Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0891/17.6BELRA |
Data do Acordão: | 07/03/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | GUSTAVO LOPES COURINHA |
Descritores: | REVERSÃO FUNDAMENTAÇÃO CONTRADIÇÃO |
Sumário: | Não pode o Tribunal substituir-se ao Órgão de Execução Fiscal e sustentar a decisão de reversão da execução fiscal pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, quando aquele órgão, distintamente, estriba a decisão de reversão na alínea a) daquele dispositivo. |
Nº Convencional: | JSTA000P32470 |
Nº do Documento: | SA2202407030891/17 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo I – RELATÓRIO I.1 - Alegações AA, com os demais sinais nos autos, vem recorrer da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou parcialmente procedente a presente oposição ao processo de execução fiscal nº ...46 instaurado pelo Serviço de Finanças de Santarém para pagamento de coimas, IRS, IVA e IRC relativas aos anos de 2011 e 2016, no valor total de €45.274,02. em que é devedora originária a sociedade “A..., Ldª”. Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 538 a 546 do SITAF: I – Pela 1.ª Instância, foi proferida sentença na qual, de entre o mais, se decidiu o seguinte: “(…) julgo parcialmente procedente a oposição e, em consequência: (…) C. No demais, absolvo a Fazenda Pública do pedido. Fixo o valor da causa em €45.724,02. Custas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, e sem prejuízo da proteção jurídica de que beneficia o Oponente.” II – A decisão recorrida absolveu a Fazenda pública do pedido relativamente às dívidas exequendas provenientes de IRC, IRS e IVA com fundamento na falta de alegação e prova pelo oponente de factos excludentes da sua responsabilidade pelo não pagamento das mesmas depois de dar como provado que a reversão foi decidida: «(…) ao abrigo do estipulado na al. a) do n.º 1 do art. 24.° da LGT, e ainda o art. 2068.° e o n.º 2 do art. 2071, ambos do Código Civil, nos exatos termos do art. 160.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reverto a execução contra AA (NIF...40), o qual passa a responder, pelo valor de € 45.274,02 (Quarenta e cinco mil, duzentos setenta quatro euros e dois cêntimos). (…)”». (sublinhado nosso) III – Dito de outro modo, a fundamentação de facto da decisão recorrida cria a convicção de a oposição será (também) julgada procedente no que respeita às alegadas dívidas provenientes de IRC, IRS e IVA, o que não aconteceu. IV – É, por conseguinte, manifesto que os fundamentos de facto da decisão recorrida – que por si só justificariam a procedência da oposição – estão em oposição com esta – a qual não encontra na factualidade fixada qualquer fundamento. V – A oposição entre os fundamentos e a decisão consubstancia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, causa de nulidade da sentença, vício que afecta a respectiva validade, sendo a decisão ora recorrida nula e inválida, impondo-se a respectiva modificação. VI – Caso assim se não entenda, ter-se-á de concluir que a sentença sub judice na parte recorrida, quer por a factualidade provada impor uma decisão diversa, quer por violar a lei, padece de erro de julgamento de direito, merecendo, em consequência, censura e a respectiva revogação e substituição por decisão conforme com factualidade provada e a lei. VII – Considerando o fundamento da reversão, era à Fazenda Pública/Administração Tributária que, em conformidade com o disposto no art. 74.º n.º 1 da LGT e art. 342.º do Código Civil (CC), incumbia alegar e fazer prova dos factos relativos a culpa do oponente pela insuficiência/inexistência de património para a satisfação daquelas dívidas exequendas, pois que tal culpa, nos termos do disposto no referido art. 24.º, n.º 1, al. a), da LGT – norma em que se fundamentou a decisão de reversão – não se presume. VIII – Contudo, conforme resulta da factualidade fixada, não foi invocado no despacho de reversão nenhum facto de que resulte a culpa do oponente pela insuficiência do património social para a satisfação das dividas exequendas nem feita qualquer prova nesse sentido, pelo que, IX – competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, nomeadamente no que concerne à culpa pela insuficiência do património da sociedade executada para o pagamento das dívidas exequendas, deveria contra si ser valorada a falta de prova sobre a referida culpa. X – Ao decidir à luz de uma norma que não constituiu fundamento do despacho de reversão, o Tribunal a quo, que deveria aferir a legalidade do despacho de reversão e da decisão neste consignada exclusivamente face à fundamentação expendida no mesmo, não podendo considerar outros fundamentos e factos se a Administração Tributária não os invocou em tal despacho, não aplicou correctamente a lei, nomeadamente o disposto nos arts. 24.º, n.º 1, al. a), 74.º, n.º 1, da LGT e 342.º do Código Civil (CC), pelo que a sentença recorrida se encontra ferida de erro, devendo ser, nesta parte, revogada e substituída por outra que determine a anulação do despacho de reversão no que respeita às dívidas provenientes de IRC, IRS e IVA, absolvendo o oponente da respectiva instância executiva. I.2 - Contra-alegações Não foram proferidas contra alegações no âmbito da instância. I.3 - Parecer do Ministério Público 1-Objecto do recurso Vem o presente recurso jurisdicional interposto da douta sentença, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, de 15/6/2022, a qual julgou parcialmente improcedente a oposição deduzida pelo ora recorrente. Não foram apresentadas contra-alegações de recurso. Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pela recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações. 2- Do mérito O recorrente é executado, por reversão, na qualidade de responsável subsidiário, da devedora originária, a sociedade “A..., Ldª”. Naquela qualidade, é-lhe exigido o pagamento de quantias, a título de IVA, IRS e IRC, relativamente ao período compreendido entre os anos de 2011 a 2016, bem como de coimas aplicadas à devedora originária. Na douta sentença recorrida, o pedido referente à matéria de coimas foi julgado procedente, tendo a AT sido absolvida do pedido, no que concerne às quantias exequendas de IVA, IRC e IRS. Como fundamentos do recurso são invocados: a)Nulidade de sentença, por oposição entre os seus fundamentos e a decisão (al. c), do nº 1, do art. 615º, do CPC), b)Erro de julgamento. Apreciemos os invocados fundamentos do recurso. Em sede de recurso, foi suscitada a questão da nulidade da sentença. No despacho que admitiu o recurso, tal nulidade não foi apreciada, tal como determina o disposto no nº 1, do art. 617º, do CPC. As nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito. A oposição dos fundamentos com a decisão constitui causa de nulidade da sentença (art. 125º, do CPPT e al. c), do nº 1, do art. 615º, do CPC). “III - A nulidade do acórdão por oposição dos fundamentos com a decisão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 615º CPC é um vício afecta a estrutura lógica da decisão, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão: - os fundamentos invocados pelo juiz não conduziriam ao resultado expresso na decisão; conduziriam logicamente, isso sim, a resultado oposto. Ou seja: - existe aqui um vício real no raciocínio do julgador, uma real contradição entre os fundamentos e a decisão que se analisa em que a fundamentação aponta num determinado sentido e a decisão segue caminho oposto, ou, pelo menos, direcção diferente. IV - Quer dizer que, só releva, para este efeito, a contradição entre a decisão e os respectivos fundamentos e não eventuais contradições entre fundamentos de uma mesma decisão, por um lado, ou contradição entre decisões, fundamentadas ou não, por outro. E a oposição tipificada no citado normativo se não confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade”, Ac. do STA de 23/3/2022, proc. nº 0620/19. Foi dado como provado que o ora recorrente foi revertido, nos termos do disposto na al. a), do nº 1, do art. 24º, da LGT, ponto 15, da matéria de facto provada. Da fundamentação da douta sentença recorrida consta que “No que às dívidas de IRC, IRS e IVA diz respeito, resulta do probatório que a Administração Tributária fez uso do disposto na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT para fundamentar a reversão das mesmas contra o Oponente”. Refere-se, na mesma fundamentação, que o oponente não logrou ilidir a presunção de culpa a que se refere a al. b), do nº1, do art. 24º, da LGT, motivo pelo qual a oposição foi julgada improcedente nesta parte. O fundamento da decisão radicou no facto de a reversão ter sido efectuada nos termos do disposto na al. b), do nº 1, do art. 24º, da LGT. Por sua vez, a decisão da improcedência da oposição deve-se à não ilisão da presunção de culpa prevista naquele preceito legal. Assim, afigura-se-nos que não existe contradição entre os fundamentos e a decisão. “A nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC consiste na contradição entre os fundamentos exarados pelo juiz na fundamentação da decisão e não entre os factos provados e a decisão”, Ac. do STJ de 18/1/2018, proc. 25106/15.8T8LSB.L1.S1. Nestes termos, não se mostra preenchido o primeiro fundamento do recurso. Quanto ao segundo fundamento do recurso, cabe mencionar o seguinte: “III - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença, já que lhe cabe, na sua função jurisdicional, não apenas interpretar e aplicar a lei, mas também interpretar e apreciar correctamente, sem formalismo exagerados, os factos alegados, sendo livre na sua qualificação jurídica (art. 664.º do CPC)”, Ac. do STA de 7/11/2012, proc. nº 01109/12; no mesmo sentido, Ac. do STA de 24/5/2005, proc. nº 046592. A contradição entre os factos provados e a decisão constitui erro de julgamento. Tendo sido dado como provado que a reversão foi efectuada nos termos do disposto na al. a), do nº 1, do art. 24º, da LGT, a oposição não poderia ter sido julgada improcedente com o fundamento de não ter sido ilidida a presunção de culpa, a que se refere a al. b), do nº 1, do art. 24º, da LGT. Mostra-se preenchido o segundo fundamento do recurso. 3-Conclusão: Nestes termos, emite-se parecer no sentido de dever ser concedido provimento ao recurso interposto.” I.4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO II.1. - De facto A sentença efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos: 1. Em datas concretamente não determinadas, mas a partir do ano de 2007, o SF de Benavente instaurou contra a sociedade A..., Ld.ª os PEF n.º ...23 e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de coimas e outros encargos de processo de contraordenação, de IVA, IRS e IRC, todas referentes ao período compreendido entre os anos de 2011 e 2016, no valor total de €45.274,02 (cf. listagem de fls. 35 e seguintes do SITAF); 2. Em 03.10.2011 o Chefe do SF de Benavente emitiu decisão de fixação de coima no âmbito do processo de contraordenação n.º ...80, pela qual condenou a sociedade A..., Ld.ª, numa coima no valor de €40,56, acrescida de custas no montante de €51,00 (cf. decisão a fls. 417 e seguintes do SITAF); 3. Em 03.10.2011 o Chefe do SF de Benavente dirigiu à sociedade A..., Ld.ª, através de correio registado sob o n.º ...57..., Notificação Artº 79º Nº 2 RGIT pela qual lhe comunicava a decisão referida em 2. (cf. ofício a fls. 417 e seguintes do SITAF); 4. Em 19.10.2011 o ofício referido em 3. foi devolvido ao remetente com as menções Não atendeu e Objeto não reclamado (cf. vinheta aposta a fls. 417 e seguintes do SITAF); 5. Em 09.11.2011 o Chefe do SF de Benavente emitiu decisão de fixação de coima no âmbito do processo de contraordenação n.º ...59, pela qual condenou a sociedade A..., Ld.ª, numa coima no valor de €242,00, acrescida de custas no montante de €51,00 (cf. decisão a fls. 417 e seguintes do SITAF); 6. Em 03.10.2011 o Chefe do SF de Benavente dirigiu à sociedade A..., Ld.ª, através de correio registado sob o n.º ...20..., Notificação Artº 79º Nº 2 RGIT pela qual lhe comunicava a decisão referida em 5. (cf. ofício a fls. 417 e seguintes do SITAF); 7. Em 23.11.2011 o ofício referido em 6. foi devolvido ao remetente com as menções Não atendeu e Objeto não reclamado (cf. vinheta aposta a fls. 417 e seguintes do SITAF); 8. Em 19.03.2012 o Chefe do SF de Benavente emitiu decisão de fixação de coima no âmbito do processo de contraordenação n.º ...59, pela qual condenou a sociedade A..., Ld.ª, numa coima no valor de €40,56, acrescida de custas no montante de €76,50 (cf. decisão a fls. 417 e seguintes do SITAF); 9. Em 19.03.2012 o Chefe do SF de Benavente dirigiu à sociedade A..., Ld.ª, através de correio registado sob o n.º ...79..., Notificação Artº 79º Nº 2 RGIT pela qual lhe comunicava a decisão referida em 8. (cf. ofício a fls. 417 e seguintes do SITAF); 10. Em 29.03.2012 o ofício referido em 9. foi devolvido ao remetente com as menções Não atendeu e Objeto não reclamado (cf. vinheta aposta a fls. 417 e seguintes do SITAF); 11. Em 06.04.2012 o Chefe do SF de Benavente emitiu decisão de fixação de coima no âmbito do processo de contraordenação n.º ...06, pela qual condenou a sociedade A..., Ld.ª, numa coima no valor de €1.927,79, acrescida de custas no montante de €76,50 (cf. decisão a fls. 417 e seguintes do SITAF); 12. Em 06.04.2012 o Chefe do SF de Benavente dirigiu à sociedade A..., Ld.ª, através de correio registado sob o n.º ...92..., Notificação Artº 79º Nº 2 RGIT pela qual lhe comunicava a decisão referida em 11. (cf. ofício a fls. 417 e seguintes do SITAF); 13. Em 20.04.2012 o ofício referido em 12. foi devolvido ao remetente com as menções Não atendeu e Objeto não reclamado (cf. vinheta aposta a fls. 417 e seguintes do SITAF); 14. Em 18.07.2014 o SF de Benavente elaborou informação no âmbito dos PEF n.º ...23 e apensos na qual pode ler-se, com relevo, o seguinte (cf. informação de fls. 25 e seguintes do processo físico): “(…) No seguimento da notificação de audição prévia (reversão) a coberto do ofício nr...97 de 2016.11.29 (notificado em 2016.12.05) AA com NIF...40 veio exercer o direito de audição prévia no procedimento de reversão, cujo devedor originário é A... LDA (NIPC...21), nos termos do n°4 do artigo 23° conjugado com o artigo 60°, ambos da Lei Geral Tributária, alegando o seguinte: 1. A responsabilidade subsidiária por coimas e encargos inerentes aos processos de contraordenação no âmbito do disposto na alínea b) do n°1 do artigo 8º do RGIT não se efetiva, nem se pode efetivar, com a mera invocação desta norma legal; 2. A responsabilidade subsidiária relativa ao pagamento de coimas trata-se de uma responsabilidade configurada como sendo de natureza civil, por essa razão, impende sobre o credor o ónus da prova de culpa do devedor pela falta de pagamento, como é próprio do regime de responsabilidade civil, pelo que competia ao OEF alegar e demonstrar essa culpa. 3. No ponto 8 da petição refere que «nos documentos/elementos notificados ao requerente, não só se encontra demonstrada a culpa deste pela insuficiência patrimonial e pelo, consequente, não pagamento das coimas ora em execução fiscal, como não se encontram alegados quaisquer factos dos quais resulte aquela culpa», pelo que se não existe culpa e que a pretendida reversão no que às coimas e encargos com processos de contraordenação concerne não deve prosseguir. 4. Relativamente às restantes dividas, invoca a inexistência de culpa nos termos e para os eleitos do disposto da alínea b) do n°1 do artigo 24 da LGT, uma vez que no exercício das funções de gerente da devedora originária não praticou, nem omitiu quaisquer atos que tivessem contribuído para o estado de insuficiência económica que levou ao não pagamento das dividas ora exequendas, justificando com a conjuntura global de crise o que levou à diminuição de atividade / volume de trabalho e não recebimento ou atraso no recebimento dos valores referentes a serviços prestados em suma solicita a extinção do procedimento de reversão. 5. Por último para prova do alegado, menciona o nome de duas testemunhas, a saber: - BB, com domicílio fiscal na Rua ..., ..., .... na ... e com o NIF ...48; - CC, com domicílio fiscal na Rua .... na .... Face ao alegado e após audição de uma das testemunhas (BB) em 2017.04.06, informo o seguinte: > Analisados os autos, nomeadamente certidão de matrícula n°...21 da Conservatória Comercial ..., verifica-se que o Sr. AA com o NIF...40, é gerente da sociedade executada desde da sua constituição. > O Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) prevê a responsabilidade subsidiária dos administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas, pelas multas e coimas de que estas sejam devedoras. > Este regime tem sido alvo de alguma controvérsia, quer doutrinal, quer jurisprudencial. Em especial, no que toca à jurisprudência do Tribunal Constitucional, este tem oscilado no seu juízo de (in)constitucionalidade, sendo que, recentemente, o juízo de conformidade com a Constituição da República tem-se imposto. > O Tribunal Constitucional pronunciou-se, diversas vezes, pela inconstitucionalidade da norma em causa, nomeadamente, nos Acórdãos n.º 481/2010, n.º 24/2011 e n.º 26/2011. Aqui, concluiu que a responsabilidade subsidiária, prevista no RGIT, violava os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade. > Apesar de conceder na razoabilidade da imputação da responsabilidade pelas coimas aplicadas a pessoas coletivas, aos seus administradores e gerentes, o Tribunal Constitucional não ignorou, no entanto, a forma como esta imputação é construída, apesar da referência expressa a uma responsabilização civil, implica a responsabilização pelo pagamento do valor da coima com total desconsideração da conduta concreta do administrador ou gerente. Ou seja, é uma responsabilidade objetiva e que não decorre da concreta culpa do administrador ou gerente. > No entender do Tribunal Constitucional, ainda que ambas as responsabilidades (civil e contraordenacional) possam assentar em pressupostos diversos - a responsabilidade contraordenacional na violação de uma regra tributária e a responsabilidade civil no facto de o administrador ou gerente, em incumprimento dos seus deveres funcionais, não ter assegurado o pagamento da coima em que esta foi condenada - não é conforme à Constituição, violando os referidos princípios, uma vez que a disposição legal se limita a imputar a responsabilidade pelo pagamento do valor da coima sem atender às circunstâncias do caso concreto, comprometendo, assim, o princípio da pessoalidade das penas quanto ao seu fundamento, tal princípio estará comprometido quanto ao objeto, uma vez que ao gerente ou ao administrador é, objetivamente, transmitida um pena aplicada a outrem e que teve em consideração as especificidades jurídicas e culposas desta. > Com efeito, na reversão da execução fiscal, a culpa (do administrador ou gerente) é desconsiderada na determinação da sua responsabilidade, uma vez que os fatores atinentes à pessoa do responsável subsidiário na concretização da sua responsabilidade são completamente ignorados, sendo-lhe imputado o montante, apenas, da valoração contraordenacional da conduta do devedor originário. > A reversão não gradua as circunstâncias que dizem, pessoalmente, respeito ao responsável subsidiário, tal como a concreta culpa, a gravidade e a sua situação económica. Implica, ainda, a desconsideração do facto de a moldura sancionatória aplicada ser diferentemente fixada em função do tipo de agente, consoante este seja pessoa coletiva ou pessoa singular. > Apesar de ter sido assim fundamentado e decidido anteriormente, a jurisprudência posterior do Tribunal Constitucional veio contrariar aquela tendência, acabando por impor a solução de que o regime da reversão regulado no RGIT, não é desconforme à Constituição. O Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 437/2011, de 3 de outubro de 2011, no culminar de uma linha de outros acórdãos anteriores, nomeadamente os Acórdãos n.º 129/2009, n.º 150/2009, n.º 234/2009, influenciou em definitivo as decisões futuras, expressas nos Acórdãos n.º 561/2011 e n.º 249/2012. Nestes casos, o Tribuna! Constitucional afirmou que o que o RGIT «prevê é uma forma de responsabilidade civil subsidiária dos administradores e gerentes, que resulta do facto culposo que lhes seja imputável de terem gerado uma situação de insuficiência patrimonial da empresa causadora do não pagamento de multa ou da coima que era devida, ou de não terem procedido a esse pagamento quando a sociedade ou pessoa coletiva foi notificada para esse efeito ainda durante o período de exercício do seu cargo.» > Impõe-se, assim, um dever indemnizatório que deriva do facto antijurídico e culposo que é praticado pelo administrador ou gerente e que constitui causa adequada do dano que resulta, para a Administração Fiscal, da não obtenção da receita em que se traduzia o pagamento da multa ou coima que eram devidas. > A simples circunstância de o montante indemnizatório corresponder ao valor da multa ou coima não paga apenas significa que é essa, de acordo com a opinião do Tribuna! Constitucional, de acordo com os critérios da responsabilidade civil, a expressão pecuniária do dano que ao lesante cabe reparar e que é necessariamente coincidente com a receita que deixa de ter dado entrada nos cofres da Fazenda Nacional; o que de nenhum modo permite concluir que tenha havido a própria transmissão para o administrador ou gerente da responsabilidade contraordenacional. O Tribunal entendeu, então, que a responsabilidade dos gerentes ou administradores consagrada no RGIT é titulada pelo instituto da responsabilidade civil (delitual ou aquiliana). Assim, os sujeitos são chamados, a título subsidiário, na exata medida do dano que produziram à Administração Fiscal ao terem, com a sua conduta impossibilitado, a realização do pagamento das coimas devidas. A imputação não prescinde, como realçou o Tribunal, da verificação dos pressupostos gerais, atinentes ao cometimento de um facto ilícito e culposo, bem como ao nexo de causalidade adequada entre a ação e o dano produzido - prova esta que tem de ser feita pela Administração Fiscal. Esta configuração da responsabilidade prevista no RGIT - que aliás não sofre mutação nos diversos acórdãos - torna desnecessária a apreciação dos limites das penas e garantias do processo criminal previstos na Constituição. Com efeito, o Tribunal Constitucional considera, de forma estável ao longo do tempo, que a responsabilidade imputada aos Administradores e gerentes é uma responsabilidade pessoal e própria, de natureza civil, que não se confunde com a responsabilidade da pessoa coletiva. A principal alteração jurisprudencial reside no facto de o Tribunal Constitucional considerar agora que a imputação da responsabilidade pelo pagamento de quantia igual ao valor da coima ou multa aplicada é a expressão dos critérios da responsabilidade civil peio que inexiste valoração dos princípios da proporcionalidade, culpa e igualdade. Fechada a questão da (in)constitucionalidade do regime da reversão, seguiu-se uma discussão em torno da concretização do regime, nomeadamente, na questão do ónus da prova quanto à culpa dos administradores ou gerentes e na questão do meio processual adequado discutir a legalidade da decisão sancionatória. Já quanto à segunda questão, o ponto fulcral prende-se em assegurar a defesa do administrador ou gerente em condições idênticas às que são proporcionadas à pessoa coletiva no processo de contraordenação. O meio processual adequado para reagir contra a decisão de aplicação da coima é o recurso dessa decisão, só que, no caso da reversão, não foi o administrador ou gerente o condenado no pagamento das coimas e, como tal, não poderia este, legitimamente, lançar mão deste meio processual. A lei nega desta forma ao administrador ou gerente, legitimidade para recorrer da decisão de aplicação da coima aplicada à sociedade originariamente devedora. > Relativamente às restantes dívidas em questão as razões invocadas na petição não poderão ser aceites como motivo de extinção do procedimento de reversão em curso. Face ao exposto, caso V. Ex.ª assim o entenda parece-nos reunidos os pressupostos para avançar com a reversão contra o gerente AA, pelo que deverá ser indeferido o presente pedido. (…)” 15. Em 18.04.2017 o Chefe do SF de Benavente apôs na informação referida em 14. o seguinte despacho (cf. despacho de fls. 27 e 28 do processo físico): “(…) Em face da informação supra, a qual fica a fazer parte integrante do presente despacho, demonstrada a gerência de direito, é de presumir a gerência de facto, dada que a ausência desta apenas poderá advir, por um lado, da inércia ou falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres para com a sociedade. E, exteriorizando o gerente, diretor ou administrador, a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados (cfr. artigos 248.°, 249.° e 250.° do Código Comercial e Artigos 191.°, 192.°, 193.°, 252.°, 259.°, 260.°, 261°, 390°, 405°, 408°, 470°, 474°, e 478°, todos do Código das Sociedades Comerciais), é licito que seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele. Nestes moldes, ao abrigo do estipulado na al. a) do n.º 1 do art. 24.° da LGT, e ainda o art. 2068.° e o n.º 2 do art. 2071, ambos do Código Civil, nos exatos termos do art. 160.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), reverto a execução contra AA (NIF...40), o qual passa a responder, pelo valor de € 45.274,02 (Quarenta e cinco mil, duzentos setenta quatro euros e dois cêntimos). (…)” II.2 – De Direito I. Vem o presente recurso interposto pelo Oponente, ora Recorrente, AA da douta sentença proferida pelo TAF de Leiria que julgou parcialmente procedente a presente oposição por ele deduzida contra o pagamento de quantias, a título de IVA, IRS e IRC, relativamente ao período compreendido entre os anos de 2011 a 2016, bem como de coimas aplicadas à devedora originária, a sociedade “A..., Lda”, no valor total de €45.274,02. Para assim decidir, considerou o tribunal a quo, em síntese, que “…a reversão da execução fiscal aqui em causa foi efetivada com base na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, que responsabiliza os gerentes de uma sociedade comercial pelas dívidas cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período de exercício do seu cargo, nos casos em que não comprovem que não lhes foi imputável a falta de pagamento – e é esta a fundamentação que consta do despacho de reversão, motivo pelo qual não se compreendem as referências feitas pelo Oponente à alínea a) deste normativo.” Mais considerou que “…a reversão que é fundada na al. b) do n.º 1 do artigo 24.º não carece de prova de culpa por parte da Administração, uma vez que é a própria norma a estabelecer uma presunção de culpa na insuficiência do património da pessoa coletiva para a satisfação das dívidas, ao afirmar que a responsabilidade subsidiária apenas inexiste quando o gerente prove que tal insuficiência não lhe é imputável.” Deste modo, concluiu a decisão recorrida que “… não se afigura que o Oponente tenha comprovado, ou sequer alegado, que diligências foram por si levadas a cabo para tentar melhor a situação económica da executada originária, não sendo possível considerar que ilidiu a presunção de culpa que sobre si recai nos termos da al. b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT.” II. Inconformado com o assim decidido, recorre para esta Instância Superior o ora Recorrente AA executado por reversão, na qualidade de responsável subsidiário da devedora originária a sociedade “A..., Ldª” no sentido que a douta decisão sob recurso é nula “…uma vez que esta se encontra em manifesta oposição com os respectivos fundamentos, vício que, nos termos do disposto na al. c) do art. 615.º do Código de Processo Civil (CPC), gera a sua nulidade. Caso tal nulidade não seja suprida pelo Tribunal a quo, nos termos e ao abrigo do disposto no art. 617.º do CPC, deverá o Tribunal ad quem determinar a modificação da sentença recorrida, em qualquer dos casos conforme infra propugnado.” Mais alega o ora recorrente que competia à Fazenda Publica “…em conformidade com o disposto no art. 74.º n.º 1 da LGT e art. 342.º do Código Civil (CC), incumbia alegar e fazer prova dos factos relativos a culpa do oponente pela insuficiência/inexistência de património para a satisfação daquelas dívidas exequendas, pois que tal culpa, nos termos do disposto no referido art. 24.º, n.º 1, al. a), da LGT – norma em que se fundamentou a decisão de reversão ….” III. Aqui chegados, a questão objecto do recurso prende-se, portanto, em saber se a sentença padece de erro de julgamento quanto ao conhecimento: - se existe contradição entre os fundamentos e a decisão sob recurso, viciadora desta última, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Civil (doravante, CPC); - se ocorre erro de julgamento, por a oposição não ter sido julgada procedente, devido a uma suposta aplicação do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) da Lei Geral Tributária (doravante, LGT), a qual prevê uma presunção legal de culpa. Vejamos, então. IV. E começando pela primeira questão, somos logo forçados a concluir que não existe o alegado vício de contradição entre os fundamentos da decisão recorrida e o sentido da mesma. Aquilo que existe é uma diferente sustentação fáctico-legal entre o despacho de reversão em que se baseia o órgão de execução fiscal e a fundamentação fáctico-legal da decisão. Ao passo que, naquele, o revertido é chamado à execução pelo facto de o órgão executivo ter por assente o (pretenso) preenchimento da hipótese legal da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, já na sentença recorrida o Tribunal a quo entendeu indeferir a oposição à execução pelo facto de o ora Recorrente não ter logrado inverter a presunção de culpa que sobre ele incide, nos termos da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo, tendo fundamentado a sua decisão em conformidade. V. Quer dizer, estão em causa duas distintas alíneas do artigo 24.º, n.º 1 da LGT. Mas isto não pressupõe vício da sentença recorrida por contradição entre os fundamentos e o segmento decisório da mesma; pressupõe, isso sim, um erro de julgamento. VI. E tal conclusão antecipa já, em si, a resposta à segunda questão. Houve, com efeito e como bem sinaliza o Ministério Público no seu Parecer junto aos autos, uma evidente falha no escrutínio da decisão legal de reversão da execução contra o Oponente, ora Recorrente. Como não pode o Tribunal substituir-se à AT na fundamentação dos atos tributários, cabia-lhe apenas e tão-somente escrutinar se o fundamento legal em que se estribou aquela decisão – a alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT – se encontrava ou não devidamente preenchido pela prova produzida naquela instância. Não podia o Tribunal substituir-se ao Serviço de Finanças onde correu o processo de execução e sustentar a decisão de reversão pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, quando o Chefe daquele Serviço, distintamente, suportara a decisão de reversão pela alínea a) daquele dispositivo. VII. Trata-se, como está fácil de ver, de um notório erro na identificação da norma sustentadora da decisão de reversão ou, até talvez e no limite, de um lapso – atento o facto de, por via de regra, a AT se valer da alínea b) daquele normativo para suportar as reversões executivas (até porque, via da regra, os mesmos gerentes tendem a subsumir-se simultaneamente nas hipóteses legais daquelas duas alíneas), o que pode ter induzido à apontada falha. VIII. Porém, e no que para o presente recurso releva, é inevitável concluir que ocorreu um indiscutível erro de julgamento, que compromete a decisão recorrida e que, por isso, importa a revogação da mesma. É que, como o Parecer do Ministério Público recorda: “Tendo sido dado como provado que a reversão foi efectuada nos termos do disposto na al. a), do nº 1, do art. 24º, da LGT, a oposição não poderia ter sido julgada improcedente com o fundamento de não ter sido ilidida a presunção de culpa, a que se refere a al. b), do nº 1, do art. 24º, da LGT.” E tal erro mereceu, da parte da representação da Fazenda, a avisada não apresentação de Contra-Alegações na presente instância. III. CONCLUSÕES Não pode o Tribunal substituir-se ao Órgão de Execução Fiscal e sustentar a decisão de reversão da execução fiscal pela alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT, quando aquele órgão, distintamente, estriba a decisão de reversão na alínea a) daquele dispositivo. IV. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, revogar a decisão recorrida e julgar procedente a oposição. Custas pela Recorrida, com dispensa da Taxa de Justiça por não ter apresentado contra-alegações na presente instância. Lisboa, 3 de Julho de 2024. – Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Isabel Cristina Mota Marques da Silva. |