continua a violar o artigo 110.º do TFUE, considerando que o ato de liquidação resultante da aplicação da redução prevista na tabela D, para a componente ambiental padece de ilegalidade.
S. Defendendo a decisão arbitral sob recurso que embora o atual modelo de tributação tenha diminuído significativamente a discriminação que existia entre os veículos usados “importados” e os veículos usados do mercado nacional, a verdade é que não se pode afirmar que tenha sido eliminado qualquer efeito discriminatório (...), que continua a existir à luz da jurisprudência europeia invocada.
T. Afirmando, assim, com fundamento em conclusões que retira dos acórdãos proferidos nos Processos n.º C-290/05, C-200/15 e C-169/20, todos do TJUE, e das decisões dos processos arbitrais n.ºs 572/2018-T e 776/2019-T, as quais foram prolatadas quanto a impugnação de liquidações efetuadas ao abrigo da redação anterior do n.º 1 do artigo 11.º do CISV, que a nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º mantém, embora de forma mais limitada, o efeito discriminatório, continuando a exceder o montante residual incorporado no valor dos veículos usados similares comprados no território nacional.
U. Concluindo, no sentido de que “haverá que continuar a entender, sob a orientação da linha da jurisprudência constante do TJUE, que o Estado português ao desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados, postos em circulação no território português, e adquiridos noutro Estado-Membro, nomeadamente, por discriminar no âmbito do cálculo do imposto, a taxa de redução que é aplicável à componente ambiental, por confronto à aplicada à componente cilindrada, violou efetivamente o artigo 110.º TFUE“.
V. Ao invés do sustentado na decisão a quo, a nova redação da norma não continua a consagrar um “efeito discriminatório”, estabelecendo, tão só, taxas percentuais que, embora não sendo totalmente coincidentes com as reduções previstas para a componente cilindrada, têm o mesmo número de escalões e taxas, igualmente de 10% a 80%, embora com referência a diferentes anos de uso, conforme decorre da Tabela D, facto que assenta numa lógica “objetiva” (critérios objetivos), que atende à natureza específica de cada uma das componentes em causa.
W. E conforme se explicitou em sede de proposta do Orçamento de Estado para 2021, no caso da componente ambiental, atende-se à vida útil média remanescente dos veículos, não podendo afirmar-se, teoricamente, que tal facto permite a persistência de uma discriminação entre os veículos registados em território nacional e os veículos provenientes de outro Estado-membro, o que só pode ser aferido, em face dos critérios objetivos em presença.
X. Decorre da jurisprudência comunitária, especificamente do Acórdão de 05.10.2006, do Proc.º C-290/05 “Ákos Nadasdi”, que pela primeira vez se debruçou sobre a questão ambiental no âmbito do imposto sobre os veículos automóveis, que critérios como o tipo de motor, a cilindrada e uma classificação assente em fatores ambientais, constituem critérios objetivos, que podem ser utilizados no âmbito da tributação automóvel, desde que deles não resulte discriminação, não podendo ser onerados os veículos provenientes de outros Estados-membros face aos veículos nacionais similares.
Y. De acordo com o mesmo acórdão (Proc.º C-290/05) os Estados-membros têm liberdade para selecionar os critérios a utilizar no cálculo do imposto e estabelecer um sistema de tributação diferenciado para certos produtos em função de critérios objetivos como sejam a natureza das matérias-primas utilizadas ou os processos de produção aplicados, desde que compatíveis com o Tratado e direito derivado e se forem de molde a evitar qualquer forma de discriminação.
Z. Importando clarificar que, no caso do Proc.º C-200/15, como no do Proc.º C-169/20 (aos quais a decisão recorrida alude para sustentar a sua posição), o Tribunal de Justiça pronunciou-se quanto a situações de vazio jurídico, em que não estavam previstas na lei, em concreto no artigo 11.º do CISV, percentagens de desvalorização para veículos até um ano e desvalorização superior a 52% para veículos com mais de cinco anos, por referência à componente cilindrada (Proc.º C-200/15), nem percentagens de redução para a componente ambiental (Proc.º C-169/20).
AA. Ora, a questão sob escrutínio não se reconduz às situações visadas naqueles processos do Tribunal de Justiça, já que, na sua redação atual, o artigo 11.º, n.º 1, prevê, na tabela D, a aplicação de reduções nas duas componentes, cilindrada e ambiental, não podendo, por conseguinte, a decisão recorrida, para sustentar a sua posição, estender os seus efeitos à situação em apreço.
BB. No Proc.º C-169/20, o TJUE pronunciou-se quanto ao facto de o artigo 11.º, na redação da Lei n.º 71/2018, não prever percentagens de redução na componente ambiental, decidindo que, “ao não desvalorizar a componente ambiental no cálculo do valor aplicável aos veículos usados postos em circulação no território português e adquiridos noutro Estado-Membro, no âmbito do cálculo do imposto sobre veículos previsto no Código do Imposto sobre Veículos, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 71/2018, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 110.º TFUE”.
CC. E, ainda antes da prolação do acórdão no Proc.º C-169/20, a redação do artigo 11.º foi alterada no sentido de passar a prever percentagens de redução/desvalorização também para a componente ambiental, estabelecendo a nova/atual redação do n.º 1 do artigo 11.º, na tabela D, à semelhança da componente cilindrada, percentagens de redução por anos de uso, que vão igualmente de 10% a 80% embora com escalões de “idade” diferentes da componente cilindrada, pelo que, o imposto, atualmente, é calculado tomando em consideração a desvalorização real dos veículos usados, o que não ocorria antes da alteração legal.
DD. Acresce que, não se retira do Acórdão do Proc.º C-169/20 que, para garantir a neutralidade do imposto, as reduções/percentagens, atinentes à componente ambiental teriam de coincidir na totalidade com as previstas para a componente cilindrada, por só assim se eliminar toda a discriminação dos veículos usados admitidos de outros Estados–membros face aos veículos nacionais.
EE. Defende-se que, por outro lado, incumbe ao sujeito passivo/Impugnante demonstrar que o imposto resultante, calculado com a percentagem de redução que lhe foi aplicada por conta da componente ambiental, prevista na tabela D para o veículo em causa, não teve em conta a depreciação real do veículo, excedendo o montante residual incorporado no valor dos veículos usados semelhantes já matriculados em território nacional, tal como foi feito no âmbito do Proc.º C-169/20 do TJUE, conforme referido no ponto 16 do acórdão.
FF. A Decisão fundamento, conforme se extrai de págs. 27 a 31 da decisão, defende que “o Tribunal de Justiça não entendeu que a percentagem de redução de imposto a aplicar às componentes cilindrada e ambiental teria de ser a mesma, mas sim que a componente ambiental deveria ser desvalorizada, como já foi mediante a alteração ao n.º 1 do art.º 11.º do CISV, na nova redação dada pelo art.º 391º da Lei nº 75-B/2020, de 31 de dezembro”, concluindo que “as liquidações de ISV, ao aplicar o artigo 11.º do CISV, foram efetuadas em conformidade com a lei nacional em vigor e com o direito comunitário, cumprindo, designadamente, o disposto nos artigos 110.º e 191.º do TFUE e nos artigos 66.º e 103.º da Constituição, não existindo, consequentemente, a alegada discriminação da tributação dos veículos usados nacionais relativamente aos admitidos de outros Estados-membros e violação do artigo 110.º do TFUE.”
GG. No mesmo sentido da decisão fundamento pronunciam-se também, designadamente, as decisões arbitrais proferidas nos processos n.ºs 209/2021-T, 349/2022-T, 571/2022-T e 481/2022-T, já transitadas em julgado, sendo que a decisão do processo n.º 481/2022-T, aludindo à natureza dos critérios e possibilidade de aplicação de diferentes taxas de redução à componente cilindrada e à competente ambiental do imposto, refere o seguinte:
“31.O acórdão do processo C-290/05, de 05/10/2006, Ponto 52, esclarece que o critério ambiental é um critério objetivo e, sendo objetivo, como compensação não é exigível que o montante do imposto esteja relacionado com o preço do veículo.
Ora, a Tabela D do artigo 11.º do CISV tem duas componentes, a cilindrada e a ambiental e se, relativamente à primeira nenhumas dúvidas se suscitam quanto à relação que se possa estabelecer entre os preços dos veículos novos e usados e os valores residuais de imposto neles incorporados tendo em vista a liquidação do imposto, já relativamente à segunda tem de se concluir que há uma certa liberdade conformadora do imposto pelo legislador nacional, pois desde que ele tenha adotado critérios objetivos, de todos conhecidos e a todo o momento verificáveis, nada obriga a que as regras que funcionam para a componente cilindrada tenham necessariamente de ser aplicáveis à componente ambiental, estando neste caso justificada a diferenciação que se estabelece entre as diferentes percentagens por tempos de uso consoante as componentes.”
HH. No Proc.º n.º 209/2021-T, na parte referente ao pedido subsidiário – anulação parcial da liquidação efetuada ao abrigo da redação atual do n.º 1 do artigo 11.º do CISV – decidiu-se pela improcedência do mesmo, com fundamento, designadamente, em que:
“32. Não se vislumbra, contudo, ilegalidade na referida diferença (decorrente do facto de as percentagens de redução estarem associadas, nas componentes cilindrada e ambiental, à desvalorização comercial média dos veículos no mercado nacional e à vida útil média remanescente dos veículos, respectivamente). (…)
33. Usando, aqui, uma terminologia próxima da que foi adoptada pela Comissão Europeia na acção por incumprimento contra o Estado Português, interposta a 23/4/2020 no TJUE, ainda que com base numa redacção anterior deste art. 11.º do CISV (que desconsiderava totalmente a redução na vertente relativa à componente ambiental do ISV): se “a tabela de desvalorização adoptada pela legislação nacional [...] conduz[ir] [agora, com a nova redacção, e ao contrário do que sucedia com a anterior,] a uma aproximação razoável do valor real do veículo usado importado” (sublinhado nosso), então também já não será evidente que “o montante pago para registar um veículo usado importado excede o montante relativo a um veículo usado similar já registado em Portugal” e, consequentemente, também já não se concluirá, em face da actual redacção do referido artigo 11.º do CISV, existir uma violação do artigo 110.º do TFUE e da jurisprudência do supra referido Tribunal de Justiça.
34. (…) o Requerente também não apresentou nestes autos jurisprudência do TJUE que, atendendo ao disposto no artigo 110.º do TFUE, “vede, aos Estados Membros, a possibilidade de fixação de reduções diferenciadas para as duas componentes do ISV (componente cilindrada e componente ambiental).”
35. Acresce, ainda, que, como se referiu na factualidade não provada (vd. supra, ponto III.2), o Requerente não comprovou, nos presentes autos, a alegação, que fundamenta o seu pedido subsidiário, de que (vd. §§ 51 e 56 da p.i. e, genericamente, §§ 51 a 59) “o montante do imposto [aplicado à luz da ‘tabela de desvalorização pelo número de anos de uso, aplicável à componente ambiental do ISV’, com a ‘aprovação e publicação da Lei do Orçamento para 2021’], [teria sido] calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, [e] excede[ria] o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional.” Acresce que o Requerente remete (vd. § 62 da p.i.) a sustentação da alegação supra citada, que seria violadora do disposto no artigo 110.º do TFUE, para um processo (C-169/20) que não incidiu sobre a nova redacção do artigo 11.º do CISV (como refere, expressamente, o TJUE, no referido Acórdão do processo C-169/20, de 2/9/2021, em resposta à “afirmação da República Portuguesa, avançada na tréplica, de que está em discussão na Assembleia da República portuguesa uma nova redação para o artigo 11.º do Código do Imposto sobre Veículos”, [tal] “argumento é irrelevante, na medida em que a existência de um incumprimento deve, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser apreciada em função da situação do Estado-Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, de modo que as alterações posteriormente ocorridas não podem ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça”); e o mesmo se pode dizer das invocadas “inúmeras decisões arbitrais” (vd. §§ 63 e 64 da p.i.), também elas proferidas no contexto de redacção anterior do referido artigo do CISV.”.
II. Na decisão proferida no Proc.º n.º 349/2022-T, pugna-se pelo seguinte:
22.1(…) o Requerente limita-se a fazer a alegação de que «O montante do imposto, calculado sem tomar em consideração a depreciação real do veículo, excede o montante residual do imposto incorporado no valor dos veículos automóveis usados semelhantes já matriculados em território nacional» (ponto 60), sem o fundamentar, ou seja, não é suficiente alegar a diferenciação de reduções do imposto por ano de uso, e afirmar relativamente à componente ambiental que a norma atualmente em vigor e que esteve na base da liquidação do imposto pago pela impugnante continua a violar frontalmente o artigo 110.º do TFUE (…)
23.1 Há uma presunção de legalidade nas percentagens mencionadas na referida tabela que só fica em crise se for fundamentadamente questionada, o que não sucede nos presentes autos, uma vez que as provas existentes são unicamente a informação constante da DAV de introdução no consumo do veículo em que, para o caso, releva que o veículo teve uma data de primeira matrícula em 02.11.2011, foi admitido como usado com 26 949 quilómetros percorridos, é movido a gasolina/bioetanol, e emite 368 g/Km de CO2.(…)
JJ. No que concerne aos pressupostos do recurso, a Jurisprudência e a Doutrina têm entendido que o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
KK. O Regime Jurídico da Arbitragem Tributária prevê, no artigo 25.º, n.ºs 2 e 3, que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral, sendo-lhe aplicável, com as necessárias adaptações o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
LL. No caso vertente encontram-se preenchidos todos os requisitos de admissibilidade impostos pelo artigo 152.º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo n.º 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no Proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
MM. Está em causa a aplicação de forma diversa dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa e do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no recurso n.º 87156, de 26.04.1995.
NN. Decorre, de todo o exposto, que a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a Decisão fundamento, devendo a decisão recorrida ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de anulação parcial do ato de liquidação de ISV, supra identificado, praticado em 2021.

Termos em que, deve ser admitido o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência por se mostrar verificada a contradição entre a Decisão Arbitral proferida no Proc.º n.º 372/2021-T, em 28.03.2022 e a Decisão Arbitral fundamento, proferida no Processo n.º 350/2021-T, em 22.02.2022, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.

4 - Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA.

5 - Por Acórdão de 21 de março de 2024 o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA julgou verificada a oposição de julgados e suspendeu a instância de recurso até que fosse proferida decisão pelo TJUE no reenvio prejudicial a que se procedeu no processo n.º 25/23.8BALSB, devendo o Acórdão que vier a ser proferido pelo TJUE ser junto a este processo (fls. 415 e ss SITAFF).

6 – A recorrente veio requerer a junção aos autos do Acórdão proferido por este STA no processo n.º 25/23.8BALSB (fls. 484 SITAF).
- Fundamentação -
7 – Matéria de facto
7.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:
A. O Requerente introduziu em Portugal, com origem em França, pelo valor de € 11.560,00 (onze mil quinhentos e sessenta euros), o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, de marca ..., modelo ..., designação comercial “Q3”, movido a gasóleo, nº de motor ...33, n.º quadro ...44, cilindrada 1968 cc, de cor ... e outras, com 194.351 km percorridos.
B. O veículo foi matriculado pela primeira vez na França a 14 de novembro de 2013, tendo-lhe sido atribuída a matrícula ....0KG.
C. Após a concretização da compra e venda do veículo, ocorrida em 14 de abril de 2021, procedeu à sua importação, tendo em 17 de abril de 2021 dado entrada do mesmo em território nacional e, em 7 de maio de 2021, apresentado junto da Alfândega de Leixões a declaração aduaneira de veículo (DAV), para introdução no consumo do veículo
D. A DAV, à qual foi atribuído o nº. ...16, de 2020.05.07, foi apresentada pelo Requerente através de representante direto, tendo o declarante inscrito nos Quadro F e G (referentes à apresentação do veículo e matrículas anteriores), que o mesmo era uma viatura usada proveniente de França e com 194.351 km percorridos.
E. No quadro E da DAV, relativo às características do veículo, no item 51 (atinente à emissão de partículas) consta o valor de 0,0001 g/km, e no item 50 (relativo à emissão de Gases CO2) consta o valor de 156 g/km.
F. Atenta a data da 1.ª matrícula do veículo no país de origem, o veículo foi considerado um veículo com mais de 7 ano a 8 anos de uso, quanto à componente cilindrada, e com mais de 7 a 9 anos, quanto à componente ambiental, para efeitos dos escalões da Tabela D, prevista no n.º 1, do artigo 11.º do CISV, ao qual correspondem, respetivamente, percentagens de redução de 65% (componente cilindrada) e 43% (componente ambiental).
G. No Quadro R da referida DAV, alusivo ao cálculo ISV, o cálculo desse imposto foi efetuado, com recurso à aplicação da tabela aplicável aos veículos ligeiros de passageiros (Tabela A), pelo valor total de € 6.063,37.
H. Do valor total de imposto, € 4.380,64 são relativos à componente cilindrada, e € 7.947,63 são relativos à componente ambiental.
I. No que concerne à componente cilindrada, ao valor de € 4.380,64 foi deduzida a quantia correspondente a 65% do seu montante, ou seja, € 2.847,42, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados.
J. No que concerne à componente ambiental, ao valor de € 7.947,63 foi deduzida a quantia correspondente a 43% do seu montante, ou seja, € 3.417,48, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do CISV, aplicável aos veículos usados
K. A liquidação de imposto sobre o veículo em causa tem o n.º 2021/...70, de 2021-05-07.
L. O Requerente procedeu ao pagamento da totalidade do ISV, no montante de €6.063,37, em 27.05.2021.
M. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi apresentado a 22 de junho de 2021.

7.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral fundamento (que numerámos):
1. A Requerente introduziu em Portugal, entre ../../2020 e ../../2021, veículos ligeiros de passageiros usados, provenientes de diferentes Estados-membros da UE, (cfr. Doc. 1 à Impugnação e no processo administrativo), designadamente constantes das seguintes DAVs:
2. Em resultado da apresentação das DAVs acima referidas, a AT, através do Diretor da Alfândega de Peniche, liquidou ISV no valor global de € 23.082,77.
3. De acordo com a informação constante das mencionadas DAVs, o valor global de ISV liquidado tem como parcela um montante de € 39.391,88 referente à componente cilindrada, e um montante de € 3.179,57, referente à componente ambiental.
4. No que concerne à componente cilindrada referente às DAVs acima referidas, foi deduzida uma quantia total no valor de € 19.306,77, de acordo com as percentagens de redução constantes da tabela D prevista no n.º 1, do artigo 11.º, do Código do ISV, aplicável aos veículos usados.
5. Em relação à parcela da componente ambiental (de € 3.179,57), não foi aplicada qualquer percentagem de redução relativamente às liquidações efetuadas em 2020, ao abrigo da redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV (com referência à redação estabelecida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2017).
6. Porém, em relação às liquidações efetuadas em 2021, resultantes das DAV n.º 2021/..., n.º 2021/... e n.º 2021/..., foi aplicada uma redução, pelo montante total de € 181,90, à componente ambiental, nos termos da atual redação do n.º 1 do artigo 11.º do CISV e correspondente tabela D (i.e., ao abrigo da redação atribuída pela Lei n.º 75-B/2020, de 31 de dezembro, que aprovou a Lei do Orçamento do Estado para 2021).
Em resumo, o quadro abaixo espelha as reduções respetivamente aplicáveis às componentes cilindrada e ambiental, por DAV:
7. Por não se conformar, em parte, com a liquidação de ISV efetuada pela AT, na medida em que o respetivo cálculo não contemplou qualquer redução de taxa da componente ambiental (para as liquidações de 2020) ou uma redução de taxa equivalente àquela que é utilizada para a componente cilindrada (para as liquidações de 2021), a Requerente apresentou, em 11/02/2021, junto da Alfândega de Peniche, um pedido de revisão oficiosa dos correspondentes actos de liquidação de ISV.
8. Tal pedido de revisão foi indeferido, por despacho proferido pelo Diretor da Alfândega de Peniche, notificado à Requerente em 02.06.2021 (cfr. Doc. 7 da Impugnação e do processo administrativo).

8 – Decidindo
Do mérito do recurso
Como se disse já, os presentes autos foram suspensos até que fosse proferida decisão pelo TJUE no reenvio prejudicial a que se procedeu no processo n.º 25/23.8BALSB.
Entretanto, o TJUE remeteu àquele processo cópia da declaração que emitiu em 6 de fevereiro de 2024 no âmbito do referido processo n.º C-399/23, do seguinte teor:
«O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre veículos, quando é aplicado a um veículo usado proveniente de outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados».
A pedido do TJUE e perante essa declaração, o Conselheiro relator no processo n.º 25/23.8BALSB informou aquele Tribunal de que, «atenta a similitude de teor do presente Processo com o Processo C-399/23 (Ósoquim), de 6 de fevereiro de 2024 – designadamente, atento o teor da questão prejudicial reenviada – o presente Tribunal não mantém mais o interesse no Reenvio suscitado».
Em face do exposto e atento o disposto nos arts. 269.º, n.º 1, alínea c), 272.º, n.º 1, e 276.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, cumpre determinar a cessação da suspensão da instância, como decidiremos a final bem como verificar a repercussão da decisão do TJUE na decisão a proferir neste processo.
Porque a situação dos presentes autos é em tudo idêntica à que foi suscitada no referido processo n.º 25/23.8BALSB e atento o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil vamos seguir, reproduzindo, o que ficou dito no acórdão proferido naquele processo em 24 de Abril de 2024 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/1105149c8ffa87ca80258b0d005efd38.):
«[…] já se deixou amplamente exposta a evolução da legislação da tributação automóvel nacional e a necessidade da sua conformação às disposições europeias ao longo dos últimos anos [cfr. o acórdão proferido naquele processo 25/23.8BALSB em 22 de Novembro de 2023 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/e8cd36f13c5f373980258a75003f3545.)].
Naquela que é uma das últimas alterações introduzidas naquela legislação, por força daquele desiderato, fixou-se o regime que ora se sujeitou ao crivo de conformidade do Tribunal de Justiça da União e que, em resumo, estabeleceu um critério de desvalorização da componente ambiental para a determinação do imposto sobre veículos devido por veículos usados importados do espaço da União Europeia que, apesar de pretender reflectir o imposto implícito nos veículos nacionais similares, é distinto daquele fixado para a componente cilindrada que compõe aquele imposto.
[…] Ora, por força das exigências de paridade de tratamento não penalizador destes veículos, entendeu o Tribunal de Justiça da União pronunciar-se no sentido de que, sem prejuízo de o critério de desvalorização fixado no artigo 11.º do Código do ISV não ser equivalente àquele estabelecido para a desvalorização da componente cilindrada, nem por isso se tornaria forçosamente desconforme com o artigo 110.º do TFUE, conquanto o montante do imposto cobrado não se revelasse superior ao valor residual do imposto implícito nos veículos nacionais similares.
É o que se extrai da mencionada decisão C-399/23 (Ósoquim), de 6 de Fevereiro de 2024, em termos que são, em tudo, equivalentes aos dos presentes autos: “O artigo 110.º TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que não tem em conta, para efeitos do cálculo do montante de um imposto sobre os veículos, quando é aplicado a um carro usado proveniente de um outro Estado-Membro, a desvalorização da componente ambiental deste imposto na mesma proporção e nos mesmos termos em que o faz em relação à componente cilindrada do referido imposto se, e na medida em que, o montante do imposto cobrado sobre o referido veículo importado exceder o montante do valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados.”
[…] Colocada assim a questão, está fácil de ver que a resposta dada à questão prejudicial colocada por este Tribunal àquele Tribunal de Justiça da União será sempre de matriz relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado (e contestado na decisão arbitral recorrida) e o valor de imposto implícito em veículos usados nacionais equivalentes – ou, nas palavras do daquele Tribunal, o “valor residual do imposto incorporado no valor dos veículos nacionais similares presentes no mercado nacional de veículos usados”.
Assim sendo, a determinação da conformidade ou não da legislação aqui em causa com os postulados do Direito Europeu passa, nas palavras ainda daquele Tribunal, por “determinar se a aplicação de uma percentagem de redução da componente ambiental do ISV diferente da aplicada à componente cilindrada deste imposto conduz a favorecer a venda dos veículos usados nacionais.”
[…] Como está fácil de ver, esta comparação não foi, em momento algum, equacionada ao longo dos processos arbitrais aqui em confronto – ou, pelo menos, não o foi nos termos expressos em que o Tribunal de Justiça da União o exige – e pressupõe a indagação de nova matéria de facto que não se limite a constatar a diferença de regimes de desvalorização, mas compare os efeitos desses distintos regimes com os preços de mercado dos veículos usados nacionais, de modo a apurar da existência ou não de um tratamento desvantajoso para os veículos automóveis usados importados.
Sucede que uma tal indagação – que carece de ser feita para se concluir acerca da conformidade ou não com o Direito Europeu – é, forçosamente, de natureza factual e encontra-se, por imposição legal, não apenas fora do âmbito do presente recurso uniformizador como, inclusivamente, fora do âmbito das competências deste Supremo Tribunal.
Assim sendo, importa apenas concluir no sentido da anulação da decisão arbitral recorrida».
Com esta fundamentação que vimos de citar, a que também aderiu o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA por Acórdão proferido em 23 de maio último no processo n.º 71/23.1BALSB, concluímos ser de anular a decisão arbitral recorrida, como decidiremos a final.

CONCLUINDO:
A questão de saber se o regime vertido no art. 11.º do Código do ISV, na redacção que lhe foi dada pelo art. 391.º da Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2021, é compatível com as exigências do Direito Europeu é de natureza relativa e não absoluta, dependendo da avaliação que se faça entre o valor de ISV cobrado aos veículos usados importados de outros Estados-Membros e o valor de imposto implícito em veículos usados equivalentes nacionais.
- Decisão -
Em face do exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em declarar cessada a suspensão da instância e, conhecendo do mérito do recurso, conceder-lhe provimento e anular a decisão arbitral recorrida.

Custas pelo recorrido, sem taxa de justiça devida pelo recurso pois não contra-alegou.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 26 de junho de 2024. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.