Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01772/16.6BELRS
Data do Acordão:04/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25773
Nº do Documento:SA
Data de Entrada:05/14/2019
Recorrente:A........................ LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, Ldª, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa (TTL) datada de 20 de Dezembro de 2017, que julgou improcedente o recurso interposto da decisão do Chefe do Serviço de Finanças do Funchal – 2, que lhe aplicou coima, acrescida de custas do processo, relativa a pedido de reembolso indevido de IVA.
Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
A) A douta sentença recorrida não fez um correcto enquadramento jurídico dos factos provados, omitindo o dever de observância de determinadas formalidades legais impostas na tramitação referente a pedidos de reembolsos de IVA que, no entendimento da aqui Recorrente deveriam ter sido relevadas, tendo, na realidade, feito, uma mera exposição, algo simplista, de mera adesão à posição assumida pela aqui Recorrida das questões colocadas nos autos o que, salvo o devido respeito, terá levado a um menor acerto da decisão.
B) A decisão final da douta sentença proferida, carece de qualquer fundamentação, dado que, se por um lado a mesma se limita a aderir na integra à posição assumida pela aqui Recorrida, sem se dignar fundamentar/justificar o raciocino que a levou a tal decisão, por outro lado, quanto à questão que lhe foi submetida para apreciação pelo aqui Recorrente - a nulidade da aplicação da coima por violação de formalidade legal imposta ao abrigo do art.º 3 e 5º do Despacho normativo de 17/2014 de 26 de Dezembro – o Tribunal “a quo” se pronuncia, vagamente, da seguinte forma: “Não ocorre a ilegalidade que é apontada à decisão recorrida”,
C) A tramitação referente a pedidos de reembolso de IVA encontra-se regulada no Despacho Normativo n.º 17/2014 de 26 de Dezembro, o qual alterou o Despacho Normativo n.º 18-A de 1 de Julho, emanado do Ministério das Finanças-Gabinete do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
D) O n.º 3 do aludido Despacho consagra todos os requisitos exigíveis para a concretização do reembolso em causa, sendo que no caso sub judice, todos os requisitos consagrados nessa disposição vieram a ser cumpridos.
E) Assim temos e colocada a questão como mera hipótese académica, caso algum ou alguns dos anteriores preceitos, não viesse a ser cumprido, a consequência seria a suspensão do prazo de reembolso, conforme dispõe a art.º 5 do mesmo normativo legal.
F) Contudo a situação, que temos, e apresentada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, veio a ser outra.
G) Na verdade, não existindo razões para o indeferimento do pedido, a referida Autoridade, caso não se encontrasse preenchido os requisitos para a concessão, deveria suspender o prazo de reembolso, e não o fez.
H) Suspenso o prazo, deveria em obediência ao referido normativo legal, o sujeito passivo ser notificado, para regularizar no prazo fixado.
I) E caso o não fizesse, aqui sim deveria ver indeferido o reembolso pedido.
J) Ora a tramitação imprimida na presente situação, não veio a ser a que se encontra legalmente assumida.
K) Na verdade, a Recorrida veio a ignorar por completo a aplicação da tramitação que supra se descreve (art.º 5 n.º 1 do aludido Despacho Normativo), ao não suspender o processo de pedido de reembolso referente à declaração da aqui Recorrente de 2014/09T, e por via desta suspensão notificar a Recorrente para regularizar a falta ocorrida – mediante a junção dos documentos comprovativos e em falta ao abrigo do art.º 78 n.º 7 do CIVA.
L) Em flagrante violação do aludido Despacho.
M) Como é de lei, e como certamente foi, a intenção do legislador ao prevenir e salvaguardar determinadas situações, facilmente sanáveis, mediante a previsão do regime da suspensão do prazo de concessão de reembolso e subsequente notificação ao contribuinte para vir sanar a irregularidade em causa, dentro do prazo a que se faz alusão no art.º 23 do CPPT.
N) Com grande desilusão se deparou a aqui Recorrente ao confrontar-se com o teor da sentença proferida, tendo-se apercebido apenas que, no geral, o Tribunal a quo subscreve a posição assumida pela AT, contrariamente ao dever de fundamentar a sua decisão nos termos do n.º 1 e n.º 2 do art.º 154 do CPC - fazendo a mesma tábua rasa de tudo o que foi arguido pela aqui Recorrente.
O) Na verdade o Tribunal “a quo”, chega a fazer alusão ao n.º 1 do art.º 5.º do Despacho Normativo n.º 17/2004, porém nada mais é dito quanto ao mesmo, passando de imediato a afirmar” tendo a AT chegado à conclusão que a recorrente não tinha em seu poder a documentação comprovativa dos factos exigida (art.º 3 do Despacho Normativo) exigida pelos n.º 7 do art.º 78.º do CIVA”, o que de facto e salvo o devido respeito, a aqui Recorrente não compreende uma vez a mesma nunca foi notificada nos termos e para os efeitos deste art.º.
P) Para além da afirmação constante no final da fundamentação de direito, de que “Não ocorre a ilegalidade que é apontada à decisão recorrida”, que salvo melhor opinião, não é precedida e não menos antecedida de qualquer fundamentação, ficando a aqui Recorrente impedida de compreender os motivos pelos quais é negada a pretensão deduzida no Recurso apresentado ao Tribunal “a quo” e como tal, sem se poder conformar com a douta decisão.
Q) Nos termos dos art.ºs 125º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e na alínea b) do n.º1 do artigo 615º do Código de Processo Civil (CPC) constitui causa da nulidade da sentença a falta de fundamentação/ não especificação de facto e de direito da decisão /que fundamentam a decisão.
R) Nos termos no art.º 154 do CPC “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido (…) são sempre fundamentadas” – n.º 1 - “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição (…)” – no seu n.º 2.
S) E ainda, com consagração constitucional nos termos do n.º 1 do art.º º 205 da Constituição da República Portuguesa, nos termos da qual – “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
T) Cfr. retirado de um excerto do Acórdão do STA de 06/05/2015, no âmbito do Processo 01340/14 e que tão bem assenta nos presentes autos e no que neles está em causa:
“Esta exigência de fundamentação das decisões judiciais decorre, desde logo, do nº 1 do art.º. 205º da CRP, nos termos do qual «As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», sendo que, de acordo com o disposto no art.º 125º do CPPT e na al. b) do nº 1 do art.º 668° do CPC (a que, actualmente, corresponde o art.º. 615º do Novo CPC) a sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
(…), como salienta Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. II, 6.ª edição, Áreas Editora, 2011, anotações 7 e 8 ao art. 125.º, pp. 357 a 361.) devam «considerar-se como falta absoluta de fundamentação os casos em que ela não tenha relação perceptível com o julgado ou seja ininteligível, situações em que se está perante uma mera aparência de fundamentação», já que esta se destina «a esclarecer as partes, primacialmente a que tiver ficado vencida, sobre os motivos da decisão, não só para ficar convencida de que não tem razão, mas também porque o conhecimento daqueles é necessário ou, pelo menos, conveniente, para poder impugnar eficazmente a decisão em recurso ou arguir nulidades (…)e, por isso, «quando a fundamentação não for minimamente elucidativa das razões que levaram a decidir como se decidiu deverá entender-se que se está perante uma nulidade por falta de fundamentação».”, cfr. acórdão datado de 04/03/2015, recurso n.º 01939/13. (o sublinhado é nosso)
U) Por todos os motivos que no presente recurso ficaram expostos, e da análise da fundamentação de direito presente na douta sentença, de cuja decisão ora se recorre, não se poderá extrair, qualquer justificação para a decisão proferida, verificando-se apenas o mero acolhimento da posição que foi adoptada pela aqui Recorrida.
V) Na verdade, a aqui Recorrente admite, que por mero acaso, poderá eventualmente, no caso sub judice, e por motivos que por ora desconhece, ser justa a decisão final, por inexistir erro de julgamento.
W) Porém, houve certamente erro de actividade (erro de construção ou de formação da sentença), por omissão dos fundamentos.
X) Omissão de fundamentos esses que determina a nulidade da sentença proferida, que pela presente via e por todos os motivos que ficaram elencados supra se argui.
Termos em que, nos melhores de direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele declarada NULA a douta decisão recorrida e substituída por outra que, por um lado faça uma correcta interpretação do direito à luz das disposições legais existentes, aplicáveis ao caso concreto e que, por outro lado, fundamente quais as razões de facto e de direito que conduziram à decisão final.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A recorrente é um sujeito passivo de IVA nos termos do artº 2º do CIVA, enquadrada em sede de IVA, no regime normal trimestral desde 2003-01-21;
B) Na declaração periódica referente ao período de 2013/12T a recorrente procedeu à regularização do IVA a seu favor, apurando um excesso a reportar no montante de €30.431,29;
C) Na declaração periódica de IVA, referente ao período de 2014/03T a recorrente solicitou reembolso de IVA, no montante de €31.000,00, relativo a dedução de IVA por créditos incobráveis em processo de insolvência dos clientes B………….Lda, NIF ………. e C………., Lda, NIF………….;
D) Da análise do pedido de reembolso de IVA foi detectado que a recorrente procedeu à regularização do IVA a seu favor no montante de €24.630,35 referente a créditos incobráveis de insolvências dos clientes B……, Lda, NIF …….. e C………., Lda, NIF………..;
E) A recorrente não tinha na sua posse a documentação comprovativa dos factos, exigida pelo nº 7 do artº 78º do CIVA e a AT entendeu haver dedução indevida do imposto de créditos incobráveis referentes aos períodos de 2014/03T;
F) Foi encerrado o processo de análise do reembolso referente ao período de 2014/03T, tendo sido efectuada nova liquidação de IVA, tendo sido apurado um reembolso no montante de €6.369,65;
G) Foi levantado o Auto de Notícia em cumprimento da Ordem de Serviço nº OI20140247711, cujo teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
H) A recorrente foi notificada para efeitos do disposto no artº 70º do RGIT;
I) A recorrente exerceu direito para que fora notificado invocando ter fornecido a documentação solicitada pela AT estando a aguardar o reembolso do IVA no valor de €24.630,35, pedido na declaração de 2014/09T;
J) Foi efectuada a liquidação do IVA do período 2014/03T, da qual não foi apresentada reclamação graciosa ou impugnação judicial;
K) Em 16-03-2016 foi proferida a decisão de aplicação da coima, de fls 142 e 143, que se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente:
Descrição Sumária dos Factos
Ao(À) arguido(a) foi levantado Auto de Noticia pelos seguintes factos: Aos vinte e quatro dias do mês de julho de dois mil e catorze, pelas treze horas, eu, ………, com o n.° profissional ………, Inspectora Tributária em serviço na Direcção de Finanças de Lisboa, nos Serviços de Inspeção Tributária - Divisão V - sito na Alameda dos Oceanos, lote 1.06.2.1, Edifício Sul, Piso 1, em Lisboa, encontrando-me no exercício das minhas funções, em análise interna resultante do pedido de reembolso de IVA relativo ao período 2014/03T, do sujeito passivo A………., NIF…….., com sede na Rua……., Lote….., Vivenda………, ………, 1685-... ........, ….., registado para efeitos fiscais no Serviço de Finanças de Odivelas, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI201402477 de 2014/05/19, relativa ao período de IVA de 2014/03T, verifiquei pessoalmente: Que o sujeito passivo procedeu à regularização de IVA a favor da empresa, no período 2013/12T, com a inscrição no Campo 40 do valor de 24.630,35, referente a créditos incobráveis em Processos de Insolvência dos clientes B…….., Lda, NIF……., e C…….., Lda, NIF………, sem ter na sua posse a documentação comprovativa dos factos e exigida de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 78.° do CIVA. , os quais se dão como provados.

(…)
DESPACHO
Assim, tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Art° 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 7.389,10 cominada no(s) Art(s)° Art° 114 n°1 e 26 n°4 , do RGIT, com respeito pelos limites do Art° 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50) nos termos do N° 2 do Dec-Lei N° 29/98 de 11 de Fevereiro.
Notifique-se o arguido dos termos da presente decisão, juntando-se-lhe cópia, para, efectuar o pagamento da coima com benefício de redução no prazo de 15 dias (78°/2 RGIT) ou sem benefício de redução no prazo de 20 dias, podendo neste último prazo recorrer judicialmente (79º/2 RGIT), sob pena de cobrança coerciva, advertindo-o de que vigora o Princípio de Proibição de “Reformatio in Pejus” (em caso de recurso não é susceptível de agravamento, excepto se a situação económica e financeira do infractor tiver melhorado de forma sensível).
L) A recorrente foi notificada da decisão de aplicação da coima em 23-03-2016.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
Alega a recorrente, no essencial, que a sentença carece de fundamentação, e consequente nulidade, uma vez que da mesma resulta tão somente uma adesão à posição da entidade recorrida sem que seja minimamente fundamentada a decisão de improcedência das questões suscitadas em sede de recurso contra-ordenacional.
E tem razão a recorrente.
Apesar de na sentença recorrida se fazer referência às normas constantes dos artigos 3º e 5º do referido Despacho Normativo n.º 17/2014, o certo é que nada mais se diz ou explica sobre se deveria ter ou não sido efectuada qualquer suspensão do procedimento nos termos do disposto no referido artigo 5º.
E não basta a argumentação expendida a seguir à enunciação das ditas normas uma vez que daí, claramente, não se afirma ou infirma o cumprimento ou incumprimento do dever ou faculdade de dar lugar a tal suspensão.
Incorre, assim, a sentença em omissão de fundamentação no que tange a tal questão, não bastando a adesão à argumentação expendida pela contraparte, se a mesma também é insuficiente para se apurar da legalidade ou ilegalidade da actuação da administração fiscal.
Assim, incorre a decisão recorrida na nulidade que lhe vinha assacada. O que determina que se julgue nula a sentença recorrida, tal como vem requerido, nos termos do disposto no artigo 379º, n.º 1 do CPP.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em:
-julgar nula a sentença recorrida;
-ordenar a baixa dos autos ao tribunal a quo para que sejam conhecidas fundamentadamente as questões suscitadas pela recorrente.
Sem custas.
D.n.

Lisboa, 20 de Abril de 2020. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.